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Pagamento: conceito, natureza jurídica e características
 Toda obrigação tende ao pagamento, adimplemento ou cumprimento. Aqui as expressões são usadas como sinônimas. Considerando que o vínculo obrigacional é, em primeira instância, voltado à satisfação do credor, o estado fisiológico desta relação jurídica pode ser encontrado no pagamento. Pagamento, em linhas gerais, é a realização da conduta devida, podendo consistir em uma entrega (obrigações de dar), em uma ação positiva do devedor em favor do credor (obrigações de fazer) ou na abstenção da prática de determinado ato (obrigações de não fazer). Para Orlando Gomes, o pagamento é, ao mesmo tempo, modo de extinção e efeito das obrigações. É o modo natural de extinção de toda relação obrigacional, tendo como consequência a liberação do devedor1 . Suponha, por exemplo, que A, devedor, esteja obrigado a entregar dez toneladas de feijão tipo “1” a B, credor, até o dia 02/12/2015. O pagamento ocorrerá com a efetiva entrega do objeto descrito no prazo e modo previstos no título que originou a obrigação. Caso isso ocorra, o devedor estará liberado do vínculo. Contudo, se A entregou apenas cinco toneladas de feijão a B ou não observou a qualidade prevista ou mesmo se só veio a entregar o produto cinco dias após o prazo, haverá inadimplemento, pois não se observaram o tempo, lugar ou forma estabelecidos na lei ou na convenção, com as consequências que serão estudadas no próximo capítulo2 . É preciso desvincular a noção de pagamento aqui estudada, que parte de um conceito técnico-jurídico, daquela comumente utilizada, geralmente vinculada à quantia em dinheiro. Aqui, pagamento é noção mais ampla, que envolve a execução, pelo devedor, do objeto da obrigação. Diante destes elementos, é possível conceituar pagamento ou cumprimento como o modo natural de extinção das obrigações, que consiste na realização, pelo devedor, da prestação prevista na lei ou na convenção, podendo residir em um dar, fazer ou não fazer, resultando na liberação do obrigado. Esse conceito de pagamento, que pode ser denominado como ‘estático’, precisa ser complementado com a noção de obrigação como processo (noção 1 GOMES, Orlando. Obrigações. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 87. 2 Art. 394, Código Civil. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer. 164 • capítulo 6 ‘dinâmica’), já referida em capítulo anterior. Nessa linha, o adimplemento da obrigação envolve a atuação de devedor e credor, que devem cooperar reciprocamente para a satisfação do interesse deste último3 . A par do pagamento em sentido estrito (adimplemento; cumprimento), existem outros modos de extinção da obrigação, que produzem o mesmo resultado daquele: a consignação, a remissão, a compensação, a confusão, a novação, a sub-rogação, a dação e a prescrição. Alguns destes modos serão estudados adiante, neste capítulo. Outros integram o objeto de capítulos distintos e alguns a disciplina Direito Civil I. ATENÇÃO Vale enfatizar que o pagamento não é o único modo de extinção das obrigações: O pagamento é apenas um dos modos de extinção da obrigação, que também pode ocorrer: i) pela execução forçada4 , seja em forma específica, seja pela conversão da presta- ção devida em perdas e danos; ii) pela impossibilidade da prestação; iii) pelos demais modos de extinção regulados no Código, como a novação, a compensação, a confusão e a remissão (arts. 360-388) (TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado: conforme a Constituição da República. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 596). Em tempo, não pode ser ignorado que a afirmação de resultar o pagamento na extinção da obrigação é apenas parcialmente correta. Mesmo adimplida a prestação, poderá a relação jurídica perdurar com relação a algum dos seus aspectos, bastando exemplificar com a compra e venda de um imóvel. Ainda após a transferência da propriedade, o vendedor continuará respondendo pela evicção5 . 3 SILVA, Clóvis do Couto e. Obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. 4 Na lição de Cândido Dinamarco, "executar é dar efetividade e execução é efetivação. A execução forçada, a ser realizada por obra dos juízes e com vista a produzir a satisfação de um direito, tem lugar quando esse resultado prático não é realizado espontaneamente por aquele que em primeiro lugar deveria fazê-lo, ou seja, pelo obrigado". (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. IV. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 31. 5 Art. 447, Código Civil. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública. capítulo 6 • 165 CONCEITO Vocabulário Evicção: Perda total ou parcial da propriedade da coisa alienada, por força de decisão judicial, fundada em motivo jurídico anterior, que a confere a outrem, seu verdadeiro dono, com o reconhecimento, em juízo, da existência de ônus sobre a mesma coisa, não denunciado oportunamente no contrato. (DINIZ. Maria Helena. Dicionário jurídico. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 442). Quanto à natureza jurídica do pagamento, alguns autores consideram tratar-se de ato jurídico stricto sensu (sem conteúdo negocial); outros o caracterizam como negócio jurídico, pois seria uma declaração de vontade acompanhada de elemento anímico complexo: o animus solvendi. Nessa última categoria, há os que ponderam ser o pagamento negócio jurídico bilateral (acordo liberatório entre as partes); enquanto outros enfatizam ser o pagamento negócio jurídico unilateral, pois prescindiria da anuência do credor. Na verdade, o pagamento pode se caracterizar como negócio jurídico unilateral ou bilateral, dependendo das circunstâncias. Após discorrer sobre as correntes que tentam definir a natureza jurídica do pagamento, Orlando Gomes pondera que “não é possível qualificar uniformemente o pagamento. Sua natureza depende da qualidade da prestação e de quem o efetua. Feito por terceiro é um negócio jurídico e, igualmente, se, além de extinguir a obrigação, importa transferência de propriedade da coisa dada pelo solvens ao accipiens, admitida em algumas legislações. Em outras modalidades, é ato jurídico ‘stricto sensu6’ ”. ATENÇÃO Não se pode ignorar a figura do adimplemento substancial, que consiste, segundo Paulo Lôbo, no “adimplemento parcial em nível suficiente a satisfazer o crédito, não se lhe aplicando as consequências da mora, principalmente a da resolução do negócio jurídico”. (LÔBO, Paulo. Direito civil: obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 207). Imagine que uma pessoa adquiriu um bem por meio de contrato de compra e venda que previa o pagamento de 20 parcelas mensais. Tendo efetuado o pagamento de 19 e deixado de cumprir a última, não 6 GOMES, Orlando. Op. cit, p. 92. 166 • capítulo 6 é lícito ao credor buscar desfazer o acordo por inadimplemento por força dos princípios da boa-fé, da vedação do abuso do direito e da função social do contrato, devendo ser reconhecido o adimplemento substancial da obrigação, devendo o credor utilizar outros meios para satisfação da única prestação não paga. Sintetizando as características do pagamento, leciona Caio Mário da Silva Pereira que “num resumo preciso das qualidades e dos requisitos do objeto do pagamento, deve ele reunir a identidade, a integridade e a indivisibilidade, isto é: o solvens tem de prestar o devido, todo o devido, e por inteiro7 ”. 
Atos Unilaterais 8 234 • capítulo 8
 Compreendido todo o ciclo vital da obrigação, passa-se ao estudo dos atos unilaterais como fontes de obrigação. Você já deve ter visto em algum lugar alguém prometer recompensa por bem perdido, já deve ter lido sobre concursos de monografias que premiam o vencedor ou mesmo já ter pedido a devolução de algum pagamento em duplicidade que fez. Todos esses atos são fontes de obrigações - os chamados atos unilaterais. Neste capítulo, estudaremosa disciplina legal dos atos unilaterais contidos no Código Civil. OBJETIVOS •  Compreender os atos unilaterais como fontes de obrigação; •  Estudar a promessa de recompensa e seus efeitos; •  Compreender a gestão de negócios e os seus principais reflexos jurídicos; •  Analisar o pagamento indevido e seus efeitos; •  Entender a vedação ao enriquecimento sem causa e as suas implicações. capítulo 8 • 235 8.1 Promessa de recompensa Como ensina Orlando Gomes1 , “mediante anúncio público, pode alguém prometer recompensa ou gratificação a quem preencha certa condição ou desempenhe determinado serviço. Tal promessa cria, por declaração unilateral de vontade, a obrigação de recompensa ou gratificar”. É conceito extraído da dicção do art. 854, CC2 . A validade da promessa de recompensa é subordinada aos requisitos dos negócios jurídicos em geral, devendo o agente ser capaz, o objeto lícito, possí- vel, determinado ou determinável e a forma prescrita ou não na defesa em lei (art. 104, CC). Como requisito específico, a figura exige a publicidade, concretizada por meio de anúncios públicos. Nos termos do art. 855, CC3 , quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço ou satisfizer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a recompensa estipulada. É essencial compreender que aquele que cumpre a tarefa ou preenche a condição faz jus à recompensa ou gratificação, mesmo desconhecendo a existência ou o conteúdo da promessa. Como ensina Maria Helena Diniz4 , “a recompensa pode consistir na entrega de dinheiro, troféu, medalha ou na realização de certa obrigação de fazer (tratamento médico gratuito, viagens turísticas) ou não fazer (ato de deixar de cobrar débito pendente, por parte do promitente, a quem preencher certa condição imposta)”. Imagine que Luís perdeu seu cão de estimação, Sancho Pança. Desesperado, espalhou por todo o bairro panfletos com a foto do animal, oferecendo R$ 500,00 a quem o encontrar. Pedro acha o cãozinho e devolve-o ao dono. Terá direito à recompensa, quer tenha tomado prévia ciência da promessa, quer não5 . 1 GOMES, Orlando. Obrigações. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 243. 2 Art. 854, Código Civil. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido. 3 Art. 855, Código Civil. Quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço, ou satisfizer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a recompensa estipulada. 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 3. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 245 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 794. 5 Vale ressaltar que o art. 1.234, CC, estabelece que a pessoa que restituir ao dono coisa perdida terá direito a uma recompensa não inferior a 5% do valor do bem (o chamado achádego), além de indenização pelas despesas com conservação e transporte da coisa. Esse artigo, no entanto, harmoniza-se perfeitamente com a promessa de recompensa - basta pensar que o valor da recompensa é maior do que o valor mínimo fixado no art. 1.234, CC; neste caso, a quantia prometida pelo devedor prevalecerá sobre a importância de 5% referida no art. 1.234, CC, ainda que a pessoa que devolva o bem ao dono não tenha conhecimento da promessa de recompensa. 236 • capítulo 8 A promessa de recompensa pode ser revogada até a realização do serviço ou satisfação da condição e desde que observada a mesma publicidade. Depois disso, a revogação torna-se impossível. É lícito ao promitente assinalar prazo para a execução da tarefa. Nesse caso, todavia, entende-se que renunciou ao direito de retirar a oferta, durante o prazo que assinalou. De toda sorte, o candidato de boa-fé terá direito de ser reembolsado das despesas que efetuou na execução da tarefa, até a retirada da promessa6 . Pode acontecer de, pela natureza da tarefa, mais de um candidato conseguir executá-la. Se isso suceder, terá direito à recompensa o que primeiro a executou, conforme o art. 857, CC7 . Sendo simultânea a execução, a cada um caberá parte igual na recompensa, desde que divisível seu objeto (e.g., quantia em dinheiro). Se indivisível (como no caso de um automóvel), será atribuída por sorteio e o que obtiver a coisa dará ao outro o valor de sua parte (art. 858, CC8 ). O art. 859, CC9 disciplina uma espécie de promessa de recompensa, o concurso com promessa pública de recompensa. Nessa hipótese, para Maria Helena Diniz, “a promessa de recompensa poderá ser condicionada à realiza- ção de uma competição entre os interessados na prestação da obrigação, efetivando-se mediante concurso (literário, artístico, científico, esportivo etc.), ou seja, certame em que o promitente oferece um prêmio a quem, dentre várias pessoas, apresentar o melhor resultado. Várias pessoas se propõem a realizar uma tarefa, em busca de um prêmio que somente será conferido ao melhor10” . Em complemento, esclarece Gustavo Tepedino que O concurso se destina à apresentação de trabalhos e soluções oferecidas pelos aspirantes ao prêmio, cuja comprovação deve ser feita por meio das condições previstas no anúncio11 . 6 Art. 856, Código Civil. Antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, pode o promitente revogar a promessa, contanto que o faça com a mesma publicidade; se houver assinado prazo à execução da tarefa, entenderse-á que renuncia o arbítrio de retirar, durante ele, a oferta. 7 Art. 857, Código Civil. Se o ato contemplado na promessa for praticado por mais de um indivíduo, terá direito à recompensa o que primeiro o executou. 8 Art. 858, Código Civil. Sendo simultânea a execução, a cada um tocará quinhão igual na recompensa; se esta não for divisível, conferir-se-á por sorteio, e o que obtiver a coisa dará ao outro o valor de seu quinhão. 9 Art. 859, Código Civil. Nos concursos que se abrirem com promessa pública de recompensa, é condição essencial, para valerem, a fixação de um prazo, observadas também as disposições dos parágrafos seguintes. §1o. A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os interessados. §2o. Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se apresentarem, entender-se-á que o promitente se reservou essa função. §3o. Se os trabalhos tiverem mérito igual, proceder-se-á de acordo com os arts. 857 e 858. 10 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 797. 11 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de (org). Código civil interpretado: conforme a Constituição da República. Vol. II. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 698. capítulo 8 • 237 Como requisitos essenciais do concurso com promessa de recompensa, exige a lei: a) a estipulação de um prazo (art. 859, caput, CC); a indicação do juiz (ou juízes) que avaliará (avaliarão) os trabalhos, devendo ser entendido que, na falta de designação dessa pessoa, o promitente reservou-se essa função (art. 859, §2o, CC). A decisão da pessoa nomeada como juiz vincula e obriga os interessados, que deverão se submeter ao resultado (art. 859, §2o, CC). Se houver mais de um vencedor (mérito igual), serão aplicadas as regras dos artigos 857 e 858, CC, vistas anteriormente, tudo nos termos do art. 859, §3o, CC. Por último, as obras premiadas no concurso com promessa de recompensa, como regra, pertencem aos seus autores intelectuais. Nada impede, todavia, que a oferta estipule que ficarão pertencendo ao promitente12 . 8.2 Gestão de negócios Para Antônio Menezes Cordeiro13 , “[...] há gestão de negócios quando alguém sem autorização atua no âmbito da autonomia privada doutrem, isto é, quando utiliza, em proveito de outra pessoa, uma permissão normativa de atuação jurígena que a esta última era conferida pelo Direito, sem para tanto ter habilitação jurídica”. Já na lição de Maria Helena Diniz14 “a gestão de negócios (negotiorum gestio) é a intervenção, não autorizada, de uma pessoa (gestor de negócio – negotiorum gestor) na direção dos negócios de uma outra (dono do negócio – dominusnegotii), feita segundo o interesse, a vontade presumível e por conta desta última”. Ambos os conceitos podem ser extraídos do art. 861, CC: aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar15 . 12 Art. 860, Código Civil. As obras premiadas, nos concursos de que trata o artigo antecedente, só ficarão pertencendo ao promitente, se assim for estipulado na publicação da promessa. 13 CORDEIRO, Antonio Menezes. Direito das Obrigações. Vol. 2. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, p. 11. 14 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 799. 15 Art. 861, Código Civil. Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar. 238 • capítulo 8 Importante referir que a expressão negócio deve ser tomada em uma acep- ção ampla, correspondendo a qualquer relação de interesse do credor. O negó- cio a ser gerido pode ser, por exemplo, o pagamento de alimentos ao filho do dono do dominus negotti. ATENÇÃO Na doutrina de Orlando Gomes, são requisitos da gestão de negócios: “1o ) negotium alienum; 2o ) utiliter coeptum; 3o ) animus negotia aliena geranti. Tais requisitos são necessários ao nascimento das obrigações do dominus e do gestor. Indispensável, em primeiro lugar, que o negócio seja alheio, isto é, que a gestão importe ingerência no patrimônio de outra pessoa. Para acentuar o requisito, dizem alguns, gestão de negócios de outrem. Em seguida, é preciso que o gestor exerça a atividade conforme o interesse do dominus; que a este seja útil sua ingerência. Por fim, importa que, ao fazê-lo, o gestor tenha intenção de ser útil ao dono do negócio” (GOMES, Orlando. Contratos. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 386). Imagine que Rita, senhora idosa, que mora sozinha com sua cadela Donzela, tenha sentido um mal-estar súbito, necessitando de internação urgente. Nesse mesmo dia, Donzela escapa da casa e é atropelada por um veículo. Marisa, vizinha de Rita, leva a cadela ao veterinário e arca com todas as despesas do atendimento. Nesse caso, Marisa agiu como gestora de negócios de Rita, em proveito desta, e deverá ser ressarcida das despesas para o atendimento de Donzela. O ressarcimento, pelo beneficiado, das despesas realizadas pelo gestor é essencial, pois, do contrário, haveria enriquecimento sem causa do dono do negócio, figura que será analisada adiante. Não pode ser ignorado que o gestor deve agir com diligência, respondendo por danos causados ao dono do negócio, desde que decorrentes de culpa (CC, 86616 ). Assim, no exemplo dado, se Marisa, dirigindo sem observar os cuidados impostos pelo Código de Trânsito Brasileiro, ultrapassasse a preferencial com seu veículo, causando um acidente que mataria Donzela, ela deverá indenizar Rita. 16 Art. 866, Código Civil. O gestor envidará toda sua diligência habitual na administração do negócio, ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer culpa na gestão. capítulo 8 • 239 Comentando o art. 867, CC17 , ensina Gustavo Tepedino: “O gestor, ao assumir a gestão, o faz de forma livre e espontânea, assumindo a obrigação de exercê-la pessoalmente. Entretanto, se eventualmente se fizer substituir, deve ficar responsável não só pelas faltas do substituto, mas permanecer, junto com este, responsável pela gestão18”. O autor destaca que a regra possui viés extremamente patrimonialista, devendo ser analisada a conveniência de imposição de tão severa responsabilidade à pessoa que age, geralmente, por generosidade19. Retornando ao exemplo, se Marisa, por algum motivo, não pudesse se afastar de sua residência para levar Donzela ao veterinário, acionando seu filho Mário, e este se envolvesse no acidente de veículo por culpa sua, ambos responderiam solidariamente pelos prejuízos sofridos por Rita. Como visto, em regra o gestor responde por sua atuação culposa (art. 866, CC). Contudo, responderá mesmo pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas, ainda que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse do dono em proveito de interesses seus (art. 868, CC). Nesse caso, querendo o dono aproveitar-se da gestão arriscada, será obrigado a indenizar as despesas necessárias realizadas pelo gestor e os prejuízos que este tiver sofrido em virtude da gestão (CC, 868, parágrafo único20 ). Imagine que João, fazendeiro vizinho de Castro, sabendo que este desapareceu há alguns dias sem deixar ninguém para gerir sua plantação, decida proceder à colheita dos frutos de Castro, que já estão maduros. De posse do maquiná- rio de Castro, João opta por iniciar a colheita em sua fazenda. Nesse dia cai uma geada que destrói a plantação de Castro. João deverá indenizar. É da essência da gestão de negócios a inexistência de oposição ou proibição da parte do dono do negócio, sendo vedada a atuação, inclusive, quando contrária à vontade presumível do interessado, conforme estatui o art. 862, CC21. Haverá, aqui, um agravamento da responsabilidade do gestor, que responderá inclusive por casos fortuitos, caso não prove que teriam ocorrido ainda que não 17 Art. 867, Código Civil. Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do substituto, ainda que seja pessoa idônea, sem prejuízo da ação que a ele, ou ao dono do negócio, contra ela possa caber. Parágrafo único. Havendo mais de um gestor, solidária será a sua responsabilidade. 18 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. p. 717. 19 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. p. 718. 20 Art. 868, Código Civil. O gestor responde pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas, ainda que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse deste em proveito de interesses seus. Parágrafo único. Querendo o dono aproveitar-se da gestão, será obrigado a indenizar o gestor das despesas necessárias que tiver feito e dos prejuízos, que por motivo da gestão, houver sofrido. 21 Art. 862, Código Civil. Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido. 240 • capítulo 8 houvesse atuado. De todo modo, nada impede que o dono do negócio ratifique ou confirme a gestão, mesmo depois de tê-la proibido. ATENÇÃO Para Caio Mário da Silva Pereira, “se tiver havido intervenção contra a vontade manifesta do dono, já não há gestão, ao contrário do que enganosamente menciona o art. 862 do Código Civil, porém ato ilícito, com aplicação dos preceitos a este pertinente”. (PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. 3. Declaração unilateral de vontade. Responsabilidade civil. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 380). Em complemento, na hipótese de oposição do dono do negócio ou de atua- ção contrária à sua vontade presumível, prevê o art. 863, CC22 , caso os prejuízos da gestão excedam o seu proveito, duas alternativas àquele: exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior ou indenize-o da diferença. O Código Civil prevê duas exceções à regra do art. 862 em seus artigos 87123 e 87224 . Na primeira, imagine que os pais se ausentaram por emergência e um terceiro assumiu a despesas com a alimentação de seu filho menor. Na segunda hipótese, pense no pai idoso que veio a falecer durante viagem de seu único filho, arcando o terceiro com os valores relativos ao funeral. Em ambas as situações, o terceiro terá o direito de ser ressarcido de tais despesas, ainda que o devedor não ratifique o ato. CONCEITO Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que a mãe deveria ser considerada gestora de negócios do pai, único obrigado a prestar alimentos aos filhos, nos termos de sentença revisional de alimentos, devendo ser ressarcida dos valores que despendeu com22 Art. 863, Código Civil. No caso do artigo antecedente, se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, poderá o dono do negócio exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior, ou o indenize da diferença. 23 Art. 871, Código Civil. Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique 24 Art. 872, Código Civil. Nas despesas do enterro, proporcionadas aos usos locais e à condição do falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a obrigação de alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens. Parágrafo único. Cessa o disposto neste artigo e no antecedente, em se provando que o gestor fez essas despesas com o simples intento de bem-fazer. capítulo 8 • 241 despesas de primeira necessidade (plano de saúde, despesas dentárias, mensalidades e materiais escolares): Recurso Especial. Direito de Família. Alimentos. Inadimplemento. Genitora que Assume Os Encargos que Eram de Responsabilidade do Pai. Caracterização da Gestão de Negócios. Art. 871 Do Cc. Sub-Rogação Afastada. Reembolso do Crédito. Natureza Pessoal. Prescri- ção. Prazo Geral do Art. 205 Do Cc. 1. Segundo o art. 871 do CC, "quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato". 2. A razão de ser do instituto, notadamente por afastar eventual necessidade de concordância do devedor, é conferir a máxima proteção ao alimentário e, ao mesmo tempo, garantir àqueles que prestam socorro o direito de reembolso pelas despesas despendidas, evitando o enriquecimento sem causa do devedor de alimentos. Nessas situações, não se fala em sub-rogação, haja vista que o credor não pode ser considerado terceiro interessado, não podendo ser futuramente obrigado na quitação do débito. 3. Na hipótese, a recorrente ajuizou ação de cobrança pleiteando o reembolso dos valores despendidos para o custeio de despesas de primeira necessidade de seus filhos - plano de saúde, despesas dentárias, mensalidades e materiais escolares -, que eram de inteira responsabilidade do pai, conforme sentença revisional de alimentos. Reconhecida a incidência da gestão de negócios, deve-se ter, com relação ao reembolso de valores, o tratamento conferido ao terceiro não interessado, notadamente por não haver sub-rogação, nos termos do art. 305 do CC. 4. Assim, tendo-se em conta que a pretensão do terceiro ao reembolso de seu crédito tem natureza pessoal (não se situando no âmbito do direito de família), de que se trata de terceiro não interessado - gestor de negócios sui generis -, bem como afastados eventuais argumentos de exoneração do devedor que poderiam elidir a pretensão material originária, não se tem como reconhecer a prescrição no presente caso. 5. Isso porque a prescrição a incidir na espécie não é a prevista no art. 206, § 2º, do Código Civil - 2 (dois) anos para a pretensão de cobrança de prestações alimentares -, mas a regra geral prevista no caput do dispositivo, segundo a qual a prescrição ocorre em 10 (dez) anos quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. 6. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1453838/SP, Rel. Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 07/12/2015) 242 • capítulo 8 Nos termos do art. 864, CC25 , deverá o gestor comunicar ao dono do negó- cio o início dos atos de gestão, aguardando resposta sobre o prosseguimento e eventuais orientações acerta de providências a serem adotadas, a não ser que da demora resulte perigo. Imagine, no primeiro exemplo dado, que Rita ficou inconsciente. Aqui Marisa não tem como comunicar-lhe que levará Donzela ao veterinário e aguardar resposta, existindo urgência no atendimento à cadela. Sob outro aspecto, conforme prescreve o art. 865. CC26 , iniciada a prática dos atos de gestão, deverá o gestor prosseguir até o final, uma vez que não tenha recebido retorno do dono do negócios. Se este vier a falecer, deverá aguardar instruções dos herdeiros, sem deixar de praticar os atos necessários para o resguardo do interesse em jogo. Nos termos do art. 869, CC27 , se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, devendo reembolsar as despesas necessárias ou úteis feitas pelo gestor, com juros legais, desde o desembolso, além dos prejuízos por este sofridos. Imagine, retornando ao primeiro exemplo, que Marisa precisou desembolsar R$ 50,00 para abastecer de gasolina seu carro, ao levar Donzela para o veterinário. Por outro lado, a cadela vomitou no assento do veículo, exigindo R$ 30,00 para lavagem. Pois bem. A obrigação relativa ao atendimento veterinário é assumida por Rita, que deverá ainda ressarcir Marisa pelas despesas realizadas (R$ 50,00; combustível) e prejuízos sofridos (R$ 30,00; lavagem do veículo). Conforme o art. 869, § 1o, CC, a utilidade ou necessidade da despesa deve ser apreciada não pelo resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que foram efetuadas. Pense que, mesmo com todo o esforço e diligência de Marisa, Donzela não resistiu e morreu no consultório veterinário. Ora, não foi possível salvar a cadela, mas Rita deverá ressarcir Marisa ainda assim pelas despesas e prejuízos. 25 Art. 864, Código Civil. Tanto que se possa, comunicará o gestor ao dono do negócio a gestão que assumiu, aguardando-lhe a resposta, se da espera não resultar perigo. 26 Art. 865, Código Civil. Enquanto o dono não providenciar, velará o gestor pelo negócio, até o levar a cabo, esperando, se aquele falecer durante a gestão, as instruções dos herdeiros, sem se descuidar, entretanto, das medidas que o caso reclame. 27 Art. 869, Código Civil. Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão. § 1o A utilidade, ou necessidade, da despesa, apreciar-se-á não pelo resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem. § 2o Vigora o disposto neste artigo, ainda quando o gestor, em erro quanto ao dono do negócio, der a outra pessoa as contas da gestão. capítulo 8 • 243 Por último, por força do art. 869, § 2o, CC, vigora a regra em comento, ou seja, a vinculação do dono do negócio à obrigação contraída e o dever de ressarcir despesas e prejuízos ainda quando o gestor, em erro quanto ao dono do negócio, der a outra pessoa as contas da gestão. Assim, pouco importa que o gestor desconheça o verdadeiro dono do negócio. A regra do art. 869, CC, ou seja, o dever de o dono do negócio reembolsar despesas e ressarcir prejuízos incidirá sempre que a gestão se proponha a evitar prejuízos iminentes, ou redunde em proveito do dono do negócio ou da coisa. Nessas duas hipóteses, existe presunção legal de que a gestão se deu no interesse do dono do negócio, ficando obrigado naquelas parcelas. De todo modo, a indenização ao gestor não excederá, em importância, as vantagens obtidas com a gestão. É a regra do art. 870, CC28 . Nos termos estatuídos pelo art. 873, CC29 , a ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão e produz todos os efeitos do mandato. Ratificar é confirmar. Ao ratificar os atos praticados pelo gestor, o dono do negócio os confirma com eficácia retroativa (“ao dia do começo da gestão”). Ao afirmar que serão produzidos todos os efeitos do contrato de mandato (CC, arts. 653-666), contudo, o legislador não equiparou as figuras. Basta recordar que a gestão de negócios pressupõe a ausência de habilitação jurídica, como visto no conceito de Antônio Menezes Cordeiro exposto no iní- cio do tema. Do contrário, se o dono do negócio ou da coisa desaprovar a gestão, considerando-a contrária aos seus interesses, serão aplicadas as regras já analisadas dos arts. 862 e 863, ressalvadoo disposto nos arts. 869 e 870, todos do Código Civil. Por fim, conforme o art. 875, CC30 , existindo conexão entre os negócios alheios e aqueles do gestor, de tal maneira que não se possam gerir separadamente, o gestor será reputado sócio daquele cujos interesses gerir em conjunto com os seus. Contudo, nesse caso, aquele em cujo benefício interveio o gestor só é obrigado na razão das vantagens que obtiver. 28 Art. 870, Código Civil. Aplica-se a disposição do artigo antecedente, quando a gestão se proponha a acudir a prejuízos iminentes, ou redunde em proveito do dono do negócio ou da coisa; mas a indenização ao gestor não excederá, em importância, as vantagens obtidas com a gestão. 29 Art. 873, Código Civil. A ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão e produz todos os efeitos do mandato. 30 Art. 875, Código Civil. Se os negócios alheios forem conexos ao do gestor, de tal arte que se não possam gerir separadamente, haver-se-á o gestor por sócio daquele cujos interesses agenciar de envolta com os seus. Parágrafo único. No caso deste artigo, aquele em cujo benefício interveio o gestor só é obrigado na razão das vantagens que lograr. 244 • capítulo 8 8.3 Pagamento indevido Para Paulo Lôbo31 “o pagamento indevido é o adimplemento que se fez sem causa jurídica. Todo aquele que pagou o que não devia tem direito a pedir de volta a prestação; a ação própria é a de repetição (de repetere, pedir de volta) do indébito. Constitui espécie do gênero enriquecimento sem causa. No rigor dos termos, indevido é o recebimento e não o pagamento em si”. É nesse sentido que o art. 876, CC, impõe àquele que recebeu o que não lhe era devido a obrigação de restituir, com a necessária atualização dos valores monetários (art. 884, CC32 ). Imagine que um médico cobre de um paciente, que se utiliza do Sistema Único de Saúde (SUS), determinada quantia para a realização de intervenção cirúrgica. Considerando que a gratuidade é um dos princípios básicos do SUS na CRFB (arts. 196 e ss.), o pagamento é indevido, cabendo ao paciente a repetição do valor pago (indébito). Com Gustavo Tepedino33 podemos indicar como requisitos para a configuração do pagamento indevido: a) a realização do pagamento; b) a ausência de causa jurídica, que ocorreria, geralmente, em quatro situações: i) quando a obrigação já estava extinta na época do pagamento; ii) se depende de condi- ção suspensiva para a obrigação se tornar exigível; iii) quando, mesmo válida a obrigação, o accipiens não é o verdadeiro credor e, na mesma situação, o solvens não é o verdadeiro devedor e iv) quando a obrigação nunca existiu, embora o devedor acreditasse na sua existência; c) o pagamento tenha sido feito por erro; sem a prova do erro, que cabe ao devedor, presume-se ter havido doação; d) a inexistência de motivo legal que impeça a repetição, como nas hipóteses de pagamento de dívida prescrita ou de obrigação judicialmente inexigível (art. 882, CC34 ), e.g., pagamento de dívida de jogo, ou quando o que pagou o fez para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei, devendo o pagamento 31 LÔBO, Paulo. Direito civil: obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 299. 32 Art. 884, Código Civil. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. 33 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de (org). Op. cit. pp. 733-734. 34 Art. 882, Código Civil. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível. capítulo 8 • 245 reverter em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz (art. 883, CC35 ) 36. Nos termos do art. 877, CC, àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro37 . A regra não se aplica a toda e qualquer espécie de pagamento indevido, mas àquele realizado voluntariamente. A distinção é importante, pois existem situações nas quais o pagamento não pode ser considerado voluntário, como no caso do pagamento de tributos. O contribuinte que pagou indevidamente não precisa provar o erro para repetir o indébito. ATENÇÃO Para Gustavo Tepedino “não se deve conferir a todo e qualquer erro o mesmo efeito. Para fins de repetição do indébito considera-se o erro capaz de anular um negócio jurídico, ou seja, nos termos do art. 138 do CC, o erro substancial. Entendimento diverso levaria à instabilidade das relações jurídicas, pois privilegiaria o descuido e o descaso. De qualquer forma, o erro pode ser de fato ou de direito, pode versar sobre a causa do pagamento, sobre as pessoas envolvidas ou sobre o objeto da obrigação”. TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de (org). Op. cit. p. 737. A boa-fé ou a má-fé daquele que recebeu o pagamento indevido pode determinar distintas consequências no dever de restituição. Assim, se o pagamento consistiu na entrega de bem imóvel, aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido deve-se aplicar a disciplina reservada ao possuidor de boa-fé ou de má-fé, conforme o caso (CC, 1.210-1.222)38 . Exemplificando, se Renato recebeu imóvel rural por erro de Anízio, que imaginava estar realizando pagamento, tendo Renato perfeita ciência de não ser o verdadeiro credor, no momento de restituir deverá indenizar o devedor 35 Art. 883, Código Civil. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei. Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz. 36 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de (org). Op. cit., p. 734. 37 Art. 877, Código Civil. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro. 38 Art. 878, Código Civil. Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto neste Código sobre o possuidor de boa-fé ou de má-fé, conforme o caso. 246 • capítulo 8 por todos os frutos colhidos, na dicção do CC, 1.216. Se, no entanto, agiu de boa-fé, não precisará indenizar Anízio pelos frutos. Ainda na situação de pagamento indevido envolvendo imóvel, caso aquele que indevidamente recebeu tenha alienado o bem a terceiro a título oneroso (e.g., por meio de contrato de compra e venda), estando aquele de boa-fé, deverá restituir ao devedor apenas a quantia paga. Se agiu de má-fé, além da quantia paga, indenizará ao solvens perdas e danos (art. 879, caput, CC). A situação do terceiro adquirente de boa-fé é, como regra, preservada. Contudo, se a aliena- ção se deu a título gratuito (por exemplo, por meio de doação), ou se o terceiro agiu de má-fé, caberá ao que pagou por erro o direito de reivindicar o bem (art. 879, parágrafo único, CC39 ). A teor do art. 880, CC, fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o como parte de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas aquele que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador. A regra em questão disciplina a situação do terceiro que paga acreditando tratar-se de dívida própria. Aqui, tendo o credor recebido de boa-fé e tendo a convicção de estar pago, eventualmente descuidará de seu crédito. Nessas condições, não será obrigado a restituir, podendo o terceiro que pagou indevidamente, todavia, propor ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador. A situação muda se o credor recebeu de má-fé, sendo obrigado a restituir ao terceiro que acreditou ser o devedor. O art. 881, CC40 , disciplina o pagamento indevido nas obrigações de fazere de não fazer. Considerando que nessas situações, a prestação daquele que pagou indevidamente, o esforço físico que despendeu, como regra, não poderão ser restituídos, a questão é resolvida por meio de perdas e danos. 39 Art. 879, Código Civil. Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas, se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos. Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação. 40 Art. 881, Código Civil. Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obrigação de indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido. capítulo 8 • 247 8.4 Enriquecimento sem causa O Código Civil de 1916 não disciplinava o enriquecimento sem causa, que era extraído do sistema pela doutrina e pela jurisprudência. O Código Civil em vigor trata da figura nos artigos 884-886. Conforme estatui o CC, 884, aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Pode-se afirmar que o enriquecimento sem causa representa o gênero, sendo o pagamento indevido caso típico dele. Conceituando a figura, ensina Inocêncio Galvão Telles41 que “dá-se o enriquecimento sem causa quando o patrimônio de certa pessoa se valoriza ou deixa de desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista causa justificativa. [...] O enriquecimento sem causa é fonte de obrigação porque o enriquecido fica obrigado a entregar ao outro sujeito o valor do benefício alcan- çado”. Ressalve-se, apenas que o CC, 884, parágrafo único, prevê a restituição in natura quando o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, como será visto adiante. Para Maria Helena Diniz42 , em lição que traduz o fundamento da vedação do locupletamento sem causa, “ninguém pode aumentar seu patrimônio à custa do patrimônio de outrem. A restituição será devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir (CC, art. 88543 )”. Sobre a questão relativa à ausência de causa como requisito para o reconhecimento do enriquecimento injusto, pondera João de Matos Antunes Varela44 que “quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”. Em complemento, a teor do Enunciado n. 35 da I Jornada do CJF, a expressão “se enriquecer à custa de outrem” do art. 884 do novo Código Civil não significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento. Basta a desarmonia ou incompatibilidade entre a deslocação patrimonial e o ordenamento jurídico. 
7.5 Cláusula penal 7.5.1
 Conceito e características A cláusula penal (stipulatio poenae), também chamada de multa contratual ou pena convencional, é “um pacto acessório, pelo qual as próprias partes contratantes estipulam, de antemão, pena pecuniária ou não, contra a parte infringente da obrigação, como consequência de sua inexecução completa culposa ou a de alguma cláusula especial ou de seu retardamento (art. 408, CC), fixando, assim, o valor das perdas e danos e garantindo o exato cumprimento da obriga- ção principal (art. 409, CC53) ”. 50 REsp 1112743/BA, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 31/08/2009. 51 Enunciado n. 164, III Jornada de Direito Civil, CJF. Arts. 406, 2.044 e 2.045: Tendo início a mora do devedor ainda na vigência do Código Civil de 1916, são devidos juros de mora de 6% ao ano, até 10 de janeiro de 2003; a partir de 11 de janeiro de 2003 (data de entrada em vigor do novo Código Civil), passa a incidir o art. 406 do Código Civil de 2002. 52 Art. 407, Código Civil. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes. 53 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 438. 224 • capítulo 7 Em boletos de cobrança, por exemplo, é comum estar presente a fórmula "em caso de atraso no pagamento, acrescentar X% de juros e Y% de multa". A cláusula penal nada mais é do que essa multa. Assim, por exemplo, são cláusulas penais as multas, geralmente elevadas, devidas ao clube de futebol no caso de o jogador rescindir o contrato antes do prazo estabelecido. Do conceito exposto, é possível extrair as características gerais da cláusula penal: – Voluntariedade: a cláusula penal decorre da vontade das partes. As multas fixadas em decisões judiciais (astreintes), embora também apresentem caráter inibitório, não são cláusulas penais. – É uma obrigação acessória que, como tal, segue a obrigação principal. Se a obrigação principal for declarada nula, nula também será a cláusula penal. A cláusula penal pode ser estabelecida concomitantemente à obrigação principal ou em momento posterior, no mesmo instrumento ou em separado (art. 409, primeira parte, CC54 ). – Decorre do inadimplemento culposo da obrigação: o devedor não poderá ser compelido a pagar multa se não agiu com culpa em sentido amplo (art. 408, CC55 ). Daí porque se diz que a cláusula penal está sujeita à condição suspensiva, qual seja o inadimplemento da obrigação, que é evento futuro e incerto. – Possui dupla função, na medida em que visa tanto inibir o descumprimento do contrato ou de algum(ns) de seus dever(es) (função compulsória), quanto antever os possíveis prejuízos e já estabelecer o valor da indenização, reforçando o vínculo obrigacional (função indenizatória). – Pode ser fixada tanto em pecúnia quanto em outro bem, a critério das partes. 7.5.2 Modalidades 7.5.2.1 Cláusula penal compensatória A cláusula penal compensatória é aquela que predetermina o quantum inenizatório das perdas e danos na hipótese de descumprimento da obrigação. A 54 Art. 409, Código Civil. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora. 55 Art. 408, Código Civil. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora. capítulo 7 • 225 exigibilidade da multa ocorre de pleno direito, independentemente da comprovação do efetivo prejuízo (art. 416, caput, CC56 ). Trata-se, em verdade, de presunção absoluta (juris et de jure) de prejuízo. É compensatória, por exemplo, a multa prevista para o caso de um artista contratato para se apresentar em um concerto musical não comparecer ao evento. Daí porque é comum referir como característica específica da cláusula penal compensatória a subsidiariedade, eis que o credor, diante do inadimplemento total da obrigação, poderá, se não quiser mais que a prestação seja realizada, optar pela multa (art. 410, CC57 ). A obrigação, portanto, é convertida em alternativa, pois haverá duas prestações disjuntivas: ou o devedor realiza a prestação ou paga o valor da multa. Claro que se a prestação não for mais possí- vel no plano fático, não haverá mais alternativa ao credor, que só poderá exigir o valor da multa. Se o credor escolher a multa, a obrigação principal deixa de existir, sendo exigível apenas a cláusula penal. Essa escolha, no entanto, compete exclusivamente ao credor, que poderá exigir o cumprimento da obrigação (com os acréscimos decorrentes da mora) ou o pagamento da cláusula penal. A fixação do valor da multa compensatória é livre pelas partes, mas a lei estabelece limite máximo: não pode exceder o valor da obrigação principal (art. 412, CC58), evitando, assim, o enriquecimento sem causa pelo credor. Como a fixação dos prováveis prejuízos é feita antes de o inadimplemento ocorrer, é possível que, no momento do descumprimento culposo da presta- ção, o valor se revele inferior ou excessivo com relação aos danos experimentados pelo credor. Se a multa for manifestamente excessiva59 ou se o contrato houver sido cumprido em parte60 , o juiz pode, inclusive de ofício61 , reduzir 56 Art. 416, Código Civil. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo. 57 Art. 410, Código Civil. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor. 58 Art. 412, Código Civil. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal. 59 Enunciado n. 358, IV Jornada de Direito Civil, CJF: O caráter manifestamente excessivo do valor da cláusula penal não se confunde com a alteração de circunstâncias, a excessiva onerosidade e a frustração do fim do negócio jurídico, que podem incidir autonomamente e possibilitar sua revisão para mais ou para menos. 60 Enunciado n. 359, IV Jornada de Direito Civil, CJF: A redação do art. 413 do Código Civil não impõe que a redução da penalidade seja proporcionalmente idêntica ao percentual adimplido. 61 Enunciado n. 356, IV Jornada de Direito Civil, CJF: Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício. 226 • capítulo 7 proporcionalmente o valor da cláusula penal (art. 413, CC62 ). Essa é uma norma de ordem pública das quais as partes não podem dispor63 . Por exemplo, se a multa pelo não comparecimento de um cantor em um show for maior que o próprio cachê do artista ou superar o lucro que o credor teria com o show, a multa pode ser reduzida. Perceba que a lei fala em manifestamente excessiva, ou seja, é possível que a multa seja levemente maior que o prejuízo sofrido pelo credor (desde que não seja superior ao valor da obrigação principal). Essa margem de liberdade deve ser conferida às partes para, no exercício da autonomia privada, celebrarem negócios jurídicos atraentes e condizentes com as finalidades almejadas. E se a multa acabar revelando-se inferior ao prejuízo? Nesse caso, somente será devida a indenização suplementar (diferença entre o prejuízo efetivamente percebido pelo credor e o valor da multa) se o credor comprovar a insuficiência da cláusula penal e houver disposição expressa das partes nesse sentido (art. 416, parágrafo único, CC64 ). Se as partes tiverem previsto a possibilidade de indenização suplementar, observa Maria Helena Diniz, esta valerá como “mínimo de indenização, devendo o credor demonstrar que o prejuízo excedeu à cláusula penal para ter direito àquela diferença, visando à complementação dos valores para a obtenção da reparação integral a que faz jus65 ”. Digamos que as partes tenham estabelecido multa de R$ 60.000,00 pelo descumprimento de determinada obrigação, com previsão de indenização suplementar, caso necessário. Se, ocorrido o inadimplemento, o credor constatar que os prejuízos efetivamente sofridos foram de R$ 70.000,00, poderá cobrar do devedor a diferença de R$ 10.000,00. Mais uma vez retomamos a ideia de que o valor da multa pode ser interessante ao caráter especulativo do negócio que ela reforça. Se, por exemplo, a multa rescisória de um jogador de futebol for de valor diminuto, o clube corre o risco de perdê-lo no meio do campeonato; por outro 62 Art. 413, Código Civil. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. 63 Enunciado n. 355, IV Jornada de Direito Civil, CJF: Não podem as partes renunciar à possibilidade de redução da cláusula penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública. 64 Art. 416, parágrafo único, Código Civil. Ainda que o prejuízo exceda o previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente. 65 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 448. capítulo 7 • 227 lado, o baixo valor da multa pode ser um atrativo para que jogadores promissores defendam clubes que não têm muitas condições financeiras para arcar com altas remunerações, mas que podem, dada a exposição durante o campeonato, servir de escada para clubes maiores. Esse poder de negociação é importante. Ressalva seja feita quanto aos contratos por adesão. Isso porque o poder de negociação daquele que aceita as cláusulas pré-dispostas pelo outro contratante é bastante reduzido, de maneira que atrelar a possibilidade de complementar a indenização à expressa convenção das partes pode ser bastante desvantajoso ao aderente. Por isso, na V Jornada de Direito Civil, CJF, foi aprovado o Enunciado n. 430, com a seguinte redação: no contrato de adesão, o prejuízo comprovado do aderente que exceder ao previsto na cláusula penal compensatória poderá ser exigido pelo credor independentemente de convenção. CONCEITO Vocabulário Contrato de adesão: "Os contratos por adesão constituem uma oposição à ideia de contrato paritário, por inexistir a liberdade de convenção, visto que excluem a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as partes, uma vez que um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro, aderindo a uma situação contratual já definida em todos os seus termos". (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 3. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 87). Se a obrigação for indivisível e o descumprimento for imputável a apenas um dos devedores, todos os demais devedores serão obrigados a pagar ao credor a sua respectiva quota-parte na multa, resguardado o direito de regresso ao devedor culpado. O credor poderá, portanto, demandar todos os devedores para cobrar a quota-parte de cada um na multa ou exigir a multa por inteiro do devedor culpado (art. 414, CC ). Imagine que A, B e C se obrigaram a entregar um imóvel a D sob pena de multa de R$ 600.000,00. Se o descumprimento da obrigação se deu por culpa de B, A e C são responsáveis, cada um, por R$ 200.000,00, e nada mais lhes poderá ser cobrado. Se pagarem o valor de sua quota-parte a D, poderão recobrá-lo de B. D, porém, poderá direcionar a cobrança dos R$ 600.000,00 diretamente a B. 228 • capítulo 7 Sendo a obrigação divisível, somente o devedor culpado e o seu herdeiro, este nos limites das forças da herança, serão responsáveis pela multa e, ainda assim, de maneira proporcional à sua quota-parte na obrigação (art. 415, CC ). 7.5.2.2 Cláusula penal moratória A cláusula penal moratória é estabelecida, como o próprio nome sugere, para punir o devedor que retarda o cumprimento da obrigação ou em garantia a outra cláusula determinada. Diferentemente da cláusula penal compensatória, a cláusula penal moratória encerra obrigação cumulativa, podendo o devedor exigir tanto o cumprimento da obrigação principal (ou, se for o caso, a sua resolução em perdas e danos), como a multa (art. 411, CC ). O capítulo do Código Civil destinado à disciplina da cláusula penal não fixa o limite máximo da multa moratória. Algumas disposições específicas, no pró- prio Código Civil ou na legislação esparsa, limitam a cláusula penal em determinadas obrigações: é, por exemplo, o caso do art. 1.336, §1o, CC, que prevê que a multa pelo atraso do pagamento da taxa condominial não poderá ser superior a 2%; ou do art. 51, §1o, CDC, que estabelece a multa máxima de 2% nos contratos de consumo. Em todo caso, entende-se que à cláusula penal moratória também é aplicável o art. 413, CC, que possibilita a redução equitativa do valor da multa se esta se revelar excessivamente onerosa ou se o contrato tiver sido parcialmentecumprido. Por derradeiro, ressalte-se que os fatos geradores da cláusula penal moratória e da cláusula penal compensatória são diferentes, pelo que não há óbice para a cumulação das multas. 7.6 Arras ou sinal Para Maria Helena Diniz, “as arras ou sinal vêm a ser a quantia em dinheiro, ou outra coisa fungível, dada por um dos contraentes a outro, a fim de concluir o contrato e, excepcionalmente, assegurar o pontual cumprimento da obrigação66”. 
Atos ilícitos: 
o ato ilícito gera obrigação de reparação de danos, sejam estes patrimoniais ou extrapatrimoniais. É o campo de estudo da responsabilidade civil; 
Art. 187, do Código Civil. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 
Nas obrigações decorrentes de ato ilícito, o devedor é considerado em mora a partir do momento em que praticou o ato (art. 398, CC27 , Súmula n. 54, STJ28 e Recurso Especial repetitivo n. 1114398/PR29 ). Digamos, por exemplo, que A utiliza, sem autorização, a imagem de B em campanha publicitária e, por isso, B ajuiza ação para a compensação do dano moral. O valor fixado pelo juiz deverá ser acrescido de juros moratórios, contados desde o momento em que a campanha foi veiculada (data do evento danoso). O devedor em mora tem que, além de cumprir a prestação, indenizar o credor pelos prejuízos decorrentes do atraso, com a devida atualização monetária 25 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 884. 26 Art. 397, Parágrafo único, Código Civil. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. 27 Art. 398, Código Civil. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou. 28 Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual. 29 No item e da ementa do Recurso foi fixada a seguinte tese: e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso.- Nos termos da Súmula 54/STJ, os juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral. Disponível em: https:// ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1120036νm_ registro=200900679891&data=20120216&formato=PDF. Acesso em 30/10/2015. 212 • capítulo 7 e acrescidos dos juros e das despesas com advogado eventualmente contratado para efetuar a cobrança (art. 395, CC30 ). Outro efeito relevante da mora solvendi é a assunção, pelo devedor, dos riscos pela impossibilidade da prestação (o que inclui a perda ou deterioração da coisa nas obrigações de dar) decorrentes de caso fortuito e força maior. Como já visto, em regra o devedor não responde por riscos causados por fatos alheios à sua vontade; todavia, se ele estiver em mora, deverá arcar com os prejuízos causados pelo caso fortuito e pela força maior, salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada (art. 399, CC31 ). Digamos que A tenha emprestado para B uma motocicleta e B não a tenha devolvido no prazo ajustado. Dois dias após o vencimento da obrigação, uma chuva torrencial no bairro em que mora B provoca uma enchente e vários veículos são arrastados pela correnteza, incluindo a motocicleta emprestada, que na hora do incidente estava parada na porta da casa do devedor. Nesse caso, B terá que responder pelos prejuízos. E se A morar na mesma rua de B? Ora, se a correntenza provocada pela enchente levou todos os veículos que estavam na porta da casa de A, e conseguindo o devedor comprovar que naquele horário A estava em casa e consequentemente a moto também estaria na rua, B não precisará arcar com os prejuízos. A regra do art. 399, segunda parte, CC, não tem por finalidade punir o evento moroso, e sim reparar o dano que tenha por origem a sua mora32 . 
Art. 398, Código Civil. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou. 
3.3.2 Distinção entre obrigação de dar e obrigação de fazer Aparentemente,
 a distinção entre obrigação de dar e obrigação de fazer parece simples: a obrigação de dar é de prestação de coisa enquanto a obrigação de 88 • capítulo 3 fazer é de prestação de um fato. A realidade, porém, é mais complexa, pois há zonas cinzentas entre as duas modalidades das obrigações que por vezes dificultam a classificação. Pode ocorrer, como observa Paulo Lôbo19 , de dar e fazer serem "momentos integrantes da prestação". Vimos como um dos exemplos de obrigação de fazer a obrigação de um pintor de pintar o muro de uma casa. E se não for um muro, e sim um quadro encomendado pelo credor? Nesse caso, o devedor precisa primeiro confeccionar o quadro (fazer) para depois entregá-lo ao credor (dar); há, pois, tanto um fazer quanto um dar envolvidos. E então? A obrigação é de dar ou de fazer? Tanto doutrina quanto jurisprudência, nesse caso apontam que deve ser analisado, caso a caso, qual o dever que prepondera na obrigação, de modo que se o dar pressupõe um fazer, a obrigação é de fazer. Pode-se, a princípio, afirmar que, se antes de entregar o bem, o devedor tiver que elaborá-lo, confeccioná-lo, então a obrigação é de fazer. Portanto, no caso antes mencionado, a solução é simples: ora, se o pintor, antes de entregar o quadro encomendado, precisa pintá-lo, a obrigação é de fazer. A ideia, no entanto, é um pouco mais ampla. Sempre que a obrigação de dar for consequência da obrigação de fazer (independentemente de o devedor ter que confeccionar previamente a coisa), preponderá a prestação do fato, não a da coisa. Veja, por exemplo, a obrigação dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) de fornecer gratuitamente medicamentos aos cidadãos vulneráveis. As crescentes demandas judiciais nesse sentido veiculam pretensões amparadas em obrigações de fazer, não de dar. A obrigação dos entes federativos é, na verdade, a de prestar o serviço de saúde adequado aos cidadãos (art. 196, CRFB20 ), o que inclui atendimentos médicos, ambulatoriais, realização de exames, internações e, também, o fornecimento de medicamentos. Perceba que a dispensação de medicamentos é consequência da prestação do serviço de saúde. Não é correto, portanto, dizer que a sempre que houver tradição da posse ou da propriedade, a obrigação é de dar, eis que muitas vezes haverá tradição também em obrigações de fazer. O critério a ser observado é se a prestação de dar é consectário lógico da obrigação de fazer ou não. 19 LÔBO, Paulo. ob. cit., p. 114. 20 Art. 196, Constituição da República. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 
3.4 Obrigações de não fazer
 A obrigação de não fazer (obligatio ad non faciendum) é aquela em que a presta- ção consiste em uma omissão do devedor, que se abstém da prática de determinada conduta que, não fosse o vínculo obrigacional, poderia praticar. Por isso, costuma-se dizer que, em regra, as obrigações de não fazer são personalíssimas e indivisíveis. O art. 1.303, CC, traz exemplo de obrigação negativa: o proprietário de imó- vel rural não pode levantar construção a menos de 3 (três) metros do terreno vizinho. Também há exemplo de obrigação de não fazer no art. 22, I, a, da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que autoriza que o juiz proíba o agressor de se aproximar da ofendida, seus familiares e testemunhas, podendo inclusive fixar limite mínimo de distância entre estes e o agressor. A obrigação de não fazer também pode surgir da vontade das partes, como ocorre nas servidões prediais em que o proprietário do imóvel serviente se abstém de construir imóvel que obstrua a vista do proprietário do imóvel dominante (servidão de vista). O descumprimento de uma obrigação de fazerocorre no momento em que o devedor pratica a conduta que tem o dever de não praticar. Se, no exemplo do imóvel rural, o proprietário construir a um metro do terreno vizinho, é considerado inadimplente na obrigação de não fazer. Há uma polêmica na doutrina sobre o descumprimento de obrigação de não fazer ser caracterizado como inadimplemento absoluto ou não (art. 390, CC), prevalecendo o entendimento de que o mero descumprimento da obrigação não induz necessariamente ao inadimplemento absoluto. Isso será aprofundado quando estudarmos o inadimplemento das obrigações. Renan Lotufo apresenta interessante classificação das obrigações de não fazer proposta por Maria Ángeles Egusquiza, que adota como critério o tempo 28 Correspondente ao art. 498, NCPC. 94 • capítulo 3 de duração da obrigação: assim, as obrigações negativas podem ser instantâ- neas, quando a conduta negativa refere-se a um único ato do devedor, ou podem ser continuadas, pela exigência do comportamento ser prolongado no tempo, ou, ainda, ser periódicas, a certo prazo. Assim, se uma emissora de televisão é proibida de transmitir parte de um programa musical porque não obteve os direitos de reprodução de uma das músicas há uma obrigação de não fazer instantânea; já o caso de uma servidão de vista é uma obrigação de não fazer continuada. O art. 250, CC, trata da impossibilidade superveniente da prestação de não fazer, estabelecendo que "extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato que se obrigou a não praticar". Esse dispositivo reproduziu o conteúdo do art. 882, CC/16, e ressalta o caráter personalíssimo da obrigação de não fazer. Por outro lado, o art. 251, CC, contempla a hipótese de descumprimento da obrigação, possibilitando ao credor exigir que o devedor desfaça o ato, sob pena de desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado pelas perdas e danos. Pelo teor deste dispositivo, há dois fatores a serem considerados: a) se há interesse do credor em desfazer e b) se o ato do devedor foi culposo ou não. Se o credor ainda tiver interesse, poderá exigir o restabelecimento do status quo ante ou mesmo desfazer às expensas do devedor, mais a reparação das perdas e danos se o devedor agiu com culpa. Se o credor não tiver mais interesse, caberá apenas a resolução da obrigação e, caso tenha havido culpa do devedor, a consequente conversão em perdas e danos. Suponha, por exemplo, um artista que, firmando pacto de exclusividade com uma marca por determinado tempo, descumpra o acordo e apareça em publicidade de marca concorrente. O credor, nesse caso, poderá avaliar se deseja determinar o desfazimento do ato, sem prejuízo da indenização pelos danos sofridos, porém, por mais que a marca prejudicada consiga proibir judicialmente a veiculação do material publicitário, na nossa atual sociedade da informação dificilmente o ato será completamente desfeito e as partes retornarão ao estado anterior, o que pode contribuir para agravar o valor do quantum devido a título de indenização. Vale lembrar que as medidas processuais cabíveis às obrigações de fazer também são aplicáveis às de não fazer, inclusive com relação à multa cominatória. Apenas deve ser ressaltado que, consoante o enunciado n. 410 da Súmula do STJ, a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária capítulo 3 • 95 para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Por mais que o enunciado pareça confuso quanto à natureza da multa, é certo que a jurisprudência do STJ entende tratar-se de multa cominatória (astreintes). Assim como nas obrigações de fazer, o Código Civil também inovou ao prever a possibilidade de autotutela nas obrigações de não fazer, autorizando o credor a, em caso de urgência, desfazer ou mandar desfazer [o ato que deveria se abster], independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento (art. 251, parágrafo único, CC). 
Obrigação personalíssima
Se trata de uma obrigação que só pode ser executada pelo próprio responsável, não cabendo assim qualquer terceirização ou transferência de responsabilidade a outrem.
6.7.2 Pagamento por consignação
 Na lição de Maria Helena Diniz “o pagamento em consignação é o meio indireto de o devedor exonerar-se do liame obrigacional, consistente no depósito em juízo (consignação judicial) ou em estabelecimento bancário (consignação extrajudicial) da coisa devida, nos casos e formas legais (CC, art. 334; CPC, art. 890, §§ 1o a 4o40 ) 41”. As situações que justificam a consignação, previstas no art. 335, CC, podem ser classificadas em subjetivas, se: (inc. I) o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; (inc. II) o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; (inc. III) o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; (inc. IV) ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; ou objetiva, (inc. V), se pender litígio sobre o objeto do pagamento. Os incisos I e II tipificam hipóteses de mora accipiens, ou seja, mora do credor. O inciso III trata de situações que envolvem a incapacidade do credor, que não pode dar quitação, ou quando o accipiens é desconhecido, ou tem sua localização desconhecida, ou encontra-se em lugar de acesso perigoso ou difícil. No inciso IV há dúvida quanto ao sujeito do credor, existindo duas ou mais pessoas que ostentam essa condição. Já o inciso V, que, como visto, envolve causa objetiva, autoriza a consignação quando pende litígio entre o credor e terceiro sobre o objeto do pagamento, a exemplo de penhora que recaia sobre o crédito, situação já analisada. Nesse caso, conforme o art. 344, CC, o devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á 40 O art. 890, CPC/73 corresponde ao art. 539, CPC/15. 41 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 259. 182 • capítulo 6 mediante consignação, mas, se pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo conhecimento do litígio, assumirá o risco do pagamento. Perceba que todas estas situações envolvem hipóteses e circunstâncias excepcionais, que impedem o devedor de pagar. Ora, se o solvens tem o dever de cumprir a obrigação, precisa ter à sua disposição os meios que facultem o pagamento, sempre que existir recusa do credor ou dúvida em torno da figura do accipiens. A doutrina costuma indicar que apenas as obrigações pecuniárias e as obrigações de dar coisas móveis e imóveis são compatíveis com essa modalidade indireta de pagamento, pois a obrigação de fazer e de não fazer, por sua natureza, dispensa a participação do credor, esgotando-se com a ação ou abstenção do devedor42 . ATENÇÃO Cabe referir que o pagamento em consignação, presentes os pressupostos legais, terá eficá- cia liberatória do devedor (art. 337, CC43 e art. 540, CPC/1544 ). Contudo, se este utiliza o instrumento fora das hipóteses legais, não haverá pagamento, sofrendo o consignante todas as consequências de sua conduta, sendo considerado inadimplente. Portanto, a consignação deve observar a todos os requisitos relativos a tempo, modo e lugar do pagamento direto (art. 336, CC), com a ressalva de que não é realizada diretamente ao credor, mas sim por meio de depósito, judicial ou extrajudicial (instituição financeira). Imagine que, em contrato de locação, o locatário, entendendo estar extinto o vínculo, busque devolver ao locador as chaves do imóvel. Caso haja recusa sem justa causa do accipiens, poderá o solvens depositar em juízo as chaves, sendo a situação enquadrada no art. 335, I, CC. Contudo, se o credor tinha motivo justo para não aceitar a entrega, por exemplo, por não ter o locatário observado o dever de restituir a coisa no estado em que lhe foi originariamente entregue, não será reputado válido o pagamento por consignação. 42 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 259. 43 Art. 337, Código Civil. O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante,os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente. 44 Art. 540, Código Civil. Requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, à data do depósito, os juros e os riscos, salvo se a demanda for julgada improcedente. capítulo 6 • 183 A ação de consignação em pagamento é disciplinada no CPC/2015, arts. 539-549, sendo objeto de estudo do Direito Processual Civil, possuindo ritos distintos para a consignação judicial, com depósito do bem em juízo, e extrajudicial, precedida do depósito da quantia em dinheiro em estabelecimento bancário, nos moldes do CPC/2015, art. 539, §§ 1o a 4o. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, e desde que não o impugne, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as consequências de direito (art. 338, CC). Contudo, julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores, terceiros que poderão ser prejudicados pelo levantamento (art. 339, CC). ATENÇÃO Levantar um bem significa resgatá-lo. Assim, quando o devedor requer o levantamento, ele pretende reaver aquilo que foi depositado. Este ato deverá ser autorizado pelo juiz, que determinará a expedição de alvará para autorizar o resgate do bem depositado. Por força do art. 340, CC, o credor que, depois de apresentar contestação ou aceitar o depósito, concordar com o levantamento perderá a preferência e a garantia que lhe competiam com respeito à coisa consignada, ficando para logo desobrigados os codevedores e fiadores que não tenham anuído. Aqui, diversamente do art. 339, CC, que regra situação posterior à extinção da obrigação, a norma versa o curso da ação consignatória. Pode ocorrer de, pela natureza do objeto da prestação, a exemplo de imóvel ou corpo certo, que deva ser entregue no lugar onde está, é lícito ao devedor intimar (citar, na expressão legal) o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de posterior depósito pela via da consignação (art. 341, CC). A intimação servirá para caracterizar a mora accipiendi. Imagine que Reinaldo tenha adquirido uma aeronave de Lúcio. Este poderá notificar (por qualquer meio que garanta a ciência do destinatário) o credor para que venha receber a coisa, assinalando prazo para tanto. Caso reste desatendido o chamado, haverá mora do credor (salvo a existência de motivo justo), autorizando-se a via do pagamento por consignação. 184 • capítulo 6 Se a obrigação tem por objeto a entrega de coisa indeterminada, competindo a escolha ao credor, será ele citado para que exerça a sua faculdade, sob pena de perder esse direito, sendo depositada a coisa que o devedor escolher (art. 342, CC). A regra é aplicável às obrigações de dar coisa incerta e às obrigações alternativas, já estudadas. Imagine que o depósito da coisa envolve custos, como no depósito de animais (estalagem, alimentação, produtos veterinários) ou de produtos de lavoura (armazenagem). Quem deve arcar com esses custos? Tudo dependerá do resultado da ação de consignação (art. 343, CC). Se julgada procedente, serão suportados pelo credor. Do contrário, competirão ao devedor. Normalmente, são legitimados para requerer a consignação o devedor e eventual terceiro interessado. Como exceção, todavia, vencida a dívida e existindo litígio entre credores que buscam excluir-se mutuamente, cada um afirmando ser o único titular do crédito, poderá qualquer deles requerer a consignação, sendo o devedor citado para depositar a coisa em juízo (art. 345, CC). Quanto a obrigações de trato sucessivo, ressalve-se o estatuído pelo art. 541, CPC/2015: tratando-se de prestações sucessivas, consignada uma delas, pode o devedor continuar a depositar, no mesmo processo e sem mais formalidades, as que se forem vencendo, desde que o faça em até 5 (cinco) dias contados da data do respectivo vencimento. 
7.2.2.2.2 Mora do devedor
 A mora do devedor (mora solvendi ou debendi) ocorre quando este deixa de cumprir a prestação no prazo, local e forma estipulados, sendo que a prestação continua possível e de interesse do credor. O art. 396, CC22 , traz ainda um outro elemento essencial para a caracterização da mora solvendi: a imputabilidade do atraso ao devedor. Assim, se o descumprimento da prestação não decorrer de fato ou omissão imputável ao devedor, não ocorrerá mora. O descumprimento fortuito, portanto, não é considerado mora. CURIOSIDADE Na doutrina portuguesa, o descumprimento fortuito de prestação realizável tardiamente é chamada de retardamento casual e também não é considerado mora. Veja a lição de Inocêncio Galvão Telles “dá-se retardamento casual quando o devedor é impedido de realizar temporariamente a prestação por caso fortuito ou de força maior. [...] Não há mora propriamente dita, <> ou a <>, visto o obstáculo ao cumprimento não ser, como se disse, atribuível a qualquer dos sujeitos” (TELLES, Inocêncio Galvão. Op. cit. p. 324). 22 Art. 396, Código Civil. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora. 210 • capítulo 7 Se, por exemplo, uma transportadora deixar de entregar as mercadorias no prazo pactuado porque, durante o trajeto, a rodovia foi interditada por conta de uma manifestação popular, não há que se imputar o atraso ao devedor, de modo que ele não estará sujeito às consequências da mora. Merece ainda ser destacado o Enunciado n. 354, da IV Jornada de Direito civil promovida pelo CJF: a cobrança de encargos e parcelas indevidas ou abusivas impede a caracterização da mora do devedor. Assim, se o devedor deixar de pagar uma obrigação em razão da abusividade dos juros contratuais, não será considerado em mora. Essa abusividade, no entanto, deve ser reconhecida por órgão jurisdicional, pois a simples propositura de ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor (Súmula n. 380 do STJ). Se o devedor ingressou com ação questionando a abusividade dos juros, por exemplo, e os pedidos foram julgados procedentes, fica afastada a mora; se, no entanto, o órgão jurisdicional entender pela legalidade dos juros, o devedor será considerado em mora. São, portanto, características da mora do devedor: a) o não cumprimento da prestação devida; b) a possibilidade de realização tardia da prestação, tanto no plano fático quanto do ponto de vista do interesse e utilidade da prestação para o credor. Vale aqui referir que o art. 395, parágrafo único, CC, estatui que se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos; c) a culpa do devedor. Em qual momento o devedor pode ser considerado em mora? É preciso olhar para o vencimento da obrigação. Se, por exemplo, a conta da energia elétrica vence no dia 05, a partir do dia 06 o consumidor já pode ser considerado em mora (art. 397, CC23 ), pois o próprio tempo possui o condão de constituir o devedor em mora (dies interpellat pro homine24 ). Trata-se da chamada mora ex re, que se verifica automaticamente, de pleno direito, tão logo escoado o prazo de cumprimento da obrigação, não exigindo, assim, qualquer tipo de notificação ou ato para constituição em mora. E se não houver termo certo para o vencimento? 23 Art. 397, Código Civil. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. 24 O tempo interpela pelo homem. capítulo 7 • 211 Imagine que uma pessoa emprestou uma casa a um parente, sem prazo para devolução. Ora, assim como não existe obrigação perpétua (e por isso o credor pode cobrar a casa de volta), o parente que reside na casa precisa ser avisado de quando terá que desocupar o imóvel. A esse aviso dá-se o nome de interpelação, que nada mais é do que o “ato pelo qual o credor reclama do devedor o adimplemento da obrigação, sob pena de constituí-lo em mora ou de imposição de outras cominações25 ”. Dessa maneira, se não houver termo certo para o cumprimento da obriga- ção, a mora do devedor, chamada de mora ex persona,

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