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31 C A P Í T U L O I SUJEITOS NO PROCESSO PENAL Sumário • 1. Noções gerais – 2. Juiz: 2.1. Breves noções; 2.2. O papel do juiz moderno; 2.3. O princípio da identidade físi- ca do juiz (art. 399, § 2º, CPP); 2.4. Regularidade do proces- so e princípio do impulso oficial (art. 251 CPP); 2.5. Causas de impedimento da atuação do juiz (arts. 252 e 253 CPP); 2.6. Causas de suspeição da atuação do juiz (art. 254 CPP); 2.7. Cessação e manutenção do impedimento ou suspeição (art. 255 CPP); 2.8. Criação proposital de animosidade por má-fé (art. 256 CPP); 2.9. A incompatibilidade do juiz (art. 112 CPP) – 3. Ministério público: 3.1. O ministério público como parte imparcial ou formal na relação processual (art. 257 CPP); 3.2. Impedimento e suspeição do membro do mi- nistério público (art. 258 CPP); 3.3. Princípio do promotor natural e imparcial ou promotor legal – 4. Acusado: 4.1. O acusado como parte na relação processual (art. 259 CPP); 4.2. Condução coercitIva do réu (art. 260 CPP); 4.3 Indispo- nibilidade do direito de defesa (art. 261 CPP) – 5. Curador (art. 262 CPP) – 6. Defensor: 6.1. A nomeação do defensor (arts. 263 e 264 CPP); 6.2. Afastamento e ausência da causa (art. 265 CPP); 6.3. Constituição do defensor e impedimento (arts. 266 e 267 CPP) – 7. Assistente de acusação – 8. Funcio- nários da justiça: 8.1. Denominação; 8.2. Suspeição (art. 274 CPP) – 9. Peritos e intérpretes: 9.1. Perito (arts. 275 a 280 CPP); 9.2. Intérprete (art. 281 CPP) 1. NOÇÕES GERAIS Dentre tantas e inúmeras teorias que procuram justificar a natu- reza jurídica do processo, a doutrina majoritária, na atualidade, vem adotando aquela preconizada pelo jurista alemão Oskar Von Bülow, em 1868, em sua obra clássica “A teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais”, segundo a qual o processo pode ser definido como uma relação jurídica, relação esta caracterizada como autônoma (independente do Direito Penal, embora tenha como um dos seus escopos a sua aplicação), abstrata (está à disposição de 32 LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES todos, mesmo que não exercida em concreto), de direito público (ela é exercida contra o Estado) e estabelecida de forma angular e equidistante entre o juiz e as partes (as partes, que se encontram na base da pirâmide da relação jurídica processual, exigem do Estado- -juiz, no topo de tal pirâmide, o provimento jurisdicional). PROCESSO É relação jurídica autônoma, abstrata, de direito público, angular e equidistante. Na relação jurídica processual penal, além do juiz e das partes – ativa (Ministério Público ou querelante) e passiva (acusado) –, diver- sos outros agentes atuam no feito à medida que ele se desenvolve, a exemplo do assistente de acusação, dos auxiliares da Justiça etc. Nesse trilhar, todos os participantes do processo penal são conhecidos pelo termo genérico “sujeitos no processo penal”, os quais passam a ser estudados nos tópicos seguintes. 2. JUIZ 2.1. Breves noções O juiz é o representante do Estado que possui o poder da jurisdi- ção de aplicar o direito ao caso concreto. Na relação jurídica processual (angular), o juiz se encontra acima das partes, no sentido de que, por ser o responsável pelo julgamento das lides penais, deve atuar sempre com imparcialidade, não dando preferência, a priori, nem à acusação, nem à defesa (equidistância entre as partes). Nesse cenário, a Constituição Federal, no seu artigo 95, caput, es- tipula determinadas garantias aos magistrados como forma de lhes permitir o cumprimento deste dever de imparcialidade. As garantias são as seguintes: I – vitaliciedade, que, no, primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do car- go, nesse período, de deliberação do Tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; II – inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do artigo 93, VIII, CF; III – irredutibilidade de subsídio, res- salvado o disposto nos artigos 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I, CF. De outro lado, a Carta Magna Federal, no seu artigo 95, parágrafo único, também elenca certas vedações aos juízes, no exercício de 33 SUJEITOS NO PROCESSO PENAL suas funções: I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II – receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III – dedicar-se à atividade político-partidária; IV – receber, a qualquer título ou pre- texto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V – exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de de- corridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. 2.2. O papel do juiz moderno No Estado Democrático de Direito, em que, no processo penal, prevalece o sistema acusatório, não deve, em regra, o juiz se en- volver com a atividade de produção de provas, a qual deve ficar a cargo das partes. Assim, o seu papel moderno deve cingir-se ao julgamento da causa com imparcialidade e à tutela dos direitos fun- damentais dos agentes envolvidos no processo penal, notadamente do acusado. ► Qual o entendimento do STF sobre o assunto? O STF, no julgamento da ADIN nº 1.570-2, decidiu pela inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.034/95 (no que se refere aos dados “fiscais” e “elei- torais”), que previa a figura do juiz inquisidor, juiz que poderia adotar direta e pessoalmente as diligências previstas no art. 2º, inciso III, do mes- mo diploma legal (“o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais”). Excepcionalmente, porém, a lei pode conferir ao magistrado pode- res de iniciativa probatória, principalmente se a atuação deste agente estatal visa resguardar outros princípios do processo penal, em espe- cial o princípio da busca da verdade real. É o que ocorre com o art. 156, incisos I e II, do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.690/08, segundo o qual é facultado ao juiz de ofício “ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção ante- cipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida” (inciso I), bem como “determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante” (inciso II). 34 LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES 2.3. O princípio da identidade física do juiz (art. 399, § 2º, CPP) O princípio da identidade física do juiz consiste no fato de que o juiz que preside a instrução do processo, colhendo as provas, deve ser aquele que julgará o feito, vinculando-se à causa (NUCCI, 2008, p. 108). É novidade do processo penal (existia apenas no processo civil), estando consagrado atualmente no art. 399, § 2º, CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.719/08. As exceções ao princípio da identidade física do juiz previstas no art. 132, caput, do Código de Processo Civil (se o juiz estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado) são aplicadas, por analogia, ao processo penal (casos em que o juiz passará os autos ao seu sucessor), conforme posicionamento do STJ (Informativo nº 461). ► Aplicação em concurso público: No concurso de Analista Judiciário do STM, promovido pelo Cespe/Unb, em 2011, questionou-se justamente sobre a previsão do princípio da identi- dade física do juiz no Processo Penal, nesses termos: “O processo penal brasileiro não adota o princípio da identidade física do juiz em face da com- plexidade dos atos processuais e da longa duração dos procedimentos, o que inviabiliza a vinculação do juiz que presidiu a instrução à prolação da senten- ça.”. A assertiva foi considerada incorreta. 2.4. Regularidade do processo e princípio do impulso oficial (art. 251 CPP) Tem o juiz o dever de estabelecer a regularidade do processo. Para tanto, uma vez iniciada a ação penal, deve conduzir o desenvolvimento de atos processuais, até o final da instrução, quando será proferida sentença. Como atributo desta função, ele possui poder de polícia na condução do processo, podendo se valer, se necessário for, de força policial. Outro dever do juiz é determinar o prosseguimento do feito, o que se relaciona com a regularidade do processo: é o impulso oficial. O juiz é inerte apenas quanto à postulação (daí porque não é parte), mas deve dar marcha ao processo para que, chegando à sua fase final, ele possa sentenciar. 35 SUJEITOS NO PROCESSO PENAL 2.5. Causas de impedimento da atuação do juiz (arts. 252 e 253 CPP) Entende-se que o juiz exerce, na prática, a jurisdição, que é o poder soberano do Estado de dizer o Direito no caso concreto. Entre- tanto, há causas taxativamente previstas no art. 252 do CPP (posição do STF, Informativos números 585 e 601) em que o juiz está impedido de exercer a sua jurisdição. Assim, o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defen- sor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; II - ele próprio houver desempenha- do qualquer dessas funções ou servido como testemunha; III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o ter- ceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito. Há de se lembrar que, por interpretação extensiva, sempre que o CPP, neste dispositivo, se refere ao cônjuge quer também se referir ao companheiro. Todas essas hipóteses são objetivas, no sentido de que envol- vem um vínculo entre o juiz e o objeto do litígio. Além disso, em tais situações, presume-se, de forma absoluta (juris et de jure), a parcialidade do juiz, daí porque é vedada de forma peremptória a sua atuação naquele determinado processo. Se houver a atuação deste magistrado, o ato por ele praticado estará eivado de nulidade absoluta. Complementando a regra estatuída pelo art. 252 do CPP, o art. 253 ainda assinala que “Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes, consanguíne- os ou afins, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive”. 2.6. Causas de suspeição da atuação do juiz (art. 254 CPP) Nas situações previstas no art. 254 do CPP, em um rol não taxativo, há um vício externo que igualmente veda a atuação do juiz naque- le determinado processo. Nessas situações, há presunção relativa de parcialidade do juiz (juris tantum), motivo pelo qual ele deve se declarar suspeito e, se não o fizer, as partes poderão recusá-lo, oferecendo a exceção de suspeição (artigos 95 e seguintes do CPP). 36 LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES Se o juiz acabar atuando nesse processo, o ato por ele praticado estará eivado de nulidade relativa, nos termos do artigo 564, inciso I, do CPP. Consoante o art. 254 do CPP, o juiz será considerado suspeito: I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver responden- do a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou respon- der a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV – se tiver aconselhado qualquer das partes; V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo. Há de se lembrar que, por interpretação extensiva, sempre que o CPP, neste dispositivo, se refere ao cônjuge quer também se referir ao companheiro. Como já afirmado alhures, em todas essas situações há um vício externo, no sentido de que elas envolvem um vínculo estabelecido entre o juiz e a parte ou entre o juiz e a questão discutida no feito (NUCCI, 2008, p. 541). IMPEDIMENTO DO JUIZ SUSPEIÇÃO DO JUIZ As causas de impedimento da atuação do juiz no processo penal estão previs- tas taxativamente no art. 252 do CPP. As causas de suspeição da atuação do juiz no processo penal estão previstas no rol não taxativo do art. 254 do CPP. As hipóteses de impedimento são objeti- vas, existindo um vínculo entre o juiz e o objeto do litígio. O vício é externo, existindo vínculo entre o juiz e a parte ou entre o juiz e a ques- tão discutida no feito. Presume-se, de forma absoluta (juris et de jure), a parcialidade do juiz, daí porque é vedada de forma peremptó- ria a sua atuação naquele determinado processo. Presume-se, de forma relativa (juris tantum), a parcialidade do juiz, daí por- que ele deve se declarar suspeito e, se não o fizer, as partes poderão recusá- -lo, oferecendo a exceção de suspeição (artigos 95 e seguintes do CPP). A atuação de juiz impedido provoca a nulidade absoluta do ato processual por ele praticado. A atuação de juiz suspeito provoca a nulidade relativa do ato processual por ele praticado. 37 SUJEITOS NO PROCESSO PENAL ► Aplicação em concurso público: No XXIV concurso do Ministério Público Federal/Procurador da República, questionou-se acerca de hipótese de suspeição do juiz, da seguinte for- ma: “PEDRO, ADVOGADO DE DEFESA REITERADAMENTE ENVOLVIDO EM CONFLITOS PESSOAIS NO FORO, PROVOCOU SÉRIA DISCUSSÃO COM O JUIZ DURANTE O INTER- ROGATÓRIO DE SEU CONSTITUINTE, OFENDENDO O MAGISTRADO E, QUASE CHE- GANDO ÀS VIAS DE FATO, ENSEJANDO INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CONTER OS CONTENDENTES, APÓS, O JUIZ REPRESENTOU À OAB. NO CURSO DO PROCESSO, O JUIZ PASSOU A INDEFERIR SISTEMATICAMENTE TODAS AS DILIGÊNCIAS REQUERIDAS POR PEDRO. PEDRO OPÔS EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO, ALEGANDO INIMI- ZADE CAPITAL COM O MAGISTRADO. O JUIZ NÃO ACEITOU A SUSPEIÇÃO E REMETEU OS AUTOS AO TRIBUNAL (ART. 100 DO CPP). O TRIBUNAL, AO JULGAR A EXCEÇÃO: a) Deverá acolhê-la, por não ostentar o juiz isenção no processo. b) Deverá rejeitá-la, porque o advogado provocou a inimizade e por ser esta posterior ao início do processo, mas deverá impor ao juiz que se julgue impedido. c) Deverá acolhê-la, porque o juiz, ao demonstrar profunda hostilidade ao ad- vogado, trata a parte como inimiga. d) Deverá rejeitá-la, porque a simples antipatia do juiz pelo advogado não dá ensejo à suspeição.”. A assertiva correta foi a de letra D. 2.7. Cessação e manutenção do impedimento ou suspeição (art. 255 CPP) Nos termos do art. 255 do CPP, o impedimento ou suspeição decor- rente de parentesco por afinidade cessará pela dissolução do casa- mento (o que envolve apenas o divórcio, a morte de um dos cônjuges e a anulação do casamento, não a separação judicial, quando ainda existente no ordenamento jurídico) que lhe tiver dado causa, salvo so- brevindo descendentes; mas, ainda que dissolvido o casamento sem descendentes, não funcionará como juiz o sogro, o padrasto, o cunha- do, o genro ou enteado de quem for parte no processo. 2.8. Criação proposital de animosidade por má-fé (art. 256 CPP) Segundo o art. 256 do CPP, a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la. Este dispositivo legal visa rechaçar a malícia e a má-fé da parte, afinal de contas ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. 38 LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES 2.9. A incompatibilidade do juiz (art. 112 CPP) A incompatibilidade não se confunde com a suspeição e com o impedimento do juiz. Nos dizeres de Marcellus Polastri Lima, “enquanto a suspeição advém do vínculo ou relação do juiz com as partes do processo, o impedimento revela o interesse do juiz em relação ao objeto da demanda, e a incompatibilidade, via de regra, encontra guarida nas Leis de Organização Judiciária, e suas causas estão amparadas em razões de conveniência” (LIMA, 2009, p. 318). Em reforço, Eugênio Pacelli de Oliveira leciona que enquanto “os casos de suspeição e de impedimento têm previsão expres- sa no Código de Processo Penal, as incompatibilidades previstas no art. 112 do CPP compreenderão todas as demais situações que possam interferir na imparcialidade do julgador e que não estejam arroladas entre as hipóteses de uma e outra. É o que ocorre, por exemplo, em relação às razões de foro íntimo, não previstas na casuística da lei, mas suficientes para afetar a imparcialidade do julgador” (OLIVEIRA, 2008, p. 260). Relembre-se que as causas de impedimento estão previstas no art. 252 do CPP e as de suspeição no art. 254 do CPP. A respeito da incompatibilidade e do impedimento, o art. 112 do CPP assevera que o juiz, o órgão do Ministério Público, os ser- ventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes têm o dever de declarar a sua incompatibilidade ou impedimento legal, abstendo-se de servir no processo. Porém, se não se der a abstenção por aqueles sujeitos, a incompatibilidade ou o impedi- mento poderá ser arguido pelas partes, seguindo-se o processo conforme o procedimento previsto para a exceção de suspeição. Saliente-se ainda que, contra a decisão judicial que não reco- nhece a incompatibilidade ou o impedimento, não há recurso pre- visto em lei, podendo ser oferecido, porém, o habeas corpus ou o mandado de segurança em matéria criminal, a depender do direito que esteja em jogo. 39 SUMáRIO 3. MINISTÉRIO PÚBLICO 3.1. O Ministério Público como parte imparcial ou formal na relação processual (art. 257 CPP) Nos termos do art. 127, caput, da Constituição Federal, o Ministério Público é uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime de- mocrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. É regido pelos princípios institucionais da unidade (o Ministério Público é um só organismo, uma só instituição, motivo pelo qual po- dem os seus membros substituir-se uns aos outros), indivisibilidade (os membros do Ministério Público atuam em nome da instituição, daí porque não se deve admitir a atuação simultânea e transversal, em um mesmo processo, de dois agentes ministeriais com a mesma função) e independência funcional (os membros do Ministério Público não ficam sujeitos a qualquer orientação ou determinação dos órgãos da Admi- nistração Superior em sua atuação funcional, devendo prestar contas, apenas e tão-somente, à sua própria consciência e à ordem jurídica). No âmbito específico do processo penal, o art. 129, inciso I, da Constituição Federal assegura a função institucional de promover, pri- vativamente, a ação penal pública, na forma da lei. Por conta de todos os dispositivos constitucionais acima mencio- nados, entende-se modernamente que o Parquet é parte imparcial ou parte formal no processo penal. Assim, ele é parte, no sentido que, conforme estampado no art. 129, inciso I, da Constituição Federal, alhures já indicado, é este órgão que deve iniciar a ação penal pública para fins de aplicação da sanção penal a agentes delitivos, concretizando, pois, a pretensão punitiva estatal. Ademais, por ser parte, o Ministério Público possui o ônus da acusação, devendo provar a responsabilidade do réu para que este seja condenado. De outro lado, porém, como órgão que tem a atribuição constitu- cional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os inte- resses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, § 1º), o Ministério Público deve sempre atuar de forma imparcial, atento ao cumprimento do direito em sentido amplo. Por conta disso, afirma-se que ele não é 40 LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES simplesmente um órgão de acusação, mas sim órgão legitimado para a acusação (OLIVEIRA, 2008, p. 384). Evidencia esse caráter de imparcialidade na atuação do Ministério Público no processo penal a possibilidade de o órgão promover o ar- quivamento do inquérito policial, de pedir a absolvição do réu ou mes- mo de recorrer em favor deste último. Além disso, há de se relembrar que, na ação penal privada, o Ministério Público atua como custos legis (ou custos iuris, termo que vem sendo mais utilizado hodiernamente). Ainda com relação à imparcialidade do Parquet, deve ser regis- trado que, nesse ponto, a sua atuação difere da atuação da defesa, que jamais poderá apresentar argumento contrário ao seu estado de liberdade. O CPP, no art. 257, com a redação dada pela Lei nº 11.719/08, apre- senta perfeita síntese do caráter híbrido da atuação do Ministério Pú- blico no processo penal, ao afirmar que cabe a ele “promover, priva- tivamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código” (inciso I, consagrando que a instituição é parte), e, ao mesmo tempo, “fiscalizar a execução da lei” (inciso II, consagrando que a instituição é parte imparcial). Nesse contexto, impende destacar que o Ministério Público, como autor da ação penal ou como custos legis (ou custos iuris), pode atuar tanto em primeira como em segunda instância. Neste último caso (se- gunda instância), é de praxe o oferecimento de parecer recursal por parte do Procurador de Justiça, mesmo já tendo sido apresentada ma- nifestação do Promotor de Justiça perante a primeira instância e sem que a defesa seja novamente ouvida a respeito deste segundo pronun- ciamento ministerial. Contudo, parcela considerável da doutrina vem sustentando a inconstitucionalidade desta previsão de oferecimento de parecer do Ministério Público na Superior Instância por ofensa aos princípios do contraditório, da paridade das armas, do devido proces- so legal e da ampla defesa. É o que leciona, por exemplo, Rômulo de Andrade Moreira: Como se sabe, na segunda instância o Ministério Público, por intermédio de um Procurador de Justiça, exara um parecer escrito antes do respectivo processo criminal ser encaminha- do para julgamento. É um privilégio que parece ferir alguns princípios basilares e algumas regras orientadoras do processo penal [...]. 41 SUMáRIO Com efeito, sempre nos pareceu que este pronunciamento do Pro- curador de Justiça na segunda instância, ainda que na condição de custos legis, soava estranho, mesmo porque fiscal da lei também é o Promotor de Justiça atuante junto à primeira instância e, no entanto, nunca se dispensou a ouvida da defesa... Para nós, este privilégio fere o contraditório (ação versus reação), a isonomia (paridade de armas), o devido processo legal (a defesa fala por último) e a ampla defesa (direito do acusado de ser informado também por último). (MOREIRA, 2010, p. 768). Registre-se, por fim, que o Ministério Público, no âmbito dos Esta- dos, é regido pela Lei nº 8.625/93, enquanto que, na esfera da União, é disciplinado pela Lei Complementar nº 75/93. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL Atua como parte (é autor da ação penal pública) e; Atua de forma imparcial (atento ao cumprimento do Direito). 3.2. Impedimento e suspeição do membro do Ministério Público (art. 258 CPP) Nos termos do art. 258 do CPP, os membros do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge (por interpretação extensiva, deve-se incluir aqui tam- bém o companheiro), ou parente, consaguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive. Este dispositivo legal ainda assevera que se estendem, no que lhes for aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes. O mesmo deve ser feito com relação à incompatibilidade dos magistrados. ► Qual o entendimento do STJ sobre o assunto? Vale a pena registrar o teor da importante Súmula nº 234 do STJ: “A parti- cipação do membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”. 3.3. Princípio do promotor natural e imparcial ou promotor legal O princípio do promotor natural e imparcial ou promotor legal é um princípio constitucional implícito que decorre dos seguintes princí- pios constitucionais expressos: 42 LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES 1. Princípio da inamovibilidade funcional dos membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, “b”, CF). 2. Princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público (art. 127, § 1º, CF). 3. Princípio do Juiz Natural (art. 5º, LIII, CF) – por analogia. Por força deste princípio, entende-se que o agente delitivo deve ser acusado por órgão imparcial do Estado, previamente designado por lei, vedada a indicação de acusador para atuar em casos específicos. Em respeito a este princípio, o Procurador-Geral de Justiça apenas pode designar Promotores de Justiça para determinados casos con- cretos se houver prévia e expressa previsão em lei nesse sentido. Tais hipóteses de designação atualmente estão estipuladas no art. 10, inciso IX, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados). É certo que doutrina amplamente majoritária admite a existência deste princípio, a exemplo de Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2008, p. 99-100), Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (TáVORA; ALENCAR, 2009, p. 51-52) e Paulo Rangel (RANGEL, 2009, p. 37-45). O STJ também acolhe tal princípio, como ficou claro no julgamento do RHC nº 8513/81. ► Qual o entendimento do STF sobre o assunto? No STF, porém, a matéria não é pacífica. Em um primeiro momento, o Pre- tório Excelso chegou a reconhecer a existência do princípio em tela (HC nº 67.759-2/RJ, Rel. Min. Celso de Mello). Contudo, em momento posterior, a Suprema Corte deixou de reconhecer o princípio do promotor natural e imparcial, sob a alegação de que ele violaria os princípios da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público, encontrados no art. 127, § 1º, da Constituição Federal, como se verifica do julgamento do HC nº 83.463/RS e do RE nº 387974/DF. Mais recentemente, todavia, o Pretório Excelso voltou a aceitar este princípio, com base nos argumentos anteriormente explicita- dos, ex vi dos julgados HC nº 95447/SP e HC nº 103038/PA. 4. ACUSADO 4.1. O acusado como parte na relação processual (art. 259 CPP) O acusado é o sujeito passivo da relação processual. Ele somente ganha essa condição a partir do ato de recebimento da denúncia ou queixa, já que, na fase de inquérito policial, é apenas investigado ou, 43 SUMáRIO no máximo, indiciado, quando a autoridade policial opera o seu indicia- mento. No caso de processo envolvendo crime de ação penal privada, o réu é mais conhecido pela expressão querelado. Há de se relembrar que apenas pessoa pode ser réu em processo penal (nunca objetos ou animais). Essa pessoa pode ser física (desde que maior de 18 anos de idade, hipótese em que terá legitimação para figurar no pólo passivo do processo – legitimatio ad processum) ou jurídica (nos termos do art. 3º da Lei nº 9.605/98 e artigos 173, § 5º, e 225, § 3º, da Constituição Federal). Além disso, para o acusado, deve ser aplicado o princípio da intranscendência, segundo o qual a sanção penal não pode passar da pessoa do agente delitivo, daí porque a denúncia ou queixa só pode ser dirigida a ele, não podendo envolver seus parentes ou sucessores. Ademais, a ação penal somente pode ser oferecida em face de pessoa individualizada e devidamente identificada (art. 41 do CPP). Isso não impede, porém, a denúncia ou queixa em face de pessoa que, por exemplo, não possui documentos, endereço ou outros dados de qualificação, mas pode ser facilmente identificada (por sinais físicos, tatuagens, apelidos etc), inclusive com exame datiloscópico. Desse modo é que o art. 259 do CPP dispõe que a impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes. Consequência disso é que, na hipótese de o réu apresentar docu- mentos de outra pessoa, passando-se por quem efetivamente não é, não ocorrerá a anulação da instrução ou da condenação, “bastando que o juiz, descoberta a verdadeira qualificação, determine a correção nos autos e no distribuidor, comunicando-se ao Instituto de Identifica- ção” (NUCCI, 2008, p. 551). 4.2. Condução coercitiva do réu (art. 260 CPP) O art. 260, caput, do CPP assevera que se o réu não atender à in- timação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato 44 LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. Contudo, há de se registrar que boa parcela da doutrina aponta para a inconstitucionalidade deste dispositivo legal por violação aos princípios do direito ao silêncio e da proibição de produção de pro- vas contra si mesmo, a exemplo de Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2008, p. 552) e de Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2008, p. 326) – não obstante este último sustentar a inconstitucionalidade apenas para o ato do interrogatório, sendo, para ele, constitucional a pre- visão de condução coercitiva para o reconhecimento de pessoas. É esse também o posicionamento do STJ (REsp nº 346677/RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 10.09.2002, DJ 30.09.2002, p. 297). 4.3 Indisponibilidade do direito de defesa (art. 261 CPP) O art. 261, caput, do CPP consagra a indisponibilidade do direito de defesa ao afirmar que “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. Essa indisponi- bilidade do direito de defesa decorre diretamente da indisponibili- dade do direito à liberdade. Relembre-se ainda que a defesa técni- ca, como uma das facetas da ampla defesa (ao lado da autodefesa), é um direito indisponível do réu, daí porque ele necessariamente deve ser representado por defensor, sob pena de nulidade absoluta do feito, por força do art. 564, inciso III, alínea “c”, do CPP. Nesse pris- ma, por exemplo, o STJ julgou pela nulidade absoluta de processo em que foi realizada audiência para oitiva de testemunha de acusação sem a presença do advogado do réu, não tendo o juiz nomeado de- fensor e, na sentença, valeu-se desses depoimentos para amparar sua conclusão sobre a autoria e a materialidade (Informativo nº 461). DEFESA TÉCNICA Defesa indisponível exercida por defensor técnico Aliás, justamente para a efetivação da ampla defesa, este defen- sor deve sempre procurar uma melhoria na situação do réu, agindo de alguma forma em defesa do direito de liberdade dele. Assim, mesmo que perceba que a prova dos autos indica a responsabilida- de do acusado, deverá pleitear algum tipo de benefício em favor do réu, a exemplo da aplicação da pena no mínimo legal ou da fixação 45 SUJEITOS NO PROCESSO PENAL do regime de pena menos gravoso. Não se permite é que o defensor concorde com os exatos termos da denúncia, deixando de requerer benefícios da natureza daqueles anteriormente mencionados. É esse o posicionamento do STF. ► Aplicação em concurso público: No concurso de DPGU/Defensor/2010, promovido pelo Cespe/Unb, ques- tionou-se ao candidato acerca da possibilidade de o advogado de de- fesa aceitar, nas alegações finais, de alguma forma, o pedido formulado pelo Ministério Público de condenação do réu. Nesse prisma, afirmou-se: “Segundo entendimento sumulado do STF, o advogado de defesa não pode pedir, em alegações finais, a qualquer título, a condenação do acusado, sob pena de nulidade absoluta, por violação ao princípio da ampla defesa.”. A assertiva foi considerada errada. Nesse sentido, impende ao magistrado o dever de fiscalizar a atu- ação do defensor. Se o magistrado percebe que o acusado está inde- feso, deverá nomear outro defensor para que exerça a ampla defesa com eficiência. Recomenda-se ao magistrado, porém, que primeira- mente intime o acusado para que, no prazo por ele fixado, constitua novo defensor. Apenas se o réu quedar-se inerte nesse prazo é que o juiz deverá adotar a providência de nomear um defensor dativo. Ademais, nos termos do art. 261, parágrafo único, do CPP, a defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada, sob pena de nulida- de relativa (NUCCI, 2008, p. 555). A mesma preocupação não existe no caso de defensor constituído, pois se presume a relação de confiança entre ele e o acusado. ► Aplicação no STF (Súmulas 523 e 708): Preocupado com a efetivação do direito de defesa, o STF editou duas Súmulas relativas a esta matéria, de números 523 e 708, as quais pos- suem os seguintes enunciados: Súmula 523 STF: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”; Súmula 708 STF: “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”.
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