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1 UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ RAQUEL NOGUE COSTA O PAPEL CONTRAMAJORITÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Taubaté 2016 2 RESUMO O trabalho se inicia trazendo a evolução histórica da norma jurídica, com enfoque nas constituições advindas da Magna Charta Libertatum (Carta Magna) criada na Inglaterra em 1215 para limitar os poderes do rei João e passando para a evolução do controle constitucional não só do Estado brasileiro, que partiu de colônia e evoluiu até chegar ao modelo atual de República Federativa do Brasil constituída por um Estado Democrático de Direito, como dos países influenciadores do controle constitucional. A evolução abordada então é a do controle de constitucionalidade que inicialmente existia apenas no modelo “americano” (difusoincidental) e com o passar do tempo passou a existir também o modelo “austríaco” (concentrado-principal). Observa-se então que o controle de constitucionalidade no Brasil acontece como um modelo “híbrido”, ou seja, une o modelo norte-americano e austríaco, para chegar nesse assunto uma breve explicação do desenvolvimento desse controle que sequer existia nas primeiras constituições brasileiras. A seguir o trabalho explica o funcionamento do Supremo Tribunal Federal e suas funções, chegando ao controle constitucional e o princípio majoritário apesar de ser um dos princípios fundamentais de um regime democrático é abordado sob a luz de suas limitações para que o “governo da maioria” não seja distorcido. É em meio a este conflito aparente de ideias e princípios que a questão central do trabalho é debatida uma vez que o Poder Judiciário no Brasil apesar de não ser eleito pelos votos da maioria faz uso do princípio contramajoritário para realizar o controle judicial de constitucionalidade e assegurar o respeito à Supremacia da Constituição, aos direitos fundamentais e a soberania popular. 3 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 4 2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E SUA EVOLUÇÃO .......... 5 2.1 Controle de Constitucionalidade no Brasil .................................................... 6 2.2 O Supremo Tribunal Federal e o Controle Constitucional .......................... 8 3 PRINCÍPIO MAJORITÁRIO E DEMOCRACIA ........................................ 11 3.1 O Princípio Contramajoritário na Jurisdição Constitucional ................... 12 3.2 Atuação do STF com uso do Poder Contramajoritário .............................. 16 4 CONCLUSÃO .................................................................................................... 18 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 19 4 1 INTRODUÇÃO O sistema de normas jurídicas, o direito, possui uma ordem hierárquica, com níveis que devem se conectar respeitando as dependências de validação para ser um sistema realmente funcional, é a norma fundamental quem vai liderar e validar o sistema, além de trazer unidade a ele. A Constituição é a norma fundamental, assim, todas as demais normas devem estar de pleno acordo com ela para ser legítima para todo o sistema jurídico. A Carta Magna se encontra no topo da estrutura inclusive com a previsão de toda a organização dos órgãos subordinados a ela. Nela situa-se toda a divisão do país, em estados, municípios, declarando suas funções e suas autoridades. 5 2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E SUA EVOLUÇÃO Primeiramente é preciso observar a origem do controle da constitucionalidade de maneira geral, observando sua evolução em toda história do Direito desde a antiguidade clássica onde se deu o inicio desse processo. Em Atenas era possível encontrar os nómois e o pséfisma, explicado por Dirley da Cunha Júnior (2010, p.63): [...] Em linguagem moderna, devemos reconhecer que os nómoi representavam as leis constitucionais da época, não só porque dispunham sobre a organização do Estado, mas também porque só podiam ser alterados por procedimentos especiais. Já o pséfisma apresentava-se como uma lei ordinária que, qualquer que fosse seu conteúdo, devia conformar-se, formal e materialmente, com os nómoi. O descompasso entre o pséfisma e os nómoi era resolvido em favor destes, em face de sua reconhecida superioridade. Tanto era assim, que os juízes atenienses, embora obrigados a julgar segundo os nómoi e segundo o pséfisma, não eram, contudo, obrigados a julgar segundo o pséfisma, quando este fosse contrário aos nómoi. (grifado no original). Os nómois eram como as atuais Constituições que possuem soberania sobre as leis, no caso os nómois também tinham soberania sobre o pséfisma. Se observarmos os controles mais contemporâneos, controles que servem como base até hoje, têm-se o sistema norte-americano e europeu, cada qual com suas particularidades, ambos adotados no sistema brasileiro, que é misto. O primeiro sistema a ser estruturado foi o norte-americano, grande contribuinte para o desenvolvimento do constitucionalismo. Por razões políticas os estado Unidos decidiram, através do poder Judiciário, fiscalizar a constitucionalidade de suas leis e demais normas jurídicas, dando poder para esse órgão de declarar nulas írritas normas e ações contrárias a Constituição, fazendo isso de maneira teórica. Este modelo atualmente é adotado por diversos países, incluindo Brasil e Canadá. Nos Estados Unidos esta competência é exercida de forma difusa, portanto qualquer órgão jurisdicional, qualquer juiz ou tribunal realizar a fiscalização constitucional. A Suprema Corte, como órgão cúpula do Judiciário americano, em virtude do princípio do 6 stare decisis desempenha o papel decisivo dando a última e definitiva palavra na decisão das questões de inconstitucionalidade. Para chegar nesse sistema de controle à supremacia do Parlamento na Inglaterra foi a grande influenciadora, onde o Parlamento representava a maior expressão da vontade popular. Essa supremacia do Parlamento veio com os novos pensamentos da revolução Gloriosa, de 1688, com a Declaração de Direitos, institucionalizando esta supremacia, em 1689. A partir daí o Parlamento tinha poder para modificar qualquer lei. O novo modelo derrubava a força da common law, que anteriormente era o poder proeminente. O sistema europeu, ou austríaco, de fiscalização da constitucionalidade teve grande influencia do sistema norte-americano, juntamente com as ideia de Hans Kelsen, que concordava com o controle judicial e a necessidade de sua existência para a garantia da funcionalidade da Constituição, porém, acreditava que conceder aos juízes esse poder de controle seria dar muito poder aos magistrados. Portanto defendia a ideia da existência de um órgão próprio para o controle de constitucionalidade, um órgão autônomo: Um Tribunal Constitucional, sem envolvimento com quaisquer dos três poderes, semelhante ao Ministério Público, órgãos autônomos e previstos pela Constituição. Este Tribunal, composto por representantes da sociedade, anulariam leis inconstitucionais limitando-se a essa função de análise de compatibilidade de normas. 2.1 Controle de Constitucionalidade no Brasil O Brasil, atualmente, segue o modelo de República Federativa do Brasil, constituída por um Estado Democrático de Direito. Desde a primeira ConstituiçãoBrasileira há uma evolução em relação ao controle da mesma, a primeira Constituição não trazia previsão de controle judicial de constitucionalidade. Foi a Constituição de 1946 quem instituiu pela primeira vez um controle de constitucionalidade, optando por um sistema híbrido, uma união do sistema norte-americano e austríaco. O sistema misto, ou híbrido continua em vigência no Brasil, onde o controle é exercido pelos integrantes do Poder Judiciário, assim, a verificação da adequação vertical, 7 da correspondência entre atos legislativos e a Constituição é feita pelos juízes e tribunais. O controle realizado pode ser preventivo (ou prévio) e repressivo (ou posterior). Realizado pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o controle preventivo controla os projetos de lei, impedindo determinados dispositivos normativos de adentrar o ordenamento jurídico. O Poder Executivo exerce tal controle através de veto político ou jurídico, já o Poder Legislativo o faz por meio das comissões de constituição e justiça e plenários. O Poder Judiciário funciona somente mediante provocação, inclusive nos casos de inconstitucionalidade, portanto só pode interferir nos projetos de lei através de mandado de segurança de um parlamentar contra sua respectiva casa nos casos em que tais projetos de lei estiverem tramitando e forem manifestamente inconstitucionais. Ou seja, é preciso que o Poder Executivo provoque o Poder Judiciário através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que o isente de cumprir a norma. O controle repressivo funciona para leis já ingressadas no ordenamento jurídico, porém, são inconstitucionais. Em regra, nesses casos, deve o Poder Judiciário se responsabilizar pelo controle. O Poder Legislativo só agirá no caso das Medidas Provisórias que não possuem controle preventivo ou quando este puder retirar do ordenamento decretos executivos que excedam os projetos de lei. Tendo sua origem no direito norte-americano, o controle difuso permite que qualquer juiz brasileiro realize o controle de constitucionalidade em questões secundárias. O Supremo Tribunal Federal faz parte do Poder Judiciário brasileiro e não possui a função exclusiva de interpretar a Constituição e determinar como ela deve ser aplicada, mas é considerado o guardião da Constituição e suas decisões vinculam os demais juízes e tribunais. No Brasil além do Supremo Tribunal Federal que faz o controle de constitucionalidade das leis federais e estaduais que violem a Constituição Federal, cabe aos Tribunais de Justiça dos Estados realizarem o controle concentrado de constitucionalidade sobre as leis estaduais e municipais frente as suas respectivas Constituições estaduais. O julgamento no controle concentrado opera efeitos contra todos (erga omnes) e tem efeito ex tunc. Este tipo de controle também possui efeito ambivalente. As vias que permitem suscitar o controle concentrado de constitucionalidade são: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADI por omissão), Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva (ADI interventiva), Ação 8 Declaratória de Constitucionalidade (ADECON) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). É possível perceber então quão importante é o Poder Judiciário na tomada de decisões do país, que tem o Supremo Tribunal Federal como órgão direcionador e o Conselho Nacional de Justiça como órgão controlador das ações dos tribunais administrativa e financeiramente. 2.2 O Supremo Tribunal Federal e o Controle Constitucional Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual; a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente ; c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999) [...] 9 o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal; [...] Parágrafo único. A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. § 1º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93) § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. (Incluído em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93) § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). (Artigo 102 da Constituição Federal de 1988) A Constituição Federal, com seu artigo 102, traz todas as competências do Supremo Tribunal Federal, como declarar lei inconstitucional, processar e julgar conflitos entre Tribunais, entre outras diversas atitudes, estas são realizadas por onze Ministros. 10 O Supremo Tribunal Federal exerce poder para invalidar atos dos outros Poderes em nome da Constituição e também pode exercer papel representativo, atendendo as demandas sociais que ficam paralisadas no Congresso. 11 3 PRINCÍPIO MAJORITÁRIO E DEMOCRACRIA Democracia, em regra, é a soberania do povo em relação ao governo, no caso do Brasil a democracia é exercida pelo sistema político onde os cidadãos em eleições periódicas de quatro em quatro anos elegem seus dirigentes. Locke caracterizava o Poder Legislativo, definindo a democracia representativa vinculada ao poder dos representantes eleitos pelo povo:Se o legislativo ou qualquer parte dele compõe-se de representantes escolhidos pelo povo para esse período, os quais voltam depois para o estado ordinário de súditos e só podendo tomar parte no legislativo mediante nova escolha, este poder de escolher também será exercido pelo povo (1973, p. 101). A visão de Locke se assemelha com a democracia vigente no Brasil e em outras partes do mundo, Rousseau, o “pai da democracia”, tinha uma visão diferente, acreditando apenas na democracia direta. Considerando que todos precisam estar em condições de igualdade para haver democracia, nenhum ser humano poderá ser autoridade diante dos demais e as convenções, criadas por todos, são a base de toda autoridade legítima. O interesse de um representante sempre é privado e não poderá expressar o que os outros têm a dizer. Rousseau refere-se à representatividade como uma idéia absurda, originária da sociedade civil corrompida, não podendo haver democracia se essa não for direta e as leis que não forem ratificadas pelo próprio povo são consideradas nulas. E, para construir uma sociedade de liberdade e igualdade, é imprescindível a democracia direta. (Rousseau) É o “governo da maioria” que fundamenta o princípio majoritário, a Constituição vigente declara de maneira explícita que o poder pertence ao povo e este poder é delegado aos legisladores que são representantes do povo eleitos, em regra, pelo voto da maioria. 12 O Princípio Majoritário desempenha importante papel decisivo, respeitando os direitos fundamentais, como a prática legítima da liberdade de expressão, sob pena de comprometimento material de democracia constitucional. 3.1 O Princípio Contramajoritário na jurisdição constitucional O Papel contramajoritário é exercido pelo Supremo Tribunal Federal para invalidar atos dos outros Poderes em nome da Constituição. O S.T.F. também pode exercer papel representativo, atendendo as demandas sociais que ficam paralisadas no Congresso. O Princípio do poder contramajoritário, apesar de parecer uma controvérsia, apoia o poder majoritário, que é um dos princípios fundamentais do regime democrático, a vontade da maioria. Uma democracia deve valorizar o interesse geral e sempre pautar-se nos valores da igualdade e da liberdade para que tanto a maioria como as minorias tenham seus direitos fundamentais assegurados, é para o sustento dessa igualdade que surgiu o poder contramajoritário, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, pois se observar que uma maioria parlamentar ocasional pode ser na verdade uma minoria dominante não há democracia plena. O Estado Democrático de Direito está fundado no respeito ao regime democrático e na garantia dos direitos fundamentais que constituem uma conquista histórica do povo. A jurisdição ou justiça constitucional é o mecanismo utilizado para proteger a Lei Fundamental de um Estado e conter a política majoritária. Portanto o poder contramajoritário exerce papel fundamental para garantir que as minoras tenham seus direitos e privilégios intactos e não corrompidos por leis que não os resguardam como deveriam. O Supremo Tribunal Federal (STF) observou não só o disposto na Constituição de 1988, como também o previsto nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, utilizando com expresso poder contramajoritário, atuando na proteção das minorias contra imposições discriminatórias e contraditórias das maiorias. 13 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em várias passagens de seu texto, consagra proteção às minorias: Artigo I. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo II. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. [...] Artigo VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. [...] Artigo XII. Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. O Poder Judiciário tem papel relevante no sistema político brasileira, e esse papel vem tendendo a aumentar, principalmente tratando-se do Supremo Tribunal Federal. O tema é controverso, portanto não há um único posicionamento a respeito, é necessário analisar o sentido no qual se é feita a análise. O caso mais comentado da ação do poder contramajoritário é o da união estável homoafetiva, o Supremo foi chamado a decidir, em sede de controle abstrato de constitucionalidade um fato social que deixou de ser observado na previsão legal que trata o reconhecimento das uniões estáveis. O texto legal, ao prever o reconhecimento como entidade familiar, a união contínua, pública e duradoura entre o homem e a mulher, não se manifesta quanto ao reconhecimento das uniões estáveis formadas por casais de gênero igual. Não há um amparo legal para os casais homoafetivos, é negado a eles um direito constitucional de todos, pois todos são iguais perante a lei, a orientação sexual também deve ser vista com igualdade. Cabe então ao Supremo Tribunal federal exercer seu papel 14 contramajoritário, tomando decisões contrárias àquelas decididas pelos poderes representativos, ou mesmo suprindo lacunas deixadas por eles, para que todos possam ter os seus direitos fundamentais respeitados e realizados. Desta maneira chega-se mais perto da representatividade e vontade da maioria na legislação do país, oportunizando que um maior número de cidadãos tenham seus direitos e garantias efetivados. Sendo assim, cabe ao Supremo Tribunal Federal incorporar o seu papel contramajoritário, ou seja, tomando decisões contrárias àquelas decididas pelos poderes representativos, ou mesmo suprindo lacunas deixadas por eles, para que determinadas lutas indenitárias possam ter os seus direitos fundamentais respeitados e realizados, para que, desta forma, se consiga uma proximidade não com a vontade da maioria, mas sim com a possibilidade de um maior número de cidadãos terem seus direitos e garantias efetivados. Lenio Luiz Streck, jurista brasileiro e atualmente professor dos cursos de pós-graduação em direito da Universidade do vale do Rios dos Sinos e advogado e de 2 de setembro de 1986 até 31 de maio de 2014 membro do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul tem sua tese para o assunto: A regra contramajoritária, desse modo, vai além do estabelecimento de limites formais às assim denominadas maiorias eventuais; de fato, ela representa a materialidade do núcleo político- essencial da Constituição, representado pelo compromisso – no caso brasileiro, tal questão está claramente explicitada no art. 3° da Constituição – do resgate das promessas da modernidade, que apontará, ao mesmo tempo, para as vinculações positivas (concretização dos direitos prestacionais) e para as vinculações negativas (proibição de retrocesso social), até porque cada norma constitucional possui diversos âmbitos eficaciais (uma norma pode ser, ao mesmo tempo, programática no sentido clássico, de eficácia plena no sentido prestacional ou servir como garantia para garantiro cidadão contra os excessos do Estado). Por isto, o alerta que bem representa o paradoxo que é a Constituição: uma vontade popular majoritária permanente, sem freios contramajoritários, equivale à volonté générale, a vontade geral absoluta propugnada por Rosseau, que se revelaria, na verdade, em uma ditadura permanente. Não há dúvida, pois, que o Estado Constitucional representa uma fórmula de 15 Estado de Direito, talvez a sua mais cabal realização, pois se a essência do Estado de Direito é a submissão do poder ao Direito, somente quando existe uma verdadeira Constituição esta submissão compreende também a submissão do Poder Legislativo [...] (grifado no original). Lenio Luiz Streck (2009, p. 19 e 20) O controle judicial de constitucionalidade é uma forma de limitação do Poder Legislativo, pois nenhum Poder estatal é soberano e todos estão sujeitos a algum tipo de controle para que não violem a Lei Maior. Marinoni (2011, p. 448), ensina que “a legitimação da jurisdição não pode ser alcançada apenas pelo procedimento em contraditório e adequado direito material, sendo imprescindível pensar em uma legitimação pelo conteúdo da decisão” e defende (2011, p. 456) ser necessário uma decisão pautada em “critérios objetivadores da identificação do conteúdo do direito fundamental e que se ampare em uma argumentação racional capaz de convencer”. Outro argumento para legitimar a atuação contramajoritária do Poder Judiciário consiste na necessidade de que as crises de representatividade e de legalidade estabelecidas pela atuação dos Poderes Legislativo e Executivo sejam solucionadas não permitindo que princípios como o da supremacia da Constituição e o da soberania popular continuem a ser ignorados pelos membros de tais Poderes. Luiz Guilherme Marinoni (2011, p. 442) ainda ensina que: O debate em torno da legitimidade da jurisdição constitucional, ou melhor, a respeito da legitimidade do controle da constitucionalidade da lei, funda-se basicamente no problema da legitimidade do juiz para controlar a decisão da maioria parlamentar. Isso porque a lei encontra respaldo na vontade popular que elegeu o seu elaborador – isto é, na técnica representativa. Por outro lado os juízes, como é sabido, não são eleitos pelo povo, embora somente possam ser investidos no poder jurisdicional através do procedimento traçado na magistratura de 1.° grau de jurisdição – de lado outros critérios e requisitos para o ingresso, por exemplo no Supremo Tribunal Federal. As leis ou os atos normativos contrários a Constituição não podem ser mantidos somente por força do princípio majoritário. A atuação contramajoritária do Poder Judiciário, segundo Estefânia Maria de Queiroz Barboza (s.d.), se justifica pelo maior 16 preparo dos tribunais em relação aos membros dos demais Poderes para tratar de direitos fundamentais, além de serem imparciais por não estarem sujeitos a pressão de “grupos politicamente poderosos”. O Poder Judiciário zela pelo respeito à supremacia da Constituição e quando o uso abusivo do princípio majoritário viola tal supremacia, se faz necessária uma atuação contramajoritária por meio do controle judicial de constitucionalidade. 3.2 Atuação do STF com uso do Poder Contramajoritário O Supremo Tribunal Federal julgou a Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento do Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável dos casais homoafetivos. O julgamento começou na tarde de ontem (4), quando o relator das ações, ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o 17 reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Na sessão de quarta-feira, antes do relator, falaram os autores das duas ações – o procurador-geral da República e o governador do Estado do Rio de Janeiro, por meio de seu representante –, o advogado-geral da União e advogados de diversas entidades, admitidas como amici curiae (amigos da Corte). Redação de: http://www.stf.jus.br/ (Supremo reconhece união homoafetiva, 05 de maio de 2011). 18 4 CONCLUSÃO É fundamental para um Estado Democrático de Direito como o Brasil que a vontade da maioria seja uma garantia para toda a população, porém, não podem existir parcelas dela sendo prejudicadas na lei. É importante olhar para o § 3º do artigo 5º da Constituição Federal que prevê a possibilidade dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos serem equivalentes às emendas constitucionais, desde que aprovados nos termos do referido parágrafo e também para todos os direitos e deveres dos cidadãos nela contidos. A tendência atual é exatamente a valorização dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição Federal é a Lei Suprema do Brasil que adota um regime democrático fundamentado na soberania popular e voltado para a defesa dos direitos fundamentais. É importante estudar o sistema judicial e sua atuação na contenção dos demais poderes e na proteção da Constituição, que é a Carta Magna do país. O princípio contramajoritário é uma proteção da própria democracia e da própria constituição, pois garante os direitos fundamentais, sem ferir os princípios majoritários nem caracterizar abuso de poder por parte do Poder Judiciário. Mesmo assim, é importante ter em mente que o Supremo Tribunal Federal não deve desdenhar da constituição e sim garantir que ela continue atual na proteção de seus cidadãos. Entretanto, é preciso cuidado para que o poder contramajoritário seja apenas uma maneira de reconstituir os direitos da minoria e não uma maneira do judiciário de “atropelar” a lei suprema do país, que é a Constituição. 19 REFERÊNCIAS FERREIRA, Renato. 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