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Os casos clínicos freudianos, aulas 5, 6 e 7

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Os casos clínicos freudianos
O homem dos ratos
A história da cura da neurose obsessiva de Ernst Lanzer é, sem dúvida, a análise mais bem sucedida de Freud. Isto não deve ser visto como um acaso já que Freud foi o inventor da nosografia de “neurose obsessiva”, em 1894, com um artigo intitulado “As psiconeuroses de defesa”. Freud procurava elevar as obsessões à categoria de uma neurose autônoma e independente, ao lado da histeria. De fato, o uso clínico do termo “obsessão” já aparece no século XIX através de trabalhos como os de Jules Falret e Richard von Krafft-Ebing e procura descreve a ideia patológica de ser perseguido obsessivamente pelo sentimento de culpa. Tal uso clínico é calcado na apropriação do sentido eclesiástico do termo. Se sua raiz latina (obsessio) significava “bloqueio” ou “assalto”, quando dizemos que o exército bloqueou a cidade ou a tomou de assalto, já no século XVI temos registro de seu uso em outro contexto. Ela indica o estado de alguém que sendo tomada de assalto pelo diabo, algo entre a tentação e a possessão. Ou seja, a sua maneira o uso clínico do termo é uma secularização de seu significado religioso. 
Antes de Freud, a maioria das autores compreendia as obsessões dentre as síndromes da degenerescência mental ou da neurastenia. Mas, através dele, Freud procurava especificar um tipo de neurose cujo mecanismo de defesa privilegiado não era a conversão somática histérica, mas o deslocamento de afeto em direção a outras representações. Assim: “a representação enfraquecida permanece na consciência apartada de todas as associações, mas seu afeto, agora livre, se liga a outras representações, nelas mesmas não irreconciliáveis, e que, através desta “falsa conexão”, se transformam em representações obsessivas”�. Normalmente, tratava-se de uma representação de cunho sexual irreconciliável com as exigências da consciência. Representação submetida a um recalque que a todo momento ameaça de romper.
Esta diferenciação funcional da neurose obsessiva ganhará complexidade com o desenvolvimento da hipótese freudiana do Complexo de Édipo e de seu modelo de socialização de conflitos. A ideia de um afeto que se transforma em representação obsessiva, como um corpo intruso que insiste por todos os lados na consciência, será a base para um sofrimento marcado pela transformação patológica dos modos de internalização de princípios de auto-controle, de responsabilidade e culpa, de domínio das expressões e emoções, de coerência dos comportamentos resultantes das identificações produzidas no interior do núcleo familiar. Neste sentido, os mecanismos de individualização dos sujeitos modernos, responsáveis por um processo de constituição de si através das dinâmicas de identificação e internalização de princípios de auto-controle e de unidade subjetiva, acabam por se transformar na matriz mesma de sofrimento psíquico.
Ao descrever a neurose obsessiva, Freud insiste na prevalência de sintomas compulsivos, como ideias obsedantes, rituais compulsivos e conjuratórios do tipo religioso, compulsão a realizar atos indesejáveis, entre outros. Ela leva à inibição ou à disfuncionalidade da ação (como aquela que resulta, por exemplo, de mecanismos de anulação retroativa ou da necessidade compulsiva de incerteza e dúvida�) e à constituição de uma matriz de pensamento marcada pela ruminação, por insolúveis conflitos morais e pelo conflito perpétuo entre motivações para agir. 
Na base da neurose obsessiva encontra-se um problema de ordem moral, já que se refere à incapacidade de responder à pergunta: “ o que devo fazer?” . Preso entre o respeito à lei e seu desejo de transgressão, o obsessivo encena profundas relações de ambivalência com seus objetos de amor que podem se manifestar através de modalidades de destruição e fuga. Neste sentido, o sofrimento moral que caracteriza a neurose obsessiva deve ser compreendido como manifestação das clivagens que a internalização de sistemas de normas e regras de conduta provoca na vida psíquica. Dividido entre a lei e o desejo, entre o sacrifício e o gozo, o obsessivo acaba por submergir em um universo no qual o desejo de transgressão só acaba por provocar o fortalecimento neurótico do sentimento de culpa. Ou seja, a neurose obsessiva é a transformação da metáfora da consciência moral como um tribunal a partir da qual eu mesmo julgo minhas ações em matriz patológica. Isto nos ajuda a entender porque Freud afirmará que a neurose obsessiva é: “uma caricatura meio-cômica, meio-trágica de uma religião privada”�. Ela é uma religião restringida à sua matriz de núcleo produtor de culpabilidade. De fato, seus cerimoniais pensados como ações de segurança ou defesa, medidas de proteção contra algo irreconciliável com a consciência derivaram da experiência religiosa do perigo diante de um mal que parecia vir, não apenas do exterior, mas principalmente do próprio interior. Freud chega mesmo a afirmar que a neurose obsessiva seria a versão patológica da formação religiosa, a neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal. Tais colocações podem nos ajudar a compreender uma afirmação de Freud como:
Os meios de que se serve a neurose obsessiva para exprimir seus pensamentos ocultos, a linguagem da neurose obsessiva, são como que um dialeto da linguagem histérica, mas uma dialeto que nos deveria ser mais inteligível, porque é mais aparentado ao nosso pensar consciente do que o histérico. Ele não envolve, sobretudo, o salto do psíquico para a inervação somática – a conversão histérica – que jamais poderia acompanhar com o nosso intelecto�.
Se a neurose obsessiva é mais aparentada ao nosso pensar consciente é porque sua estrutura patológica é calcada a partir da estrutura da consciência moral e da experiência religiosa que ela seculariza. Neste sentido, sua linguagem, mesmo partilhando dos mecanismos de denegação e censura próprios à neurose e que foram iluminados graças às reflexões sobre a neurose histérica, está mais próxima da maneira como organizamos e justificamos nossos ideais de conduta.
Do ponto de vista etiológico, tal disfuncionalidade do julgamento moral na neurose obsessiva deve ser colocado na conta de conflitos com figuras familiares que representam para o sujeito o princípio de autoridade (como o pai). É na neurose obsessiva que Freud encontra, de maneira mais clara, a natureza edípica dos conflitos psíquicos, ou seja, ao menos para Freud, não há nosografia que demonstre de maneira mais acabada o complexo de Édipo. Tais conflitos edípicos normalmente se organizam a partir do recalque do reconhecimento de que a ambivalência entre lei e transgressão também estaria presente no próprio enunciador da lei, ou seja, na figura paterna. A figura paterna aparece clivada entre um pai que afirma a lei e outro que transgride a lei, gozando de tal transgressão. Como veremos, tal clivagem pode ser compreendida como uma importante matriz de disfuncionalidade da ação e do julgamento, pois ela quebra a capacidade da lei normatizar o comportamento do sujeito. 
A neurose obsessiva desapareceu do quadro clínico psiquiátrico a partir do DSM IV. Em seu lugar, temos a noção de transtorno obsessivo-compulsivo. No DSM IV, ele aparecia como uma categoria dos transtornos de ansiedade. Atualmente, ele constitui uma categoria a parte cujo nome é “ transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados”, como os transtornos de dismorfismo corporal, transtornos de colecionar (hoarding), de arrancar os cabelos, de provocar escoriações, entre outros. A decisão de colocar o TOC a parte dos transtornos de ansiedade se deu devido: “a evidência crescente do parentesco destes transtornos entre si em termos de gama de validadores de diagnóstico, assim como a utilidade clínica de agrupar tais transtornos no mesmo capítulo”�. Em todos os casos dos transtornos listados, encontramos a presença estruturante de obsessões e compulsões. 
“Obsessões são pensamentos repetitivos e persistentes (por exemplo, de contaminação), imagens (como cenas violentase horríveis), impulsos (como o de esfaquear alguém). Importante lembrar que obsessões não são prazeirosas ou experimentadas como voluntárias: elas são intrusivas e inesperadas, causando aflição visível ou angústia na maioria dos indivíduos. O individuo tenta ignorar ou suprimir tais obsessões (por exemplo, evitando indutores ou usando a suspensão do pensamento) ou, ainda, neutralizá-las usando outros pensamentos ou ações (por exemplo, através de compulsões). Compulsões (ou rituais) são comportamentos repetitivos (como lavar, checar) ou atos mentais (como contar, repetir palavra silenciosamente) que indivíduos se veem levados a fazer em resposta a uma obsessão ou de acordo a regras que devem ser aplicadas rigidamente. A maioria dos indivíduos que tem TOC tem obsessões e compulsões. Compulsões são tipicamente produzidas em resposta a obsessões (por exemplo, pensamentos de contaminação levam a rituais de limpeza ou o pensamento de que há algo errado leva a repetição de rituais até que o paciente se sinta “bem”). O objetivo do tratamento é reduzir a aflição provocada por obsessões ou prevenir um evento temido (como ficar doente)�.
Embora as descrições sejam fenomenologicamente corretas, elas procuram dissociar os fenômenos de toda e qualquer dimensão causal. Mesmo que, por exemplo, o Manual reconheça que as obsessões e compulsões mais comuns são: de limpeza, simetria, de pensamentos proibidos ou tabus e de provocar o mal (a si ou a outro), não há esforço algum em se perguntar sobre a razão de tais incidências mais frequentes. Não seria difícil perceber a recorrência das temáticas da intrusão de algo proibido, estranho, capaz de provocar o mal e a desordem. O sujeito sofre por se sentir, a todo momento, prestes a ser invadido por algo intrusivo, por algo que pode colocar em xeque os imperativos de auto-controle. Mas como a reflexão sobre a centralidade da culpabilidade e sua origem foram abandonadas, desaparece a capacidade de compreender como a experiência moral pode nos fazer sofrer, tema maior do conceito freudiano de neurose obsessiva. São tais problemas que devem ser levados em conta na leitura do caso do Homem dos ratos.
Por outro lado, em vários momentos do caso, Freud aparecerá saindo da posição assimétrica do médico e do paciente para ocupar uma posição mais simétrica na qual ele se coloca como aquele que discute uma teoria com seus pares. Fato facilitado devido à escolha de se tratar com Freud ter sido motivada pela identificação entre a análise do processo de associação de palavras, em Psicopatologia da vida cotidiana, e os “trabalhos mentais” do paciente com suas próprias ideais. Ou seja, o paciente entra em análise motivado por uma certa suposição de saber dirigida ao analista, posição muito distinta daquela que vimos com Dora, enviada a Freud por desejo de seu pai. Esta posição de suposição de saber vinda de alguém que afirmava ter chegado à Freud devido à leitura de seus livros e ao reconhecimento de seus sintomas nas descrições que Freud oferecia permitiu a construção de uma situação mais favorável à transferência.
O problema do supereu
Ernst Lanzer chega à Freud com a idade de 27 anos e sua análise durará nove meses (de outubro de 1907 a junho de 1908). Ele afirma sofrer de obsessões desde 1901, tais como o pensamento compulsivo de que ocorra algo de muito ruim a pessoas que ama, seja seu pai ou sua namorada. Ele é vitima também de obsessões suicidas (como cortar a garganta na hora de se barbear) e de rituais de interdição. Sua vida sexual é pobre (ele só terá uma primeira relação sexual com 26 anos) e sua inibição da ação a respeito da vida afetiva (casar ou não com uma namorada que o acompanha há dez anos) é evidente. 
Lanzer começa descrevendo um tipo de relação de admiração e dependência que sempre lhe vinculou a certas pessoas das quais ele esperava alguma forma de confirmação identitária. Posição na qual ele espera também colocar Freud. 
Dito isto, ele prossegue o tratamento falando da vida sexual em sua infância. Contrariamente a pobreza atual, ela teria sido bastante rica. Ele afirma ter uma curiosidade ardente para ver o corpo feminino, conta experiências sexuais com empregadas nas quais ele podia lhes tocar os órgãos genitais ou vê-las tomando banho. No entanto, tais experiências não são apenas fontes de prazer. Elas são acompanhadas de pensamentos obsessivos, como a idéia de que seus pais conheciam seus pensamentos sexuais ou que seu pai morreria caso Lanzer desejasse ver mulheres nuas. Note-se aqui uma clivagem importante: as experiências de prazer provocarão situações de dor não exatamente a Lanzer, mas àqueles que ele também ama, em especial seu pai. Por serem acompanhadas sistematicamente de situações de dor, Freud pode afirmar que o desejo de olhar o corpo feminino se transformou, para o paciente, em um pensamento obsessivo. O desejo não é obsessivo, mas o temor sim. 
Neste primeiro relato, um outro fato importante também aparece. Lanzer afirma estar na cozinha, junto com seu irmão mais novo e três governantas quando ouve uma dizer: “Com o menor dá para fazer, mas Ernst é muito sem jeito, não acerta”. Sentindo o desprezo, o paciente se põe a chorar. Note-se o caráter brutal da situação. Mesmo sendo mais velho, ele é humilhado no interior de uma relação de forte rivalidade fraterna por uma mulher pobre. Mulher que acaba por desqualifica-lo, tirar seu lugar. Este dado, como veremos mais à frente, guarda toda sua importância. Como veremos mais a frente, tal cena terá a força de impulsionar o desenvolvimento da neurose ao associar a impotência à figura da “mulher pobre”. 
Não é difícil encontrar no pensamento obsessivo de algo ruim acontecer ao pai caso Lanzer levasse à cabo seus desejo a manifestação precoce da consciência da falta, do sentimento de culpa e de raiva contra a lei que me coloca na situação de culpado. Esta ambivalência diante da lei só pode ser claramente compreendida através do recurso à teoria freudiana do supereu. Teoria que é a base para compreensão do sofrimento obsessivo. Freud não desenvolvera o conceito de supereu à ocasião da escrita do caso do homem dos ratos (em 1909), no entanto, ela será essencial para a compreensão do problema interno à neurose obsessiva. 
Lembremos, a este respeito, de alguns traços gerais dos processos de socialização próprios à família burguesa. Relação marcada pela sobreposição entre rivalidade e identificação que aparece de maneira mais visível no conflito entre o filho e aquele que sustenta a lei paterna. Para ser reconhecido como sujeito e como objeto de amor no interior da esfera familiar, faz-se necessário que o sujeito se identifique exatamente com aquele que sustenta uma lei repressora em relação às exigências pulsionais. Para ser reconhecido como sujeito, a criança deve abrir mão de certos desejos (como os desejos incestuosos e agressivos) e saber hierarquizar suas pulsões a partir de uma vontade relativamente unitária. Ele deve aprender a « agir como » uma autoridade paterna dotada de força de coerção.
O resultado é a internalização psíquica de uma ”instância moral de observação”, no caso, o supereu derivado da identificação com os pais e outras representações de autoridade. A internalização da lei parental através do supereu é, para Freud, signo sempre legível de uma demanda de amor, e saber-se objeto amado por um Outro (que é representante da Lei simbólica), saber-se potencialmente protegido por alguém a quem reconheço certa força tem, para o sujeito, o valor da anulação de uma posição existencial de pura contingência. Lembremos disto: todo vínculo a autoridade é baseado sob alguma forma de demanda de amor e reconhecimento; ele nunca é simplesmente o resultado de alguma coerção. No entanto, há um conflito fundamental entre, de um lado, repressão a desejos incestuosos, agressivos e polimórficos e, de outro, demanda de amor e reconhecimento.
Podemos nos perguntar aqui por que a formação de uma instância psíquica como o supereu deve ser vivenciada necessariamente sob a forma da repressão.Pois ela poderia ser vivenciada como uma espécie de aceitação tanto da limitação necessária de exigências pulsionais de satisfação quanto de um ordenamento fundamental para a perpetuação da vida social. Mas sabemos como Freud insiste ser impossível submeter-se integralmente às injunções do supereu sem que isto não leve à pura e simples auto-destruição. Conhecemos as páginas de Freud dedicadas à descrição da « ferocidade » irracional do supereu na sua aplicação de exigências ao Eu. Isto a ponto dele indicar, como ideal do tratamos psicanalítico : « fortalecer o Eu, torná-lo independente do supereu, estender seu campo de percepção e ampliar sua organização de maneira que ele possa se apropriar de pedaços do Isso. Onde Isso  estava, devo Eu advir »�. Isto talvez se explique pelo fato do supereu não ser apenas a internalização de um conjunto de regras e normas que visam orientar a conduta e o desejo. Antes, ele indica a constituição e internalização de uma representação fantasmática de autoridade que sempre acompanhará o sujeito. Ele é o complemento fantasmático necessário para minha aquiescência à regra e à norma. Tal representação é, ao mesmo tempo, objeto de amor (por ocupar o lugar para o qual minhas demandas de amparo se dirigem, por alimentar minhas expectativas de gratificação, por aparecer como promessa de segurança e proteção) e de ódio (por suas injunções serem vivenciadas de maneira restritiva).
Jacques Lacan tem uma maneira precisa de explicar esta natureza restritiva do supereu, isto quando insiste que ele é uma “lei desprovida de sentido”�. Podemos compreender tal ausência de sentido a partir da idéia de que as injunções do supereu são determinações contraditórias feitas apenas para submeterem o sujeito a uma representação fantasmática de autoridade que deve perpetuar um sentimento de inadequação, fraqueza e impotência. 
O cineasta italiano Frederico Fellini forneceu uma imagem exemplar desta situação em um filme intitulado Cidade das mulheres. Em dado momento, o protagonista do filme será julgado por um tribunal de mulheres. A acusação é composta de frases como: “Você é acusado de desejar sua cunhada. Você é acusado de não desejar sua cunhada” e por aí vai. Ou seja, tudo o que o sujeito fizer será inadequado. Em quaisquer circunstâncias, ele e culpado.
Este sentimento de inadequação é fundamental para conservar uma representação de autoridade superegóica, já que a possibilidade de tal representação conservar-se como lócus de acolhimento de uma demanda de amor está vinculada ao velamento de sua impossibilidade em dar conta do desamparo e de impedir a confrontação com a contingência. E a maneira mais eficaz para isto é impondo obrigações contraditórias ou superlativas que nunca poderão ser realizadas pelo sujeito. Desta forma, a ineficácia do supereu em suas funções de proteção e segurança acaba por ser, de uma certa forma, invertida para ser vivenciada como impotência do próprio sujeito em se adaptar às exigências do supereu, o que ao menos preserva o supereu como representação fantasmática de autoridade. Estamos dispostos a tudo, mesmo a nos auto-destruir, para defender a crença de que há um amor que pode nos livrar da contingência e da insegurança. Estamos dispostos até a esconder a impotência do Outro que nos promete tal amor. Neste sentido, só podemos concordar com psicanalista inglês Adam Phillips : 
“Do ponto de vista de Freud, nossa impotência não diminui com o tempo. Ela nos inquieta cada vez mais, e o terror da qual ela é a fonte nos faz procurar a segurança ao invés da satisfação, a magia ao invés do alimento, o desmentido ao invés da constatação. Para Freud, somos animais atormentados por nossa impotência”�.
	O que teríamos então no caso do Homem dos Ratos? Primeiro, podemos dizer que é importante para Lanzer que seu pai apareça como uma instância repressiva. Segundo, teremos o vínculo do sujeito a uma lei insensata cuja função principal é mascarar, de uma certa forma, a impotência da autoridade que a representa. Vejamos estes pontos com mais calma.
A cena obsessiva e o tempo da dívida
A situação que leva Lanzer a procurar Freud é descrita da seguinte forma: o paciente da perde seus óculos à ocasião de manobras militares e pede novos a seus ótico em Viena. No meio de tais manobras, ele ouve a descrição de um suplício chinês, feita por um oficial. Trata-se da história de um condenado no qual se enfia um tubo no ânus. Neste tubo encontra-se um rato faminto que vai procurando abrir caminho entrando pelo ânus e dilacerando as estranhas do condenado até a morte. O paciente não consegue recontar sua história sem horror: o horror de descobrir um gozo que lhe era ignorado. Ao ouvi-la, ele sente a compulsão de pensar que algo parecido poderia ocorrer a pessoas queridas (como a seu pai ou a mulher que ele flertava).
	Na noite seguinte o oficial que lhe contou a história envia-lhe um pacote no qual se encontrava os óculos pedidos a Viena. Com ele, havia um bilhete: “O lugar-tenente A pagou-lhe a encomenda. Você deve pagá-lo”. Este “tu deves” se transforma para Lanzer em uma obrigação obsessiva. Ele deve faze-lo, senão as pessoas que ama sofreriam o suplício. Ao tentar pagar o lugar-tenente A, ele descobre que o responsável pelo pagamento foi o lugar-tenente B. Isto lhe coloca em situação de exasperação, pois a exigência foi pagar o lugar-tenente A, mesmo que agora fique evidente que se tratava de uma exigência baseada em um erro. Lanzer pensa então em situação as mais rocambolescas como: ele irá aos correios com A e B. Lá, A dará à funcionária do correio o dinheiro que esta deverá dar a B. Lanzer então dará a A o dinheiro que ele deu à funcionária. Assim, ele poderia realizar a exigência do oficial, ao mesmo tempo que a pessoa correta receberia o dinheiro devido.
	O tempo passa e Lanzer se debate de maneira cada vez mais impressionante com duas proposições contrárias: “Sou um covarde por não pedir este serviço a A pois temo assim dar a impressão de ser louco” e “Sou um covarde por tentar realizar uma exigência insensata apenas para me livrar de minhas obsessões”. O paciente deixa A ir embora, depois pega um trem em direção a onde A está, para parar no meio do caminho e retornar, isto sem lutar contra o desejo de descer em cada uma das estações a fim de enfim encontrar A. Neste conflito interminável marcado por atos obsessivos de anulação, ele chega a Viena, conta tudo a um amigo que o tranquiliza e vai no dia seguinte ao correio no qual seus óculos foram pagos. 
Note-se aqui a estrutura obsessiva de agenciar a contradição não através do recalque de um de seus pólos, que acabaria por se alojar no inconsciente, mas através da satisfação em sequência infinita das duas tendências contraditórias, o que acaba por constituir o motor dos rituais obsessivos. As duas tendências contraditórias aparecem à consciência, provocando uma anulação incessante de uma pela outra. Podemos mesmo dizer que a essência das neuroses para Freud encontra-se na tentativa de suspender contradições sem superá-las. 
	No entanto, Lanzer sabia, mesmo antes do comando do oficial cruel, que seus óculos não haviam sido pagos por A ou B, mas simplesmente por uma funcionária do correio, que havia confiado em pagar a dívida de um desconhecido que lhe reembolsaria em outra ocasião. Ou seja, ele deveria obedecer o oficial, mesmo que tal obediência se mostrasse completamente insensata. Mas nele se debatia a comédia infinita do conflito entre obedecer uma lei insensata, conservando a autoridade do oficial, e contestar tal lei, correndo o risco de desobedecê-lo e provocar imaginariamente sua ira. Por que a conservação da autoridade deste oficial equivocado aparece como elemento importante na neurose do paciente?
	Lanzer conta então o sentimento de culpa que sentia em relação à morte do pai. Seu pai estava enfermo e o paciente acompanhava-o. No entanto, o pai morre no momento em que Lanzer dormia, perguntando por ele. Isto lhe produziu inicialmente uma denegação da morte do pai durante mais de um ano,até que tal denegação deu lugar a um profundo sentimento de culpa. Para Freud, a culpa não se relaciona ao fato em si, mas a um profundo sentimento de ambivalência, entre amor consciente e ódio inconsciente, que liga Lanzer a seu pai. Tal ambivalência de afetos, devido a suas reprimendas morais irrealizáveis, não pode ser vivenciada pelo paciente. O paciente contará uma outra situação na qual tal ambivalência aparecerá. Ela diz respeito às relações com seu irmão (“mais forte e belo que eu”). Há uma profunda rivalidade fraterna que o levou, à uma ocasião a armar um fusil de brinquedo e descarrega-lo em seu rosto. 
	Notem como conteúdos agressivos como os sentidos pelo paciente não são estranhos a todo e qualquer sujeito. Quem nunca pensou, em seu inconsciente, em matar seu irmão ou pai? No entanto, tal agressividade, raiva ou ódio é impossível de ser vivenciada no interior da neurose obsessiva, o que tem relação com a consciência da fragilidade paterna, com o fato do pai aparecer sempre como uma figura “humilhada, carente e postiça”. Assim, vivenciar a agressividade é impossível porque tudo se passa como se o pai não fosse suficientemente forte para suportá-la. O pai é suficientemente incerto de seu desejo para não ser destruído pela afirmação do desejo do filho. Assim, a afirmação do desejo do filho será sempre vivenciada como uma anulação da existência do pai. Isto pode nos explicar porque:
A hostilidade com o pai, que um dia fora vivamente consciente, há muito se retraíra, e apenas superando as mais fortes resistências pôde ser trazida de volta à consciência. Na repressão do ódio infantil ao pai enxergamos o evento que impeliu tudo o que sucedeu depois para o âmbito da neurose�.
	Lembremos a esse respeito como o paciente, ainda em idade infantil, demonstrou-se agressivo em relação ao pai, vociferando injúrias quando este havia batido de maneira descontrolada nele por ter mordido uma empregada. Ao ouvi-las, o pai dirá: “Esse menino será ou um grande homem ou um grande criminoso”. Depois disto, a paciente transformou seu caráter violento em caráter acovardado. Notem como, neste exemplo, o pai reage à agressividade do filho por ter sido batido por expressar seu desejo sexual com espanto misturado à certa admiração. Como se sua força fosse pequena diante da potencialidade própria à raiva de seu filho. A partir desta matriz patológica presente na relação ao pai, todo um modelo geral de conduta se constrói:
Se a um amor intenso contrapõe-se indissoluvelmente um ódio quase tão forte, o resultado imediato é uma parcial paralisia da vontade, uma incapacidade de decisão em todos os atos nos quais o amor é o motivo impulsor. Mas a indecisão não fica limitada por muito tempo a um só grupo de ações. Pois, em primeiro lugar, que atos de uma pessoa que ama não estariam em relação com seu motivo principal? Em segundo lugar, a conduto no âmbito sexual tem a força de um modelo, agindo conformadoramente sobre as demais reações de uma pessoa: e, em terceiro, é característica psicológica da neurose obsessiva fazer amplo uso do mecanismo do deslocamento. Assim a paralisia da decisão se estende gradualmente por toda a atividade da pessoa�.
Pois a dúvida neurótica é, principalmente, dúvida em relação ao amor, que subjetivamente deveria ser a coisa mais certa e decisiva, que não deveria compor com nenhum sentimento forte de ódio. E como diz Freud: “quem duvida do seu próprio amor não pode, não deve duvidar de tudo o mais, de tudo pequeno?”�. Como se o neurótico esperasse a figura de um amor capaz de eliminar a ambivalência dos sentimentos, de impedir que sentimentos opostos venham à tona. Condição fundamental para a realização da ação. O que explica uma afirmação de Freud como:
Tornam-se obsessivos aqueles processos de pensamento que (devido à inibição resultante do conflito de opostos no extremo motor dos sistemas mentais) se realizam com um dispêndio de energia – tanto qualitativa como quantitativamente – que normalmente é destinado apenas às ações, ou seja, àqueles pensamentos que tem de representar atos regressivamente�.
Ou seja, a obsessão é a substituição da ação pelo demorar-se no pensamento, pela contínua representação das ações por um pensamento à espera de uma situação de ausência de ambivalência. O que nos permite nos perguntarmos de onde lhe vem tal representação dos afetos. Ela não viria de formas de representação marcadas pela ideia da intervenção de forças externas em meus sentimentos, como se houvesse uma luta contínua entre duas forças pela posse dos meus pensamentos? 
Neste ponto, podemos colocar a pergunta sobre em até que ponto modelos culturais de explicação sobre a natureza humana, como modelos religiosos ligados à teologia cristã e modelos morais ligados à divisão subjetiva, acabam por servir de matriz para a vivência patológica de conflitos e divisões. Se Freud pode falar, em certo momento, que os neuróticos obsessivos devem desenvolver uma “supermoral”� é para mostrar como os preceitos morais tem, neste caso, a função de defesa contra a consciência da ambivalência dos sentimentos de amor e ódio. 
Garotas ricas e pobres
Uma explicação importante sobre este ponto nos é dada pela definição freudiana da “causa imediata” da neurose obsessiva de Lanzer. Ela diz respeito àquilo que poderíamos chamar de “mito familiar” do neurótico e que funda um modelo de filiação entre pai e filho. O pai de Lanzer era pobre e acedeu socialmente através do casamento com uma mulher rica. Pouco antes de casar, ele flertou com um mulher bela e pobre. A família de Lanzer havia lhe arranjado um casamento com uma parente rica, embora ele também estivesse afetivamente ligado a uma jovem pobre, que seu pai desaprovava.
 	O pai, que também era militar, não apenas era pobre, mas antes de se casar um dia perdeu o dinheiro do regimento no jogo, comportando-se como um Spielratte. Ele foi salvo por um amigo que lhe pagou a dívida. Quando se casou e fez certa fortuna, o pai tentou reembolsar o amigo, mas sem sucesso. Ou seja, um amigo lhe salvou da humilhação produzindo a segunda humilhação de ter a dívida perpetuada. 
	Nestas duas histórias, o pai aparece como alguém humilhado, que sustenta suas relações por dívidas não pagas. Ele não paga o amigo e abandona uma mulher pobre para casar-se com uma mulher rica. Devido a uma série de associações na qual o significante “rato” desempenha papel de dispositivo de repetição (produzindo associações entre o jogo, o dinheiro, o erotismo anal, o próprio Lanzer que morde como um rato) entre a situação do pai e a situação do filho, Lanzer se vê preso à repetição de um tempo mítico familiar marcado por circuitos de dívidas não pagas. Para salvar o pai de suas fraquezas, Lanzer deve repetir o mesmo movimento, mas agora pagando as dívidas. Ele deve fazer desta história mítica paterna sua própria história.
Mas pagar tais dívidas significa “fazer melhor que o pai”, perpetuá-lo em uma posição de humilhação. Se quisermos, significa matar o pai uma segunda vez. Mas matar o pai uma segunda vez é exatamente o que Lanzer não suporta. Por isto, a dívida não pode ser paga, ela deve ser enunciada por uma proposição insensata (pague a dívida do lugar-tenente A). Proposição enunciada para ser sustentada em sua insensatez. Principalmente, a dívida deve entrar em um circuito infinito de anulações, de diferimento do tempo de sua resolução. Desta forma, a obsessão inaugura um tempo no qual nada se elabora, mas tudo se perpetua na culpabilidade. Por isto, podemos dizer que, neste caso, a culpa é um modo de experiência do tempo, modo de habitar um tempo no qual os impasses não devem passar.
A obsessão de Lanzer é resultado de seu aprisionamento em uma filiação por transmissão de dívidas não pagas que devem continuar como não pagas. Não por outra razão, vale lembrar como na mesma cidade onde se encontrava os correios, Lanzer encontrou uma garota, filha do dono do albergue, que lhe pareceu particularmente atraente a disposta. Ele havia prometido a si que retornaria à cidade para tentarsua sorte com a garota. Uma segunda dívida a ser paga na mesma cidade na qual outra dívida fora contraída. 
Neste ponto, encontramos desenvolvimentos interessantes através da leitura feita por Jacques Lacan do caso freudiano em O mito individual do neurótico. 
 
� FREUD, As psiconeuroses de defesa
� Ver FREUD, Oservações sobre um caso de neurose obsessiva, p. 94
� FREUD, Ações compulsivas e exercícios religiosos
� Idem, p. 16
� DSM V, p. 235
� Idem, p. 238. A definição não mudou muito em relação àquela que podemos encontrar no DSM IV, a saber: “As obsessões são ideias, pensamentos, impulsos ou imagens persistentes, que são vivenciados como intrusivos e inadequados e causam acentuada ansiedade ou sofrimento. A qualidade intrusiva e inadequada das obsessões é chamada de “ego-distônica”. O termo refere-se ao sentimento do indivíduo de que o conteúdo da obsessão é estranho, não está dentro do seu próprio controle nem é a espécie de pensamento que ele esperaria ter. (...) As compulsões são comportamentos repetitivos (p. ex. lavar as mãos, ordenar, verificar) ou atos mentais (p. ex. orar, contar, repetir palavras em silêncio) cujo objetivo é prevenir ou reduzir a ansiedade ou sofrimento, em vez de oferecer prazer ou gratificação. Na maioria dos casos, a pessoa sente-se compelida a executar a compulsão para reduzir o sofrimento que acompanha uma obsessão ou para evitar algum evento ou situação temidos” (DSM IV, pp. 443-444).
� Idem, GW vol. XV, op. cit., p. 86
� LACAN, Jacques; Séminaire I, Paris: Seuil, 1975, p. 9
� PHILLIPS, Adam; Trois capacites négatives, Paris : Editions de l´Olivier, 2009, pp. 90-91. 
� FREUD, Idem, p. 100
� FREUD, idem, p. 103
� Idem, p. 104
� Idem, p. 108
� FREUD, A predisposição à neurose obsessiva, p. 335

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