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Semiótica Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Elvair Grossi Revisão Textual: Profa. Ms. Fátima Furlan Fenomenologia: as categorias fenomenológicas • Introdução • Fenomenologia na hierarquia das ciências de Peirce • As categorias universais • Primeiridade, secundidade e terceiridade · Distinguir as três fases operativas do processo de percepção de um signo. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta unidade, vamos aprender um dos momentos mais importantes da semiótica: trata-se, em síntese, de compreender e interpretar um pensamento, pois, compreender e interpretar é traduzir um pensamento em outro pensamento, num movimento ininterrupto. Mas para entender e desvendar todo esse percurso e se apropriar de todas essas informações é preciso que você estude sobre o assunto apresentado, leia com atenção o conteúdo desta unidade e os materiais complementares, assista aos vídeos indicados e procure conhecer as referências bibliográficas. ORIENTAÇÕES Fenomenologia: as categorias fenomenológicas UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas Contextualização A partir do conhecimento das categorias universais, abre-se um leque de possibilidades de estudos e aplicações nas mais variadas áreas. Peirce, quando afirmou, fazendo referência às categorias universais, que só há três delas, não mais que três; mesmo, dizia ele, diante de qualquer que seja o sistema e o grau de complexidade. Diante dessa fundamentação, instaurava-se um novo modelo de análise. Essa afirmação de Peirce propõe um rompimento com o modelo diádico, uma vez que renuncia a toda a herança dualística contemplada, sobretudo, no Ocidente e ainda muito cultivada até nos dias atuais pelas religiões: o raciocino dual, a famosa dicotomia que não tem sobrevida na área do conhecimento. Pois o homem, sendo um homem-signo, tem uma relação constante com essas categorias fenomenológicas. Seja na produção de uma teoria, numa aula, num exame médico, no cinema, na televisão, num computador etc. Todas as áreas são transmutadas nessas categorias do domínio da fenomenologia, em tudo há um encontro com o signo, está no âmbito da linguagem. O mundo implica a ideia de um continuum, pois, como o universo está em expansão e junto à expansão há a desordem, pois expansão implica em desordem, logo, constata-se o movimento continuum. Dessa relação, então, deduz-se um universo dinâmico, orientado para o desenvolvimento da mediação natural e pela mediação do pensamento cognitivo. Em síntese, as relações entre categorias e a aplicação nas mais variadas áreas como objeto de estudo e pesquisa promovem constantemente a qualidade, a reação e a mediação. É bom lembrar que elaborar um estudo na esfera das categorias universais, qualquer que seja o objeto, vai requer um vasto conhecimento não só das categorias, mas também do objeto escolhido. Entretanto, essa interação irá produzir uma dinâmica e um diálogo de descoberta em ambas as partes. 6 7 Introdução A semiótica em outras áreas do conhecimento Atualmente, diante de certa aceleração nesses últimos anos, vivemos um momento em que as novas tecnologias tornaram-se onipresente em nossas vidas, além da relação de interação e de comunicação o tempo todo com esses equipamentos tecnológicos, criou-se também certa relação de dependência, fazendo como que, em determinadas circunstâncias, esses equipamentos tecnológicos passem a ser uma extensão do nosso corpo. Porém, para que essa extensão seja plenamente atingida nas relações de interação e para que se dê num campo em que o processo de operação entre ambas as partes promova ações de realização e possa ser convertida com pleno êxito, é necessário, por parte do sujeito, constantes atualizações. Pois, qualquer que seja a tecnologia, haverá sempre um novo modelo, uma nova forma operacional, fazendo com que seja inerente a (e esteja sempre assegurada por) uma determinada linguagem, por um determinado sistema de signos. A tecnologia sofre constantes transformações, constantes evoluções e se multiplica numa progressão geométrica em todos os níveis e sentidos. E para que essa forma de interação e de comunicação se dê de igual para igual, é preciso que haja uma rápida adaptação humana a essas transformações, exatamente para garantir a interação e a relação de comunicação. Sendo assim, podemos afirmar que, levando em consideração tal quadro, a tecnologia de hoje instaura dois níveis culturais e sociais na população: os que conseguem fazer a leitura e operacionalizar os novos signos e os que não conseguem. Promove, assim, a inclusão e a exclusão. Mas, por outro lado, o ser humano é um ser gregário e, em sua maior parte, vive em sociedade, em grupos, em comunidades etc., aliado a uma capacidade e habilidade de ser um grande produtor e provedor de signos. Assegura-se, com isso, certa regularidade, certa compensação, em que ambas as partes (incluídos e excluídos) se aprumam. Essa relação está assegurada pelo principio de que tudo que existe no mundo, de alguma forma, exprime um determinado significado, um determinado sentido, uma determinada mensagem. Razão pela qual a semiótica peirceana torna-se uma linha de frente, pois procura investigar os mais variados processos de significação, considerando as seguintes questões: como se deu o processo de significação; como se constituiu em linguagem; o efeito de sentido produzido; e ainda leva em conta o fato de existir, de maneira indispensável, a relação com os três elementos de investigação : objeto, interpretante e representamen. Segundo Lucia Santaella, (2004, p,10) é preciso ter uma compreensão mais abrangente sobre o corpo no momento atual, pois ela afirma que somos corpos no sentido social e cultural, somos corpos emotivos, perceptivos e móveis, e corpos que se relacionam simbioticamente com as tecnologias. O corpo não só faz parte de nosso complexo sistema sígnico, mas de certa maneira é o que o torna possível. 7 UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas SIGNO OU REPRESENTAMEN (corpo do signo e si) OBJETO OU REFERENTE (pode ser um fato) INTERPRETANTE (interpretação do fato) Importante! As análises que são direcionadas a um exame sistemático da semiótica peirceana devem ser feitas com foco numa proposta de pesquisa, de conhecimento, de descoberta científica. Pois deve-se haver um cuidado muito especial para que não haja um uso desse sistema de forma abusiva sem uma proposta, sem um padrão de análise sígnica funcional, ou acreditando que tudo pode ser aplicado ou resolvido apenas com o juízo do sistema triádico dos signos. O uso constante e sistemático da relação triádica em pesquisas sem propostas é capaz de levar a um reducionismo estereotipado e classificatório, redundando em apenas um esqueleto sem nenhum objetivo Importante! Esse processo operacional conduz a semiótica a se relacionar com qualquer esfera da ciência, uma vez que oferece modelos de análises que permitem descrever e avaliar as dimensões representativas da estruturação sígnica, dos processos, das categorias, das organizações etc., ou seja, independe do fenômeno. Pois, como vivemos interativos às novas tecnologias e, em alguns momentos, somos sua extensão e boa parte do poder de comunicação reside em sistemas cinéticos, redes, interfaces, alegorias, convenções etc., a semiótica ganhou status e se configurou como uma importante ferramenta para decodificar os mais complexos sistemas. Tal ação se consolida e se prognostica, na medida em que a semiótica estuda a utilização da linguagem focando vários ângulos: verbais, não verbais, textuais, contextuais etc. Por exemplo, a semiótica empregada no uso do computador, instrumento acessível, de utilização trivial e muito comum no dia a dia. Poderá ser entendida, pressupondo a ação do sistema, a sua função e todo o seu movimentooperacional, correlacionado a uma lei básica da semiótica que é, segundo Peirce (1980): “um signo é qualquer coisa que está para alguma coisa”. Logo, está para alguém. Com isso, em termos mais detalhado e procurando ilustrar ainda mais essa correlação, é possível pensar em alguns componentes do computador, como, 8 9 por exemplo, o software e o hardware – do ponto de vista funcional, ambos são concebidos como ferramentas do computador. Entretanto, do ponto de vista semiótico, há uma notável diferença, pois o hardware é a parte física, é um elemento material em que o usuário pode tocar, está integrado aos processadores, à placa de vídeo, às memórias, aos chips e tudo mais, portanto realmente é uma ferramenta. Já o software, embora alguns o tenham concebido como ferramenta do sistema, pode ser entendido como a mente do computador, capaz de comandar toda a máquina, pois os elementos de interface não existem de forma material, como um elemento físico, mas sim como signos, que geram redes e mais redes de signos. Por exemplo, formas, cores, luzes etc. num software configuram-se como uma tentativa de se aproximar do que seriam os objetos reais (mundo real). Sendo representado por um conjunto de pixels na tela, todas as informações dentro de um computador são representamen (signos) constituídos por figuras, sons, imagens etc. cuja função é a de representar alguns dos objetos do mundo real. Vejamos: SIGNO OU REPRESENTAMEN (informação dentro do computador: imagens, �guras, sons etc.) OBJETO OU REFERENTE (extraído, capturado do mundo real) INTERPRETANTE (interpretação do que aparece na tela) Neste mesmo eixo de análise, o computador também pode ser usado como instrumento de comunicação coletivo, como mídia, em que seus sistemas se expandem em redes, conectadas a provedores que facilitam a interação de comunicação entre pessoas. Como o computador é gerador de signos, ele também é um provedor de signos: consegue assim, unir distantes e diferentes interlocutores a partir de representações (representamen) sígnicas. Nesses poucos exemplos apresentados, é possível se ter uma noção da abrangência de pesquisas que podem ser geradas a partir da semiótica, que se configura como uma ferramenta tendo como proposta decodificar os mais complexos sistemas imagéticos que interagem com o homem. A partir dessa noção de abrangência, Peirce procurou formular uma ciência que fosse capaz de “arrematar” todas as outras, ou seja, fazer uma junção das ideias que se referem a outras ideias do mundo, deduzindo que “toda ideia é um signo junto ao fato de que a vida é uma série de ideias prova que o homem é um signo.” (NÖTH, 1995, p. 61). Esse pensamento de Peirce se apoia na convicção de que tudo o que observamos necessariamente percorre, transita por fases de reconhecimento e significação, mesmo de forma inconsciente, mas há certo reconhecimento, pois tudo em nosso entorno é composto por signos e tudo o que nos é apresentado denota um significado. 9 UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas A partir dessa linha de análise e tendo a preocupação de criar um conceito amplo, considerando que a semiótica é uma ferramenta que atende a outras categorias de conhecimento e pode ser entendida como metaciência, Peirce buscava um modelo cuja fundamentação teórica agregasse conceitos simples e abrangentes, mas, acima de tudo, suficientes. Desta forma, segundo Peirce, a fenomenologia estuda e investiga os fenômenos, propondo formas capazes de classificar qualquer pensamento, reduzindo-as a três categorias, denominadas de categorias universais que são: primeiridade, secundidade e terceiridade. Por sua aplicabilidade irrestrita são chamadas de universais. Para entender a função de cada uma e saber como aplicá-las numa determinada situação, vamos, primeiramente, atentar aos conceitos de cada uma. Fenomenologia na hierarquia das ciências de Peirce A fenomenologia, termo que provém da fusão de duas palavras gregas: “phainomeno”, fenômeno, e “logos” estudo da ciência, cujo sentido geral é a ciência ou o estudo dos fenômenos. Entretanto, também pode ser pensada como um método para uma investigação filosófica. Ou seja, a fenomenologia ou faneroscopia é uma ciência que ocupa um lugar de destaque em uma hierarquia das ciências, um conjunto de princípios cuja ideia principal consiste em que uma ciência que construa, forneça princípios e estruturas para outra já estabelecida, já fundamentada. Por exemplo, a semiótica funda-se nas matemáticas ao mesmo tempo em que dá os fundamentos à metafísica. Peirce desenvolveu uma hierarquia detalhada das ciências, por exemplo, a base dessa hierarquia seria ocupada pelas matemáticas, o centro pelas ciências filosóficas e o alto pelas ciências empíricas, chamadas de ciências especiais: a física, psicologia, biologia, geologia etc. Como a matemática estaria na base, numa posição isolada dessa hierarquia, ela teria como foco o estudo das hipóteses. As filosóficas se ocupariam de metodologia e de princípios gerais para todo conhecimento e se iniciariam com a fenomenologia, que fornece as categorias que regem todas as ciências subsequentes. Na sequência, as ciências normativas se ocupariam de estudar não o que é a realidade, mas o que deveria idealmente ser, podendo ser compreendidas em três situações: Faneroscopia, de fanerós, constitui em grego a expressão mais simples para o que é manifesto, significa “trazido à luz”, aberto à inspeção pública, é tudo o que está diante da nossa mente em qualquer sentido. Para a faneroscopia, tanto como a fenomenologia de Hussel, não tem a menor importância saber se o que aparece é uma sensação, uma presença física ou um pensamento. O faneron não é para Peirce nem exatamente o que realmente aparece, mas simplesmente o que parece aparecer (PEIRCE, 1980, p. 91). Ex pl or 10 11 a) estética, o ideal do admirável em si que, segundo Kant determinou, seria o “belo como uma finalidade sem fim”; b) ética, o ideal da conduta e do agir; c) lógica ou semiótica, o ideal do pensamento e da racionalidade; d) metafísica, fundada pela ética e a lógica; e) ciências especiais – por exemplo, a física. Com isso, segundo Peirce, as hipóteses postuladas por um físico estariam fundadas nos princípios gerais da metafísica. A metafísica estaria fundada na semiótica. A semiótica, por sua vez, na ética e na estética. E o todo das ciências normativas estaria fundado nas categorias estabelecidas pela fenomenologia, e o todo da filosofia se fundaria nas matemáticas. Para efeito de assimilação e mais visibilidade, vejamos o esquema: Matemática Fenomenologia Ciências normativas Estética Ética Lógica Metafísica Filoso�a Ciências especiais Uma vez efetuada toda essa organização e sistematizadas as áreas do conhecimento, Peirce, que desde 1860 já havia formulado o estudo das categorias a partir das formas de pensamento e da análise da proposição, agora se voltava para uma de suas investigações primordiais, assunto de nosso próximo item. Para assimilar com mais profundidade e obter uma visão mais detalhada sobre essa questão, ver O que é semiótica, de Lúcia Santaella (1983, p. 27).Ex pl or 11 UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas As categorias universais Primeiramente, em seus estudos, Peirce Modelo Triádico de PEIRCE Terceiridade Mediação, processo Primeiridade Presente, intuitivo Secundidade Mundo real, ação/reação Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons reconheceu duas ordens de categorias, as particulares e as universais. No caso, as universais são o nosso objeto de estudo. Antes, é preciso fazer um registro, a teoria das categorias só passou a fazer parte da Faneroscopia depois de 1900. Entretanto, Peirce já havia pensado sobre essa questão e já possuía, desde1860, um corpo teórico bem fundamentado sobre cada categoria. Talvez, segundo seus comentadores, tenha pensado que estivesse possuído por um mal, denominado de “triadomania”: seria a mania de ver três em tudo, isto é, a mania de ver as três categorias em qualquer objeto, em tudo. Modelo Triárdico de Peirce Tudo no mundo é signo: objetos, seres humanos, animais, ideias etc. e tudo poderá ser classificado em três categorias: primeiridade, secundidade e terceiridade. E quanto mais ele se aproximava nos estudos da matemática, da lógica e de outras áreas do conhecimento, na intenção de estudar os fenômenos, mais as suas categorias sobressaiam e notabilizavam-se. Em 1903, nas conferências de Lowell, Peirce apresentava as suas categorias faneroscópicas: primeiridade, secundidade e terceiridade. Fundamentadas, segundo ele, em três modos de ser: o ser da possibilidade qualitativa positiva, o ser do fato aqui e agora e o ser da lei que governará os fatos no futuro. De forma resumida seria: originalidade, obsistência e transuação. As categorias possuem tal denominação em virtude de originarem-se na faneroscopia e serem descritas em termos metafísicos, o que não deixa de ser importante para a assimilação do leitor, para que ele possa conhecer e acompanhar toda essa evolução de um pensamento. Entretanto, a terminologia usual, reproduzida em inúmeros trabalhos são: primeiridade, secundidade e terceiridade. Primeiridade Carregada de possibilidades, está no presente absoluto, tem originalidade, qualidade de consciência, é o acaso, o vago. É conhecida como a categoria da pura qualidade, do independente de qualquer relação, é o modo de ser que governa o que é. Não possui uma referência adicional, pois é independente de qualquer relação, puro casuísmo. È importante 12 13 observar que a ideia de mônada como primeiridade, reproduzida em e por diversos comentadores de Peirce, não está equivocada, mas não deve ser assimilada como um objeto, pois este reage com outros objetos em uma secundidade. A mônoda é sui generis, não é reativa a nada. Ideias “psicologizantes”, como o vermelho, a dor ou a felicidade, sem duração, vagas, sem objeto e sem sujeito, logo, são inevitavelmente imperfeitas, uma vez que residem no campo da possibilidade de algo, é o presente absoluto, é a ideia temporal da primeiridade. Isto é, o que já foi só pode ser pensado sobre o que foi, a qualidade se perdeu no presente absoluto. Como forma de ilustração, Peirce sugere imaginar Adão no momento em que ganhou a vida, antes de tomar consciência, ou seja, temos um Adão sem referência, então temos uma primeiridade que não é dada à experiência, pois, segundo Peirce, a qualidade descreve a primeiridade da perspectiva da secundidade, isto é, da sensação e da percepção sensorial objetiva. Santaella (1983, p. 46) afirma que a primeiridade não pode ser pensada articuladamente, caso seja pensada, perde toda a característica de primeiridade e passa a ser a secundidade. Vejamos um exemplo prático: PRIMEIRIDADE - COR AZUL Primeiridade: • presente absoluto (o que conta é a primeira impressão com o signo); • pura qualidade, intuitivo; • não possui uma referência adicional, • sentimento sem reflexão. Secundidade Na secundidade o mundo é real, pois é compreendida pela luta, fato, experiência, ação/reação e determinação/definição total. Independe do pensamento, é a categoria mais rápida e fácil de ser apreendida. A secundidade é o modo de ser do que é em relação a um segundo, mas sem consideração de um terceiro. Por exemplo, se algo existe, para essa existência ser confirmada, é preciso estar em relação a outro. É a categoria das relações diádicas, em que o mundo ao nosso redor nos obriga a aceitar a cada momento desperto, das ações realizadas entre dois sujeitos. Ou seja, existir é sentir a ação dos fatos, a materialidade pura, a existência, o hic et nunc, o aqui e agora dos fatos puros e duros, do choque entre ação e reação. A secundidade é o fato em si, sendo brutalmente imposto a nós, é tudo o que se passa no mundo existencial, material. Peirce extraiu da lógica matemática alguns fatos importantes para a semiótica: a) a existência do fato consiste na luta; b) o fato é intimamente ligado à díade; 13 UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas c) a classificação dos fatos se faz por dicotomias; d) o fato é a soma das consequências. Portanto, é preciso notar que os traços de um fato são absolutamente distintos de uma qualidade de primeiridade ou de terceiridade, que vamos ver mais a frente. Avaliando de forma prática: SECUNDIDADE: a cor azul de um objeto concreto. Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images Secundidade: • reagir a fatos; • distinguir e discriminar; • reações reais ou análogas à primeiridade; • é o fato em si. Terceiridade A terceiridade consiste na continuidade, é a lei, o pensamento, o processo, o signo, a generalidade, a probabilidade. Ou seja, é o modo de ser da relação entre os três elementos, não redutível à combinação de pares. Considera-se a mediação de um terceiro entre dois, é a ideia de que o pensamento para ser pensamento, deve-se relacionar as ideias de A e B do ponto de vista da ideia C. De um ponto de vista mais detalhado, podemos entender que: pensamento e signo remetem à lei que diz como a “possível” primeiridade governará a “existente” secundidade; essa relação (possível/existente) abre a possibilidade para que essas duas passagens (primeiridade/ secundidade) sobre aspecto da terceiridade, TERCEIRIDADE: O sapato é azul. Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images 14 15 formule o que é a ideia geral. É preciso que se tenha um certo cuidado no estudo das categorias universais, principalmente na aplicação de cada uma delas a um dado objeto. Por exemplo, a palavra “doce”, como exemplo de qualidade, pertence à primeiridade. Entretanto, o “doce”, enquanto percebido neste momento por alguém, apresenta-se como um fato, pois há uma relação no hic et nunc, “aqui” e “agora”, na sensorialidade, logo, é uma secundidade; agora, sendo “doce” na sua generalidade, é um signo, um símbolo literal, é uma terceiridade. Peirce também denominou a terceiridade de transuação, podendo ser entendido como: translação, transcendental, transfusão. Sem perder a originalidade, pois a terceiridade, sendo vista como replicação absolutamente exata, sem um resquício de possível acaso, não teria o caráter transuasivo da terceiridade. A terceiridade, segundo Peirce, merece toda atenção, devido a sua grande importância nas ciências e na filosofia. Do ponto de visto lógico, a terceiridade remete às relações triádicas e ao signo, da perspectiva metafísica, pois ela envolve a ideia de lei, visto que a terceiridade tem em vista a aproximação do primeiro a um segundo numa operação intelectual, a partir do que podemos fazer uma leitura de mundo. Terceiridade: • relaciona um fenômeno qualquer • organiza os fatos; • continuidade; • inter-relação, interconexão Primeiridade, secundidade e terceiridade Essa relação triádica desenvolvida por Peirce permite abarcar todo e qualquer tipo de experiência. São categorias universais do pensamento e da natureza. Diante a um fenômeno qualquer, para se conhecer e compreender sua natureza, inevitavelmente, a mente produz um signo: a base do signo é uma relação triádica entre esses três elementos: primeiridade, secundidade e terceiridade. Vejamos um exemplo dessa relação: 15 UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas TERCEIRIDADESECUNDIDADEPRIMEIRIDADE Intuitivo Pura qualidade Presente absoluto Abstração pura Eu Reação Fato Futuro Distinguir Tu Continuidade Correlato Passado Fim Ele/Outro Cor azul Cor azul deum objeto O sapato tem a cor azul Fonte: Adaptado de iStock/Getty ImagesVejamos: uma palavra tomada em si mesma é pura ambiguidade, quando ela se dirige a um objeto, ela é secundidade. Por exemplo, a palavra “azul” é pura qualidade, é intuitiva, primeiridade. Quando ela se dirige ao objeto sapato, é secundidade, reação ao fato. Quando nós temos a certeza de que é um sapato azul, analogia, memória, relação, ela é terceiridade. Portanto, o universo semiótico do ser humano é determinado por uma relação triádica, entre o possível, o real e o necessário (legal). Com isso, esse percurso permitiu conhecer, até o presente momento, as raízes do que seria a fenomenologia. Pois o pensamento triádico, isto é, as categorias universais constituem toda a base da semiótica e permitem desvendar as entranhas não só da ciência, mas da vida ou de uma vida em especial, pois Peirce pensou numa teoria cujas estruturas e matizes são potenciais e universais, fazendo com que sua ciência vá muito além de uma mera teoria dos signos. Portanto, uma vez assimilado o conteúdo desta unidade, teremos cada vez mais requisitos para desvendar outros processos de construção das classes dos signos. 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros A assinatura das coisas: Peirce e a literatura. SANTAELLA, Lucia. A assinatura das coisas: Peirce e a literatura. São Paulo: Imago, 1992. O que é semiótica. SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. Leitura Estudos semióticos Uma análise intersemiótica da obra Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, para o cinema https://goo.gl/efNcli Vídeos Semiótica Peirceana com Julio Pinto https://goo.gl/QTGQrS 17 UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas Referências NÖTH, Winfried. Panorama da Semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995. PEIRCE, C. S. Collected Papers: vol. 1,2,3. Cambridge: Harvard Univ. Press, 1966. ____________. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. ____________.Semiótica. Tradução: José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2008; SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: Semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. ____________. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. ____________ . Corpo e comunicação. Sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004. SERSON, Breno. A relevância de C. S. Peirce para as ciências cognitivas: os conceitos de “representação” e “inferência” e a semiótica. São Paulo: Manuscrito, 1992. 18
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