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FERNANDO CHUECA GOITIA tDre\/e historia do urbanismo EDITORIAL PRESENÇA PORTUGAL LIVRARIA MARTINS FONTFS BRA$II. LrçÃo 1- Introiluçã,o, Tipos fundamentais ile ciilado O estudo da cidade é um tema tão sugestÍvo como ampio e difuso; a sua abordagem por um só homem é impossível se tivermos em conta a massa de conhecimentos que ele teria de acumular. Pode-se estudar uma cidade sob um nú- mero de ângulos Ínfinito. O da história: <ra história universal é história de cidadesr, disse Spengler; o da geografia: ça na- tureza prepara o local e o homem organiza-o de maneira a satisfazer as suas necessidades e desejosn, afirma Vidal de la Blache; o da economia: aem nenhuma civilização a vida das cÍdades se desenvolveu independentemente do comércio e dã indústrÍarr (Pirenne); o da política: a cidade, segundo Aristóte1es, é um certo número de cidadãos; o da socioiogia: rra cidade é a forma e o símbolo de uma relação social inte- gradan (Mumford); o da arte e arquitecturâ,: (a grairdeza da arquitectura está ligada à da cidade, e a solidez das ins- tituições costuma avaliar-se pela dos muros que as prote- gemr (Alberti). E não são estas as únicas perspectivas pos- sÍveis, porque a cidade, a maÍs compreensÍvel das obras do homem, como disse'Walt 'Whitman, engioba tudo, e nada do que se refere ao homem the é estranho. Não devemos es- quecer que a própria vida se alberga no seu seio, até ao ponto de nos confundir e nos fazer crer que sáo as cidades que vivem e respiram. Tudo o que afecta o homern afecta a cidade, e é por isso que, muitas vezes, o que há de maiS recôndito e significativo numa cidade, ser-nos-á dito pelos poetas e novelistas. A grande novelística do século passado teve quase sempre uma cÍdade como pano de fund*, e da t .Ê l1 t,t ì mesma mâneira que as melhores descrições do corpo e da alma de Faris são devidas a, F.alzac, as de Madrid são obra de Galdós. Ao estudar as cidades, poïtanto, não devem per- der-se de visia as valiosas fontes que a literatura nos oferece. Ássim, não é possível obter colheita tão copiosa como a que o estudo das cidades oferece ao homem de cultura diligente. Poderemos, quando muito, apontar ideias, desbra- var caminhos, colocar questões, obter dados, etc., que tudo terá, fatalmente, muito de fragmentário, e por vezes de des- conexo.  primeira dificuldade que encontramos consiste em definir o que é uma cidade. Ao querermos, à maneira clás- sica, começar por explicar qual é o projecto do nosso estudo, a dúvida espreita-nos por trás da primeira porta. Já foi dado um grande número de definições, algumas das quais, mesmo que não sejam contraditórias, pelo menos não têm nada que ver com outras igualmente respeitáveis. Não se trata de erro, mas sim do facto de estas definições se referirem a conceitos de cidade inteiramente opostos ou a cidades que são cons- titutivamente diferentes. A potis grega não tem nada que ver com a cidade medieval; uma vila cristá e uma medina muçulmana são distintas uma da outrâ, da mesma maneira que uma cidade-templo como Pequim e uma metrópole co- mercial como Nova Iorque. i Aristóteles disse que (uma cidade é um certo número i de cidadãos, pelo que ãevemos consideràr a" quem há que ' chamar cidadãos e quem é o cidadão...1 <<Chamamos pois , cidadão de uma cidade àquele que possui a faculdade de I intervir nas funções deliberativa e judicial da mesma, e ci,j dade em geral ao número total destes cicladãos, bastante'I para as necessidades da vidall. Esta é uma definição que corresponde a um conceito político da cidade, e que se adapta ao tipo de cidade-estado da Grécia. O Estado é a cidade, e a cidade é o Estado. O problema da cidade como tal trans- lada-se para o problema da situaçáo ou estado político dos seus habitantes, os cidadáos. Afonso o Sábio, define a cidade como todo o lugar en- cerrado por muralhas, com os arrabaldes e edifícios que aquelas defendem. Trata-se da cidade medieval, que não se concebe sem muros que a defendam da ameaça exterior. 1 2 Cantiilon, no século XVIII, imagina a origem de ui:rra' cidade da seguinte ãàneira: rtSe um príncipe ou um, senh{rr ii""; súa rõsiooncia num lugar agradável' e se outÏ'ls se- nSores aí acorrem para se veróm e conviverem em agr:adávei ,ïãiããuãã, este lugar converter-se-a numa cidadesr>. Temos ;úï; ;ónàeito dã cidade barïoca, de .c-arácter ..senhorial 7iliia ui" iìod.t, ) e- emrnentemente consumidora, onde lei na oÌuxo que, ,ug,rrroo'WerneÏ Sombart, esteve rra origem c{as ãïã"0Ët ciclaães do ocidente, antes do começo cla ei';-t rrr. dustrial. Para Ortega y Gasset4, <a cidade é uma tentatirra c'lt-' seòesião feita pelo- homem para viver fora e frente âo ccs- ;ó;;-dó quat ^aproveita poiçÕes -escoihidas e delimitarlasrr" ortega y Gasser náróià a su,ã'dêfiniçáo numa diferenciaçáo raaiõaf êntre cidade e natureza, considerando aquela con'Io ir*" "tiáçào abstracta e artificial do homem' Esta é apenas umá parti, da verdáde, ou pelo menos uma verdade aplicável a- ã,eterminado tipo de ciãades. Para Ortega, a cidade pol' ã*ã*renõiu é a ciãade clássica e mediteffânica, onde o eÌe- mento fundamenial é a praça' aA urbe * dtz ele - é' anLes Oe mais, o seguinte: pta"ãtu, ágora, local para convetsâ' clis- ã""ïào, 'eioq,icnciá, política.'E-m rigor,.a urbe clássica não deviatercasas,masapenasasfachadasnecessár laspíìrã, delimitar tmu piáçu, cãna artificial que o animal políbiccr i ret i raaoespaçoagrícoial . . t tÂcidadeclássicanascedeun, l / iÀ"li"tõìpo'Àt.i ao ãoméstico. Edifica-se a casa para se estai' "ãá; iú"ã" se a cidade parâ se sair de casa e reunir'se com i outr'os que também saíram de suas casasrro' ortuga, poriãttto, move-se dentro da órbita da aidzltie clássica, tító e, da cidade política. A cidade onde se conversa e onde os contactos primários predomÍnam sobre os seclill- dários. A ágora é a giande sala ãe reunião e sede da tertrilía dá cidade !ue, em "sentido lato, é a tertú1ia poiítica. Náo póa"* restár dúvidas sobre o facto de este tipo de cidade Ioquaz, conversadora, ter tido muito â veÏ com o desen-lol- virirenfo da vida citadina, e com o facto de, na medida ern ;ifi r lli 1i$!ffiisí lÌÁ tË Ì !É ' ia ^*t i l iq t l rìt lrï it iil r l i ïl l ir ii ii !l .1ì 3 cantillon, Essai sur Ia nature du eommerce, Apu!, werrieu' Sombart, izio i'capitattszno, Rev. de Ocidente, Madrid, 1928' p' 65' t Obras comPletas, II, P' 408' 5 O. C., ïI, p. 537. I O. C., II, p. 323. i l t Aristóteles, Política, Livro III, Cap. f. Lei 6.', TÍtulo XXXIII, Partida ?.;. 1lr1í ì ,J i rn inuiestaloquacidade,decl inaroexercíc iodacida- ojla*ia. U por isso que'as cidades da cÍvilização anglo'saxónica, oi,iclad.es ialadas oú reservadas, têm em vida doméstica o que r.irç:s faita ern vida civil. Esta distinção entre cidades domés- ,-,ixio e cictades públicas é mais profunda do que parece-e náo i.i; u,ìfi"i"trtemãnte desenvolvida pelos que se têm dedicacio ,,,:r qrstudo da cidade. Uma é cidàde de dentro de portas e o'ütiã é ciclade de fora de portas. Ainda que pareça paradoxal ,;ç priineira vista, a cidade exteriorizada está muito mais em rióiiçaó qïe a cidad'e interiorizada' A ques!ão é- óbvia: para .ìã-;i;i"h,il"dá primeira, o verdadeiro habitat é o exterior' 'à, r'Lïa e a pÍaça, q-ue, embora não tenha tecto, tem paredes(fachadas)-quó a Ë"giugutn do camp-o circundante' Não obs' ;;iil; óiO"A" íntirãa íem o seu hábitat na casa, defendida por [ectos e paredes. Não tem necessidade de segregar-se otr* "u*p", iá bue este, no fundo, é isolador e contribui po- cterosamenre para à ii.timiOade. Por conseguinte, a cid4de çuli iacrraaas -é muito mais urbana, se entendermos assim tr"""""tiããã Opoitu ao campo, do que a cidade de interiores' Compreende-se perfeitamente, portanto, que, para o homem fatinïraAo e mediterrânico, o eisencial e definitivo da cidade seja a praça e o que esta signifíca, a talponto que, quando esïa tatta, ãao entônoe que se possa chamar cidade a uma ta1 aglomeraçáo urbana. - I.oi ó que a mim próprio sucedeu quando me encontrei com a civiliãação e a vída americanas' Tomado por um certo uspà"to, escreïi o seguinte: aEntão, num esforço para ües' ptã".f"t-*e de tudo õ que eonhecia, e já sem. vacilar ao en- Í_rentar os factos "ã io,ío o seu radicali'smo, atrevi-me -a Flo- Ìr";-"; mim prOprio uma verdade que pode ser subiectiva __ tarnbém há vêrdades subjectivas - mas que, para mim, "rttiirúu a ser vátida. A veráade é simplesmente a seguinte: enconlrava-me perante uma civilização sem cidadesn?' Encon' trand.o-se na América as aglomerações humanas mais gigan- iãi.ãr, isto podia parecer uma boutade; mas não o será sem- p; qú; ideãtifiqdemos o conceito de cid'ade com o de vida ex.teriorizada e civil. Será difícil, païa os anglo-saxões, aceitarel-Tr a ideia de qrre thes faltam'"iOaO"s no Éentid.o da ciuítas latina ou da tcrlis grega. Fode dizer-se, quando muito, gue possuem to'wns' palavra que provém do inglês antigo tun e do antigo teu' tónico tinoe, que significa recinto fechado, parte do campo que corresponde a urna casa ou a uma granja' Não se trata portanto de um conceito político, mas sim de um conceito agrário.* Os Estados Unidos não têm cidades como nós as enten- demos, embora existam aglomerações humanas, concentra- ções industriais, regiões suburbanas, conurbações, etc. - A este respeito, é sintomática a formação dos povoados na Nova Ingiaferra. No meio do campo, as casas isoladas começam a apinhar-se, nunca demasiado, e desde o início sem se tocarem nem perderem a sua autonomia; contudo, quando chegam ao centro, deixam um grande espaço vazío, ihamado cõmmon. Erste common náo é, nem pouco mais ou menos, uma praça, uma á,gota, mas sim uma parte do cam' po especialmente preservada. Como se as casas' ao unirem-se, ientissem a nostalgia do campo deixado para trás e voltassem a recuperá-io na parte de maior importâncÍa valorizando'o, exaltando-o. trm vez de uma secessão do cosmos, trata'se de uma valorizaçâo da paisagem, enquadrando'a conveniente- rnente. Na pradaria do coTnmon pastam os rebanhos e ru- minam os Ëovinos por baixo de olmos gigantescos e muito belos. A cidade doméstica e calada é uma cidade eminente- mente urbana. Entre a cidade doméstica e a cidade civil fica flutuando a cidade islâmica, dificÍlmente referenciável a esta polarirìade. Em nosso entender, a. chave está nos versículos 4 e 5 do ca- pítuto XLIX do Coráo, chamado rro santuáriorr: (0 interior ãa tua casa-disse Maomé-é um santuário: os que o vio- lem chamando-te quando estás Iá dentro, faltam ao respeito que d.evem ao intérprete do céu' Devem esperar que saias dali: exige-o a decência.rr O muçulmano leva até ao extremo a defesa da sua vida privada, mas não está na sua natureza permanecer muito iempo no cárcere que preparou para si próprio, e a sua vida repárte-se entre o harém e a vida de relação. Não se pode falar, portanto, de uma plena vida doméstica, já que esta se acha constitutivamente dividida. Tão pouco se pode dizer que a vida pública domine, como na cidade clássica, visto que existe a vida de harém. Este facto, acrescentado à importân- cia que o factor religioso tem no Islão, acaba por dar à cidade uma fisionomia especial. I L0 Ì F. Chueca , Nueua York, Itorma E Sociedad, Madrid, 1953' p' t2' ', 1 A vida de harém condiciona a organizaçáo da casa mu' çulmana, concebida como um recinto hermeticamente fechado ào exterior.e, o que é mais, completamente disfarçado' Va- ãueanao pelas toituosas ruelas árabes, cheias de cotoveÌos õ corredores, nunca se sabe se bordejamos os muros de um grande palácio ou a câsâ miserável onde se âmontoam Ôs ãeserdados. Tudo está de tat maneira imÌrricado, revolvido e confuso que a camufiagem é perfeita. uma vida totalmente reclusa, sem qualquer aspecto exterior, dá lugar a uma difícil cidade sem fáchaãas, qualquer coisa completamente oposta à cidade clássica, onde o cênário e a fachada eram o prin- "lpÃf. úma tal situação tinha de levar fatalmente a organizar r ïíAu doméstica à voita do pátio. Os árabes tomaram este elemento do mundo hetenísticó, mas transformaram-nO, adap- tando-o às suas exigência vitais. com o peristilo dos helenos e o jardim encerrãdo entre taipais, de tradiçáo -iraniana, conçtituíram a casa que desejava-m, dentro da qual podiam gozàr as delícias da vida ao ar livre dentro de um espaço ãstritamente prÍvado. Pode dizer-se que a rua não existe na cidade muçulmana, visto que se trata de apagar a exterioriza- çáo da vivenda-fachada- que é aquilo em que consiste a íazáo de ser da rua. O povoado de Nova Inglaterra não tinha i.,*-pótqne estas, aÌém do maÍs, eram caminhos pelo meio ao campô e das casas dispersas. As medinas muçulmanas iamnem não as têm porquè se convertem em inverosímeís ãoiieaotes entre muios que dificilmente abrem caminho através de uma complexa e compacta edificação imbricada' O patio, como desafbgo, tem muito mais importância que a rua. Na cidade islâmica tão pouco existe a praça como ele- mento de relação pública. A função da praça é exercida tam- tetn po. um õatiô, neste caso pelo pátio da.mesquita.' Mas como- náo se -trata agora de pótítica, mas sim de religiáo, a sua função na vida social é muito diferente. Não estamos púã"t" u-ma ágora para a discussáo e exercício da dia- ié"ti"u, mas sim perãnte um espaço para meditaçáo. reli giosa, e païâ umalassiva deleitaçáo do tempo que flui' Por ísso, em-vez da praça como entidade urbana aberta, os mu- çulmanos, inclusivaúente para a vida em comum, continuam ã pieierir o pátio, onde voltam a encontrar-se fechados, rrpri' vddo"r, nurna atitude a que poderíamos chamar extático-re- lieiosa. O único elemento da cidade que adquire vida e que ãì-ú aominado pelo butício humano é o mercado, alcaçaria 12 ou bazar. NIas istc obeclece já a uma necessidaC"e puïaííltìni'e fut"tï?lali""Ï.,Ë,1,u'il;na está b3",u-19u na vida p''y?d*-I ï:: sentido religioso Oa e*istencia' e daqui nasce a sua Íisíononri:l' Náo pode por rsso ôãntunOtr-se com a cidade pública nertr iao pt.t"o õom a cid"ade doméqtic,a,- ,. segundo t,";ïfrãri' ãs etementos estruturais que co:-rs- tituem a cidacle 'lio'ïãâ=.u'^.u tlu',? praç?' o1^e{1t]1il's ti-it blicos e os limitet"q"" u d"fl''"* dentro da sua localizaçao no espaço. De tal "ìóao qug' 11umâ ãioaoe' todos estes eie mentos rrbedecem uïã"utËioád"* ptotJttdas da comunidade' a circunstân"t", "Jpititiãi*';; t"{1,; ordem' e a condiqÕes surgidas no meio tïÃiãJ' ctima e paiiaeem' Todos estes ele- mentos (casa, "'u,"dtãõà'-*ot"tmãtttosl timites) olredecern n umâ concepçao uni-táriâ e' assim' não pode existir uma ÏrJu mueulmana com"ããíát góticas' "em tima catedraÌ junto :L umáágorugrá::l;Ï{*:64g:.::^"ï1i#:?iË:*?^riJi,ï mentoã heterogéneos' Cada estru[ura unitária. Diz EgIi "üuJïlaÀiu f-undamental de -uma cidade está implÍcita na t'ou"iïïí"ãìãì"ãiuidual dessa cidadeE' obser- vacáo bastante "Ëúãp- qye s9 manifesta d'e imediato' com ;ff* evidcncia, na cidade tt:çÏ*3Tao.ro qeia '',enas unj ) Sfrt^ïïËi'.3ï,ïiil,?Lïiïiãããà..'ï- "ïa"o", por conse guinte, t/ outra coisa; ,r*u âãiãt*inada otganízacáo funcionaÌ que crts-i rariza em esrrur;;;;;t*irir, úf ^'il?^ l3:-::"gl ^ nl?,"'ll clara €vÌuer rur "'n;;'' "dïãu'* oúó - "*9 :iqi*: ^ t"^{1 :t,:.1'1: "*' con.iurr:o de casasl à'ï""-'seria gfu.u uitao excessivatnente :I;ltËË ã; Ë"ó*eno'urbanor&xistem casas no canÌpo' dispersas ou em grtpã, "o*o n{s^g1.anjas e hortos' sem' no ^-*--ln nnnstitttírem cidades' a "tttããô' FoÍ go"lfg:]:Tj,: hïi?f,ï'J;;:"dËã;;i"uÀ1"' des s a ff istalizaçáo,'_?.1 1, : " u n o' ",em relacionamenií-ão* os outros factores determinantes' A fórmula áã ãiáãaã-muçulmana é a organizaçáo de dentropara fora-ldu "u"u para a ruu, por assim. dizer)' quando na cidade àËiaentat õ que se generalizou foi o con' trário: a partlr il;; previairente traçada' c9m ou sem plano, âs casas roïãm ããuianooo seu lugír e conformando-se ãom a lei distribuffi;. ffi õiOuAe muçulmanu foi 1..?ta que preva-eceu " q,r" ãnrigou, a l1u ^? acornodar-se' um poLrco sub-repticiamente, por entre os concavos que as casas the 8 Ernst Ï;,gll, CLimate and Two Districts' Consequences and De- mands, Zurique, 1951, P' 18' i Í r l f ' i I I ,leixavam. Daqui que as ruas se tenham tornado tortuosas, lpbirínticas e inverosímeis. Esba é uma atitude mais imediata e biológica do que a ria ciclade europeia, elássica ou moderna. A casa significa o prirnado da necessidade individual, e a rua pressupõe que ::in imperativo superior, que é a exigência da coisa pública, 1;r,i:valeça sobre a casa. A rua representa a ordem ou iei geraÌ a que se submete o capricho ou a vontade individual. Este ímperativo superior faltou nas cidades istàmicas, por per- 'i;encerem a urna sociedade primitiva e imperfeita, onde ar iioção abstractá do bem comum não está desenvolvida. O Ín- í-lìvícìuo não tem deveres para com a sociedade, e só se sente ligirdo aos poderes ultraterrenos. Sociedade e política estão asfixiadas pela religião. Em grande medida, na cidade espanhola transparece urna intenção de conciliar a urbe latina, loquaz e dialéctica, com o hermetismo, com o harém da sociedade islâmica. A vida elo espanhol, sob este aspecto, é, no entanto, mais dividida que a do muçulmano. A mulher fica em casa, com uma re- cluzidíssima vida de relação, e o homem vai para a rua e llaïa a praça, participar numa vida pública mais intensa que a do muçulmano. A mulher conforma-se com olhar para a lua, das paredes espessas com grandes gradeamentos fecha- rlos e gelosias. É a réplica cristã do aximez muçulmano. Para alargar o horizonte destes furtivos miradouros, vêem-se ainda, ern muitas povoações da Andaluzia, frestas abertas nos muros das fachadas, por onde o olhar pode espraiar-se até mais J.onge. Durante a época barroca, a Espanha deu Íorma a uma cidade típica, a que noutro trabalho chamámos cidade-con- vento. Naturalmente que outras cidades europeias tiveram inuitos conventos dentro das suas muralhas e nos arrabaldes, rnas não passaram de cidades com conventos, enquanto as nossas acabaram por ser, em alguns casos, conventos que se i;ornaram cidades. Esta estrutura peculiar, representativa da Espanha católica sob a Casa de Áustria, é, por paradoxal que pareça, resultado directo e certamente bem evidente da mor- Í.otogia pecuiiar da cidade muçulmana. Este é mais um exem- plo que encontramos de como a nossa religiosidade adcptou muitas vezes moldes islâmicos. Muitos conventos espanhóis foram fundados na senda da Reconquista, em cidades hispano-muçulmanas, e se é ver- dade clue as igrejas foram geralmente (nem sempre) cons- :14 truídas a partir de novas plantas, os edifícios da vida mo- nástica resultaram do acto de encerrar, dentro de altos muros, casas, palácios, ruelas e passagens estreitas, formando assim blocos enormes e irregulares que tudo absorviam'. Deste mo- do se pÍeseïvavam e protegiam, com os novos conventos, sectores importantes das antigas cidades islâmicas, que se mantinham fixados para sempre no tempo imóvel, suspenso para além dos muros. O <privadol característico do modo de vida muçulmano tinha-se refugiado na mais privada das sociedades crisLãs: a clausura, Toledo, no entanto, está cheia de conventos cujas recônditas clausuras, pátios escondidos e estâncias refrescadas por repuxos dizem muitas coisas arerca da vida íntima do mouro. Nas civilizações que nos dizem respeito mais de perto vemos, portanto, constituídos três tipos de eidades: a/ a cidade pública do mundo clássico, a ciuítas ïomana, a cidade por antonomásÍa; b) a cídade doméstica e campesina da ci- vilização nórdica, e c) a cidade privada e religiosa do ïslão. É muito difícil, portanto, resumir numa única d.efinição coi- sas tão diferentes, e não é de estranhar que vários autores pareçam contradizer-se quando o que acontece, na reaiÍdade, é que predomina, em cada um delés, uma determinada pers-. pectiva. Se não é o carácter da vÍda pública que pode definir uma cidade, visto haver algumas que o não têm, temos que pensar num conceito mais amplo que engloba estas espécies diferentes. Segundo Spengler, (o que distingue a cidade da aldeia' não é a extensão, nem o tamanho, mas_ a presença de uma alma da cidade...> <rO verdadeiro milagre acontece quando nasce a alma de uma cidade. Subitamente, sobre a espiritua- lidade geral da cultura, destaca-se a alma da cidade como uma alma colectiva de nova espécie cujos fundamentos úl- [Ímos permanecerão para nós envoltos em eterno mistério. E, uma vez desperta, forma-se um corpo visível. A colecção de casas aldeã, cada uma com a sua própria história, con- verte-se nurn todo eonjugado. E este conjunto vive, respira, cresce, adquire um rosto peculiar, uma forma e uma história internas. A partir deste momento, além da casa particulat, t, L. Torres Balbás, al,as ciudades musulmanas y su zacionu, Reuista del Instituto de Estudios de Admini.stración n.' 6, 1942. organi- LocaI, 15 j i r IÌ II l do templo, d.a catedral e d.o palácio, a imagem urbana na l. sua unidade constitui o objecto de um idioma de formas e 'Jde uma história estilística que acompanha no seu curso todo /o ciclo vital de urnâ culturalr'o. Na realidade, para uma mente germânica como a deSpengler, a aLma, ou, se se quiser, o eípírito, substitúti a dia-lectica da cÍdade clássica. O Geist em vez do Logos, como uma categofia mais ampla, mais compreensiva, que o possa abarcar. rrHá aglomerações humanas muito consideráveis - con- tinua Spengler - que não constituem uma cidade; elas exis- tem não só em regiões primitivas como as do interior daÁfrica actual, mas também na China posterior, na Índia e em todas as regiões industriais da Europa e da América modernas. São centros de uma região, mas não formam, in- teriormente, mundos completos. Não têm alma. Toda a po- puiação primitiva vive na aldeia e no campo. Não existe para ela a essência denominada 'cidade'. Exteriormente haverá. sem dúvida, agrupamentos que se dístinguem da aldeia; po- rém, tais agrupãmentos não sáo cldades, mas sim'mercados, pontos de reunião para os interesses rurais, centros onde não se pode dizer que se vive uma vida peculiar e própria. Os habi- tantes de um mercado, mesmo que sejam artesãos ou mer- cadores, continuam vivendo e pensando como aldeãos. É ne- c,essário compenetrarmo-nos bem do sentímento especial que denota o facto de uma atdeia egípcia primitiva - pequeno ponto no meio do campo imenso - se converter em cidade. ESta cidade pode náo ter nada, talvez, que a distinga exte- riormente; mas espiritualmente é o locaf de onde o homem contempla agora o carnpo cofito um arredor, como algo dis- tante e subordinado. A partir deste instante, há duas vidas: a vida dentro e a vida fora da cidade, e o aldeão sente-o com a rnesma clatezà que o cidadão. O ferreiro da aldeia e o da cidade, o alcaide da aldeia e o burgomestre da cidade, vivem em munclos diferentes. o aldeáo e o cidadão são seres dis- tintos- Começam por sentir a diferença que os separâ, em seguida sáo dominados por ela, e acabam por não se com_preender um ao outro. Um aldeão do Noroeste da Alemanha e outro da Sicília estão hoje mais próximos Ltm do ourro Spengìer, La decadencia de Occidente, rüo| IÍI, p. 131 cla tra_dução espanhola. IÕ lr l Ì ; I i j que o aldeão clo Noroeste e um berlinense. Sob esle poniit i it, vista existem verdadeiras cidades. E é este.ponto de vjsï.a que, com a ma,ior evidência, serve de fundamerito "d úÌoïts' ciência esclarecida de todas as culturasrt". Ficamos, assirn, com o problemadas cidacies rjem aitlte,, qLte, na verdade, é um problema grave. Já o tínhamos assi- nalado aCI talatmos da nossa surpresa' quando vin:os celtas aglomerações norte-americanas às quais resistimos 3' dar zz cãtegoria de cidades, não obstante o seu encïme volume e a suã população. De facto, continua a representar para nós um esÍoiço clifícil outorgar-lhes este título honroso, o que, no entantb, náo nos exiúe de termos que as enfrentar pois constituem um dos fenómenos-chave da rrossa civilização actual. Salvo câsos especiais, ou que provêm de outras culturas distintas da ocidental, a cidade sem alma coincide com a . cidade a que a revoluqão industrial deu origem. O novo conl- plexo urbãno consta, segundo LewÍs Mumford, de dois e1e- -mentos fundamentais: a fábrica e o slum. Sáo eles que, poll si, constituem o que, impropriamente, se tem chamado ci- Ìaáae. Utna palavra que, neste caso, não significa mais do que t .Jum amontoãmento de gente num lugar que pode ser desig- \nado por um nome próprio para efeitos de correspondência. 'Estas aglomerações urbanas, como tem acontecido, podem aumentãr mais de cem vezes sem adquirir a mais leve das instituições que caracterizam uma cidade no sentido socio- lógico. Ísto é, segundo Mumford, um lugar-onde se condens;a a [radiçáo social-e onde as possibilidades de constante inter- câmbio de interacção elevam as actividades humanas a um alto potencial'2. Em Espanha, dado o nosso atraso industrial, não co- nhecemos, nem a conheceremos já, a típica cidade apaleo- técnical. o nosso atraso terá pelo menos essa vantagern. Com este vocábulo expressivo de apaleotécnicatr, designa Mumford a primeira era técnica, com todo o seu caótico e brutal desenïolvimento, que não teve outra lei nem outro controlo além da livre concorrência e do zaâssee laire dos utilitaristas. Esta era paleotécnica deu lugar às cidades mais 11 SPengler, oP. cit . I I I ' 131 e 132. a2 Iiewis ]\.{umtetd., The Insensate Industrial Town. Aptti' PauL K. HaÌl e AÌbert J. Reiss, Reacler tn <Urban Sociologytt, The Free Fress, Glencoe, I l inóis, 1951, P. 82. 'i.' t ia ir$err6atcis e sçm alma que os homens puseram de pé, e, o r.rie 'S mâis gÍave, reputadas como sÍmbolo do progreçso' úerÌr,ílisse o escritor am€ricano que a fábrica e o slu'nz oram iì,5 51FS clUaE componentes gssenciais e, por assim dizer, útti- ca:i. Jei trã,cl temos nem'a praça, nem o conl,Ttlon, nem a ca- ieclr6l, nem o casfelo, rJem o palácio barroco, nem sequer o r:reresflg, coÍno eibmentbs.significatÍvos e gue elevam o papel da cldacle a um plano 6espiritual. Tudo é- dominado pela lei rr.si:erir cla proclução e dq beirefÍcio çconómico' " çuonfo a morfologia, a ciclade da era técnica aclopta a áricla'fuuactrícula. O que representou na Grécia um triunfo do rapíonalísmo, em R.oma clo espírito prático e miiitar, e i:a A$rérica do sul de uma colonização hierárquica, conver- teu-se, no século XIX, no instrumento clOS eSpeculadores de terrenOS, Graças à quadrÍcula, o aproveitamento dos terrenos era rnáximo,.e a importância igual das ruas fazia com que Lodos fossem igualúente vaiiosos. Toda' as operaçôes, de cáÌcuto de rendimentos, de compra-venda, etc. ficava:n ex- Lraordinariarnente faciliïadas. Não era já a quadrícttia dos icleólogos nem dos colonizadoles, mas sim a dos traficantes cle solos. r A fábrica, além clo tnais, implantava-se nos lugares mais a,menos e cQm maiores recursos naturais, como o curso dos rios e as costas marítimas para facilitarem as comunicações. As belas ribeiras novaiorquinas e o esplendor natural da sua' baía sáo precísamente as faixas esp,oliadas pelas..exigências da técnicã, com o seü corolário de fumos e dstritos que só pór mitagie não atingiram_ zonas como o Rirerside Drive. be paris [ivesse sido fúldada em plena era paleotécniea, não terÍarnosagoïaosfamososquais,orgulhoepÍazerdesta citlade. ooubrocompdtrenteclacidadepaleotécnica-éoslum, ' Ilsta palavra não tãm tradução em portugtiês, ainda que pu- clésseilos obtê-la equiparando-a a su5úrbio industrial' Ú slum ó a Ìrorrível colnieiâ arregimentada onde o instrumento l iotnetnéconservadodt l ranteanoi te,paravol taraserut i - [ ' lizaclo no clia seguinte, na fábrica' A cidade náo existe'. por- l' Lirillo, em nenhrim clos seus aspeCtOs espiritUais, S'ciais ou Í r lomést icos,masésimplesmenteumamáquinadeproduÇáo" r{ cidade paleotécnica pura não existe, embora Bir- ini.gl:am, Bradforcl, pittsburg ou Detroit estejam muito prÓ- :iimãs clisso. O clue existe, em contrapartÍda, é a cidade mista ãiiãã o, estrutr,iras industriais .sutrstituem cada vez mais a 1tÌ {rea espiritual e física. Estas estruturas são a fábrica, com a sua rede de comunicações marítimas, fruviais, ferroviárias,que ocupam um espaço imenso, e o sll.tm, com as suã.s casasíguais e mondtonas, estritamente calculadas corn base no rendimento económico cro trabalhador; e ainda, o arranira- -céus, produto típico da economia capitalista. Nesta cidade paleotécnica, e iguarmente na neotócnica,, segu'dd uln processo ecorógico natural, as classes privile-giadas fogem das zonas invadidas pera indústria e pero co- mércio, e váo fixar-se numa periferia cada vez mais alastada, no meio .le 'rn ambiente campestre, onde o céu está rimpo e o fumo das fábricas é substituído por um fumo poético de nuvens. Com o objectivo de compensar esta desagfegação e de vitalizar espiritualmente o centio das cidades, aËsorvidopel0s escritórios e que nos repele quando estes fecham, ten- ta-se a forÌnaçáo de centros cívicos que renovem a antiga função da ágora: com ed.ifícios representativos, curturais, úe espairecimento, num ambiente harmónico, dignificado pela arquitectura; tudo com o objectivo de galvanizar uma vida citadina que se dissolva insensivelmente. observa-se nesta tendência uma evolução crescente. O último congresso do C.LA.M. (Congresso Internacionat de Arquitectura Moderna) foi ded.icado ao estudo do centro cívico das cidades, e deu lugar a urna púhlicação com o tÍ- tulo Thn care (centro, coraçã.o) ol the cítE, iracluzido ern espanhol por El corazón de Ia ciud,ad (o coração da cidade). Diz-se, no trabalho que lhe serve de introdução e é da autoria de José Luis Sert: rrO estudo do coração da cidade, e emgeral dos centros de vida comunitária, aparece-nos actual- mente como oportuno e necessário. As nossas investigações analíticas demonstram que as zonas centrais das cidadãs são regueifos estéreis, e aquilo que um dia constituiu o coraqão, o núeleo das velhas cidades, está hoje d'esintegrado...l rrsem deixar de reconhecer as enormes vantagens e possibiliclades '" dos novos meios de telecomunições (rádio, çineina, televisão, imprensa, etc.) continuamos pensanclo que os locais de reu- nião pública, como praças, passeios, cafés, casinçs populares, etc., onde as pessoas podem encontrar-se livremente; apertar as mãos e escolher o tema rie convelsa que lhes agradè, nãcr são coisas cio passado e, aincia que devidamente arlaptadas ':'} i I I I I I l *- I . ,.r:i$g;11 i9 r---_ I \ l Lrçao r. Lição 2. Lição 3. Lição 4. Lição 5. Lição 6. Llção ?. Lição 8. Liçáo 9. Lição 10. Introdução. Tipos fundamentais de cidade A cidade, arquivo da hi;stória .. ' A cidade antiga A cidade islâmica ... A cidade medieval ... A cidade do Renascimento A cidade barroca ... A cidade industrial A cidade do presente. O urbanismo em expansão"' Ecoiogia urbana ... ry 23 41 61 B1 101 t27 lSJ 1.75 205 ri L L ro :úri9i111' ;'[t:i t:ï:;31*',?^* Jïi,,,:ïi,Ì;': i' oÏilijï:*'os Lima ,:t';' , ' I l(,:scrvatlos totlt'f os dircitos rrara I lírtgua Ï:l'rtugucsa ì ,*hlilil,si'iJ:L,flf ",,*o ^ UREANISMO
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