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JORNADAS SAM/ CONAMET/ SIMPOSIO MATERIA 2003 09-19 796 INFLUÊNCIA DA ADIÇÃO DE ARGILA FUNDENTE EM MASSA DE CERÂMICA VERMELHA CAULINÍTICA Carlos Maurício Fontes Vieira, Bruno Reis Cardoso, e Sergio Neves Monteiro Universidade Estadual do Norte Fluminense-UENF / Laboratório de Materiais Avançados-LAMAV Av. Alberto Lamego, 2000. CEP: 28015-620 - Campos dos Goytacazes-RJ, Brasil. vieira@uenf.br No município de Campos dos Goytacazes, localizado no norte do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, há uma grande produção de cerâmica vermelha, como tijolos e telhas. Estes produtos são elaborados com argilas cauliníticas, abundantes na região. No caso das telhas cerâmicas, há uma excessiva porosidade após queima que acarreta elevados valores de absorção de água. Uma das alternativas para redução da porosidade é aumentar a fundência da massa através da incorporação de materiais ricos em óxidos alcalinos que vão possibilitar maior formação de fase líquida. Neste sentido, este trabalho tem por objetivo avaliar a influência da adição de argila fundente, predominantemente ilítica, nas propriedades tecnológicas de uma típica massa cerâmica para telhas do município de Campos dos Goytacazes. Inicialmente, as matérias-primas foram caracterizadas através de ensaios de difração de raios-X, composição química, distribuição de tamanho de partículas e plasticidade. Em seguida, a argila fundente foi adicionada à massa cerâmica nas seguintes proporções: 10, 20 e 30% em massa. Foram preparados corpos-de-prova por prensagem para queima em temperaturas variando de 850 a 1100oC. As propriedades tecnológicas avaliadas foram: absorção de água, retração linear e tensão de ruptura à flexão (3 pontos). Os resultados indicaram que a adição de argila fundente à massa de telhas do município de Campos dos Goytacazes contribuiu para redução da porosidade. Conseqüentemente, houve uma melhora nas propriedades tecnológicas avaliadas. Palavras-chaves: Argila, caulinita, cerâmica vermelha, fundente, ilita, telhas. 1. INTRODUÇÃO No município de Campos dos Goytacazes, localizado na região norte do Estado do Rio de Janeiro, há uma grande produção de cerâmica vermelha voltada para a fabricação de blocos de vedação. Há ainda uma pequena produção de telhas prensadas (romana e portuguesa) estimada em 1.5 milhão/mês. Estas telhas são obtidas com matérias-primas locais, predominantemente argilas plásticas cauliníticas. Devido à excessiva plasticidade das argilas locais e ao seu comportamento refratário durante a queima [1-3], estes produtos apresentam excessiva porosidade. Como conseqüência é comum a ocorrência de elevados valores de absorção de água. Como alternativas para a diminuição da porosidade pode-se reformular a massa cerâmica, aumentando o teor de fundentes e/ou aumentar a temperatura de queima. No caso dos fundentes, estes atuam na formação de fase líquida que preenche a porosidade do material, contribuindo para o incremento da densificação e redução da porosidade [4-6]. Este processo de sinterização é comumente chamado de vitrificação. Os fundentes mais utilizados em cerâmica para aplicação em construção civil são matérias- primas ricas em Na2O e K2O, os quais formam fase líquida por fusão própria ou, em reação com a sílica (SiO2), formam eutéticos a partir de temperaturas de aproximadamente 700oC [7]. A temperatura de queima, percentagem e proporção dos álcalis e procedência mineralógica dos fundentes são alguns dos fatores determinantes no processo de vitrificação. Dentre os fundentes comumente empregados em composição de massa para cerâmica tradicional com aplicação em construção civil destacam-se argilas ilíticas, feldspatos, filito e fonolito [8]. Este trabalho teve como objetivo adicionar uma argila fundente a uma massa de cerâmica vermelha usada para fabricação de telhas, elaborada com argilas cauliníticas, visando à redução da porosidade. Desta forma pôde-se obter uma diminuição nos valores de absorção de água e incremento da resistência mecânica do produto. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Para realização deste trabalho foi utilizada uma massa cerâmica para telhas vermelhas do tipo romana/portuguesa proveniente do município de Campos dos Goytacazes e argila fundente proveniente da região de Santa Gertrudes, Estado de São Paulo. Esta argila fundente é conhecida como taguá e comumente utilizada em composição de massa para fabricação de revestimentos cerâmicos prensados. Após a coleta das matérias-primas, estas foram secas em estufa a 110oC, desagregadas com pilão manual e peneiradas em 40 mesh (425 mm) para ensaios de caracterização e preparação das composições. A caracterização mineralógica por difração de raios-X foi realizada em amostras em forma de pó num difratômetro marca SHEIFERT, modelo URD 65, operando com radiação de Cu-ka, e 2q variando de 5o a 65o. A composição química das matérias-primas foi realizada por espectrometria de Fluorescência de Raios-X. A distribuição de tamanho de partículas foi JORNADAS SAM/ CONAMET/ SIMPOSIO MATERIA 2003 09-19 797 realizada por peneiramento via úmida e sedimentação. A plasticidade das matérias-primas foi obtida através da determinação dos limites de Atterberg, de acordo com as normas NBR 7180-84 e NBR 6459-84 [9,10]. Foram preparadas quatro composições com os seguintes percentuais de argila fundente: 0, 10, 20, e 30% em massa, conforme mostra Tabela I. Matérias-primas Composições Massa cerâmica Argila fundente MI 100 - M10AF 90 10 M20AF 80 20 M30AF 70 30 Tabela I. Composições estudadas (% em massa). Para avaliação das propriedades tecnológicas de queima como absorção de água, retração linear e tensão de ruptura à flexão (3 pontos) foram confeccionados corpos-de-prova retangulares (11,43x 2,54x 10,0cm) por prensagem uniaxial em matriz de aço a 20 MPa com umidade de 8%. Em seguida, os corpos-de-prova foram secos em estufa a 110oC até peso constante. A queima foi realizada em forno de laboratório tipo mufla em temperaturas variando de 850 a 1100oC com intervalos de 50oC. Utilizou-se uma taxa de aquecimento de 5oC/min e 3 horas de tempo de permanência nas temperaturas de patamar. O resfriamento foi obtido por convecção natural, desligando-se o forno. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Caracterização das matérias-primas A Figura 1 apresenta os difratogramas de raios-X da massa cerâmica e da argila fundente. Observa-se que na massa cerâmica os picos de maior intensidade estão associados à caulinita. Em seguida, observam-se picos característicos do quartzo, mineral micáceo (mica muscovita) e gibsita (hidróxido de alumínio). A gibsita contribui ainda mais para um comportamento de queima refratário da massa cerâmica. Além disso, aumenta a perda de massa durante a queima. Já a argila fundente apresenta picos predominantes do quartzo, seguidos de feldspatos potássico e pagioclásios, mineral micáceo (ilita/mica muscovita) e hematita. A característica ilítica deste tipo de argila já foi reportada em outros trabalhos da literatura [11,12]. De acordo com a Tabela II, observa-se que a massa cerâmica apresenta composição química típica de argila caulinítica, com baixo percentual de óxidos fundentes e elevado teor de Al2O3. O baixo percentual de SiO2 e elevada perda ao fogo estão associados ao elevado percentual de mineral argiloso ou fração “argila”. Por sua vez, a argila fundente apresenta elevado percentual de óxidos alcalinos, sobretudo K2O, e baixo percentual de Al2O3. Estas características estão associadas ao seu caráter ilítico. Nota-se também um elevado teor de SiO2 e baixa perda ao fogo. Estascaracterísticas da argila fundente estão relacionadas com o maior teor fração silte/areia em sua composição mineralógica e ao próprio predomínio da estrutura ilítica sobre a caulinítica. Observa-se também que ambas as matérias-primas apresentam teor de MgO superior a 1% em massa. O MgO pode estar associado a traços de cloritas e vermiculitas, não identificáveis nos difratogramas de raios-X, e à sua presença na estrutura cristalina dos minerais micáceos. Por fim, observa-se que ambas as matérias-primas apresentam elevado teor de Fe2O3, responsável pela coloração avermelhada após queima. 10 20 30 40 50 60 C H QQ QQ C Q Q M M M H HFk Fk Pl Pl Fk M M M Pl Q Q Q Q Q Q C C C C M M Gi Fk M MASSA CERÂMICA ARGILA FUNDENTE In te ns id ad e (u .a .) 2 q Figura 1. Difratogramas de raios-X das matérias- primas. C = caulinita; ; Fk = feldspato potássico; Gi = gibsita; H = hematita; M = mineral micáceo; Pl = feldspato plagioclásio; Q = quartzo. Matérias-primas Determinações Massa cerâmica Argila fundente SiO2 42.49 67.34 Al2O3 29.24 15.10 Fe2O3 9.21 5.82 TiO2 1.44 0.63 CaO 0.24 0.41 MgO 1.10 1.48 K2O 1.41 3.61 Na2O 0.51 0.59 PF 14.08 5.02 Tabela II. Composição química das matérias-primas (% em massa). A Figura 2 mostra a distribuição de tamanho de partículas das matérias-primas. Observa-se que a massa cerâmica apresenta maior percentual de minerais argilosos ou fração “argila” que a argila fundente. Os minerais argilosos são comumente associados a partículas com diâmetro esférico equivalente < 2 mm. neste caso a massa cerâmica e argila fundente apresentam fração “argila” de 53 e 34% em massa, respectivamente. Já no teor de areia, > 20 mm, as matérias-primas apresentam percentuais similares com 11% para a massa cerâmica e 9% em massa para a argila fundente. Isto mostra que a argila fundente á granulometricamente formada por tamanho de partículas (d) associadas ao silte, 2mm < d < 20mm. JORNADAS SAM/ CONAMET/ SIMPOSIO MATERIA 2003 09-19 798 20 30 40 50 60 70 80 90 100 10.10.010.001 % P as sa nt e Diâmetro das par t ícu las (mm) Massa cerâmica Argila fundente Figura 2. Distribuição de tamanho de partículas das matérias-primas. A Tabela III mostra a plasticidade das matérias- primas, determinadas através dos limites de Atterberg. Observa-se que tanto a massa cerâmica quanto à argila fundente apresentam limites de plasticidade (LP) muito próximos. O LP indica a quantidade de água necessária (água de conformação) para alcançar uma consistência plástica e conseqüentemente capacidade para moldagem por extrusão. Apesar do menor teor de minerais argilosos (minerais que desenvolvem plasticidade) da argila fundente seu caráter ilítico contribuiu para este resultado. A ilita apresenta plasticidade mais elevada que a caulinita. Além disso, na fração franulométrica do silte, pode haver também partículas de minerais argilosos. Matérias-primas Limites de Atterberg Massa cerâmica Argila fundente LP 29 30 LL 64 55 IP 35 25 Tabela III. Plasticidade das matérias-primas. Com relação ao limite de liquidez (LL), a massa cerâmica apresenta valor consideravelmente mais elevado que a argila fundente. O LL indica a quantidade de água acima da qual uma matéria-prima argilosa não apresenta mais uma consistência plástica e passa a se comportar como líquido. Neste caso, o maior teor de mineral argiloso da massa cerâmica foi fundamental para o seu elevado teor de LL. Por fim, o índice de plasticidade (IP) indica a faixa de consistência plástica de uma matéria-prima argilosa.Este índice é obtido através da subtração entre o LL e LP. O maior teor de IP da massa cerâmica em relação à argila fundente indica que a primeira suporta uma maior variação na água de conformação sem mudança do estado plástico. 3.2. Características das composições De acordo com a Tabela IV, observa-se que com o incremento de argila fundente incorporada à massa cerâmica, ocorre um aumento de SiO2, aumento de óxidos fundentes e redução de Al2O3 e da perda ao fogo (PF). Composições MI M0AF M20AF M30AF SiO2 42.49 44,98 47,46 49,95 Al2O3 29.24 27,83 26,41 25,00 Fe2O3 9.21 8,87 8,53 8,19 TiO2 1.44 1,36 1,28 1,20 CaO 0.24 0,26 0,27 0,29 MgO 1.10 1,14 1,18 1,21 K2O 1.41 1,63 1,85 2,07 Na2O 0.51 0,52 0,53 0,53 PF 14.08 13.17 12.27 11.36 Tabela IV. Composição química das composições (% em massa). Através do gráfico da Figura 3, elaborado a partir dos limites de Atterberg, é possível obter um prognóstico da etapa de conformação por extrusão de matérias- primas argilosas. Observa-se que uma incorporação de até 30% em massa de argila fundente à massa cerâmica praticamente não alterou seu posicionamento no gráfico. Tanto a massa cerâmica quanto as composições elaboradas se situam em torno da região de extrusão adequada e distantes da região de extrusão considerada ótima. Para alcançar a região de extrusão ótima seria necessário incorporar materiais não plásticos na massa cerâmica. Entretanto, pode ocasionar uma redução na resistência mecânica. Figura 3. Prognóstico da etapa de conformação através da plasticidade. (·) Localização das composições. 3.3. Propriedades tecnológicas A Figura 4 mostra o diagrama de gresificação das composições estudadas. Observa-se que a incorporação de argila fundente diminuiu em 50oC a temperatura de início da redução da absorção de água. Nota-se que praticamente não há alteração da absorção de água da composição sem incorporação de argilas fundente M0AF entre 850 e 1000oC. Nas composições com incorporação de argila fundente (M10AF, M20AF e M30AF) a redução da absorção de água inicia-se a 950oC. Estas composições apresentam ainda uma redução mais pronunciada da absorção de água partir de 1050oC. Observa-se também que ocorre Índice de plasticidade L im ite d e pl as tic id ad e Extrusão ótima Extrusão aceitável 15 20 25 30 35 40 0 15 20 25 5 30 40 35 45 10 · · · · JORNADAS SAM/ CONAMET/ SIMPOSIO MATERIA 2003 09-19 799 uma redução da absorção de água com o incremento de argila fundente. Em relação ao parâmetro de retração linear, observa-se que ocorre um incremento deste parâmetro com o aumento da temperatura. Isto ocorre em função da densificação do material. Nota-se também que até 1050oC praticamente não há mudanças significativas nos valores de retração linear com o incremento de argila fundente. 850 900 950 1000 1050 1100 6 9 12 15 18 21 24 A bs or çã o de á gu a (% ) Temperatura ( o C) M0AF M10AF M20AF M30AF 0 2 4 6 8 R etração linear (% ) Figura 4. Diagrama de gresificação das composições. De acordo com a Figura 5, observa-se que ocorre um incremento da tensão de ruptura à flexão de todas as composições com o aumento da temperatura de queima. Este comportamento é bastante conhecido e está associado à redução da porosidade e consolidação microestrutural. Observa-se também que com o aumento da temperatura de queima ocorre um incremento mais significativo da tensão de ruptura à flexão com o aumento do teor de argila fundente. Isto é ainda mais pronunciado com o incremento do teor de argila fundente. Este comportamento é atribuído à maior formação de fase líquida e redução da sua viscosidade. 850 900 950 1000 1050 1100 3 6 9 1215 18 21 Te ns ão d e ru pt ur a à fle xã o (M Pa ) Temperatura ( o C) M0AF M10AF M20AF M30AF Figura 5. Tensão de ruptura à flexão das composições em função da temperatura de queima. 4. CONCLUSÕES Neste trabalho de investigação da influência da adição de argila fundente em massa para telhas de predominância caulinítica, as seguintes conclusões foram obtidas: ÞÞ A argila fundente apresenta elevado teor de óxidos alcalinos, provenientes, sobretudo, dos feldspatos e minerais micáceos. ÞÞ A massa cerâmica caulinítica é caracterizada por apresentar baixo percentual de óxidos alcalinos, elevado teor de alumina e elevada perda ao fogo. Þ Com o incremento de até 30% de argila fundente à massa cerâmica ocorreu uma sensível melhora nas propriedades de queima avaliadas: a absorção de água reduziu e a tensão de ruptura à flexão aumentou. Isto foi mais significativo nas temperaturas mais elevadas. Þ A incorporação de argila fundente na composição de massa além de não alterar o comportamento de extrusão, pode contribuir para a melhoria da qualidade das telhas cerâmicas do município de Campos. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à FAPERJ (proc. E- 26/151.544/2001) pelo apoio financeiro. 5. REFERÊNCIAS [1] C. M. F. Vieira, J. Alexandre, e S. N. Monteiro, “CONAMET/SAM-SIMPOSIO MATERIA 2002”, Santiago, 2002, pp. 673-676. [2] C. M F. Vieira, J.N.F. Holanda, e D.G. Pinatti, Cerâmica, 46, 2000, pp. 14-17. [3] C. M F. Vieira, e S.N. Monteiro, Tile & Brick Int., 18, 2002, pp. 152-157. [4] H. G. Riella, E. U. de C. Franjndlich, e M. Durazzo, Cerâmica Industrial, 7, 2002, pp. 33-36. [5] M. G. Fonseca, G. R. de Paula, R. A. Teixeira, F. G. Melchiades, e A. O. Boschi,, “Anais do 43o Congresso Brasileiro de Cerâmica”, organizado pela ABC, Florianópolis, 1999, pp. 44301-44312. [6] C. M. F. Vieira, B. R. Cardoso, e S. N. Monteiro, Cerâmica Informação, 2002, pp. 38-42. [7] W. D. Kingery, H. K. Bowen, e D. R. Uhlmann, “Introduction to Ceramics”, Ed. A Wiley Interscience Publication, New Cork, 1976, p. 1032. [8] J. F. M. Motta, A. Zanardo, e M. C. Junior, Cerâmica Industrial, 6, 2001, pp. 28-39. [9] NBR – 7180, “Determinação do Limite de Plasticidade”, ABNT, Rio de Janeiro,1984, p. 4. [10] NBR – 6459, “Determinação do Limite de Liquidez”, ABNT, Rio de Janeiro, 1984, p. 4. [11] C. R. de Oliveira, J. Castral Jr, C. V. dos Santos, C. Bolfarini, e L. C. Chiari, “Anais do 44o Congresso Brasileiro de Cerâmica”, organizado pela ABC, São Pedro, 2000, pp. 19001-19011. [12] C. V. dos Santos, A. A. P. Chagas, e J. Castral Jr, “Anais do 43o Congresso Brasileiro de Cerâmica”, organizado pela ABC, Florianópolis, 1999, pp. 7701- 7711.
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