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Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 1 Sociologia Organizacional Aula 3 Prof. Luciano Stodulny Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 2 Conversa Inicial Vamos estudar neste momento como os primeiros sociólogos que organizaram essa nova ciência. Contextualizando A Sociologia como ciência recebe como base a análise desenvolvida pelas ciências naturais, tentando dessa forma adaptar a sociedade às mudanças ocorridas nas ciências sociais. A exemplo da física que busca as leis de funcionamento da natureza, a Sociologia busca as leis de funcionamento da sociedade, de maneira a compreender o processo de organização social e modificar a sociedade segundo seu próprio interesse. Tema 1: A Lei dos 3 Estados de Comte Muitos autores consideram Auguste Comte como a pai da Sociologia, tendo apresentado essa nova ciência no seu livro Curso de Filosofia Positiva, deixando assim uma contribuição extremamente importante na compreensão do comportamento humano e no entendimento das relações sociais estabelecidas na sociedade. Comte foi o primeiro autor que tentou aproximar as Ciências Naturais das Ciências Sociais, em especial a Física e a Biologia. Entendia ele que a Sociologia era uma espécie de “física social”, que buscava compreender as leis de funcionamento da sociedade, na tentativa de identificar problemas de ordem social, podendo intervir e reorganizá-la a fim de evitá-los. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 3 Buscou ainda aproximar a ciência biológica no sentido de compreender como se dá o processo de evolução da sociedade, uma vez que os seres vivos passam por um processo natural de evolução. Entendia Comte que esse processo também ocorria na sociedade, pois esta passava de um estado inferior de desenvolvimento para um superior. Dessa forma, Comte elaborou a Lei dos 3 Estados para explicar o processo de transformação da sociedade. KONFLANS, C. Auguste Comte, a Sociologia e o Positivismo. Disponível em: <http://slideplayer.com.br/slide/352664/>. Acesso em: 4 ago. 2016. A sociedade inicialmente se encontrava em um estado Teológico: o estado em que Deus está presente em tudo e as coisas acontecem por causa da vontade Dele. As coisas sem explicação são esclarecidas pura e simplesmente por Deus. Em uma análise histórica do desenvolvimento humano, o homem buscou explicações em Deus e no sobrenatural em um momento que não tinha outro tipo de conhecimento organizado que pudesse recorrer. Assim, impossibilitado de explicar os fenômenos da natureza de forma racional ou científica, busca nos seres sobrenaturais a tentativa de explicar tais fenômenos. O segundo estado é o Metafísico: no qual a ignorância da realidade e a descrença de um deus todo poderoso levam a crer em relações misteriosas entre as coisas, nos espíritos, por exemplo. O pensamento abstrato é substituído pela vontade pessoal e racionalidade, o homem busca assim uma explicação racional Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 4 para os fenômenos antes desconhecidos por ele mesmo. Nesse momento, as explicações religiosas não têm mais a mesma importância na compreensão do mundo. O homem busca assim esclarecimentos que sejam aceitos pela racionalidade humana, esse momento também tem como característica determinante o uso da Filosofia. O último ou terceiro estado é o Positivo: a humanidade busca respostas científicas para todas as coisas. Esse estado ficou conhecido como Positivismo. A busca pelo conhecimento absoluto e esclarecimento sobre a natureza e seus fatos é o resultado da soma dos dois estágios anteriores. Os pensadores que não prosseguiram com a Teologia nem se mantiveram fiéis à metafísica aderiram necessariamente ao cientificismo. Desse conjunto de tendências intelectuais nasceram as Ciências Sociais Contemporâneas. Entre elas, centralmente, a Sociologia, criada com base em um pronunciamento epistemológico: para Auguste Comte, com efeito, as ciências surgem umas depois das outras e sobem, ao crescer em complexidade, até a ciência que a todas pressupõe, a Sociologia. O Positivismo se inicia como uma corrente filosófica de Auguste Comte, em que as ideias de percepção são baseadas na observação, exatidão e busca criteriosa pela confirmação, deixando de lado teorias e especulações da Teologia e da Metafísica, antes pautadas na religião e na razão. Segundo Comte, as ciências que são positivistas são a Matemática, a Física, a Astronomia, a Química, a Biologia e a recém-criada Sociologia que se baseia em dados estatísticos, pois essas ciências buscam leis para compreender o objeto pesquisado, diferenciando-se das outras que eram especulativas. Os positivistas acreditam que a ciência é cumulativa, transcultural. Novas ideias podem surgir sem ser continuação de conceitos velhos, como entidades de um tipo podem ser redutíveis às de outro, por exemplo. O que se passa na cabeça de uma pessoa pode ser explicado pelas reações químicas no cérebro. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 5 A herança do Positivismo pode ser encontrada na frase da bandeira brasileira que é baseada no lema de Comte sobre esse sistema. Ele dizia “amor como princípio e ordem como base; progresso como objetivo”, e o criador de nossa bandeira simplificou para “Ordem e Progresso”. Isso aconteceu no período em que a Monarquia foi derrubada e instalada a República pelas pessoas que seguiam os pensamentos de Auguste. O Positivismo influenciou o Brasil até a elaboração da constituição de 1934, sendo o único país no mundo a ter uma constituição positivista. Tema 2: Durkheim e a Identidade Coletiva Durkheim (1858-1917) é considerado um dos sociólogos mais notáveis da França, tendo publicado vários trabalhos, entre eles A divisão social do trabalho, As regras do método sociológico, Educação e sociedade e O suicídio. A grande contribuição de Durkheim foi conferir o status de ciência à Sociologia, organizando as regras do método sociológico com esse objetivo, indicando como deveria ser a abordagem do método sociológico na análise dos problemas sociais e quais regras permitem o seu exame de forma neutra e imparcial. A objetividade e a identidade na análise da vida social foram questões fundamentais na organização do método sociológico. Durkheim define a consciência coletiva como uma organização social, sendo possível a sociedade ser uma organização intrínseca à consciência coletiva. Isso significa dizer que as atitudes individuais isoladas não interessam em nada no estudo e entendimento da sociedade, pois o meio social só pode ser apreendido pelo sociólogo por meio daquilo que move as pessoas de forma coletiva, o fato social. Como iremos estudar, são os fatos que direcionam a sociedade na construção da realidade com características próprias. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 6 No trabalho de delimitação da Sociologia, Durkheim constata que o conceito de social é aplicado a quase todos os fenômenos que ocorrem no interior da sociedade. Utilizando essa ideia como referência, estabeleceu quais os tipos de fato mereceriam uma qualificação social. Dessa forma, a Sociologia teria um objeto para se ocupar enquanto ciência, apresentando suas características mais específicas, considerando assim as delimitações do fato social. O indivíduo na sociedade encontra-se ligado diretamente a instituições pela construção de laços que constroem uma unidade. Assim, quando os indivíduos se sentem parte de um grupo, é como se este tivesseuma forma própria de pensar e seu comportamento fosse além das intenções individuais. Imagine, por exemplo, se você fosse a um estádio assistir à partida do seu time de futebol. A cor do uniforme do seu time é verde, mas naquele dia você não prestou atenção e foi de roupa vermelha, cor esta que representa seu maior adversário. Você, nesse caso, sofreria uma pressão do grupo, pois seria difícil convencer todos os torcedores que você não estaria fazendo alusão ao adversário. Por prova de amor, namorado veste camisa de clube na torcida rival e quase é linchado A festa do título do Sporting Cristal, do Peru, sobre o Universitário quase acabou em tragédia para um torcedor em particular. Assistindo ao jogo “infiltrado” na torcida do rival para acompanhar a sua namorada, um jovem ouviu um pedido inusitado para provar o seu amor e quase acabou linchado pelos adeptos dos Cremas. “Fiz uma brincadeira, pedi que, se ele me amasse mesmo, pusesse a camisa do Sporting Cristal para comemorar o título. Só não imaginei que fossem bater nele”, afirmou a garota para o site Depor.pe, que não revelou os nomes dos parceiros. Depois de vestir o uniforme de seu time do coração, o rapaz presenciou a ira dos torcedores e teve que fugir para o banheiro feminino do Estádio Monumental de Lima até ser escoltado pela polícia. DUPLAT, E. Por prova de amor, namorado veste camisa de clube na torcida rival e quase é linchado. BN Esportes. Disponível em: <http://www.bahianoticias.com.br/esportes/noticia/37470-por-prova-de-amor-namorado- veste-camisa-de-clube-na-torcida-rival-e-quase-e-linchado.html>. Acesso em: 4 ago. 2016. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 7 Existe de forma silenciosa a construção de uma identidade nos diferentes grupos existentes na sociedade. Imaginemos as instituições religiosas e sindicais, os grêmios, as categorias profissionais, os grupos que compartilham os mesmos gostos musicais e literários, enfim, na sociedade temos um número quase infinito de grupos que se organizam por algum tipo de interesse comum e, posteriormente, constroem uma identidade própria, determinando a forma como seus membros devem agir e se portar, desde a roupa que será aceita até a linguagem utilizada. Quando prestamos atenção no comportamento social, percebemos que mesmo nossa linguagem sofre uma adaptação do meio ao qual estamos inseridos em um determinado momento. Somos uma pessoa quando falamos com nossos familiares, outra quando conversamos com nossos amigos, outra ainda quando frequentamos ambientes religiosos, isto é, agimos de diferente forma em cada ambiente. As diferenças são percebidas no nosso vocabulário, na maneira de nos vestirmos e comportarmos, dessa forma nos moldamos a cada grupo a fim de sermos identificados como seus membros. Essa mudança quase imperceptível em nosso comportamento está relacionada à identidade social. A sociedade constrói um modelo comportamental e cobra de seus membros que sigam a referência social dada por cada grupo ao qual as pessoas estão inseridas. A identidade social, porém, nem sempre é igual à soma das identidades individuais, pois ela tem características próprias e pode ser até diferente do comportamento individual, no entanto, quando os indivíduos fazem parte do grupo, eles agem como sendo o próprio grupo. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 8 Imagine um indivíduo participando de um grupo, em uma ministração social, um encontro religioso, um show ou uma atividade coletiva no ambiente de trabalho, por mais que o indivíduo não queira, seu comportamento é orientado pelo grupo, pois ele é obrigado a seguir as regras comportamentais do grupo em que se encontra, não podendo agir de forma contraria, mesmo não concordando com todas as atividades realizadas por ele. A identidade coletiva dessa forma molda a sociedade e seu comportamento de maneira tal que exerce sobre os indivíduos um poder em que os vincula ao grupo social, contribuindo na preservação da própria sociedade, estimulando os comportamentos e condicionando e padronizando as ações a fim de estabelecer uma coerção sobre os indivíduos. Tema 3: Fato Social O fato social, conceito elaborado por Durkheim, permite identificar a maneira de ser, pensar e agir de uma sociedade. Esta tem um comportamento condicionado, sendo por vezes padronizado, permitindo assim que possamos compreender, estudar e prever determinados acontecimentos. A sociedade se organiza em grupos com interesse comum. Nós participamos de inúmeros grupos existentes na sociedade: da nossa família, do Meca O Hajj é a maior peregrinação que ocorre na Meca, realizado todos os anos. Ao menos uma vez ao ano, milhares de muçulmanos de vários países fazem uma visita à cidade com o objetivo de orar em conformidade. O Hajj deve ser executado por adultos com saúde e condições financeiras para visitar a Meca. Eles ainda devem cuidar de seus dependentes e parentes durante a realização da viagem. O Hajj deve ser feito pelo menos uma vez na vida do muçulmano. ARAÚJO, F. Meca. Infoescola. Disponível em: <http://www.infoescola.com/oriente-medio/meca/>. Acesso em: 4 ago. 2016. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 9 trabalho, dos amigos, da igreja, enfim, cada um de nós participa de vários grupos muitas vezes diferentes. Os grupos existentes na sociedade são o objeto de estudo da Sociologia, segundo Durkheim, pois cada um age de forma diferente e padronizada, sendo a busca por esse padrão a preocupação da Sociologia. Porém, Durkheim define que são necessárias três características que permitam estudar o grupo: generalidade, externalidade e coercitividade. A generalidade significa que as regras existentes em um grupo se aplicam a todos os seus indivíduos. Independente da atividade realizada, quando fazem parte de um grupo, são obrigados a seguir as suas regras. Essa característica permite compreender que todos dentro de um grupo são submetidos às regras sociais, que podem se modificar de acordo com o grupo ou a atividade desenvolvida individualmente, porém, todos são submetidos a esse processo. Imagine uma empresa, cada pessoa nesse ambiente é encarregada de determinada atividade que tem uma série de regras a serem seguidas. Estas podem até ser diferentes quando pensamos no gestor e nos colaborados, todavia, todos são sujeitados a esse processo de forma determinística. O gestor não define todas as regras, como o pagamento dos tributos, porém, todos são submetidos às regras, independentemente de qualquer processo hierárquico, na visão de Durkheim. A externalidade é a compreensão que toda regra é definida não por seus participantes, mas de forma externa ao grupo de análise. Todo grupo tem regras, porém elas não são definidas por ele, e sim externamente. O grupo deve se adequar ao padrão definido pela sociedade para ser aceito por ela. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 10 Inicialmente, pensamos que cada grupo define suas regras, mas na prática isso não ocorre. Ele segue o modelo adotado pela sociedade, dessa forma, ela define como cada grupo deve se comportar no ambiente social de maneira tal que não interfira na sua própria ordem. Pensamos que existe uma livre interferência por parte dos indivíduos nos seus respectivos grupos de pertença, mesmo nos mais íntimos como a família, porém mesmo esta passa por uma padronização que está além das possibilidades individuais para a alteração desse processo. Não podemos como indivíduos alterar o modelo de família caracterizado e aceito socialmente, pois a sociedade define e julga o que acreditaser correto, dessa forma, mesmo os indivíduos não concordado, eles não podem agir de forma contraria às regras definidas pela sociedade. A coercitividade é a terceira característica do fato social, e podemos defini- la como a característica mais marcante da sociedade. É a que nos obriga a seguir as regras definidas por ela, pois, caso contrário, sofreremos sanções estabelecidas pelos grupos e pela própria sociedade. Quando observamos os grupos sociais, questionamos o porquê seguimos as suas regras, visto que nem sempre concordamos individualmente com um conjunto ou outro de regras ou por vezes com um uma regra, mas mesmo assim cumprimos o determinado. A coercitividade é a característica que nos obriga a esse comportamento padronizado. Nós sabemos inconscientemente que se nosso comportamento for contra aos determinados pela sociedade sofreremos algum tipo de pena. A eminência da cobrança ou mesmo da punição nos obriga ao comportamento condicionado ao padrão esperado pela sociedade. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 11 A coerção é uma característica fundamental da vida em sociedade, pois os seres humanos tendem a padronizar os seus comportamentos, uniformizando o que é aceito. Dessa forma, a coerção sempre auxilia o indivíduo a agir de maneira correta a fim de ser aceito pela sociedade. Há diferentes tipos de coerção social e eles podem ser pensados a partir das sanções legais ou espontâneas: as legais, quando existe uma prescrição pela sociedade ao julgar o que seria uma ilegalidade, aplicando imediatamente uma pena, como uma multa de trânsito; e as espontâneas, quando existe uma condenação pelo olhar da sociedade no que julga correto ou errado, são os olhares das pessoas que condenam as ações julgadas impertinentes. O fato social precisa das três características para ser identificado como tal, assim passa a ser objeto de estudo da Sociologia, pois o comportamento de um grupo na sociedade é condicionado de tal maneira que permita identificar o padrão adotado pela sociedade. Dessa forma, a análise desta permite compreender e sempre que possível alterar o comportamento social, modificando o modelo comportamental aceito pelo grupo. O importante para a análise social é a realidade objetiva dos fatos sociais, os quais têm como característica a exterioridade em relação às consciências individuais e exercem ação coercitiva sobre estas. Mas sempre nos perguntamos de onde vem esta coercitividade. Pensemos em nossa sociedade atual. Fomos criados por nossos pais e pelos grupos sociais que participamos na sociedade, com a ideia de que não podemos fazer uma série de ações, como em um restaurante virar o prato de sopa e bebê-la de uma só vez, pois certamente as pessoas condenarão essa atitude ou irão rir ou ainda talvez achar um tanto quanto estranho, já que existem talheres para se tomar sopa. Não existem leis formais que impeçam quem quer que seja de virar o prato de sopa. No entanto, a grande maioria das pessoas se sentiria desconfortável de praticar isso. Da mesma forma, num escritório ou em Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 12 algum lugar formal, os homens estão de terno, e não de roupão ou outro tipo de roupa. Isso é a ação coercitiva do fato social, é o que nos impede ou nos autoriza a praticarmos algo, por exercer uma pressão em nossa consciência, dizendo o que podemos ou não fazer dentro do julgamento imposto pela sociedade como comportamento aceito. Tema 4: Coerção Social A sociedade a partir dos seus grupos incute nos indivíduos um comportamento padronizado, de maneira tal que os obriga a agir muitas vezes de forma contraria aos seus valores individuais. Os grupos determinam a maneira de nos vestirmos, falarmos, agirmos. Passamos a fazer parte de um grupo mesmo sem almejar. Os grupos exercem tal poder sobre os indivíduos que moldam por completo suas ações, assim convivem com a coerção o tempo todo, desde o momento que acordam até quando vão dormir. O significado do termo “coerção” remete à definição em latim coercio que significa “ação de reprimir, de refrear; repressão; castigo”. Nesse sentido, a coercitividade social é caracterizada pela pressão e/ou repressão que a sociedade exerce sobre o indivíduo, obrigando-o a ter um comportamento padronizado e aceito pelo grupo de pertença. A coerção social manifesta-se de várias formas, seja por meio das leis e das normas sociais, seja de forma subliminar como regras comportamentais implícitas ao aceito ou condenado pela sociedade. As normas não estão necessariamente inscritas em forma de documentos legais, podendo estar inseridas de maneira simbólica no espaço, manifestando uma ideia que implica diretamente na organização e estrutura da sociedade. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 13 A coerção social pode ser exercida de várias formas, seja por um grupo grande, seja por um grupo pequeno de indivíduos, manifestando-se também sem um padrão específico, podendo ser de forma física ou psicológica, o que torna mais difícil sua identificação. A pressão que sofremos para usarmos roupas apropriadas ao sair de casa de acordo com o local que iremos frequentar é um exemplo de coerção social, assim como usarmos talheres para comer ou não praticarmos crimes. A coerção social mais eficiente é a persuasiva, sendo internalizada pelo indivíduo a ponto de ele achar que as suas ações são determinadas por sua livre escolha, como colocar uma roupa que acredita ser bonita para ir a uma festa. Primeiramente, esse indivíduo foi convencido sobre o que é ser belo e como a sociedade define e aceita a referência para esse conceito. Quando pensamos em persuasão, podemos identificar que em todos os grupos que participamos somos obrigados a agir de acordo com as suas regras. Esse tipo de comportamento é coerção, pois nos força a agirmos de maneira O que é coerção social? Um exemplo curioso que ganhou os noticiários foi o caso ocorrido na Grande Florianópolis, Santa Catarina, no bairro São José, onde moradores descontentes com a prática de prostituição de travestis no bairro resolveram utilizar-se da coerção social para acabar com a prática. Como a prostituição não é crime, eles não poderiam acionar o Poder Público para os retirar do local. Tiveram, então, a ideia de usar a coerção social sobre a clientela. Os moradores, em grupos de cinco a dez pessoas, passaram a noite na rua por alguns dias fotografando todo o movimento. Os clientes não querendo ser visto pela sociedade comprando os serviços dos travestis foram se afastando e deixando de frequentar o local. O resultado foi que os travestis ficaram sem clientes no local e tiveram que mudar para outra área não residencial. ESTRELA, C. O que é coersão social? Blog Café com Sociologia.com. Disponível em: <http://cafecomsociologia.com/2013/01/o-que-e-coercao-socia.html>. Acesso em: 4 ago. 2016. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 14 contrária aos princípios individuais, muitas vezes para nos levar a um nível de aceitação do grupo. Ainda ao analisarmos as características da coerção identificamos que, por medo de ficar sozinho, o indivíduo se ajusta ao meio social em que está inserido, fase a fase, pagando o preço que lhe for exigido para ser aceito pelo grupo. Então, se era aceitável ser hippie quando novo, depois fica complicado quando ninguém mais do seu grupo segue esses princípios, dessa forma muda-se novamente a maneira de pensar. Finalmente, a coerção pode se apresentar de forma oculta, não permitindo sua clara influência no comportamento dos indivíduos. A pessoaque cumpre sempre com suas obrigações de bom grado e com satisfação não sente o peso da coerção sobre o seu comportamento, pois age pensando ser livre em suas ações. Outra que gosta de sua profissão, por exemplo, cumpre seus deveres profissionais com prazer, sem a necessidade de imposições. Mas a coerção nunca deixa de existir. Está sempre à espreita, apresentando-se apenas quando encontra o desvio de comportamento, criticando ou até punindo aquele que outrora agia de forma exemplar e com uma conduta intocável. A coercitividade assim se encontra presente nas normas de conduta ou de pensamento, sendo externas aos indivíduos, dotadas de poder coercitivo, porque se impõem a eles, existindo independentes de suas vontades. Quando aceitamos como válidas as maneiras de ser, agir, pensar e sentir do nosso grupo, conformando-nos com elas, de bom grado, não sentimos essa coerção, pois ela se torna, então, inútil, o que não significa que deixe de existir. A força coercitiva aparece quando tentamos opor resistência ao modelo adotado pelo grupo. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 15 A coerção não necessita ser punitiva, igualmente são eficazes o riso, a zombaria ou o afastamento dos amigos quando nosso comportamento não constitui transgressões às leis, mas às convenções da sociedade. Exemplo: não se portar corretamente à mesa, vestir-se inadequadamente e falar de modo impróprio implicam em sofrer sanções de forma sútil e contínua. As sanções podem ser também indiretas. No mundo dos negócios, se não usarmos as modernas técnicas para vencer nossos concorrentes, a lei não nos punirá, mas provavelmente iremos à falência pelo descumprimento moral das regras sociais. Os usos e costumes de uma sociedade não são estáticos, eles se transformam continuamente de acordo com a dinâmica da própria sociedade, alguns comportamentos com maior e outros com menor rapidez. Geralmente, invenções que servem para aperfeiçoar e facilitar a execução de um trabalho são imediatamente aceitas; a moda, praticamente, modifica-se a cada ano; as regras de educação, geralmente a cada década; e a Constituição de um país perdura mais tempo e há a necessidade de determinadas pressões ou de uma nova configuração da sociedade para mudá-la. A religião é a estrutura da sociedade que se modifica mais lentamente. Portanto, podemos verificar que no campo da cultura material as mudanças são mais rápidas do que no da espiritual. As transformações significam que a sociedade tem inovadores, elementos que, pela sua atitude individual, modificam as normas e os costumes das sociedades, mas a coerção não deixa de existir, sempre se adaptando à nova sociedade e ao modelo vigente. A pressão dos fatos sociais manifesta-se de duas maneiras: subjetivamente, quando se impõe às nossas consciências; objetivamente, por meio da reação que a nossa não submissão a eles provoca no grupo. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 16 Tema 5: O Método da Análise Social A pesquisa em Sociologia teve uma ruptura paradigmática no fim do século XIX, quando as pesquisas de campo passaram a exercer uma forte influência na produção do conhecimento. Inicialmente, grande parte dos estudos foi produzida pelos chamados sociólogos de gabinete, desenvolvendo o conhecimento pela análise e pelo comparativo às exaustões a partir do conhecimento já catalogado. Hoje, sabemos das limitações metodológicas acerca dessa metodologia puramente bibliográfica para a produção do conhecimento. Uma vez usada apenas essa metodologia, o pesquisador corre grande chance de produzir um conhecimento errado sobre o objeto pesquisado, visto que a análise sobre o comportamento social necessita de um contato direto com a realidade pesquisada, pois em um ou outro quesito o objeto pode se demonstrar como superior aos conceitos pré-formulados. Ao realizar um trabalho de campo, o pesquisador passa a interagir diretamente com o objeto pesquisado, de maneira tal que não tenha uma visão errada nem deturpada da realidade, ele se torna o mais objetivo possível, levantando os dados sem a interferência externa e descrevendo a pesquisa com total neutralidade. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 17 Como podemos observar no quadro abaixo, a descrição realizada pelo pesquisador sem contato direto e profundo com o objeto pesquisado permite um falseamento da realidade, pois o conhecimento torna-se superficial e insuficiente na construção de um objeto eficiente de análise. Isso não quer dizer, porém, que a Sociologia deva se desinteressar das questões práticas. Pôde-se ver, ao contrário, que nossa preocupação constante era orientá-la de maneira que pudesse alcançar resultados práticos, tendo como referência uma análise criteriosa da realidade. O papel da Sociologia, desse ponto de vista, deve justamente consistir em nos libertar de todos os partidos, não tanto por opor uma doutrina às outras, e sim por fazer os espíritos assumirem, diante de tais questões, uma atitude especial que somente a ciência pode proporcionar pelo contato direto com as coisas, participando dessa forma da construção de um conhecimento específico e verossímil acerca da pesquisa realizada. BRUN LE, C. América. Paris, 1619-1690. O quadro pretende mostrar os habitantes do continente americano e seus costumes, contudo, os ameríndios aparecem com feições apolíneas e cabelos anelados. Nessa representação, como em muitas outras, os personagens mais se assemelham aos europeus do que propriamente aos povos da América. O quadro, assim, acaba nos dizendo mais sobre o olhar do próprio europeu do que sobre aqueles que procurava retratar. A identidade dos grupos humanos é uma característica fundamental para a criação de um “nós coletivo” que, ao mesmo tempo, identifica e diferencia os grupos entre si. SOCIOLOGADO. Disponível em: <https://sociologado.wordpress.com/2011/02/13/uel-2006-14/>. Acesso em: 4 ago. 2016. Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 18 Outra característica do método é a sua objetividade. Ele é inteiramente dominado pela ideia de que os fatos sociais são coisas e como tais devem ser tratados. O sociólogo deve se afastar das noções antecipadas que tinha dos fatos, a fim de colocar-se diante dos reais fatos: como deveria atingi-los por seus caracteres mais objetivos; como poderia requerer deles próprios o meio de classificá-los em saudáveis e em mórbidos; como, enfim, deveria seguir o mesmo princípio tanto nas explicações que tentava quanto na maneira pela qual provava essas explicações. Pois, quando se tem o sentimento de estar em presença de coisas, nem sequer se pensa mais em explicá-las por cálculos utilitários ou raciocínios de qualquer espécie. Compreende-se muito bem a distância que há entre tais causas e efeitos. As explicações não apenas são outras, como são demonstradas de outro modo, ou melhor, é somente então que se sente a necessidade de demonstrá- las. Se os fenômenos sociológicos forem apenas sistemas de ideias objetivas, explicá-los é repensá-los em sua ordem lógica, e essa explicação é a sua própria prova, quando muito será o caso de confirmá-la por alguns exemplos. Ao contrário, somente experiências metódicas são capazes de arrancar das coisas seu segredo. Mas, se consideramos os fatos sociais como coisas, é como coisas sociais. É um terceiro traço característico de nosso método, o de ser exclusivamente sociológico. Muitas vezes se pensou que tais fenômenos, por causa de sua extrema complexidade, ou eram refratários à ciência ou só poderiam entrar nela reduzidosas suas condições elementares, sejam psíquicas, sejam orgânicas, isto é, despojados de sua natureza própria. Procuramos estabelecer, ao contrário, que era possível tratá-los cientificamente sem nada retirar-lhes de seus caracteres específicos. Inclusive recusamos reduzir a imaterialidade sui generis que os caracteriza àquela, não obstante já complexa, dos fenômenos Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 19 psicológicos. Mostramos que um fato social só pode ser explicado por outro, e, ao mesmo tempo, indicamos de que maneira esse tipo de explicação é possível ao assinalarmos no meio social interno o motor principal da evolução coletiva. A Sociologia, portanto, não é igual a nenhuma outra ciência; ela própria é uma ciência distinta e autônoma, e o sentimento da especificidade da realidade social é inclusive tão necessário ao sociólogo que somente uma cultura especificamente sociológica é capaz de prepará-lo para a compreensão dos fatos sociais. Consideramos que esse progresso é o mais importante dos que restam a ser feitos em Sociologia. Certamente, quando uma ciência está por nascer, somos obrigados, para formá-la, a nos referir aos únicos modelos existentes, ou seja, às ciências já constituídas. Existe aí um tesouro de experiências prontas que seria insensato não aproveitar. Entretanto, uma ciência só pode considerar-se definitivamente constituída quando conseguir formar uma personalidade independente. Pois ela só terá razão de ser se tiver por objeto uma ordem de fatos que as outras ciências não estudam. Ora, é impossível que as mesmas noções possam convir identicamente a coisas de natureza diferente. Tais nos parecem ser os princípios do método sociológico. Esse conjunto de regras talvez parecerá inutilmente complicado se o compararmos aos procedimentos correntemente utilizados. Todo esse aparato de precauções pode parecer muito trabalhoso para uma ciência que, até aqui, reclamava dos que a ela se consagravam pouco mais do que uma cultura geral e filosófica, e é certo que pôr em prática tal método não poderia ter por efeito vulgarizar a curiosidade das coisas sociológicas. Quando se pede às pessoas, como condição de iniciação prévia, para se desfazerem dos conceitos que têm e do hábito de aplicar a uma ordem de coisas para repensá-las com novos esforços, não se pode esperar recrutar uma clientela numerosa. Mas esse não é o objetivo que almejamos. Acreditamos, ao Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico (CCDD) 20 contrário, que chegou, para a Sociologia, o momento de renunciar aos sucessos mundanos, por assim dizer, e de assumir o caráter esotérico que convém a toda ciência. Ela ganhará assim em dignidade e em autoridade o que perderá talvez em popularidade. Pois, enquanto permanecer misturada às lutas dos partidos e se contentar em elaborar, com mais lógica do que o vulgo, as ideias comuns e, por conseguinte, enquanto não supuser nenhuma competência especial, ela não estará habilitada a falar suficientemente alto para fazer calar as paixões e os preconceitos. Seguramente, ainda está distante o tempo em que ela poderá desempenhar esse papel com eficácia; no entanto, é para torná-la capaz de representá-lo um dia que precisamos, desde agora, trabalhar. Referências COSTA, C. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 3ª ed. ampliada e revista. São Paulo: Moderna, 2005. LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Sociologia geral. São Paulo: Atlas, 1999. PAIXÃO, A. E. da. Sociologia geral. Curitiba: Ibpex, 2010. (Série Fundamentos da Sociologia).
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