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ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO MCF 1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA SEXTA CÂMARA CÍVEL Apelação Cível n° 0111740-96.2016.8.19.0001 Apelante: DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Apelado: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS MEIRELLES BEJA RELATORA: DES. TERESA DE ANDRADE ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO HABILITAÇÃO. TESTE DE ALCOOLEMIA (BAFÔMETRO). RECUSA EM JUNHO DE 2012. ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 12.760/2012. PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO NO AUTO DE INFRAÇÃO DE QUE O CONDUTOR APRESENTAVA ALGUM SINAL DE EMBRIAGUEZ. ANULAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. MANUTENÇÃO. 1- Mandado de segurança visando a nulidade de ato administrativo que culminou com a suspensão do direito de dirigir do Impetrante, ao argumento de recusa em se submeter ao teste de alcoolemia. 2- Blitz realizada em 16/06/2012 antes da vigência da Lei nº 12.760, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro. Artigo 277 do CTB com redação dada pela Lei nº 11.275/2006, que previa outros procedimentos além do teste “bafômetro” para certificar se o motorista estava sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. 3- Diante da recusa de realização do teste, caberia ao agente de trânsito se valer de outros meios para aferir o estado de embriaguez. 4- Auto de infração não faz menção expressa à realização de outros exames ou a um possível estado de embriaguez do Impetrante. 5- Direito constitucional de não fazer prova contra si. Princípio nemo tenetur se detegere. 6- O mero fato de não assoprar no aparelho, sem a indicação ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO MCF 2 de outros sinais de embriaguez, é insuficiente para imputar ao Impetrante a pena prevista no art. 165 do CTB. 7- Precedentes desta Corte. 8- NEGATIVA DE PROVIMENTO AO RECURSO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0111740- 96.2016.8.19.0001 figurando como Apelante DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO e Apelado PAULO HENRIQUE DOS SANTOS MEIRELLES BEJA. Acordam os Desembargadores da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, no sentido de conhecer do recurso e NEGAR-LHE PROVIMENTO nos termos do voto da relatora. RELATÓRIO Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por PAULO HENRIQUE DOS SANTOS MEIRELLES BEJA em face do DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no qual pretende a anulação do processo administrativo nº E-12/062/078978/2014 que culminou com a suspensão do direito de dirigir do Autor, por se recusar a realizar o teste de alcoolemia (bafômetro), ao sofrer fiscalização em blitz da “Lei Seca”. Narrou o Impetrante que não foi regularmente notificado, uma vez que reside no endereço “Travessa Coari, 30, Frente 01”, e a notificação foi direcionada à “Travessa Coari, 30, Casa 02”, de onde se mudou há mais de três anos. Alegou, também, que ao se recusar a realizar o teste de alcoolemia, não foi feito nenhum outro exame ou constatação pelos agentes públicos de que estivesse embriagado, não podendo ser punido por ausência de provas. A sentença de indexadores 211/213 concedeu a ordem de segurança e julgou procedente o pedido para anular o processo administrativo nº E- ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO MCF 3 12/062/078978/2014, bem como as penalidades dele decorrentes. Sem custas. Sem condenação em honorários, na forma do artigo. 25 da Lei nº 12.016/09. Inconformado o Impetrado apresentou recurso de apelação em peça de indexadores 224/230, sustando que o entendimento do i. magistrado a quo está superado por este E. TJRJ, sendo possível a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir tão somente pela recusa do condutor a realizar o exame de alcoolemia. Pugna pela reforma do julgado, para que seja denegada a segurança. Contrarrazões apresentadas pelo Impetrante em indexadores 241/249, prestigiando a sentença. O Ministério Público através da d. Procuradoria de Justiça ofereceu parecer em indexadores 290/294 pugnando pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Passo ao voto. VOTO O recurso interposto é tempestivo e guarda os demais requisitos de admissibilidade, de forma a trazer o seu conhecimento. No mérito, a pretensão não deve prosperar. Trata-se de mandado de segurança onde o Impetrante pretende a declaração da nulidade do Processo Administrativo nº E-12/062/078978/2014 que culminou com a suspensão de sua Carteira Nacional de Habilitação, uma vez que ao ser parado em uma blitz - Operação Lei Seca – negou-se a realizar o teste de alcoolimia. Com efeito, sabe-se que os atos administrativos devem respeitar os princípios da moralidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, incumbindo ao Poder Judiciário tão somente examinar aspectos relativos à legalidade e ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO MCF 4 legitimidade do ato, pois entendimento diverso conduziria o julgador à análise de mérito, em flagrante ofensa ao princípio da separação dos poderes. Vale consignar, também, que só é cabível o mandado de segurança (art. 5º, LXIX da CF) para a proteção do direito líquido e certo, assim entendido como “o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado em sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração” (Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 2006, pg. 36/37). O mandado de segurança é ação de rito especial em que se exige do Impetrante a comprovação de plano do direito líquido e certo violado, não sendo admitida dilação probatória, conforme dispõe o artigo 10 da Lei 12.016/2009, in verbis: Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração. No presente caso, são suficientes para análise do mérito as provas pré- constituídas, coforme bem asseverado pelo i. magistrado a quo. Verifica-se que o Impetrante/Apelado teve a habilitação suspensa porque se recusou a realizar teste de alcoolemia em blitz realizada em 16/06/2012, quando ainda não vigia a Lei nº 12.760, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro. Sustenta o Impetrante que não apresentava nenhum sintoma de embriaguez e se recusou a fazer o teste, valendo-se do direito constitucional de não autoincriminação. O art. 277 do CTB prevê outros procedimentos além do teste “bafômetro” para certificar se o motorista está sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO MCF 5 Aliás, a redação do § 2º do art. 277 vigente à época, dada pela Lei nº 11.275/2006, previa que no caso de recusa do condutor à realização do teste com o etilômetro, a infração poderia ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca de notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor. Todavia, a referida norma foi modificada pela Lei 12.760/2012 retirando- se a expressão “sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool”, justamente com a intenção de que seja realizado o teste com o etilômetro em todos os cidadãos abordados em fiscalização de trânsito. Nesse contexto, é forçoso reconhecerque, antes da vigência da Lei 12.760/2012, nos casos de recusa ao teste do bafômetro, somente poderia ser caracterizada a infração prevista no art. 165 do CTB, caso o agente de trânsito constatasse os notórios sinais de embriaguez do condutor, o que deveria ser devidamente anotado no auto de infração. Dessa feita, diante da recusa de realização do teste de alcoolemia, cabia ao agente se valer de outros meios para aferir se o Impetrante estava embriagado, o que não foi feito. Seguindo tal linha de entendimento, considerando que o auto de infração em flagrante é anterior à entrada em vigor da Lei 12.760/2012 e que não consta no campo de observação qualquer anotação acerca de sinais de embriaguez do condutor, tem-se que o agente de trânsito agiu com abuso de poder. Consta nos autos cópia do auto de infração, onde não há qualquer afirmação do agente público no sentido de que o Impetrante apresentava algum sinal de embriaguez no momento da blitz. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO MCF 6 O documento de indexador 54, no campo “outras informações”, contém a seguinte afirmação do agente que realizou a autuação: “Recusou-se ao teste 864, Res. Contran 206/06, anexo, IV, item a.ii, veículo liberado para novo condutor CNH 00094051149-RJ”. Vale salientar o direito constitucional de não fazer prova contra si. Logo, o mero fato de não assoprar no aparelho, sem a indicação de outros sinais de embriaguez, é insuficiente para imputar ao Impetrante a pena prevista no art. 165 do Código de Transito Brasileiro. Assim, considerando a legislação em vigor na época dos fatos e os elementos de prova dos autos, a simples recusa em realizar o teste de etilômetro, por si só, não justificava a penalidade de suspensão do direito de dirigir imposta. Igualmente, não se sustenta a alegação recursal de alteração no entendimento jurisprudencial desta E. Corte. Nesse sentido, seguem os recentes precedentes desta Corte, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. ATO INFRACIONAL DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. DIREÇÃO AO VOLANTE SOB EMBRIAGUEZ. "LEI SECA". AUTUAÇÃO EM NOVEMBRO DE 2011. RECUSA AO TESTE DO "BAFÔMETRO". PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INSTAURADO EM 2013 PARA APLICAR A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIREÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI MAIS GRAVOSA LEI 11.705/08 APLICÁVEL AO FATO, QUE DEU REDAÇÃO À ÉPOCA AOS ARTIGOS 277, § 2º E 165 DO CTB. Lei 12.760/12 APLICADA PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, COM A PERDA DA CNH. IMPOSSIBLIDADE DE RETROATIVIDADE DE LEI MAIS GRAVOSA. - A suposta infração ao artigo 165 do CTB que fundamenta a punição imposta pelo Apelado ocorreu em 2011 e o artigo 277, § 2º, do CTB, com a redação então vigente, previa, para o caso de recusa ao teste do bafômetro, que tal infração poderia ser ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO MCF 7 caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. - Na época dos fatos, se o condutor do veículo não se submetia ao teste de alcoolemia, a caracterização da infraçãodependia de outros meios de prova, o que não ocorreu no caso, pois incontroverso que o Apelado não realizou outro exame capaz de aferir o suposto estado de embriaguez e tampouco comprovou que o alegado consumo de bebida alcoólica foi capaz de provocar "notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor", nos termos do artigo 277, § 2º, com a redação dada pela Lei nº 11.705/08. - Nem se argumente que a presunção de legitimidade do ato inverte o ônus probatório, pois cuida-se de prova negativa na qual o apelante não tem como comprovar que não estava embriagado. Tal ônus foi transferido ao apelado, que à época deveria empreender a referida prova da alcoolemia. - Concessão da segurança para afastar os efeitos do ato de suspensão do direito de dirigir do Apelante, sendo-lhe devolvida a CNH em poder do apelado. PROVIMENTO DO RECURSO. (0077274- 76.2016.8.19.0001 – APELAÇÃO. Des(a). MARIA HELENA PINTO MACHADO - Julgamento: 12/04/2017 - QUARTA CÂMARA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE HABILITAÇÃO. RECUSA DO CONDUTOR EM SE SUBMETER AO TESTE DO ¿BAFÔMETRO¿. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO NO AUTO DE INFRAÇÃO DE QUE O CONDUTOR APRESENTAVA ALGUM SINAL DE EMBRIAGUEZ. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1.Hipótese que deve ser examinada à luz do CTB em vigor antes das alterações introduzidas pela Lei 12.760/12. 2.O caput do art. 277 do CTB previa que todo condutor de veículo que fosse alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob influência de álcool, seria submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. Norma que veio a ser modificada pela Lei ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO MCF 8 12.760/2012, retirando-se a expressão ¿sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool¿. 3.Nesse contexto, é forçoso reconhecer que, antes da vigência da Lei 12.760/2012, nos casos de recusa ao teste do bafômetro, somente poderia ser caracterizada a infração prevista no art. 165 do CTB, caso o agente de trânsito constatasse os notórios sinais de embriaguez do condutor, o que deveria ser devidamente anotado no auto de infração. 4.Ainda que o § 3º do artigo 277 do CTB determine a aplicação das penalidades ao condutor que se recuse a se submeter ao teste de alcoolemia, certo é que o referido parágrafo deve ser interpretado em harmonia com o disposto no caput, devendo, no mínimo, haver indícios de que o autor estava alcoolizado para ser submetido a qualquer dos procedimentos do referido artigo. 5. Considerando a legislação em vigor na época dos fatos e os elementos de prova dos autos, a simples recusa em realizar o teste de etilômetro, por si só, não justificava a lavratura do auto e a penalidade imposta. 6.Inúmeros precedentes desta Corte. 7. Sentença que não merece reforma. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (0102843- 79.2016.8.19.0001 – APELAÇÃO. Des(a). FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS - Julgamento: 19/07/2017 - DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL) Por tais razões, voto no sentido de conhecer do recurso e NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo-se os termos da sentença por seus próprios fundamentos. Sem honorários advocatícios, na forma do art. 25 da Lei nº 12.016/09. Rio de Janeiro, 25 de outubro de 2017. TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES DESEMBARGADORA RELATORA
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