Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros Carlos A. M. Andre´ (DM/FCUL) 2013/14 (3o ano, 2o semestre) C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 1 / 31 Programa Revisa˜o sobre factorizac¸a˜o de nu´meros inteiros e congrueˆncias. ! Nu´meros primos e teorema fundamental da aritme´tica. ! Aritme´tica modular; teorema chineˆs dos restos. ! Pequeno teorema de Fermat e sua generalizac¸a˜o (teorema de Euler). ! Aplicac¸o˜es a` criptografia: o criptosistema RSA. Reciprocidade quadra´tica e formas quadra´ticas. ! Res´ıduos quadra´ticos e s´ımbolo de Legendre; crite´rio de Euler. ! Demonstrac¸a˜o da lei da reciprocidade quadra´tica. ! Formas quadra´ticas bina´rias; soma de dois quadrados. ! Aplicac¸a˜o a` factorizac¸a˜o em ane´is de inteiros quadra´ticos. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 2 / 31 Fracc¸o˜es continuadas. ! Fracc¸o˜es continuadas simples. ! Irracionais quadra´ticos. ! Func¸o˜es continuadas perio´dicas. ! A equac¸a˜o de Pell. Curvas el´ıpticas. ! Pontos racionais de uma curva. ! Estrutura de grupo sobre uma curva el´ıptica. ! Curvas el´ıpticas sobre os racionais. ! Factorizac¸a˜o de inteiros usando curvas el´ıpticas. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 3 / 31 Teoria aditiva dos nu´meros. ! Soma de subconjuntos; teoremas de Cauchy-Davenport e de Kneser. ! Soma de sequeˆncias de inteiros; constante de Davenport. ! O me´todo polinomial de Dias da Silva e Hamidoune. ! Teoremas de Vosper, de Olson e de Pollard. ! (Somas de conjuntos e conectividade de grafos sime´tricos.) C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 4 / 31 Alguma bibliografia R. Crandall and C. Pomerance. Prime Numbers. Springer-Verlag, New York, 2001. H. Davenport. The Higher Arithmetic: An Introduction to the Theory of Numbers. 7th ed. Cambridge University Press, 1999. ISBN: 978-0-521-63446-6. I. Niven, H. S. Zuckerman & H. L. Montgomery. An Introduction to the Theory of Numbers. 5th ed. Wiley Text Books, 1991. ISBN: 978-0-471-62546-9. W. Stein. Elementary Number Theory: Primes, Congruences, and Secrets. 1st ed. Springer-Verlag, 2008. ISBN: 978-0-387-85525-7. (Dispon´ıvel em http://modular.math.washington.edu/ent/.) C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 5 / 31 Ao longo do curso, N = {1, 2, 3, 4, ...} = conjunto dos nu´meros naturais; Z = {...,−2,−1, 0, 1, 2, ...} = conjunto dos nu´meros inteiros. Temos Z = −N ∪ {0} ∪N. Outras notac¸o˜es sa˜o como usualmente: N0 = N ∪ {0} = {0, 1, 2, 3, 4, ...}; Q = conjunto dos nu´meros racionais, R = conjunto dos nu´meros reais, C = conjunto dos nu´meros complexos. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 6 / 31 Divisibilidade Definic¸a˜o 1.1 (Divide) Se a, b ∈ Z, definimos a | b ⇐⇒ ∃c ∈ Z : b = ac . Quando a | b, dizemos que a divide b, a e´ divisor de b, ou que b e´ divis´ıvel por a. Quando a na˜o divide b, escrevemos a ! b. Por exemplo, 2 | 6, −3 | 15, 7 | −21, −7 | −14, . . .; a | 0 para todo a ∈ Z; 0 | a ⇐⇒ a = 0; 3 ! 7. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 8 / 31 Divisibilidade Teorema 1.2 Para quaisquer a, b, c ∈ Z: 1 Se a | b, enta˜o a | rb para qualquer r ∈ Z; 2 Se a | b e b | c, enta˜o a | c; 3 Se a | b e a | c, enta˜o a | (rb + sc) para quaisquer r , s ∈ Z; 4 Se a | b e b | a, enta˜o a = ±b; 5 Se a | b e a, b > 0, enta˜o a ≤ b; 6 Se n ∈ Z, n ̸= 0, enta˜o a | b se e so´ se na | nb. Demonstrac¸a˜o. Exerc´ıcio: por exemplo, para (3), b = ak ∧ c = ak ′ =⇒ rb + sc = a(rk + sk ′). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 9 / 31 Algoritmo da divisa˜o Teorema 1.3 (Algoritmo da divisa˜o) Para quaisquer a, b ∈ Z com b ̸= 0, existem u´nicos q, r ∈ Z tais que a = bq + r e 0 ≤ r < |b|; ale´m disso, se a ! b, enta˜o r ̸= 0. Demonstrac¸a˜o (b > 0). Existeˆncia: Seja r = min { a + kb : k ∈ Z, a + kb ≥ 0 } , de modo que r = a − qb para algum q ∈ Z. Ora, r ≥ b =⇒ a − (q + 1)b = a − qb − b = r − b ≥ 0, o que e´ imposs´ıvel. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 11 / 31 Algoritmo da divisa˜o Unicidade: Sejam q, q′, r , r ′ ∈ Z tais que a = bq + r = bq′ + r ′ e 0 ≤ r , r ′ < b. Enta˜o, 0 = a − a = b(q − q′) + (r − r ′) =⇒ r ′ − r = b(q − q′) =⇒ b | r ′ − r . Ora, 0 ≤ r , r ′ < b =⇒ 0 ≤ |r ′ − r | < b. Pelo Teorema 1.2-(5), tem de ser r ′ − r = 0 =⇒ q − q′ = 0 (porque b ̸= 0). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 12 / 31 Ma´ximo divisor comum Definic¸a˜o 1.4 (Ma´ximo divisor comum) Se a, b ∈ Z, dizemos que d ∈ Z e´ um divisor comum de a e b quando d | a e d | b. Quando a, b ̸= 0, definimos mdc(a, b) = max { d ∈ Z : d | a e d | b } ; dizemos que d = mdc(a, b) e´ o ma´ximo divisor comum de a e b. Por convenc¸a˜o, mdc(0, 0) = 0. Por exemplo, mdc(1, 2) = 1, mdc(−6, 27) = 3, . . .; mdc(0, a) = mdc(a, 0) = a para qualquer a ∈ Z. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 14 / 31 Ma´ximo divisor comum Observac¸a˜o Para quaisquer a, b ∈ Z, 1 e´ divisor comum de a e b; o conjunto { c ∈ Z : c | a, c | b } e´ finito e majorado por min{|a|, |b|}. Por conseguinte, existe o ma´ximo divisor comum de a e b. Teorema 1.5 Para quaisquer a, b ∈ Z com a, b ̸= 0, mdc(a, b) = min ( (aZ+ bZ) ∩N ) onde aZ+ bZ = { ra + sb : r , s ∈ Z } . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 15 / 31 Ma´ximo divisor comum Demonstrac¸a˜o. A intersecc¸a˜o (aZ+ bZ) ∩N e´ na˜o-vazia, logo tem elemento m´ınimo: d = r0a + s0b, r0, s0 ∈ Z. Pelo algoritmo da divisa˜o, existem q, r ∈ Z tais que a = dq + r e 0 ≤ r < d . Como r = a− dq = a − (r0a + s0b)q = (1− r0q)a + s0qb ∈ aZ+ bZ, tem de ser r = 0, logo d | a. De modo ana´logo, d | b. Como d | a e d | b, temos d ≤ mdc(a, b) = c . Por outro lado, escolhendo a′, b′ ∈ Z tais que a = ca′ e b = cb′, vem d = r0ca ′ + s0cb ′ = c(r0a ′ + s0b ′) =⇒ c | d =⇒ c ≤ d . ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 16 / 31 Ma´ximo divisor comum Teorema 1.6 Para quaisquer a, b ∈ Z com a, b ̸= 0, mdc(a, b) e´ o u´nico d ∈ N que satisfaz: 1 d | a e d | b; 2 Para qualquer c ∈ Z, se c | a e c | b, enta˜o c | d. Demonstrac¸a˜o. Seja c ∈ Z tal que c | a e c | b e sejam a′, b′ ∈ Z tais que a = ca′ e b = cb′. Pelo teorema anterior, existem r , s ∈ Z tais que mdc(a, b) = ra + sb = c(ra′ + sb′) =⇒ c | d . Para a unicidade, basta notar que c ̸= mdc(a, b) =⇒ c < mdc(a, b) =⇒ mdc(a, b) ! c . ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 17 / 31 Ma´ximo divisor comum Corola´rio 1.7 Para quaisquer a, b ∈ Z e qualquer n ∈ N, tem-se mdc(na, nb) = n ·mdc(a, b). Demonstrac¸a˜o. Basta observar que (na)Z+ (nb)Z = n(aZ+ bZ) e aplicar o Teorema 1.5. ! Corola´rio 1.8 Se a, b ∈ Z e n ∈ N for tal que n | a e n | b, enta˜o mdc ( a/n, b/n ) = 1/n ·mdc(a, b). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 18 / 31 Ma´ximo divisor comum Proposic¸a˜o 1.9 Se a, b ∈ Z e n ∈ N forem tais que mdc(a, n) = mdc(b, n) = 1, enta˜o mdc(ab, n) = 1. Demonstrac¸a˜o. Sejam r , s, r ′, s ′ ∈ Z tais que ar + ns = 1 = br ′ + ns ′. Enta˜o, (ar)(br ′) = (1− ns)(1− ns ′) = 1− n(s + s ′) + n2(ss ′) e, portanto, 1 = (ab)(rr ′) + n(s + s ′ − nss ′), o que prova que 1 = mdc(ab, n). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 19 / 31 Ma´ximo divisor comum Corola´rio 1.10 Se a ∈ Z e n ∈ N forem tais que mdc(a, n) = 1, enta˜o mdc(ab, n) = mdc(b, n) para qualquer b ∈ Z. Demonstrac¸a˜o. Pondo d = mdc(b, n), temos mdc ( b/d, n/d) = 1/d ·mdc(b, n) = 1 =⇒ mdc ( a · b/d, n/d ) = 1 (pela proposic¸a˜o anterior uma vez que mdc(a, n/d) = 1) e, portanto, mdc(ab, n) = d ·mdc ( ab/d, n/d ) = d . ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 20 / 31 Ma´ximo divisor comum Definic¸a˜o 1.11 Dizemos que a, b ∈ Z sa˜o primos entre si (ou coprimos) se mdc(a, b) = 1. Proposic¸a˜o 1.12 Se a, b, c ∈ Z forem tais que a | bc e mdc(a, b) = 1, enta˜o a | c. Demonstrac¸a˜o. Temos mdc(ac , bc) = c ·mdc(a, b) = c , logo a | ac , a | bc =⇒ a | mdc(ac , bc) = c . ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 21 / 31 Ma´ximo divisor comum Proposic¸a˜o 1.13 Para quaisquer a, b, k ∈ Z, mdc(a, b) = mdc(b, a) = mdc(a,−b) = mdc(a, b + ka). Demonstrac¸a˜o. Basta notar que aZ+ bZ = bZ+ aZ = aZ+ (−b)Z = aZ+ (b + ka)Z e aplicar o Teorema 1.5. ! Exemplo 1.14 mdc(15, 6) = mdc(6 · 2 + 3, 6) = mdc(3, 6) = mdc(3, 2 · 3) = 3 ·mdc(1, 2) = 3. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 22 / 31 Algoritmo de Euclides Exemplo 1.15 Calculamos mdc(7472, 2464): 7472 = 3 · 2464 + 80 =⇒ mdc(7472, 2464) = mdc(80, 2464), 2464 = 30 · 80 + 64 =⇒ mdc(80, 2464) = mdc(80, 64), 80 = 64+16 =⇒ mdc(80, 64) = mdc(16, 64) = mdc(16, 4 ·16) = 16. Por outro lado, invertendo o processo, 16 = 80 − 64 = 80 − (2464 − 30 · 80) = −2464 + 31 · 80 = −2464 + 31 · (7472 − 3 · 2464) = 31 · 7472 + (−94) · 2464. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 24 / 31 Algoritmo de Euclides Teorema 1.16 (Algoritmo de Euclides) Dados a, b ∈ Z, sejam q1, . . . , qt+1, r1, . . . , rt ∈ Z, com t ∈ N, tais que: a = bq1 + r1, 0 < r1 < b, b = r1q2 + r2, 0 < r2 < r1, r1 = r2q3 + r3, 0 < r3 < r2, . . . , rt−2 = rt−1qt + rt , 0 < rt < rt−1, rt−1 = rtqt+1. Enta˜o, rt = mdc(a, b). Ale´m disso, e´ poss´ıvel determinar r , s ∈ Z tais que rt = ra + sb “invertendo” sucessivamente as equac¸o˜es acima. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 25 / 31 Algoritmo de Euclides Demonstrac¸a˜o. Como r1 > r2 > r3 > . . . ≥ 0, tem de existir t ∈ N tal que rt+1 = 0 — e, portanto, o algoritmo termina. Provamos que rt = mdc(a, b) fazendo induc¸a˜o em t (= nu´mero de passos necessa´rios para terminar o algoritmo.) Se t = 0, enta˜o r1 = 0, logo a = bq1 e mdc(a, b) = b = r0. Admitamos que o teorema e´ verdadeiro sempre que o algoritmo termina em ≤ t − 1 passos. Comec¸ando com b e r1, o algoritmo termina em t − 1 passos, logo rt = mdc(b, r1) = mdc(b, a − bq1) = mdc(b, a). Deste modo, o teorema vale quando o algoritmo termina em t passos. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 26 / 31 M´ınimo mu´ltiplo comum Definic¸a˜o 1.17 (Mı´nimo mu´ltiplo comum) Se a, b ∈ Z, dizemos que m ∈ Z e´ um mu´ltiplo comum de a e b quando a | c e b | c . Definimos mmc(a, b) = min { n ∈ N : a | n e b | n } ; dizemos que m = mmc(a, b) e´ o m´ınimo mu´ltiplo comum de a e b. Por exemplo, mmc(1, 2) = 2 e mmc(−6, 27) = 54. Teorema 1.18 Para quaisquer a, b ∈ Z e qualquer n ∈ N, mmc(na, nb) = n ·mmc(a, b). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 28 / 31 M´ınimo mu´ltiplo comum Demonstrac¸a˜o. Pondo m′ = mmc(na, nb) e m = mmc(a, b), provamos que nm ≤ m′ e m′ ≤ nm. Sejam r , s ∈ Z tais que m = ra = sb. Enta˜o nm = rna = snb =⇒ { na | nm nb | nm =⇒ m′ ≤ nm. Por outro lado, se r , s ∈ Z forem tais que m′ = rna = snb, enta˜o m′/n = ra = sb =⇒ a | m′/n e b | m′/n =⇒ m ≤ m′/n =⇒ nm ≤ m′. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 29 / 31 M´ınimo mu´ltiplo comum Teorema 1.19 Para quaisquer a, b ∈ Z, mmc(a, b) ·mdc(a, b) = |ab|. Demonstrac¸a˜o. Primeiro, reduzimos ao caso em que mdc(a, b) = 1: neste caso, pondo d = mdc(a, b), vem mdc ( a/d, b/d ) = 1, logo mmc(a, b) = d ·mmc ( a/d, b/d ) = d · ∣∣a/d · b/d∣∣ mdc ( a/d, b/d ) = |ab| d = |ab| mdc(a, b) . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 30 / 31 M´ınimo mu´ltiplo comum Admitindo que mdc(a, b) = 1, ha´ que provar que mmc(a, b) = |ab|. Escolhendo c ∈ N tal que mmc(a, b) = |a| · c , vem b | ac =⇒ b | c =⇒ |b| ≤ c =⇒ |ab| ≤ |a|c = mmc(a, b). Por outro lado, { a | |ab| b | |ab| =⇒ mmc(a, b) ≤ |ab| e, portanto, mmc(a, b) = |ab|. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 31 / 31 Nu´meros primos e Teorema Fundamental da Aritme´tica Definic¸a˜o 2.1 (Nu´meros primos and nu´meros compostos) Dizemos que: n ∈ N e´ um nu´mero primo se n ̸= 1 e se os u´nicos divisores positivos de n forem 1 e n. Dizemos que n ∈ N e´ um nu´mero composto se n ̸= 1 e se n na˜o for primo. Denotamos por P o conjunto dos nu´meros primos. Observac¸a˜o O nu´mero 1 na˜o e´ primo, nem e´ composto. Os primeiros nu´meros primos sa˜o: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, . . . Os primeiros nu´meros compostos sa˜o: 4, 6, 8, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, . . . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 33 / 71 Nu´meros primos e Teorema Fundamental da Aritme´tica Proposic¸a˜o 2.2 Qualquer nu´mero natural e´ produto de nu´meros primos. Demonstrac¸a˜o. Seja n ∈ N. Se n = 1, enta˜o n e´ o produto vazio (isto e´, sem factores) de primos. Se n for primo, na˜o ha´ nada a provar. Se n for composto, enta˜o n = ab em que a, b < n. Por induc¸a˜o, a and b sa˜o produtos de primos, logo n tambe´m e´ produto de primos. ! O objectivo e´ provar provar que esta factorizac¸a˜o e´ “u´nica”. Teorema 2.3 (Lema de Euclides) Se p ∈ P e a, b ∈ Z forem tais que p | ab, enta˜o p | a ou p | b. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 34 / 71 Nu´meros primos e Teorema Fundamental da Aritme´tica Demonstrac¸a˜o. Se p | a, na˜o nada para provar. Se p ! a, enta˜o mdc(p, a) = 1 e, portanto, basta aplicar a Proposic¸a˜o 1.12. ! Teorema 2.4 (Teorema Fundamental da Aritme´tica) Qualquer nu´mero natural pode ser escrito de maneira u´nica (a menos da ordem dos factores) como produto de nu´meros primos. Demonstrac¸a˜o. Se n = 1, enta˜o a u´nica factorizac¸a˜o poss´ıvel e´ o produto vazio de nu´meros primos. Assim, supomos que n > 1 e escolhemos p1, . . . , pr ∈ P tais que n = p1p2 · · · pr . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 35 / 71 Nu´meros primos e Teorema Fundamental da Aritme´tica Seja n = q1q2 · · · qs “outra” factorizac¸a˜o de n como produto de nu´meros primos. Pelo Lema de Euclides, p1 | n = q1(q2 · · · qs) =⇒ p1 = q1 ou p1 | q2 · · · qs . Usando induc¸a˜o, conclu´ımos que p1 = qi para algum 1 ≤ i ≤ s. Cancelando p1 e qi e repetindo o argumento (um nu´mero finito de vezes), chegamos a` conclusa˜o que, a menos da ordem dos factores, as duas factorizac¸o˜es sa˜o a mesma. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 36 / 71 Nu´meros primos e Teorema Fundamental da Aritme´tica Observac¸a˜o Usando o Teorema Fundamental da Aritme´tica, podemos escrever qualquer m ∈ N na forma m = ∏ p∈P pα(p) onde α(p) ∈ N0 e α(p) = 0 ⇐⇒ p ! m. Se m, n ∈ N tiverem factorizac¸o˜es m = ∏ p∈P pα(p) e n = ∏ p∈P pβ(p), enta˜o mn = ∏ p∈P pα(p)+β(p). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 37 / 71 Nu´meros primos e Teorema Fundamental da Aritme´tica Observac¸a˜o (cont.) Como consequeˆncia, obtemos m | n ⇐⇒ α(p) ≤ β(p) para qualquer p ∈ P, de onde resulta que mdc(m, n) = ∏ p∈P pmin{α(p),β(p)}; mmc(m, n) = ∏ p∈P pmax{α(p),β(p)}. Por exemplo, como 108 = 22 · 33 · 50 e 225 = 20 · 32 · 52, vem mdc(108, 225) = 20 · 32 · 50 = 9; mmc(108,225) = 22 · 33 · 52 = 2700. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 38 / 71 Infinitude dos nu´meros primos Cada nu´mero da tabela que segue e´ um nu´mero primo: 3 = 2 + 1, 7 = 2 · 3 + 1, 31 = 2 · 3 · 5 + 1, 211 = 2 · 3 · 5 · 7 + 1, 2311 = 2 · 3 · 5 · 7 · 11 + 1. No entanto, 2 · 3 · 5 · 7 · 11 · 13 + 1 = 30031 = 59 · 509 — se multiplicarmos os primeiros seis nu´meros primos e somarmos 1, na˜o obtemos um nu´mero primo, mas sim um nu´mero natural que e´ divis´ıvel por um novo nu´mero primo! Isto acontece em geral: Teorema 2.5 (Euclides) Existe uma infinidade de nu´meros primos. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 40 / 71 Infinitude dos nu´meros primos Demonstrac¸a˜o. Dados p1, . . . , pn ∈ P distintos dois-a-dois, constru´ımos um nu´mero primo pn+1 /∈ {p1, . . . , pn}. Seja m = p1p2 · · · pn + 1 e sejam q1, . . . , qt ∈ P tais que m = q1q2 · · · qt . Se q1 = pi para algum 1 ≤ i ≤ n, enta˜o pi | m e, portanto, pi | m − p1p2 · · · pn = m − (m − 1) = 1, o que na˜o pode acontecer. Deste modo, pn+1 = q1 ∈ P na˜o ocorre na lista p1, . . . , pn. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 41 / 71 Primos em progressa˜o aritme´tica O argumento da demonstrac¸a˜o do Teorema de Euclides pode ser adaptado, por exemplo, a progresso˜es aritme´ticas de nu´meros primos: . . . ,−3a + b,−2a + b,−a + b, b, a + b, 2a + b, 3a + b, . . . onde a, b ∈ Z sa˜o fixos com a ≥ 2 e mdc(a, b) = 1 — caso contra´rio, na˜o pode existir uma infinidade de nu´meros primos com aquela forma: por exemplo, 3k − 6 = 3(k − 2) ∈ P ⇐⇒ x = 3. Proposic¸a˜o 2.6 Existe uma infinidade de nu´meros primos com a forma 4k − 1 para k ∈ N. Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que p1, . . . , pn sa˜o primos distintos com a forma 4k − 1 e consideremos o nu´mero m = 4p1p2 · · · pn − 1. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 43 / 71 Primos em progressa˜o aritme´tica Temos pi ! m para qualquer 1 ≤ i ≤ n. Ale´m disso, se todo o divisor primo de m fosse da forma 4ℓ+ 1, m tambe´m seria desta forma. Como m e´ ı´mpar, todos os seus divisores primos teˆm de ser ı´mpares e, portanto, existe p ∈ P tal que p | m e p = 4k − 1 para algum k ∈ N. Como p /∈ {p1, . . . , pn}, conclu´ımos que { p ∈ P : p = 4k − 1, k ∈ N} e´ um conjunto infinito. ! [A demonstrac¸a˜o na˜o funciona quando 4k − 1 e´ substitu´ıdo por 4k + 1: um produto de primos da forma 4k − 1 pode ser da forma 4k + 1.] C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 44 / 71 Primos em progressa˜o aritme´tica Exemplo 2.7 m = 4 · 3 · 7− 1 = 83 e´ um primo com a forma 4k − 1. m′ = 4 · 3 · 7 · 83− 1 = 6971 tambe´m e´ um primo com a forma 4k − 1. No entanto, m′′ = 4 · 3 · 7 · 83 · 6971 − 1 = 48601811 = 61 · 796751 na˜o e´ primo, mas ! 61 = 4 · 15 + 1 e´ primo com a forma 4k + 1, ! 796751 = 4 · 199188 − 1 e´ primo com a forma 4k − 1. O processo continua indefinidamente: m′′′ = 4 · 3 · 7 · 83 · 6971 · 796751 − 1 = 5591 · 6926049421 onde ! 5591 e´ primo com a forma 4k − 1; ! 6926049421 e´ primo com a forma 4k + 1. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 45 / 71 Primos em progressa˜o aritme´tica Proposic¸a˜o 2.8 Existe uma infinidade de nu´meros primos com a forma 4k + 1 para k ∈ N. Demonstrac¸a˜o. Seja n ∈ N, n ≥ 2, e consideremos o nu´mero m = (n!)2 + 1. Seja p ∈ P o menor divisor primo de m e notemos que p > n — nenhum dos nu´meros 2, 3, . . . , n e´ divisor de m. Se m = pr para r ∈ N, vem (n!)2 = pr − 1, logo (n!)p−1 = ((n!)2 )p−1/2 = (pr − 1)p−1/2 = (−1)p−1/2 + ∑ 1≤k≤p−1/2 ± ( p−1/2 k ) (pr)k . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 46 / 71 Primos em progressa˜o aritme´tica Segue-se que p | (n!)p−1 − (−1)p−1/2. Um resultado que provaremos adiante (Teorema de Euler-Fermat) garante que p ! n =⇒ p | (n!)p−1 − 1, de modo que p | ((n!)p−1 − (−1)p−1/2)− ((n!)p−1 − 1) = 1− (−1)p−1/2. Isto so´ e´ poss´ıvel quando 1− (−1)p−1/2 = 0 ⇐⇒ (−1)p−1/2 = 1 ⇐⇒ p−1/2 e´ par. ⇐⇒ 4 | p − 1. Concluindo: qualquer nu´mero natural n ≥ 2 tem pelo menos um divisor primo com a forma 4k + 1, o que termina a demonstrac¸a˜o. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 47 / 71 Primos em progressa˜o aritme´tica Em geral, temos o seguinte resultado (na˜o-elementar!): Teorema 2.9 (Dirichlet) Se a, b ∈ Z forem tais que mdc(a, b) = 1, enta˜o existe uma infinidade de nu´meros primos com a forma ak + b com k ∈ N. Os primos distribuem-se muito irregularmente: alguns esta˜o “muito pro´ximos” e outros, embora consecutivos, esta˜o “muito distantes”: Teorema 2.10 Para qualquer n ∈ N, existem n nu´meros compostos consecutivos. Demonstrac¸a˜o. Os nu´meros (n + 1)! + 2, (n + 1)! + 3, . . . , (n + 1)! + n, (n + 1)! + n + 1 sa˜o compostos. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 48 / 71 A distribuic¸a˜o dos nu´meros primos Por causa do teorema anterior, na˜o e´ de esperar que a func¸a˜o π(x) = # { p ∈ P : p ≤ x} (x ∈ R) possa ser dada por uma fo´rmula simples. No entanto, e´ poss´ıvel estimar a raza˜o de crescimento de π(x). A resposta e´ dada pelo Teorema dos Nu´meros Primos que relaciona esta questa˜o com a famosa Hipo´tese de Riemann. De facto, a Hipo´tese de Riemann e´ equivalente a provar que a func¸a˜o Li(x) = ∫ x 2 1 log t dt e´ uma “boa” aproximac¸a˜o de π(x): para qualquer x ≥ 2.01 (!?), |π(x)− Li(x)| ≤ √x log x . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 50 / 71 A distribuic¸a˜o dos nu´meros primos Ha´ algumas perguntas de resposta quase imediata: Que percentagem de nu´meros naturais sa˜o pares? Resposta: 50%. Que percentagem de nu´meros naturais teˆm a forma 4k − 1? Resposta: 25%. Que percentagem de nu´meros naturais sa˜o quadrados perfeitos? Resposta: 0%. Para a u´ltima resposta, entenda-se que o limite da porporc¸a˜o de quadrados perfeitos com respeito a todos os nu´meros naturais e´ igual a zero: lim x→+∞ # { n ∈ N : n ≤ x e n e´ um quadrado perfeito} x = 0; de facto, # { n ∈ N : n ≤ x e n e´ um quadrado perfeito} ≈ √x . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 51 / 71 A distribuic¸a˜o dos nu´meros primos Que percentagem de nu´meros naturais sa˜o primos? A resposta e´ dada pelo Teorema dos Nu´meros Primos: 0% de todos os nu´meros naturais sa˜o primos. A pergunta crucial e´: Dado x ∈ R, x ≥ 2, qual e´ o valor de π(x)? Por exemplo, x 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 π(x) 25 46 62 78 95 109 125 139 154 168 A fo´rmula assimpto´tica para π(x) foi conjecturada por Gauss (com base em ca´lculos feitos manualmente!) e foi provada independentemente por Hadamard e por Valle´e Poussin em 1896. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 52 / 71 A distribuic¸a˜o dos nu´meros primos Teorema 2.11 (Teorema dos Nu´meros Primos) lim x→+∞ π(x) x/log x = 1. x π(x) x/log(x) π(x)/(x/log(x)) 10 4 4.3 0.93 102 25 21.7 1.15 103 168 144.8 1.16 104 1 229 1 086 1.13 105 9 592 8 686 1.10 106 78 498 72 382 1.08 107 664 579 620 420 1.07 108 5 761 455 5 428 681 1.06 109 50 847 534 48 254 942 1.05 1010 455 052 511 434 294 482 1.048 C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 53 / 71 Congrueˆncias. Definic¸a˜o 2.12 (Congrueˆncia mo´dulo n) Para n ∈ N, n ≥ 2, e a, b ∈ Z, definimos a ≡ b (mod n) ⇐⇒ n | a − b. Quando a ≡ b (mod n), dizemos que a e´ congruente a b mo´dulo n ou que a e b sa˜o congruentes mo´dulo n. Quando a e b na˜o sa˜o congruentes mo´dulo n, escrevemos a ̸≡ b (mod n). Por exemplo, 6 ≡ 0 (mod 3), 7 ≡ −1 (mod 4), −1 ≡ 1 (mod 2), . . .; 3 ̸≡ 7 (mod 5). De agora em diante, fixamos n ∈ N, n ≥ 2.C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 55 / 71 Congrueˆncias. Teorema 2.13 Para quaisquer a, b, c , d ∈ Z: 1 a ≡ b (mod n) se e so´ se b ≡ a (mod n) se e so´ se a− b ≡ 0 (mod n); 2 Se a ≡ b (mod n) e b ≡ c (mod n), enta˜o a ≡ c (mod n); 3 Se a ≡ b (mod n) e c ≡ d (mod n), enta˜o a + c ≡ b + d (mod n) e ac ≡ bd (mod n); 4 Se a ≡ b (mod n) e d | n, d ≥ 2, enta˜o a ≡ b (mod d); 5 Se a ≡ b (mod n), enta˜o ar ≡ br (mod nr) para todo r ∈ N. Demonstrac¸a˜o. Exerc´ıcio. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 56 / 71 Congrueˆncias. Teorema 2.14 Se f (x) for um polino´mio de coeficientes inteiros e a, b ∈ Z, enta˜o a ≡ b (mod n) =⇒ f (a) ≡ f (b) (mod n). Demonstrac¸a˜o. Pomos f (x) = c0 + c1x + c2x 2 + · · ·+ cmxm (c0, c1, . . . , cm ∈ Z). Pelo teorema anterior, a ≡ b (mod n) =⇒ ak ≡ bk (mod n) para todo 0 ≤ k ≤ m =⇒ ckak ≡ ckbk (mod n) para todo 0 ≤ k ≤ m =⇒ c0 + c1a+ c2a2 + · · ·+ cmam ≡ c0 + c1b + c2b2 + · · ·+ cmbm (mod n). Como se queria. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 57 / 71 Congrueˆncias. A aritme´tica modular pode ser usada para obter testes de divisibilidade. Por exemplo: Proposic¸a˜o 2.15 Um nu´mero m ∈ Z e´ divis´ıvel por 3 se e so´ se a soma dos seus digitos for divis´ıvel by 3. Demonstrac¸a˜o. Pomos m = c0 + c1 · 10 + c2 · 102 + · · · + ct · 10t (0 ≤ ck ≤ 9). Como 10 ≡ 1 (mod 3), vem m ≡ c0 + c1 + c2 + · · ·+ ck (mod 3). Assim, m ≡ 0 (mod 3) ⇐⇒ c0 + c1 + c2 + · · ·+ ck (mod 3). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 58 / 71 Congrueˆncias. Teorema 2.16 (Lei do corte) Para quaisquer a, b, c ∈ Z, ab ≡ ac (mod n) =⇒ b ≡ c (mod n/d) onde d = mdc(a, n). Em particular, mdc(a, n) = 1 ∧ ab ≡ ac (mod n) =⇒ b ≡ c (mod n). Demonstrac¸a˜o. Temos ab ≡ ac (mod n) =⇒ n | ab − ac = a(b − c) =⇒ n/d | a/d · (b − c) =⇒ n/d | b − c =⇒ b ≡ c (mod n/d). Para a terceira implicac¸a˜o, note que mdc(n/d, a/d) = 1. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 59 / 71 Sistemas completos de res´ıduos Definic¸a˜o 3.1 (Sistema completo de res´ıduos) Dizemos que r ∈ Z e´ um res´ıduo mo´dulo n de a ∈ Z se a ≡ r (mod n). Um conjunto {r1, . . . , rn} diz-se um sistema completo de res´ıduos mo´dulo n se: ! para qualquer a ∈ Z, existir um e um so´ 1 ≤ i ≤ n tal que a ≡ ri (mod n). Por exemplo, R = {0, 1, 2, . . . , n− 1} e´ um sistema completo de res´ıduos mo´dulo n. {−2,−1, 0, 1, 2} e´ um sistema completo de res´ıduos mo´dulo 5. Definic¸a˜o 3.2 (Classe residual) Para qualquer a ∈ Z, a classe residual de a e´ o conjunto a+ nZ = { a + nb : b ∈ Z} = {. . . , a − 2n, a − n, a, a+ n, a + 2n, . . .}. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 61 / 83 Sistemas completos de res´ıduos Observac¸a˜o Existem exactamente n classes residuais mo´dulo n. Escolher um sistema completo de res´ıduos e´ o mesmo que escolher um representante em cada classe residual mo´dulo n. Lema 3.3 Para quaisquer a, b ∈ Z, a ≡ b (mod n) =⇒ mdc(a, n) = mdc(b, n). Demonstrac¸a˜o. Se a ≡ b (mod n), enta˜o a = b + nk para algum k ∈ Z, logo mdc(a, n) = mdc(b + nk , n) = mdc(b, n). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 62 / 83 Sistemas completos de res´ıduos Definic¸a˜o 3.4 (Sistema reduzido de res´ıduos) Um conjunto {r1, . . . , rt} diz-se um sistema reduzido de res´ıduos mo´dulo n se: para qualquer a ∈ Z tal que mdc(a, n) = 1, existir um e um so´ 1 ≤ i ≤ t tal que a ≡ ri (mod n). [Note que tem de ser t ≤ n.] Proposic¸a˜o 3.5 Se R = {r1, . . . , rt} for um sistema completo (resp., reduzido) de res´ıduos mo´dulo n e a ∈ Z for tal que mdc(a, n) = 1, enta˜o aR = { ar : r ∈ R} = {ar1, . . . , art} tambe´m e´ um sistema completo (resp., reduzido) de res´ıduos mo´dulo n. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 63 / 83 Sistemas completos de res´ıduos Demonstrac¸a˜o. Sejam r , s ∈ R . Como mdc(a, n) = 1, temos ar ≡ as (mod n) =⇒ r ≡ s (mod n). Por definic¸a˜o de R , tem de ser r = s, de modo que ar = as. O resultado segue-se porque #(aR) = #R . ! Corola´rio 3.6 Se a, b ∈ Z e mdc(a, n) = 1, enta˜o a equac¸a˜o ax ≡ b (mod n) tem uma soluc¸a˜o e esta soluc¸a˜o e´ u´nica mo´dulo n. Demonstrac¸a˜o. Se R for um sistema completo de res´ıduos mo´dulo n, o lema anterior garante que aR tambe´m o e´. Por conseguinte, existe um e um so´ elemento r ∈ R tal que b ≡ ar (mod n). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 64 / 83 Equac¸o˜es lineares mo´dulo n Exemplo 3.7 Consideremos a equac¸a˜o 2x ≡ 3 (mod 7) e o sistema completo de res´ıduos R = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6}. Temos 2R = {0, 2, 4, 6, 8, 10, 12} ≡ {0, 2, 4, 6, 1, 3, 5} (mod 7), logo 2 · 5 ≡ 3 (mod 7). Quando mdc(a, n) ̸= 1, a equac¸a˜o ax ≡ b (mod n) pode ter ou na˜o ter soluc¸o˜es. Por exemplo, 2x ≡ 1 (mod 4) na˜o tem soluc¸o˜es; no entanto, 2x ≡ 2 (mod 4) tem (mais do que uma) soluc¸a˜o: x = 1 e x = 3. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 66 / 83 Equac¸o˜es lineares mo´dulo n Teorema 3.8 Para quaisquer a, b ∈ Z, a equac¸a˜o ax ≡ b (mod n) tem soluc¸a˜o se e so´ se mdc(a, n) | b. Demonstrac¸a˜o. Seja d = mdc(a, n). Ora, ax ≡ b (mod n) ⇐⇒ n | ax − b, de modo que, se ax ≡ b (mod n) tem soluc¸a˜o, enta˜o d | b (porque d | a e d | n). Reciprocamente, suponhamos que d | b. Enta˜o, n | ax − b ⇐⇒ n/d | (a/d)x − (b/d), logo ax ≡ b (mod n) tem soluc¸a˜o se e so´ se (a/d)x ≡ b/d (mod n/d) tem soluc¸a˜o. O resultado segue-se porque mdc(a/d, n/d) = 1. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 67 / 83 Teorema de Euler-Fermat Definic¸a˜o 3.9 (A func¸a˜o-φ de Euler) Para n ∈ N, definimos φ(n) = # { a ∈ N : a ≤ n, mdc(a, n) = 1}. φ(n) e´ a cardinalidade de qualquer sistema reduzido de res´ıduos mo´dulo n. Exemplo 3.10 φ(1) = 1, φ(2) = 1, φ(5) = 4 e φ(12) = 4. Se p ∈ P, enta˜o φ(p) = p − 1. Teorema 3.11 (Euler-Fermat) Para qualquer a ∈ Z, mdc(a, n) = 1 =⇒ aφ(n) ≡ 1 (mod n). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 69 / 83 Teorema de Euler-Fermat Demonstrac¸a˜o. Seja R = { k ∈ N : k ≤ n, mdc(k , n) = 1} = {r1, . . . , rφ(n)} — de modo que R e´ um sistema reduzido de res´ıduos. Como aR = {ar1, . . . , arφ(n)} tambe´m e´ um sistema reduzido de res´ıduos, temos #aR = #R = φ(n) e {r1, . . . , rφ(n)} ≡ {ar1, . . . , arφ(n)} (mod n). Sendo assim, r1 · · · rφ(n) ≡ (ar1) · · · (arφ(n)) = aφ(n)(r1 · · · rφ(n)) (mod n). Cancelando r1 · · · rφ(n) (que e´ coprimo com n), conclu´ımos que aφ(n) ≡ 1 (mod n). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 70 / 83 Teorema de Euler-Fermat Corola´rio 3.12 (Pequeno Teorema de Fermat) Para qualquer a ∈ Z e qualquer p ∈ P com p ! a, tem-se ap−1 ≡ 1 (mod p). Exemplo 3.13 Qual e´ o resto da divisa˜o de 798 por 13? Como φ(13) = 12 (porque 13 ∈ P) e mdc(7, 13) = 1, vem 712 ≡ 1 (mod 13) (pelo teorema anterior). Sendo assim, 798 = 78·12+2 = (712)8 · 72 ≡ 49 = 3 · 13 + 10 ≡ 10 (mod 13). A resposta e´ 10. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 71 / 83 Teorema de Wilson Teorema 3.14 (Wilson) Um nu´mero natural p ≥ 2 e´ primo se e so´ se (p − 1)! ≡ 1 (mod p). Demonstrac¸a˜o. O´bvio quando p = 2. Assim, supomos que p ≥ 3. =⇒: Admitindo que p ∈ P, provamos que (p − 1)! ≡ 1 (mod p). Se 1 ≤ a < p, enta˜o a equac¸a˜o ax ≡ 1 (mod p) tem uma e uma so´ soluc¸a˜o 1 ≤ a′ < p. Se for a′ = a, enta˜o a2 ≡ 1 (mod p) =⇒ p | a2 − 1 = (a − 1)(a + 1) =⇒ p | a − 1 ou p | a + 1 =⇒ a = 1 ou a = p − 1. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 73 / 83 Teorema de Wilson Por conseguinte,podemos particionar {2, 3, . . . , p − 2} em pares {a, a′} de elementos mutuamente “inversos” mo´dulo p, de modo que 2 · 3 · · · (p − 2) ≡ 1 (mod p) =⇒ (p − 1)! ≡ p − 1 ≡ −1 (mod p). ⇐=: Admitindo que (p − 1)! ≡ 1 (mod p), provamos que p ∈ P. Se tal na˜o acontecer, seja ℓ um divisor primo de p. Enta˜o, ℓ < p =⇒ ℓ | (p − 1)!. Como (p − 1)! ≡ −1 (mod p) ⇐⇒ p | (p − 1)! + 1, conclu´ımos que ℓ | (p − 1)!− ((p − 1)! + 1) = −1, uma contradic¸a˜o. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 74 / 83 Teorema de Wilson Exemplo 3.15 Se p = 3, enta˜o (p − 1)! = 2 ≡ −1 (mod 3). Se p = 17, enta˜o (p − 1)! = 20922789888000 ≡ −1 (mod 17). Mas, se p = 15, enta˜o (p − 1)! = 87178291200 ≡ 0 (mod 15) =⇒ 15 /∈ P. Ilustramos a passagem principal da demonstrac¸a˜o: para p = 17, 16! = (2 · 9) (3 · 6) (4 · 13) (5 · 7) (8 · 15) (10 · 12) (14 · 11) 16 ≡ 16 ≡ −1 (mod 17). onde agrupamos os pares (a, a′) tais que aa′ ≡ 1 (mod 17). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 75 / 83 Teorema de Wilson Teorema 3.16 Se p ∈ P, enta˜o a equac¸a˜o x2 ≡ −1 (mod p) tem soluc¸o˜es se e so´ se p = 2 ou p ≡ 1 (mod 4). Demonstrac¸a˜o. O resultado e´ o´bvio quando p = 2. Assim supomos que p ≥ 3. ⇐=: Supomos p ≡ 1 (mod 4) e escrevemos (p − 1)! = (1 · 2 · · · (p−1/2))((p+1/2) · · · (p − 2)(p − 1)). Como p − k ≡ −k (mod p), o Teorema de Wilson implica que −1 ≡ (p − 1)! ≡ (−1)p−1/2(1 · 2 · · · (p−1/2))2 (mod p). Como p ≡ 1 (mod 4), p−1/2 e´ par, logo a = (p−1/2)! e´ uma soluc¸a˜o de x2 ≡ −1 (mod p). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 76 / 83 Teorema de Wilson =⇒: Supomos que x2 ≡ −1 (mod p) tem uma soluc¸a˜o a ∈ Z. Enta˜o, ap−1 = (a2) p−1/2 ≡ (−1)p−1/2 (mod p). Como p ! a (caso contra´rio, −1 ≡ a2 ≡ 0 (mod p)), o Teorema de Euler-Fermat garante que ap−1 ≡ 1 (mod p) e, portanto, (−1)p−1/2 ≡ 1 (mod p). Como p ≥ 3, na˜o pode ser −1 ≡ 1 (mod p), logo (−1)p−1/2 = 1 ⇐⇒ p ≡ 1 (mod 4). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 77 / 83 Somas de 2 quadrados Teorema 3.17 Se p ∈ P for tal que p ≡ 1 (mod 4), enta˜o existem a, b ∈ Z tais que p = a2 + b2. Demonstrac¸a˜o. Pelo teorema anterior, existe k ∈ Z tal que k2 ≡ −1 (mod p). Definamos f (r , s) = r + ks e ℓ = ⌊√p⌋. Como √ p /∈ N, tem-se ℓ < √ p < ℓ+ 1. Consideremos o “quadrado” Q = { (r , s) ∈ Z2 : 0 ≤ r , s ≤ ℓ}. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 79 / 83 Somas de 2 quadrados Temos #Q = (ℓ+ 1)2 > ( √ p)2 = p. Como existem p classes residuais mo´dulo p, teˆm de existir pelo menos dois pares (r , s), (r ′, s ′) ∈ Q tais que (r , s) ̸= (r ′, s ′) e f (r , s) ≡ f (r ′, s ′) (mod p). Assim, r + ks ≡ r ′ + ks ′ (mod p) ⇐⇒ r − r ′ ≡ −k(s − s ′) (mod p). Pondo a = r − r ′ e b = s − s ′, vem a ≡ −kb (mod p) =⇒ a2 ≡ (−kb)2 ≡ k2b2 ≡ −b2 (mod p). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 80 / 83 Somas de 2 quadrados Sendo assim, p | a2 + b2. Ora, (r , s) ̸= (r ′, s ′) =⇒ a ̸= 0 ou b ̸= 0 =⇒ a2 + b2 > 0. Ale´m disso, 0 ≤ r , r ′ ≤ ℓ < √p =⇒ −√p < a < √p, 0 ≤ s, s ′ ≤ ℓ < √p =⇒ −√p < b < √p e, portanto, |a|, |b| < √p =⇒ a2, b2 < p =⇒ a2 + b2 < 2p. Finalmente, p | a2 + b2 < 2p =⇒ a2 + b2 = p. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 81 / 83 Somas de 2 quadrados Teorema 3.18 Se p ∈ P for tal que p ≡ 3 (mod 4), enta˜o, para quaisquer a, b ∈ Z, p | a2 + b2 =⇒ p | a e p | b. Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que p ! a e seja c ∈ Z tal que ac ≡ 1 (mod p). Enta˜o, p | a2 + b2 =⇒ a2 ≡ −b2 (mod p) =⇒ 1 ≡ (ac)2 ≡ −(ba)2 (mod p), de modo que ba e´ soluc¸a˜o da equac¸a˜o x2 ≡ −1 (mod p). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 82 / 83 Somas de 2 quadrados Pelo Teorema 3.16, tem de ser p = 2 ou p ≡ 1 (mod 4), contra a hipo´tese. Segue-se que p | a e, analogamente, p | b. ! Teorema 3.19 (Fermat) Seja n ∈ N e seja n = 2t ∏ p∈P p≡1 (mod 4) pα(p) ∏ p∈P p≡3 (mod 4) pβ(p) a factorizac¸a˜o de n em nu´meros primos. Enta˜o, n e´ uma soma de dois quadrados se e so´ se todos os expoentes β(p) forem pares. Demonstrac¸a˜o. Exerc´ıcio: note que (a2 + b2)(c2 + d2) = (ac − bd)2 + (ad − bc)2. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 83 / 83 Teorema Chineˆs dos Restos Teorema 4.1 (Teorema Chineˆs dos Restos) Se m1, . . . ,mr ∈ N forem coprimos dois-a-dois, enta˜o, para quaisquer a1, . . . , ar ∈ Z, o sistema de congrueˆncias⎧⎪⎪⎪⎪⎨ ⎪⎪⎪⎪⎩ x1 ≡ a1 (mod m1) x2 ≡ a2 (mod m2) . . . . . . . . . xr ≡ ar (mod mr ) tem soluc¸a˜o e, ale´m disso, esta soluc¸a˜o e´ u´nica mo´dulo m = m1m2 · · ·mr . Demonstrac¸a˜o. Pondo m = m1m2 · · ·mr , temos mdc(m/mi ,mi ) = 1 e, portanto, para cada 1 ≤ i ≤ r , existe bi tal que (m/mi)bi ≡ 1 (mod mi ). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 85 / 111 Teorema Chineˆs dos Restos E´ claro que (m/mi)bi ≡ 0 (mod mj) (j ̸= i). Pondo x0 = r∑ i=1 (m/mi)biai , vemos que x0 ≡ (m/mi)biai ≡ ai (mod mi) (1 ≤ i ≤ r) e, portanto, x0 e´ soluc¸a˜o do sistema. Se x1 for outra soluc¸a˜o, temos x0 ≡ x1 (mod mi ) (1 ≤ i ≤ r) e, portanto, x0 ≡ x1 (mod m) porque m1, . . . ,mr sa˜o coprimos dois-a-dois. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 86 / 111 Multiplicatividade da func¸a˜o de Euler Teorema 4.2 A func¸a˜o-φ de Euler e´ multiplicativa, isto e´: se m, n ∈ N forem coprimos, enta˜o φ(mn) = φ(m)φ(n). Demonstrac¸a˜o. Sejam R(mn), R(m) e R(n) sistema reduzidos de res´ıduos mo´dulo mn, m e n, respectivamente. Definimos f : R(mn)→ R(m) da seguinte forma: dado r ∈ R(mn), escolhemos o u´nico res´ıduo f (r) ∈ R(m) tal que r ≡ f (r) (mod m) — notemos que mdc(r ,m) = 1 porque mdc(r ,mn) = 1. Analogamente, definimos g : R(mn)→ R(n) declarando que, para qualquer r ∈ R(mn), a imagem g(r) e´ o u´nico res´ıduo em R(n) tal que r ≡ g(r) (mod n). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 88 / 111 Multiplicatividade da func¸a˜o de Euler Finalmente, definimos h : R(mn)→ R(m)× R(n) por h(r) = ( f (r), g(r) ) , r ∈ R(mn) e provamos que h e´ bijectiva. h e´ injectiva: Sejam r , s ∈ R(mn) tais que ( f (r), g(r) ) = ( f (s), g(s) ) . Deste modo, { r ≡ f (r) = f (s) ≡ s (mod m), r ≡ g(r) = g(s) ≡ s (mod n) e, portanto, r e s sa˜o soluc¸o˜es do sistema{ x ≡ a (mod m), x ≡ b (mod n), onde a = f (r) = f (s) e b = g(r) = g(s). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 89 / 111 Multiplicatividade da func¸a˜o de Euler Pelo Teorema Chineˆs dos Restos, conclu´ımos que r ≡ s (mod mn) de onde resulta que r = s (porque R(mn) e´ sistema reduzido de res´ıduos). h e´ sobrejectiva: dados quaisquer a ∈ R(m) e b ∈ R(n), consideramos o sistema { x ≡ a (mod m), x ≡ b (mod n). Como mdc(m, n) = 1, o Teorema Chineˆs dos Restos garante que este sistema tem soluc¸a˜o, isto e´, existe c ∈ Z tal que{ c ≡ a (mod m), c ≡ b (mod n). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 90 / 111 Multiplicatividade da func¸a˜o de Euler Pelo Lema 3.3, conclu´ımos que{ mdc(c ,m) = mdc(a,m) = 1, mdc(c , n) = mdc(b,m) = 1, =⇒ mdc(c ,mn) = 1. Sendo assim, existe r ∈ R(mn) tal que c ≡ r (mod mn). Como r ≡ c (mod mn) =⇒ { r ≡ c ≡ a (mod m), r ≡ c ≡ b (mod n), segue-se que f (r) = a e g(r) = b, logo h(r) = ( f (r), g(r) ) = (a, b). Para terminar, a bijectividade de h implica que φ(mn) = #R(mn) = ( #R(m) ) · ( #R(n) ) = φ(m) · φ(n). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 91 / 111 Ca´lculo da func¸a˜o-φ de Euler Teorema 4.3 Para quaisquer p ∈ P e e ∈ N,tem-se φ(pe) = pe−1(p − 1). Demonstrac¸a˜o. Para qualquer a ∈ {1, 2, . . . , pe}, temos mdc(a, pe) ̸= 1 ⇐⇒ a ∈ {p, 2p, . . . pe−1p}. Sendo assim, φ(pe) = pe − pe−1 = pe−1(p − 1). ! Exemplo 4.4 φ(2453112) = φ(24)φ(53)φ(112) = 23(2− 1) · 52(5− 1) · 11(11 − 1) = 265311. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 93 / 111 O criptosistema RSA Na de´cada 1970-80, comec¸aram a usar-se te´cnicas de Teoria dos Nu´meros que permitem a duas pessoas (Alice e Bob) comunicar mensagens secretas num ambiente hostil, em que qualquer mensagem pode ser interceptada e lida por intrusos. Estas te´cnicas sa˜o usadas no dia-a-dia (em compras “online”, em caixas de Multibanco, etc.) e essencialmente baseiam-se na aritme´tica mo´dulo n. O criptosistema RSA foi introduzido por Rivest, Shamir e Adleman [1978]. A ideia fundamental e´ construir um “alc¸apa˜o” (ou, uma func¸a˜o de sentido u´nico) E : X → X num conjunto X — por definic¸a˜o, E tem de ser bijectiva e tal que Alice possa calcular facilmente a inversa E−1, mas que este ca´lculo seja extremamente dif´ıcil para qualquer outra pessoa. Alice define esta func¸a˜o como se segue: C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 95 / 111 O criptosistema RSA Escolhe dois nu´meros primos “grandes” p e q, e faz n = pq. Calcula a func¸a˜o de Euler: φ(n) = φ(p)φ(q) = (p − 1)(q − 1). Escolhe aleatoriamente e ∈ N tal que 1 < e < φ(n) e mdc(e,φ(n)) = 1. Determina 1 < d < φ(n) tal que ed ≡ 1 (mod φ(n)). Define E : {0, 1, 2, . . . , n − 1}→ {0, 1, 2, . . . , n − 1} por E (x) ≡ xe (mod n) (0 ≤ x < n). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 96 / 111 O criptosistema RSA A chave pu´blica de Alice e´ o par (n, e) que conte´m a informac¸a˜o suficiente para que qualquer um possa calcular E (x) eficientemente. A chave secreta de Alice e´ o nu´mero d que lhe permite calcular facilmente a inversa E−1 (uma vez que d e´ dif´ıcil de determinar usando apenas a chave pu´blica — porque depende de φ(n) e a factorizac¸a˜o n = pq so´ e´ conhecida por Alice!). Teorema 4.5 Se p, q ∈ P com p ̸= q, n = pq e e, d ∈ N forem tais que ed ≡ 1 (mod φ(n)), enta˜o aed ≡ a (mod n) para todo a ∈ Z. Demonstrac¸a˜o. Se p | a, temos a ≡ 0 (mod p), logo aed ≡ 0 ≡ a (mod p). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 97 / 111 O criptosistema RSA Demonstrac¸a˜o. Se p ! a, temos ap−1 ≡ 1 (mod p) (pelo Pequeno Teorema de Fermat). Como p − 1 | φ(n), ed ≡ 1 (mod φ(n)) =⇒ ed ≡ 1 (mod p − 1) e, portanto, ed = (p − 1)k + 1, k ∈ N. Segue-se que aed = (ap−1)ka ≡ a (mod p). Analogamente se prova que aed ≡ a (mod q). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 98 / 111 O criptosistema RSA Como p ̸= q e n = pq, conclu´ımos que aed ≡ a (mod n). ! Exemplo 4.6 Escolhemos p = 17 e q = 19, de modo que n = pq = 323. φ(323) = φ(17)φ(19) = 16 · 18 = 288. Escolhemos e = 95 (< 288). Usando o Algoritmo de Euclides, encontramos d = 191: de facto, 95 · 191 ≡ 1 (mod 288). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 99 / 111 O criptosistema RSA Neste exemplo, a chave pu´blica e´ (323, 95), de modo que a func¸a˜o (de codificac¸a˜o) e´ dada por E (x) ≡ x95 (mod 323) (0 ≤ x < 323). A func¸a˜o-inversa (de descodificac¸a˜o) e´ dada por D(x) ≡ x191 (mod 323) (0 ≤ x < 323). Se a letra “X” for codificada como o nu´mero 24, temos E (24) = 2495 ≡ 294 (mod 323). Para decifrar, calculamos a inversa: D(294) = 294191 ≡ 24 (mod 323). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 100 / 111 Res´ıduos quadra´ticos Ja´ considera´mos equac¸o˜es lineares ax − b ≡ 0 (mod n); uma equac¸a˜o destas tem uma soluc¸a˜o se e so´ se mdc(a, n) | b. Questa˜o Procuramos crite´rios para que uma equac¸a˜o quadra´tica ax2 + bx + c ≡ 0 (mod n) tenha soluc¸o˜es. Em particular: quando e´ que um dado nu´mero inteiro a ∈ Z e´ um quadrado mo´dulo n? Para o caso em que n = p ∈ P, veremos que a resposta depende da reduc¸a˜o de p mo´dulo 4a — um facto surpreendente!). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 102 / 111 Res´ıduos quadra´ticos Definic¸a˜o 4.7 (Res´ıduo quadra´tico) Dados p ∈ P e a ∈ Z tal que p ! a, dizemos que a e´ um res´ıduo quadra´tico mo´dulo p se existir b ∈ Z tal que a ≡ b2 (mod p). Por exemplo, 1 e 4 sa˜o res´ıduos quadra´ticos mo´dulo 5. 2 e 3 na˜o sa˜o res´ıduos quadra´ticos mo´dulo 5. Definic¸a˜o 4.8 (S´ımbolo de Legendre) Para p ∈ P, p ≥ 3, e a ∈ Z, definimos o s´ımbolo de Legendre ( a p ) = ⎧⎪⎨ ⎪⎩ 0, se p | a, 1, se a for um res´ıduo quadra´tico mo´dulo p, −1, se a na˜o for um res´ıduo quadra´tico mo´dulo p. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 103 / 111 Res´ıduos quadra´ticos Por exemplo,( 1 5 ) = ( 4 5 ) = 1, ( 2 5 ) = ( 3 5 ) = −1 e ( 5 5 ) = 0. Proposic¸a˜o 4.9 Para qualquer p ∈ P, p ≥ 3, tem-se( 1 p ) = 1 e ( −1 p ) = (−1) p−1/2. Demonstrac¸a˜o. E´ claro que ( 1 p ) = 1. Para ( −1 p ) basta usar o Teorema 3.16. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 104 / 111 Crite´rio de Euler A proposic¸a˜o anterior e´ consequeˆncia do seguinte resultado mais geral. Teorema 4.10 (Crite´rio de Euler) Para qualquer p ∈ P, p ≥ 3, e qualquer a ∈ Z, tem-se( a p ) ≡ a p−1/2 (mod p). Demonstrac¸a˜o. Se ( a p ) = 1, existe b ∈ Z tal que a ≡ b2 (mod p) e, portanto, a p−1/2 ≡ bp−1 ≡ 1 = ( a p ) (mod p). por outro lado, suponhamos que ( a p ) = −1, de modo que a equac¸a˜o x2 ≡ a (mod p) na˜o tem soluc¸o˜es. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 106 / 111 Crite´rio de Euler Demonstrac¸a˜o. Para cada 1 ≤ b < p, escolhemos 1 ≤ b′ < p tal que bb′ ≡ a (mod p). Na˜o pode ser b′ = b, caso contra´rio b2 ≡ a (mod p). Deste modo, decompomos {1, 2, . . . , p − 1} como unia˜o disjunta de p−1/2 subconjuntos da forma {b, b′}, que corresponde a decompor (p− 1)! como produto de p−1/2 factores da forma bb′. Segue-se que (p − 1)! ≡ a p−1/2 (mod p), logo a p−1/2 ≡ −1 = ( a p ) (mod p) (usando o Teorema de Wilson). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 107 / 111 Crite´rio de Euler Corola´rio 4.11 Para qualquer p ∈ P, p ≥ 3, e quaisquer a, b ∈ Z, tem-se: 1 ( ab p ) = ( a p )( b p ) ; 2 a ≡ b (mod p) =⇒ ( a p ) = ( b p ) . Demonstrac¸a˜o. Para (1),( ab p ) ≡ (ab) p−1/2 = a p−1/2b p−1/2 ≡ ( a p )( b p ) (mod p), a igualdade segue-se porque o s´ımbolo de Legendre toma os valores 0,±1 e p ̸= 2. (2) e´ ana´logo, escrevendo a = b + kp para k ∈ Z. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 108 / 111 Lema de Gauss Teorema 5.1 (Lema de Gauss) Sejam p ∈ P, p ≥ 3, e a ∈ Z tal que p ! a. Consideremos o conjunto {a, 2a, . . . , (p−1/2)a} e, para cada 1 ≤ k ≤ p−1/2, seja 1 ≤ rk < p tal que ka ≡ rk (mod p). Enta˜o,( a p ) = (−1)n, para n = # { rk : 1 ≤ k ≤ p−1/2, p/2 < rk } . Demonstrac¸a˜o. Sejam r ′1, . . . , r ′ n ∈ {r1, . . . , rp−1/2} os res´ıduos que excedem p/2 e r ′′ 1 , . . . , r ′′ m os restantes — de modo que n +m = p−1/2. Temos 0 < p − r ′i < p/2, i = 1, 2, . . . , n. Ale´m disso, {p − r ′1, . . . , p − r ′ p/2} ∩ {r ′′ 1 , . . . , r ′′ m} ̸= ∅. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 110 / 136 Lema de Gauss De facto, suponhamos que p − r ′i = r ′′ j para alguns 1 ≤ i , j ≤ p−1/2. Sejam 1 ≤ k , ℓ ≤ p−1/2 tais que r ′i ≡ ka (mod p) e r ′′ j ≡ ℓa (mod p). Enta˜o,ℓa ≡ r ′′j = p − r ′ i ≡ −r ′ i ≡ −ka (mod p) =⇒ ℓ ≡ −k (mod p) (porque p ! a). Isto significa que p | (ℓ+ k) o que na˜o pode acontecer porque ℓ + k ≤ p−1/2 + p−1/2 = p − 1. Deste modo, temos n+m = p−1/2 nu´meros distintos 1 ≤ p − r ′1, . . . , p − r ′ n, r ′′ 1 , . . . , r ′′ m ≤ p−1/2, de maneira que {p − r ′1, . . . , p − r ′ p/2} ∪ {r ′′ 1 , . . . , r ′′ m} = {1, 2, . . . , p−1/2}. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 111 / 136 Lema de Gauss Segue-se que ( p−1/2 ) ! = (p − r ′1) · · · (p − r ′ n)r ′′ 1 · · · r ′′ m ≡ (−r ′1) · · · (−r ′ n)r ′′ 1 · · · r ′′ m ≡ (−1)n ( r ′1 · · · r ′ nr ′′ 1 · · · r ′′ m ) ≡ (−1)n ( a · 2a · · · (p−1/2)a ) = (−1)nap−1/2 ( p−1/2 ) ! (mod p). Cancelando ( p−1/2 ) !, obtemos (−1)nap−1/2 ≡ 1 (mod p) ⇐⇒ ap−1/2 ≡ (−1)n (mod p), o que da´ o resultado (pelo Crite´rio de Euler). ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 112 / 136 Lema de Gauss Teorema 5.2 Se p ∈ P, p ≥ 3, e a ∈ Z for tal que 2p ! a, enta˜o: 1 ( a p ) = (−1)t onde t = p−1/2∑ k=1 ⌊ ka p ⌋ . 2 ( 2 p ) = (−1) p2−1/8. Demonstrac¸a˜o. Mantemos a notac¸a˜o de demonstrac¸a˜o anterior. Notemos que {r1, . . . , rp−1/2} = {r ′ 1, . . . , r ′ n, r ′′ 1 , . . . , r ′′ m} sa˜o os restos da divisa˜o por p dos inteiros a, 2a, . . . , ( p−1/2 ) a e que ka = p · ⌊ ka p ⌋ + rk , 1 ≤ k ≤ p−1/2. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 113 / 136 Lema de Gauss Assim, a · p−1/2∑ k=1 k = p−1/2∑ k=1 ka = p · p−1/2∑ k=1 ⌊ ka p ⌋ + p−1/2∑ k=1 rk = p · p−1/2∑ k=1 ⌊ ka p ⌋ + n∑ i=1 r ′i + m∑ j=1 r ′′j . Por outro lado, p−1/2∑ k=1 k = n∑ i=1 (p − r ′i ) + m∑ j=1 r ′′j = np − n∑ i=1 r ′i + m∑ j=1 r ′′j . Subtraindo, obtemos (a − 1) · p−1/2∑ k=1 k = p · ⎛ ⎝p−1/2∑ k=1 ⌊ ka p ⌋ − n ⎞ ⎠+ 2 · n∑ i=1 ri . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 114 / 136 Lema de Gauss Como p−1/2∑ k=1 k = p2 − 1 8 , conclu´ımos que (a − 1) · p2 − 1 8 ≡ p−1/2∑ k=1 ⌊ ka p ⌋ − n (mod 2). Se a for ı´mpar, obtemos n ≡ p−1/2∑ k=1 ⌊ ka p ⌋ (mod 2). Se a = 2, vem n ≡ p2 − 1 8 (mod 2) uma vez que ⌊ 2k/p ⌋ = 0 para qualquer 1 ≤ k ≤ p−1/2. Para terminar a demonstrac¸a˜o, basta aplicar o Lema de Gauss. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 115 / 136 Reciprocidade quadra´tica Teorema 5.3 (Lei da reciprocidade quadra´tica) Se p, q ∈ P forem ı´mpares, enta˜o( q p ) = (−1)(p−1)(q−1)/4 ( p q ) . Observac¸a˜o Uma forma equivalente de formular este teorema e´: Se os nu´meros primos p e q forem ambos da forma 4k + 3, enta˜o uma das equac¸o˜es x2 ≡ p (mod q) e x2 ≡ q (mod p) tem soluc¸a˜o e a outra na˜o. Se pelo menos um dos nu´meros primos p e q for da forma 4k + 1, enta˜o, ou as duas equac¸o˜es teˆm soluc¸a˜o, ou nenhuma tem. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 117 / 136 Reciprocidade quadra´tica Demonstrac¸a˜o. Consideramos o “quadrado” Q = { (k , ℓ) ∈ Z2 : 1 ≤ k , ℓ ≤ (p−1)/2 } que tem (p−1)(q−1)/4 elementos. Particionamos Q como a unia˜o disjunta Q = Q1 unionsq Q2 onde Q1 = { (k , ℓ) ∈ Q : qk > pℓ } e Q2 = { (k , ℓ) ∈ Q : qk < pℓ } — na˜o pode acontecer qk = pℓ: caso contra´rio, seria p | k (e q | ℓ). Temos Q1 = { (k , ℓ) ∈ Z2 : 1 ≤ k ≤ (p−1)/2, 1 ≤ ℓ < qk/p } , ∣∣Q1∣∣ = (p−1)/2∑ k=1 ⌊ qk p ⌋ . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 118 / 136 Reciprocidade quadra´tica Analogamente, Q2 = { (k , ℓ) ∈ Z2 : 1 ≤ ℓ ≤ (p−1)/2, 1 ≤ k < pℓ/q } , ∣∣Q2∣∣ = (p−1)/2∑ ℓ=1 ⌊ pℓ q ⌋ . Deste modo, (p − 1)(q − 1) 4 = ∣∣Q∣∣ = ∣∣Q1∣∣+ ∣∣Q2∣∣ = (p−1)/2∑ k=1 ⌊ qk p ⌋ + (p−1)/2∑ ℓ=1 ⌊ pℓ q ⌋ . Pelo Teorema 5.2, conclu´ımos que( p q )( q p ) = (−1)(p−1)(q−1)/4. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 119 / 136 Reciprocidade quadra´tica Exemplo 5.4 Calculamos ( −42 61 ) : ( −42 61 ) = ( −1 61 )( 2 61 )( 3 61 )( 7 61 ) .( −1 61 ) = (−1)60/2 = 1.( 2 61 ) = (−1)(61 2 −1)/8 = −1.( 3 61 ) = (−1)2/2·60/2 ( 61 3 ) = ( 1 3 ) = 1.( 7 61 ) = (−1)6/2· 60/2 ( 61 3 ) = ( 5 7 ) = (−1)4/2· 6/2 ( 7 5 ) = ( 2 5 ) = (−1)24/8 = −1. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 120 / 136 Reciprocidade quadra´tica Assim ( −42 61 ) = 1 — e, portanto, −42 e´ um quadrado mo´dulo 61. Ha´ processos de ca´lculo mais ra´pidos:( −42 61 ) = ( 19 61 ) = (−1)18/2·60/2 ( 61 19 ) = ( 61 19 ) = ( 4 19 ) = ( 2 19 )2 = 1. Exemplo 5.5 Determinamos os nu´meros primos ı´mpares p ∈ P para os quais 3 e´ um quadrado mo´dulo p. Temos ( 3 p ) = (−1)(p−1)/2 (p 3 ) . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 121 / 136 Reciprocidade quadra´tica Como (p 3 ) = ⎧⎪⎪⎪⎨ ⎪⎪⎪⎩ ( 1 3 ) = 1, se p ≡ 1 (mod 3),( 2 3 ) = −1, se p ≡ 2 (mod 3), (−1) (p−1)/2 = { 1, se p ≡ 1 (mod 4), −1, se p ≡ 3 (mod 4), conclu´ımos que ( 3 p ) = 1 ⇐⇒ { p ≡ 1 (mod 3), p ≡ 1 (mod 4) ou { p ≡ 2 (mod 3), p ≡ 3 (mod 4) ⇐⇒ p ≡ 1 (mod 12) ou p ≡ 11 (mod 12). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 122 / 136 Formas bina´rias quadra´ticas Nesta secc¸a˜o, consideramos formas quadra´ticas bina´rias, isto e´, polino´mios f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 em que a, b, c ∈ Z e procuramos condic¸o˜es para que um nu´mero natural n ∈ N possa ser representado por uma forma deste tipo. Definic¸a˜o 5.6 (Discriminante) Chamamos discriminante de uma forma quadra´tica f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] ao nu´mero inteiro d = b2 − 4ac . Teorema 5.7 Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica com discriminante d. Se d ̸= 0 e d na˜o for um quadrado perfeito, enta˜o: a ̸= 0 e c ̸= 0; (0, 0) e´ a u´nica soluc¸a˜o inteira da equac¸a˜o f (x , y) = 0. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 124 / 136 Formas bina´rias quadra´ticas Demonstrac¸a˜o. Se fosse a = 0 ou c = 0, enta˜o d = b2 o que na˜o acontece — assim, temos a ̸= 0 e c ̸= 0. Sejam u, v ∈ Z tais que f (u, v) = 0. Se for v = 0, enta˜o au2 = 0, logo u = 0 (porque a ̸= 0). Analogamente, u = 0 =⇒ v = 0. Suponhamos que u ̸= 0 e v ̸= 0. Como 4af (x , y) = (2ax + by)2 − dy2, obtemos dv2 = (2au + bv)2. Como dv2 ̸= 0, o Teorema Fundamental da Aritme´tica implica que d e´ um quadrado perfeito, o que na˜o acontece. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 125 / 136 Formas bina´rias quadra´ticas Definic¸a˜o 5.8 (Formas semidefinidas, definidas e indefinidas) Dizemos que uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] e´: semidefinida positiva (resp., negativa) se f (u, v) ≥ 0 (resp., f (u, v) ≤ 0) para quaisquer u, v ∈ Z; definida positiva (resp., negativa) se f (u, v) > 0 (resp., f (u, v) < 0); indefinida em qualquer outro caso. Exemplo 5.9 f (x , y) = x2 − 2y2 e´ indefinida porque f (1, 0) = 1 e f (0, 1) = −2. f (x , y) = x2 − 2xy + y2 = (x − y)2 e´ semidefinida positiva, mas na˜o e´ definida positiva porque f (1, 1) = 0. f (x , y) = x2 + y2 e´ definida positiva. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 126 / 136Formas bina´rias quadra´ticas Teorema 5.10 Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica com discriminante d. 1 Se d > 0, enta˜o f (x , y) e´ indefinida; 2 Se d = 0, enta˜o f (x , y) e´ semidefinida, mas na˜o e´ definida. 3 Se d < 0, enta˜o a e c teˆm o mesmo sinal e: 1 Se a > 0, enta˜o f (x , y) e´ definida positiva; 2 Se a < 0, enta˜o f (x , y) e´ definida negativa. Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que d > 0. Temos f (1, 0) = a e f (b,−2a) = −ad ; estes nu´meros teˆm sinais contra´rios, excepto quando a = 0. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 127 / 136 Formas bina´rias quadra´ticas Analogamente, f (0, 1) = c e f (−2c , b) = −cd ; estes nu´meros teˆm sinais contra´rios, excepto quando a = 0. Quando a = c = 0, temos d = b2 > 0, logo b ̸= 0 e, neste caso, f (1, 1) = b e f (1,−1) = −b. Em conclusa˜o, f (x , y) e´ indefinida. Agora, suponhamos que d = 0 e que a ̸= 0. Como 4af (x , y) = (2ax + by)2 − dy2, os valores de f (x , y) teˆm todos o mesmo sinal que a e, portanto, f (x , y) e´ semidefinida. Ale´m disso, f (b,−2a) = −ad = 0, logo f (x , y) na˜o e´ definida (porque a ̸= 0). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 128 / 136 Formas bina´rias quadra´ticas Se for a = 0, enta˜o d = b2 e, portanto, b = 0. Neste caso, f (x , y) = cy2 e, portanto, os valores de f (x , y) teˆm todos o mesmo sinal que c , logo f (x , y) e´ semidefinida. Como f (1, 0) = 0, f (x , y) na˜o e´ definida. Finalmente, suponhamos que d < 0. Como 4af (x , y) = (2ax + by)2 − dy2, o Teorema 5.7 implica que 4af (u, v) ≥ 0, ∀ u, v ∈ Z \ {0}. Assim, f (x , y) e´ positiva. Como f (1, 0) = a e f (0, 1) = c , conclu´ımos que a e c teˆm o mesmo sinal. As restantes asserc¸o˜es seguem-se imediatamente. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 129 / 136 Formas bina´rias quadra´ticas Teorema 5.11 Seja d ∈ Z. Enta˜o, existe pelo menos uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] com discriminante d se e so´ se d ≡ 0, 1 (mod 4). Demonstrac¸a˜o. =⇒: Se a, b, c ∈ Z forem os coeficientes de f (x , y), temos d = b2 − 4ac ≡ 0, 1 (mod 4). ⇐=: Se d ≡ 0 (mod 4), f (x , y) = x2 − ( d/4 ) y2 tem discriminante d . Se d ≡ 1 (mod 4), f (x , y) = x2 + xy − ( (d−1)/4 ) y2 tem discriminante d . ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 130 / 136 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Definic¸a˜o 5.12 Dizemos que n ∈ Z e´ representado por uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] se existirem u, v ∈ Z tais que n = f (u, v) — e dizemos que n = f (u, v) e´ uma representac¸a˜o de n. Quando isto acontece, dizemos que n = f (u, v) e´ uma representac¸a˜o pro´pria se mdc(u, v) = 1; no caso contra´rio, dizemos que a representac¸a˜o e´ impro´pria. Observac¸a˜o Se n ∈ Z for representado por uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ], n = f (u, v) for uma representac¸a˜o de n (de modo que u, v ∈ Z) e d = mdc(u, v), enta˜o d2 | n e n/d2 = f ( u/d, v/d ) . Deste modo, as representac¸o˜es de n podem ser determinadas a partir das representac¸o˜es pro´prias de n/d2 para qualquer d ∈ Z tal que d2 | n. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 132 / 136 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Teorema 5.13 Sejam n, d ∈ Z com n ̸= 0. Enta˜o, existe uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] com discriminante d que representa n propriamente se e so´ se a equac¸a˜o x2 ≡ d (mod 4|n|) tem uma soluc¸a˜o. Demonstrac¸a˜o. =⇒: Se b ∈ Z for tal que b2 ≡ d (mod 4|n|), enta˜o b2 − d = 4nc para algum c ∈ Z. A forma f (x , y) = nx2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] tem discriminante d e n = f (1, 0) e´ uma representac¸a˜o pro´pria de n. ⇐=: Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica tal que n = f (u, v) e´ uma representac¸a˜o pro´pria de n — assim, u, v ∈ Z e mdc(u, v) = 1. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 133 / 136 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Como mdc(u, v) = 1, existem m1,m2 ∈ N tais que m1m2 = 4|n| e mdc(m1,m2) = mdc(m1, v) = mdc(m2, u) = 1. Como 4af (x , y) = (2ax + by)2 − dy2, obtemos 4an = (2au + bv)2 − dv2 =⇒ (2au + bv)2 ≡ dv2 (mod m1). Como mdc(m1, v) = 1, existe v ′ ∈ Z tal que vv ′ ≡ 1 (mod m1). Pondo r = (2au + bv)v ′, obtemos r2 = [ (2au + bv)v ′ ]2 ≡ d(vv ′)2 ≡ d (mod m1). De modo ana´logo, usando 4cf (x , y) = (bx + 2cy)2 − dx2, provamos que existe s ∈ Z tal que s2 ≡ d (mod m2). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 134 / 136 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Pelo Teorema Chineˆs dos Restos (uma vez que mdc(m1,m2) = 1), o sistema { x ≡ r (mod m1) x ≡ s (mod m2) tem soluc¸a˜o, isto e´, existe t ∈ Z tal que t ≡ r (mod m1) e t ≡ s (mod m2). Daqui, resulta que t2 ≡ r2 ≡ d (mod m1) e t 2 ≡ s2 ≡ d (mod m2). Como mdc(m1,m2) = 1, conclu´ımos que t2 ≡ d (mod m1m2). O resultado segue-se porque m1m2 = 4|n|. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 135 / 136 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Corola´rio 5.14 Sejam d ∈ Z tal que d ≡ 0, 1 (mod 4) e p ∈ P um nu´mero primo ı´mpar. Enta˜o, existe uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] com discriminante d que representa p se e so´ se p | d ou ( d p ) = 1. Demonstrac¸a˜o. E´ claro que qualquer representac¸a˜o de p tem de ser pro´pria. =⇒: Pelo teorema, d tem de ser um quadrado mo´dulo 4p, logo d e´ quadrado mo´dulo p e, portanto, ( d p ) ̸= −1. =⇒: Se ( d p ) ̸= −1, enta˜o d e´ quadrado mo´dulo p. Por definic¸a˜o, d e´ quadrado mo´dulo 4, logo d e´ quadrado mo´dulo 4p (pelo Teorema Chineˆs dos Restos). Agora, basta aplicar o teorema anterior. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 136 / 136 Formas bina´rias quadra´ticas Nesta secc¸a˜o, consideramos formas quadra´ticas bina´rias, isto e´, polino´mios f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 em que a, b, c ∈ Z e procuramos condic¸o˜es para que um nu´mero natural n ∈ N possa ser representado por uma forma deste tipo. Definic¸a˜o 6.1 (Discriminante) Chamamos discriminante de uma forma quadra´tica f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] ao nu´mero inteiro d = b2 − 4ac . Teorema 6.2 Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica com discriminante d. Se d ̸= 0 e d na˜o for um quadrado perfeito, enta˜o: a ̸= 0 e c ̸= 0; (0, 0) e´ a u´nica soluc¸a˜o inteira da equac¸a˜o f (x , y) = 0. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 138 / 194 Formas bina´rias quadra´ticas Demonstrac¸a˜o. Se fosse a = 0 ou c = 0, enta˜o d = b2 o que na˜o acontece — assim, temos a ̸= 0 e c ̸= 0. Sejam u, v ∈ Z tais que f (u, v) = 0. Se for v = 0, enta˜o au2 = 0, logo u = 0 (porque a ̸= 0). Analogamente, u = 0 =⇒ v = 0. Suponhamos que u ̸= 0 e v ̸= 0. Como 4af (x , y) = (2ax + by)2 − dy2, obtemos dv2 = (2au + bv)2. Como dv2 ̸= 0, o Teorema Fundamental da Aritme´tica implica que d e´ um quadrado perfeito, o que na˜o acontece. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 139 / 194 Formas bina´rias quadra´ticas Definic¸a˜o 6.3 (Formas semidefinidas, definidas e indefinidas) Dizemos que uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] e´: semidefinida positiva (resp., negativa) se f (u, v) ≥ 0 (resp., f (u, v) ≤ 0) para quaisquer u, v ∈ Z; definida positiva (resp., negativa) se f (u, v) > 0 (resp., f (u, v) < 0); indefinida em qualquer outro caso. Exemplo 6.4 f (x , y) = x2 − 2y2 e´ indefinida porque f (1, 0) = 1 e f (0, 1) = −2. f (x , y) = x2 − 2xy + y2 = (x − y)2 e´ semidefinida positiva, mas na˜o e´ definida positivaporque f (1, 1) = 0. f (x , y) = x2 + y2 e´ definida positiva. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 140 / 194 Formas bina´rias quadra´ticas Teorema 6.5 Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica com discriminante d. 1 Se d > 0, enta˜o f (x , y) e´ indefinida; 2 Se d = 0, enta˜o f (x , y) e´ semidefinida, mas na˜o e´ definida. 3 Se d < 0, enta˜o a e c teˆm o mesmo sinal e: 1 Se a > 0, enta˜o f (x , y) e´ definida positiva; 2 Se a < 0, enta˜o f (x , y) e´ definida negativa. Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que d > 0. Temos f (1, 0) = a e f (b,−2a) = −ad ; estes nu´meros teˆm sinais contra´rios, excepto quando a = 0. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 141 / 194 Formas bina´rias quadra´ticas Analogamente, f (0, 1) = c e f (−2c , b) = −cd ; estes nu´meros teˆm sinais contra´rios, excepto quando a = 0. Quando a = c = 0, temos d = b2 > 0, logo b ̸= 0 e, neste caso, f (1, 1) = b e f (1,−1) = −b. Em conclusa˜o, f (x , y) e´ indefinida. Agora, suponhamos que d = 0 e que a ̸= 0. Como 4af (x , y) = (2ax + by)2 − dy2, os valores de f (x , y) teˆm todos o mesmo sinal que a e, portanto, f (x , y) e´ semidefinida. Ale´m disso, f (b,−2a) = −ad = 0, logo f (x , y) na˜o e´ definida (porque a ̸= 0). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 142 / 194 Formas bina´rias quadra´ticas Se for a = 0, enta˜o d = b2 e, portanto, b = 0. Neste caso, f (x , y) = cy2 e, portanto, os valores de f (x , y) teˆm todos o mesmo sinal que c , logo f (x , y) e´ semidefinida. Como f (1, 0) = 0, f (x , y) na˜o e´ definida. Finalmente, suponhamos que d < 0. Como 4af (x , y) = (2ax + by)2 − dy2, o Teorema 6.2 implica que 4af (u, v) ≥ 0, ∀ u, v ∈ Z \ {0}. Assim, f (x , y) e´ positiva. Como f (1, 0) = a e f (0, 1) = c , conclu´ımos que a e c teˆm o mesmo sinal. As restantes asserc¸o˜es seguem-se imediatamente. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 143 / 194 Formas bina´rias quadra´ticas Teorema 6.6 Seja d ∈ Z. Enta˜o, existe pelo menos uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] com discriminante d se e so´ se d ≡ 0, 1 (mod 4). Demonstrac¸a˜o. =⇒: Se a, b, c ∈ Z forem os coeficientes de f (x , y), temos d = b2 − 4ac ≡ 0, 1 (mod 4). ⇐=: Se d ≡ 0 (mod 4), f (x , y) = x2 − ( d/4 ) y2 tem discriminante d . Se d ≡ 1 (mod 4), f (x , y) = x2 + xy − ( (d−1)/4 ) y2 tem discriminante d . ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 144 / 194 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Definic¸a˜o 6.7 Dizemos que n ∈ Z e´ representado por uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] se existirem u, v ∈ Z tais que n = f (u, v) — e dizemos que n = f (u, v) e´ uma representac¸a˜o de n. Quando isto acontece, dizemos que n = f (u, v) e´ uma representac¸a˜o pro´pria se mdc(u, v) = 1; no caso contra´rio, dizemos que a representac¸a˜o e´ impro´pria. Observac¸a˜o Se n ∈ Z for representado por uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ], n = f (u, v) for uma representac¸a˜o de n (de modo que u, v ∈ Z) e d = mdc(u, v), enta˜o d2 | n e n/d2 = f ( u/d, v/d ) . Deste modo, as representac¸o˜es de n podem ser determinadas a partir das representac¸o˜es pro´prias de n/d2 para qualquer d ∈ Z tal que d2 | n. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 146 / 194 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Teorema 6.8 Sejam n, d ∈ Z com n ̸= 0. Enta˜o, existe uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] com discriminante d que representa n propriamente se e so´ se a equac¸a˜o x2 ≡ d (mod 4|n|) tem uma soluc¸a˜o. Demonstrac¸a˜o. =⇒: Se b ∈ Z for tal que b2 ≡ d (mod 4|n|), enta˜o b2 − d = 4nc para algum c ∈ Z. A forma f (x , y) = nx2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] tem discriminante d e n = f (1, 0) e´ uma representac¸a˜o pro´pria de n. ⇐=: Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica tal que n = f (u, v) e´ uma representac¸a˜o pro´pria de n — assim, u, v ∈ Z e mdc(u, v) = 1. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 147 / 194 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Como mdc(u, v) = 1, existem m1,m2 ∈ N tais que m1m2 = 4|n| e mdc(m1,m2) = mdc(m1, v) = mdc(m2, u) = 1. Como 4af (x , y) = (2ax + by)2 − dy2, obtemos 4an = (2au + bv)2 − dv2 =⇒ (2au + bv)2 ≡ dv2 (mod m1). Como mdc(m1, v) = 1, existe v ′ ∈ Z tal que vv ′ ≡ 1 (mod m1). Pondo r = (2au + bv)v ′, obtemos r2 = [ (2au + bv)v ′ ]2 ≡ d(vv ′)2 ≡ d (mod m1). De modo ana´logo, usando 4cf (x , y) = (bx + 2cy)2 − dx2, provamos que existe s ∈ Z tal que s2 ≡ d (mod m2). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 148 / 194 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Pelo Teorema Chineˆs dos Restos (uma vez que mdc(m1,m2) = 1), o sistema { x ≡ r (mod m1) x ≡ s (mod m2) tem soluc¸a˜o, isto e´, existe t ∈ Z tal que t ≡ r (mod m1) e t ≡ s (mod m2). Daqui, resulta que t2 ≡ r2 ≡ d (mod m1) e t 2 ≡ s2 ≡ d (mod m2). Como mdc(m1,m2) = 1, conclu´ımos que t2 ≡ d (mod m1m2). O resultado segue-se porque m1m2 = 4|n|. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 149 / 194 Representac¸a˜o de inteiros por formas quadra´ticas bina´rias Corola´rio 6.9 Sejam d ∈ Z tal que d ≡ 0, 1 (mod 4) e p ∈ P um nu´mero primo ı´mpar. Enta˜o, existe uma forma quadra´tica f (x , y) ∈ Z[x , y ] com discriminante d que representa p se e so´ se p | d ou ( d p ) = 1. Demonstrac¸a˜o. E´ claro que qualquer representac¸a˜o de p tem de ser pro´pria. =⇒: Pelo teorema, d tem de ser um quadrado mo´dulo 4p, logo d e´ quadrado mo´dulo p e, portanto, ( d p ) ̸= −1. =⇒: Se ( d p ) ̸= −1, enta˜o d e´ quadrado mo´dulo p. Por definic¸a˜o, d e´ quadrado mo´dulo 4, logo d e´ quadrado mo´dulo 4p (pelo Teorema Chineˆs dos Restos). Agora, basta aplicar o teorema anterior. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 150 / 194 Equivaleˆncia de formas quadra´ticas bina´rias Definic¸a˜o 6.10 (Grupo modular) Chamamos grupo modular ao grupo Γ constitu´ıdo por todas as matrizes de tipo 2× 2 com coeficientes em Z e determinante 1, isto e´, Γ = {[ m11 m12 m21 m22 ] : mij ∈ Z, det(M) = 1 } . Observac¸a˜o 1 Γ e´ de facto um grupo — exerc´ıcio. 2 Γ na˜o e´ comutativo: por exemplo, para M = [ 0 1 −1 0 ] e N = [ 1 0 1 1 ] , temos MN = [ 1 1 −1 0 ] e NM = [ 0 1 −1 1 ] . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 152 / 194 Equivaleˆncia de formas quadra´ticas bina´rias Definic¸a˜o 6.11 (Formas quadra´ticas bina´rias equivalentes) Duas formas quadra´ticas f (x , y), f ′(x , y) ∈ Z[x , y ] dizem-se equivalentes se exitir uma matriz M = [mij ] ∈ Γ tal que g(x , y) = f (m11x +m12y ,m21x +m22y). Nesta situac¸a˜o, escrevemos f ∼ g e dizemos que M leva f para g . Exemplo 6.12 As formas f (x , y) = x2 + y2 e g(x , y) = x2 + 2xy + 2y2 sa˜o equivalentes: g(x , y) = f (x + y , y); a matriz [ 1 1 0 1 ] ∈ Γ leva f para g . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 153 / 194 Equivaleˆncia de formas quadra´ticas bina´rias Lema 6.13 ∼ e´ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia. Uma forma quadra´tica f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] pode ser representada matricialmente por uma matriz sime´trica (isto e´, igual a` sua transposta): de facto, identificando f (x , y) com [ f (x , y) ] , temos f (x , y) = [ x y ] [ a 1/2b 1/2b c ] [ x y ] . De agora em diante, escreveremos f (x , y) = XTFX onde F = [ a 1/2b 1/2b c ] e X = [ x y ] . Lema 6.14 Se f (x , y) = XTFX ∈ Z[x , y ] foruma forma quadra´tica, enta˜o o discriminante de f (x , y) e´ dado por d = −4 det(F ). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 154 / 194 Equivaleˆncia de formas quadra´ticas bina´rias Lema 6.15 Se f (x , y) = XTFX ∈ Z[x , y ] e g(x , y) = XTGX ∈ Z[x , y ] forem formas quadra´ticas equivalentes (em que F e G sa˜o matrizes sime´tricas) e M ∈ Γ for uma matriz que leva f para g, enta˜o G = MTFM; em particular, f e g teˆm o mesmo discriminante. Demonstrac¸a˜o. Pondo M = [mij ], temos g(x , y) = f (m11x +m12y ,m21x +m22y) = [ m11x +m12y m21x +m22y ] F [ m11x +m12y m21x +m22y ] = [ x y ] [m11 m21 m12 m22 ] F [ m11 m12 m21 m22 ] [ x y ] = XT (MTFM)X C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 155 / 194 Equivaleˆncia de formas quadra´ticas bina´rias Sendo assim XTGX = XT (MTFM)X , de onde resulta que G = MTFM — basta escolher matrizes X ∈M2×1(Z) convenientes. Sejam d e d ′ os discriminantes de f e g , respectivamente. Pelo Lema 6.14, temos d ′ = −4 det(MTFM) = −4 det(M)2 det(F ) = −4 det(F ) = d (uma vez que det(M) = 1). ! Definic¸a˜o 6.16 (Forma quadra´tica bina´ria reduzida) Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica cujo discriminante na˜o e´ um quadrado. Dizemos e´ f reduzida se −|a| < b ≤ |a| < |c | ou 0 ≤ b ≤ |a| = |c |. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 156 / 194 Formas quadra´ticas bina´rias reduzidas Definic¸a˜o 7.1 (Forma quadra´tica bina´ria reduzida) Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica cujo discriminante na˜o e´ um quadrado. Dizemos e´ f reduzida se acontecer uma (e so´ uma) das situac¸o˜es seguintes: −|a| < b ≤ |a| < |c |; 0 ≤ b ≤ |a| = |c |. Teorema 7.2 Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica com discriminante d e suponhamos que d na˜o e´ um quadrado. Enta˜o, existe pelo menos uma forma quadra´tica reduzida g(x , y) ∈ Z[x , y ] que e´ equivalente a f . C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 158 / 194 Formas quadra´ticas bina´rias reduzidas Demonstrac¸a˜o. Como d na˜o e´ um quadrado, temos a ̸= 0 e c ̸= 0. Se |c | < |a| ou |a| = |c | e −|a| ≤ b < 0, consideramos M = [ 0 1 −1 0 ] ∈ Γ. Esta matriz leva f para a forma quadra´tica g(x , y) = cx2 − bxy + ay2. Esta forma so´ na˜o e´ reduzida quando |c | < |a| e −b /∈ (− |c |, |c |); se isto acontecer procedemos como se segue. Se |a| < |c | e b /∈ (− |a|, |a|), consideramos M = [ 1 m 0 1 ] ∈ Γ C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 159 / 194 Formas quadra´ticas bina´rias reduzidas onde m ∈ Z e´ o u´nico inteiro tal que −|a| < 2am + b ≤ |a|. Esta matriz leva f para a forma quadra´tica g(x , y) = ax2 + (2am + b)xy + (am2 + bm + c)y2. Esta forma pode na˜o ser reduzida porque pode acontecer |am2 + bm + c | < |a|; se isto acontecer, usamos o processo acima. Fica como exerc´ıcio, justificar que uma aplicac¸a˜o sucessiva destas duas transformac¸o˜es leva f para uma forma quadra´tica reduzida que lhe e´ equivalente. ! Exemplo 7.3 Determinamos uma forma quadra´tica reduzida que e´ equivalente a f (x , y) = 133x2 + 108xy + 22y2. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 160 / 194 Formas quadra´ticas bina´rias reduzidas Como 22 < 133, transformamos f na forma f1(x , y) = f (−y , x) = 133y2 − 108xy + 22x2 = 22x2 − 108xy + 133y2 (uma transformac¸a˜o do 1o tipo). Temos 22 < 133 mas −108 /∈ (− 22, 22). Escolhendo m = 2 e efectuando uma transformac¸a˜o do 2o tipo, passamos para a forma f2(x , y) = f1(x + 2y , y) = 22(x + 2y) 2 − 108(x + 2y)y + 133y2 = 22x2 − 20xy + 5y2. Esta forma na˜o e´ reduzida porque 5 < 22. Fazendo novamente uma transformac¸a˜o do 1o tipo, obtemos f3(x , y) = f2(−y , x) = 5x2 + 20xy + 22y2. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 161 / 194 Formas quadra´ticas bina´rias reduzidas Finalmente, uma transformac¸a˜o do 2o tipo com m = −2, da´-nos f4(x , y) = f3(x − 2y , y) = 5x2 + 2y2 e uma transformac¸a˜o do 1o tipo, da´-nos f5(x , y) = f4(−y , x) = 2x2 + 5y2, que e´ reduzida e equivalente a f . Teorema 7.4 Seja f (x , y) = ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] uma forma quadra´tica reduzida cujo discriminante d na˜o e´ um quadrado. 1 Se f for indefinida, enta˜o 0 < |a| ≤ √d/2. 2 Se f for definida positiva, enta˜o 0 < a ≤√−d/3. Em qualquer dos casos, existe um nu´mero finito de formas quadra´ticas reduzidas com discriminante d. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 162 / 194 Formas quadra´ticas bina´rias reduzidas Demonstrac¸a˜o. Se a e c tiverem o mesmo sinal, enta˜o d = b2 − 4ac = b2 − 4|ac | ≤ a2 − 4a2 < 0. Deste modo, se d > 0, enta˜o a e c teˆm sinais opostos e d = b2 − 4ac = b2 + 4|ac | ≥ 4ac ≥ 4a2, provando (1). Se d > 0, enta˜o a, c > 0 e d = b2 − 4ac ≤ a2 − 4a2 = −3a2, provando (2). Em qualquer dos casos, a e b so´ podem tomar um nu´mero finito de valores, enquanto que c e´ univocamente determinado por a e b. ! C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 163 / 194 Formas quadra´ticas bina´rias reduzidas Definic¸a˜o 7.5 (Nu´mero de classe) Se d ∈ Z na˜o for um quadrado, definimos o nu´mero de classe H(d) de d como sendo o nu´mero de classes de equivaleˆncia das formas quadra´ticas bina´rias reduzidas com discriminante d . Proposic¸a˜o 7.6 Se p ∈ P, p ≥ 3, enta˜o p pode ser escrito na forma p = x2 − 2y2 se e so´ se p ≡ ±1 (mod 8). Demonstrac¸a˜o. A forma quadra´tica f (x , y) = x2 − 2y2 tem discriminante d = 8. Pelo Corola´rio 6.9, se p for representado por f , enta˜o 1 = ( 8 p ) = ( 2 p ) = (−1)(p2−1)/8 ⇐⇒ p ≡ ±1 (mod 8). C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 164 / 194 Formas quadra´ticas bina´rias reduzidas Para a rec´ıproca, se p ≡ ±1 (mod 8), enta˜o ( 8p ) = 1 e, portanto, pelo Corola´rio 6.9, existe uma forma quadra´tica com discriminante 8 que representa p; esta forma e´ equivalente a uma forma quadra´tica reduzida que tambe´m representa p. Determinemos todas as formas reduzidas ax2 + bxy + cy2 ∈ Z[x , y ] que teˆm discriminante 8. Pelo teorema anterior, tem de ser |a| ≤ √2, logo a = ±1. Por definic¸a˜o de forma reduzida, vem b = 0 ou b = 1. Como b e d teˆm a mesma paridade, tem de ser b = 0. Por conseguinte, existem exactamente duas formas reduzidas com discriminante 8: f (x , y) = x2 − 2y2 e − f (x , y) = −x2 + 2y2. C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 165 / 194 Formas quadra´ticas bina´rias reduzidas Agora, consideremos a matriz M = [ 1 −2 1 −1 ] ∈M2×2(Z). Como det(M) = −1 + 2 = 1, temos M ∈ Γ. Ale´m disso, f (x − 2y , x − y) = (x − 2y)2 − 2(x − y)2 = −x2 + 4y2 = −f (x , y), logo M leva f para −f e, portanto, f ∼ −f . Em conclusa˜o, existe apenas uma classe de equivaleˆncia de formas quadra´ticas reduzidas com discriminante 8 – isto e´, temos H(8) = 1. Em conclusa˜o, p tem de ser representado por f (x , y) = x2 − 2y2. ! Encontrar inteiros u, v ∈ Z tais que p = u2 − 2v2 e´ outro problema... C. Andre´ (DM/FCUL) Introduc¸a˜o a` Teoria dos Nu´meros 2013/14 166 / 194 Somas de dois quadrados O objectivo e´ apresentar um demonstrac¸a˜o alternativa a` do Teorema 3.19 que caracteriza os nu´meros n ∈ N que sa˜o representados pela forma quadra´tica f (x , y) = x2 + y2. Esta forma tem discriminante d = −4, de modo que comec¸amos por listar todas as formas quadra´ticas reduzidas que teˆm este discriminante. Consideramos apenas formas definidas positivas: seja f (x , y) = ax2 + bxy + y2 ∈ Z[x , y ] uma forma reduzida, definida positiva e com discriminante −4. Pelo Teorema 6.5, temos a, c > 0. Pelo Teorema 7.4, tem de ser 0
Compartilhar