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FORMAÇÃO DA PASTAGEM Primeiro passo para a sustentabilidade Antônio Ricardo Evangelista1 Josiane Aparecida de Lima2 1. Professor Titular DZO/UFLA. Bolsista do CNPq. aricardo@ufla.br. 2. Pesquisadora UFLA/CNPq. jlima@ufla.br. I - Introdução Ao longo da história, mais especialmente no último século, o homem vem ocupando áreas cada vez maiores do planeta, com suas atividades agropecuárias, cidades e obras de todos os tipos. Conforme Oldeman e Lynden (1998), aproximadamente 13% do continente encontram-se degradados, sendo cinco as principais causas para a degradação: o desmatamento, o manejo inadequado da agricultura, o superpastejo, a superexploração da vegetação para combustível e a atividade industrial. O setor agropecuário é associado ao estabelecimento de níveis expressivos de degradação do meio ambiente (Figura 1), e os prejuízos ambientais que incluem perda de solo por erosão, redução da disponibilidade de água, assoreamento de cursos d'água e perda da biodiversidade vegetal e ambiental são muito preocupantes. A globalização da economia, com conseqüente abertura internacional dos mercados, está induzindo a agropecuária a níveis de eficiência, de competitividade e de utilização dos recursos naturais nunca antes experimentado. A derrubada de matas seguida de queima e plantio para estabelecimento de cultura ou pastagem, constitui-se numa substituição de sistemas biológicos complexos, multiestruturados, extremamente diversificados e estáveis (Paschoal, 1987), por sistema simples, aberto, florísticamente pobre e com limites bem definidos e totalmente incapaz de se auto-sustentar, dependendo, a sua sustentabilidade, do respeito do homem pelo ambiente que gera seus alimentos e seus lucros. Portanto, a partir do momento que o homem efetua o desmatamento, há um desequilíbrio no meio e, como em geral, o manejo adotado à exploração do solo não é o mais adequado, as conseqüências têm sido severamente drásticas. No desenvolvimento agrícola, costuma-se dar prioridade ao aumento da produção, mas há um limite máximo para exploração dos ecossistemas. Se esse limite é ultrapassado, o ecossistema vai degradar-se e pode entrar em colapso, reduzindo-se o número de pessoas que podem sobreviver com base nos recursos restantes. Nesse sentido, deve-se reconhecer que, em longo prazo, qualquer produção econômica baseada no uso dos recursos naturais - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem2 será insustentável, se estiver degradando o ecossistema. Assim, o homem deve explorar os recursos naturais utilizando técnicas adequadas à manutenção do solo, água, vegetação e animais. A produção e o consumo devem ser equilibrados em um nível ecologicamente sustentável. Ainda que a sustentabilidade deva ser vista como um conceito dinâmico que permite suprir as necessidades de uma população crescente, os princípios ecológicos básicos nos levam a reconhecer que a produtividade agrícola é finita e encontra limites. A pesquisa, sensível a essa situação, está cada vez mais atenta na redefinição de esforços para geração de suporte tecnológico, buscando sustentabilidade à produção agropecuária, à conservação dos recursos naturais e à melhoria da qualidade de vida da população. No texto seguinte, procurar-se-á conscientizar o leitor quanto a algumas práticas tecnológicas básicas para a sustentabilidade da pastagem, a partir de sua formação, uma vez que o conceito de sustentabilidade da pastagem deve ser entendido como a manutenção, ao longo do tempo, do vigor e da produtividade, sendo essa capaz de sustentar economicamente os níveis de produção e de qualidade forrageira exigidos pelos animais. Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 3 ÁREA DEGRADADA INTERFERÊNCIA HUMANA NATURAL (FORMAÇÃO DO SOLO) ÁREAS AGRÍCOLAS ÁREAS URBANAS -poluição -compactação -erosão ÁREAS INDUSTRIAIS -poluição do solo -contaminação do solo -chuva ácida RÁPIDA FÍSICA Compactação Selamento Suprficial Impermeabilização Impedimento aAeração Escoamento Superficial Erosão QUÍMICA Acidificação, Esgotamento ou Desequilíbrio dos Nutrientes, Exaustão da Fertilidade, Alcalinização, Salinização. BIOLÓGICA Redução na Biodiversidade do Solo Decréscimo na Biomassa FÍSICA Imtemperismo Físico QUÍMICA Laterização entre outras reações BIOLÓGICA Declínio da biodiversida de do solo LENTA Figura 1 - Diagrama dos mecanismos de degradação. Fonte: Dados básicos: Lal (1998). O tema é complexo e, sem a pretensão de esgotá-lo, objetiva-se, além de discutir alguns subsídios técnicos necessários para a sustentabilidade das pastagens, alertar quanto à necessidade de preservação dos recursos naturais; pois somente tendo como suporte o 'respeito pelo meio ambiente' será possível obter a sustentabilidade do sistema de produção no decorrer do tempo. Assim, o conceito de sustentabilidade das pastagens deve passar, obrigatoriamente, pelo reconhecimento, compreensão e aceitação do fato de que existe a necessidade urgente da preservação dos recursos naturais. A formação da pastagem, assim idealizada, com base no respeito aos recursos naturais e conscientização de que as gerações futuras necessitarão desses - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem4 mesmos recursos para sobreviverem, permitirá a produção de quantidade elevada de forragem, com bom valor nutricional, sem comprometer a sustentabilidade do sistema como um todo. II - Alguns fatores que devem ser observados para garantir a sustentabilidade das pastagens a partir de sua formação 1 - Germoplasma forrageiro A escolha da espécie forrageira não é uma prática simples, uma vez que o estabelecimento e a longevidade das pastagens dependem de interações que ocorrem entre plantas, clima e solo; não podendo esquecer também a condição socioeconômica do produtor. Assim, a escolha da espécie forrageira deve ser realizada tendo como suporte os fatores climáticos, edáficos, ecológicos e, também, socioeconômicos. É importante ressaltar que, para cada tipo de clima e solo, existem espécies ou cultivares mais indicadas. Algumas pastagens não se mantêm por muito tempo, pelo fato de terem sido formadas com espécies forrageiras não- adaptadas às condições de clima e solo ou com espécies de hábito de crescimento inadequado à topografia da área, ou ainda, a utilização inadequada ao hábito de crescimento da espécie. Por exemplo, pastagem formada por espécies de alta exigência nutricional em solos ácidos e de baixa fertilidade, ou com forrageiras de hábito de crescimento cespitoso em áreas de declividade acentuada, certamente está fadada ao fracasso, pois não se manterá produtiva por muito tempo. Em função das características de cada ecossistema, a escolha da melhor espécie forrageira visando à formação de uma pastagem sustentável deve ser precedida de um diagnóstico que atenda às peculiaridades ambientais quanto ao clima, solo e topografia. Para tal, deve-se avaliar: a) Histórico da área Devem-se registrar o início da utilização da área, espécie em uso, nível de tecnologia utilizado, produtividade obtida em anos anteriores, predominância de invasoras e, ou espécies forrageiras, seu potencial de sementes no solo, sua persistência e agressividade e o potencial de pragas e doenças existentes na área. b) Clima Os componentes do clima, tais como temperatura, precipitação, evaporação e radiação solar são determinantes do potencial de Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 5 estabelecimento, produção e qualidade das espécies forrageiras. Portanto, na escolha da espécie, deve-se considerar a precipitação e sua distribuição anual, temperaturas máxima e mínima, possibilidade de geadas, fotoperíodo, entre outros. A água e a temperatura são fatores condicionantes para a ocorrênciae, ou sobrevivência de espécies em cada região. Embora a deficiência hídrica possa ser contornada em pequena escala, essa prática, na maioria das vezes, é economicamente inadequada por causa das grandes extensões das áreas de pastagens. Por outro lado, a temperatura exerce uma influência decisiva sobre as plantas, estabelecendo critérios até de exclusão de espécies forrageiras em um dado ecossistema. Assim, a ocorrência de ciclos estacionais de produção, em função das características térmicas e hídricas de cada região, leva à opção por espécies mais adaptadas às condições locais. Na Tabela 1 pode-se observar a adaptação de algumas espécies forrageiras a determinadas condições climáticas. Tabela 1 - Adaptação de algumas espécies forrageiras a determinadas condições climáticas Tolerância à Espécie forrageira Seca Geada Inundação Precipitação (mm) Andropogon gayanus Boa Razoável Fraca 400 Brachiaria decumbens Razoável Fraca Razoável 1000 Brachiaria humidicola Fraca Razoável Razoável 1000 Brachiaria ruziziensis Fraca Fraca Fraca 1200 Brachiaria mutica Razoável Fraca Muito boa 1200 Cenchrus ciliaris Muito boa Razoável Fraca 350 Chloris gayana Boa Razoável Razoável 650 Cynodon nlemfuensis Razoável - Muito boa - Melinis minutiflora Razoável Fraca Fraca 1000 Panicum maximum (Colonião) Razoável Fraca Fraca 1000 Panicum maximum (Makueni) Boa Fraca Fraca 750 Pennisetum purpureum Fraca Fraca Fraca 1000 Setaria sphacelata Boa Boa Boa 750 Fonte: Carvalho e Cruz Filho (1985). c) Solo O solo impõe limitações ao crescimento das forrageiras, dependendo da sua capacidade de suprir nutrientes, água e oxigênio em quantidades suficientes para atender ao potencial de estabelecimento e produção da planta possibilitado pelo clima. - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem6 Todo solo apresenta uma potencialidade de uso, variável em função dos seus atributos edafoclimáticos, exigindo maiores ou menores cuidados na sua utilização. Quando essa potencialidade é superada, tanto pelo tipo de exploração quanto pela forma de manejo, o ambiente passa a apresentar sinais característicos de degradação, como deficiências nutricionais das forrageiras, maiores riscos de perdas por ventos climáticos, erosão acelerada, com conseqüente comprometimento da qualidade da água dos mananciais superficiais. Portanto, na escolha da espécie forrageira, devem-se considerar a topografia e susceptibilidade à erosão, deficiência ou excesso de água, impedimentos físicos-químicos, nível de fertilidade, profundidade e textura do solo. A variabilidade temporal e espacial dos atributos físicos do solo representa, segundo Silva et al. (1997), um grande obstáculo na quantificação da relação entre a qualidade física do solo e a produtividade das culturas. Outra dificuldade, conforme os mesmos autores, refere-se ao fato de que vários atributos físicos do solo variam mutuamente e citam o exemplo que a variação do teor de água no solo afeta o potencial matricial, a aeração do solo, a resistência do solo à penetração de raízes, a estabilidade dos agregados e a condutividade hidráulica. Os atributos físicos do solo, relacionados com a produtividade das culturas, são divididos por Silva et al. (1997) em duas categorias: a) Atributos diretamente relacionados com o desenvolvimento das plantas: água; oxigênio; resistência mecânica e temperatura. b) Atributos indiretamente relacionados com o desenvolvimento das plantas: textura do solo; densidade do solo; agregação e porosidade. Contrariamente ao clima, o solo possui muitas características passíveis de modificações. Do ponto de vista agronômico, as características químicas são relativamente fáceis de serem modificadas. Assim, na propriedade agrícola, pode-se identificar o tipo de solo e suas características químicas e físicas. Por meio dessas, quando associadas às exigências de cada espécie forrageira, pode-se concluir sobre a viabilidade ou não de cultivo em cada local. Conforme Verdade (1974) é importante definir a capacidade de uso dos solos Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 7 de modo a compatibilizar suas aptidões com vistas à sustentabilidade da produção. Nas Tabelas 2 a 7 podem ser observadas importantes características de algumas espécies que devem ser analisadas na escolha da forrageira a ser implantada. Uma vez escolhida a espécie, com base no diagnóstico pré- estabelecido, o passo seguinte é realizar uma boa formação da pastagem e essa inicia-se com a qualidade das sementes. Tabela 2 - Exigência mínima ou tolerância de algumas espécies forrageiras em relação à declividade do solo Planos a suavemente ondulados Ondulados a fortemente ondulados Fortemente ondulados a montanhosos Panicum maximum cv. Colonião Cynodon plectostachyus Brachiaria decumbens Panicum maximum cv. Guiné Chloris gayana Brachiaria ruziziensis Panicum maximum cv. Sempre verde Brachiaria brizantha Brachiaria himidicola Pennisetum purpureum Neonotonia wightii Melinis minutiflora Hyparrhenia rufa Macroptilium atropurpureum Digitaria decumbens Panicum maximum cv. Tobiatã Galaxia striata Cynodon plectostachyus Leucaena leucocephala Pueraria phaseoloides Stylosanthes spp. Calopogonium mucunoides Setaria spp. Andropogon gayanus Fonte: Alcântara et al. (1996). Tabela 3 - Exigência mínima ou tolerância de algumas espécies forrageiras em relação à profundidade efetiva do solo Profundos Moderadamente rasos (Profundidade média) Rasos Panicum maximum cv. Colonião Hyparrhenia rufa Brachiaria humidicola Panicum maximum cv. Guiné Chloris gayana Melinis minutiflora Panicum maximum cv. Sempre verde Brachiaria decumbens Digitaria decumbens Panicum maximum cv. Tobiatã Galaxia striata Pennisetum purpureum Calopogônium mucunoides Brachiaria brizantha Cynodon plectostachyus Brachiaria ruziziensis Setaria spp. Leucaena leucocephala Neonotonia wightii Fonte: Alcântara et al. (1996). - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem8 Tabela 4 - Exigência mínima ou tolerância de algumas espécies em relação à textura do solo Argilosos Textura média Arenosos Hyparrhenia rufa Brachiaria humidicola Panicum maximum cv. Colonião Cynodon spp. Neonotonia wightii Panicum maximum cv. Tobiatã Chloris gayana Macroptilium atropurpureum Panicum maximum cv. Guiné Brachiaria humidicola Galaxia striata Panicum maximum cv. Sempre verde Neonotonia wightii Pueraria phaseoloides Brachiaria decumbens Pennisetum purpureum Calopogonium mucunoides Brachiaria brizantha Brachiaria ruziziensis Setaria (Kazungula) Setaria (Narok) Melinis minutiflora Digitaria decumbens Stylosanthes spp. Andropogon gayanus Fonte: Alcântara et al. (1996). Tabela 5 - Exigência mínima ou tolerância das espécies em relação à fertilidade do solo Férteis Medianos Fracos Panicum maximum cv. Colonião Hyparrhenia rufa Brachiaria decumbens Panicum maximum cv. Tobiatã Brachiaria brizantha Brachiaria humidicola Panicum maximum cv. Sempre verde Brachiaria ruziziensis Setaria spp. Pennisetum purpureum Galaxia striata Digitaria decumbens Cynodon spp. Panicum maximum cv.Guiné Melinis minutiflora Chloris gayana Macroptilium atropurpureum Neonotonia wightii Centrosema pubescens Leucaena leucocephala Pueraria phaseoloides Calopogonium mucunoides Andropogon gayanus Stylosanthes spp. Fonte: Alcântara et al. (1996). Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 9 Tabela 6 - Características das espécies com relação à proteção contra erosão do solo Baixa Média Alta Panicum maximum cv. Colonião Neonotonia wightii Brachiaria decumbens Panicum maximum cv. Tobiatã Macroptilium atropurpureum Brachiaria brizantha Panicum maximum cv.Guiné Galáxia striata Brachiaria ruziziensis Panicum maximum cv.Sempre verde Cynodon plectostachyus Brachiaria humidicola Pennisetum purpureum Pueraria phaseoloides Melinisminutiflora Hyparrhenia rufa Calopogonium mucunoides Digitaria decumbens Chloris gayana Setaria spp. Cynodon plectostachyus Leucaena leucocephala Andropogon gayanus Stylosanthes spp. Fonte: Alcântara et al. (1996). Tabela 7 - Tolerância relativa de algumas espécies forrageiras ao encharcamento do solo Nível de tolerância Gramíneas tropicais Leguminosas tropicais Brachiaria mutica Macroptilium lathyroides Brachiaria arrecta Desmodium heterophyllum Brachiaria humidicola Pueraria phaseoloides Brachiaria.(híbrido cv. Tangola) Desmodium intortum Bom Cynodon nlemfuensis Paspalum plicatulum Paspalum dilatatum Digitaria decumbens Setaria anceps Pennisetum clandestinum Calopogonium mucunoides Brachiaria dictioneura Centrosema pubescens Moderado Brachiaria decumbens Macrotyloma axillare Cynodon dactylon cv. Coastcross Desmodium uncinatum Cynodon dactylon cv. Tifton 85 Stylosanthes guianensis Cenchrus ciliares Chloris gayana Pennisetum purpureum cv. Pioneiro Panicum maximum cv. Guiné Brachiaria ruziziensis Macroptilium atropurpureum Brachiaria brizantha Neonotonia wightii Panicum maximum cv. Colonião, Tânzania e Mombaça Stylosanthes humilis Baixo Pennisetum purpureum Lab lab purpureus Melinis minutiflora Cajanus cajan Cynodon spp. Leucaena leucocephala Urochloa mosambicensis Saccharum officinarum Stylosanthes spp. Adaptado: Alencar (2001), Alcântara (1996), Whiteman (1980). - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem10 2 - Qualidade da semente O sucesso na formação e, conseqüentemente, na sustentabilidade da pastagem, após a escolha da espécie, é dependente da qualidade da semente. Algumas características que as sementes forrageiras devem apresentar para garantir a formação de uma pastagem sustentável são descritas a seguir: rapidez e uniformidade no estabelecimento; fácil semeadura; ausência ou pequeno número de sementes de plantas daninhas silvestres comuns; ausência total de sementes de ervas daninhas consideradas 'nocivas proibidas'; ausência de contaminação por espécies forrageiras indesejáveis; pureza varietal. Algumas vantagens na utilização de sementes de qualidade: formação uniforme da pastagem; cobertura mais rápida do solo, diminuindo os riscos de erosão; redução ou eliminação de infestação de plantas daninhas na área; utilização da pastagem em menor espaço de tempo e, conseqüentemente, sustentabilidade da pastagem a partir da formação. Infelizmente, existem pecuaristas que no momento da aquisição de sementes forrageiras fazem a escolha com base no 'preço por quilograma', sem preocupação com a qualidade do produto adquirido. Nesse contexto, vale lembrar que nem sempre a qualidade da semente está associada ao preço alto, e também que o mais barato pode sair muito caro. Muitas vezes, tenta-se economizar, adquirindo-se sementes de alta germinação, mas com elevada quantidade de impureza. Procedendo-se assim, pode-se introduzir na área plantas daninhas ou espécies que não se deseja implantar; por exemplo, ao formar pastagem de Brachiaria brizantha, pode-se comprar sementes com impurezas e introduzir Brachiaria decumbens. Conforme a fertilidade do solo e o manejo adotado, em pouco tempo a área será totalmente tomada pela Brachiaria decumbens, pois em virtude da 'economia' no momento da aquisição das sementes, a pastagem de Brachiaria brizantha não será sustentável e desaparecerá em pouco tempo. Conforme Souza (1993), o valor cultural é um dos parâmetros no qual o produtor deve se basear no momento da aquisição de sementes forrageiras, mas não deve ser o único. Esse autor explicita a seguinte situação: considere dois lotes de sementes, um apresentando 20% de germinação e 80% de Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 11 sementes puras, e, outro, com 80% de germinação e 20% de pureza. Ambos os lotes apresentam valor cultural idêntico, ou seja, 16%. Porém, um lote de sementes com apenas 20% de germinação é de pouco valor para semeadura; ao passo que um lote com 80% de germinação, desde que as impurezas nele contidas não dificultem a semeadura, apresenta potencial muito superior de sucesso na formação da pastagem. Portanto, entre dois lotes de sementes com mesmo valor cultural, o lote que apresentar maior porcentagem de germinação é a opção mais indicada. Outro passo importante é ficar atento aos dados relativos à população de plantas por metro quadrado. Quando se tratar de espécies forrageiras cujas sementes são de tamanho relativamente grande, por exemplo, Brachiaria brizantha, Brachiaria decumbens, Brachiaria ruziziensis etc, cerca de 20 plântulas por metro quadrado é uma quantidade suficiente para assegurar a formação de uma pastagem homogênea. Por outro lado, espécies forrageiras que têm sementes menores, tais como Andropogon gayanus, Brachiaria humidicola, Panicum maximum (Tanzânia, Tobiatã, Colonião), Setaria, etc, cujas plântulas são mais frágeis ou de estabelecimento lento, para se garantir uma boa formação da pastagem são necessárias aproximadamente 50 plântulas por metro quadrado. Na Tabela 8 pode-se observar o número aproximado de sementes por grama de algumas espécies forrageiras e sugestões de taxas de semeadura. Vale lembrar que o uso de sementes sem informações da análise laboratorial pode levar ao sério risco de semear uma quantidade abaixo da ideal, pois as recomendações de densidade de semeadura não levam em conta a pureza e a germinação. As sementes devem ser adquiridas de um revendedor idôneo e, após a aquisição, devem ser mantidas, até a semeadura, em condições adequadas de armazenamento. Semente armazenada em galpão quente, sem ventilação, próximas a adubos (que causam efeito prejudicial), ou em locais com goteiras, não terão a mesma qualidade que possuíam no momento que saíram da indústria. Após a escolha da espécie adequada às condições da região e aquisição de sementes de qualidade, deve-se concentrar a atenção no preparo e conservação do solo. - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem12 Tabela 8 - Número aproximado de sementes por grama de algumas espécies forrageiras e sugestões de taxas para semeadura Espécie forrageira Número aproximado sementes/grama Taxa de semeadura (kg/ha de SPV) Andropogon gayanus 360 2,50 Brachiaria brizantha 150 2,80 Brachiaria decumbens 200 1,80 Brachiaria humidicola 270 2,50 Brachiaria ruziziensis 230 2,00 Paspalum guenoarum (Ramirez) 300 1,50 Paspalum notatum cv. Pensacola 610 1,50 Panicum maximum cv. Tanzânia 960 1,60 Panicum maximum cv. Colonião 780 1,60 Panicum maximum cv. Tobiatã 610 2,50 Setaria anceps cv. Kazungula 1.490 1,50 Cynodon sp. 1 planta/m2 Adaptado: Souza (1993). SPV - Sementes Puras Viáveis. 3 - Preparo do solo e práticas conservacionistas O solo constitui o substrato para qualquer atividade agropastoril; porém, sua qualidade é dependente do manejo ao qual é submetido. Doran e Parkin (1994) enfatizam que a qualidade do solo é a capacidade que esse tem de funcionar dentro dos limites do ecossistema, sustentando a produtividade biológica, mantendo a qualidade ambiental e promovendo a saúde vegetal e animal. Para Correia (1997), na definição de qualidade de solo, está implícita a noção de sustentabilidade e pode-se dizer que um sistema sustentável deve ser o mais parecido possível com um sistema natural, em que a interferência humana seja a mínima necessária. Porém, para a cultura, o preparo do solo deverá fornecer as condições necessárias, até uma certa profundidade, ao bom arejamento e umidade, favorecendo o desenvolvimento do sistema radicular e, conseqüentemente, levando a uma produção máxima dentro das possibilidades de clima e nutrição da planta. Portanto, o preparo do solo é a mobilização feita, visando, principalmente às seguintes condições: incorporar restos culturais; controlar plantas daninhas; eliminar camadas compactadas; incorporar herbicidas, corretivos e fertilizantes; Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 13 deixar o solo suficientemente solto e em condições adequadas para receber as sementes ou mudas da espécie forrageira que será implantada. Vale ressaltar que as ações de preparo do solo estão associadas à interferência humana e, portanto, guarda estreita correlação com processos de degradação, podendo, essa, ser dividida em três categorias (Figura 2). Do ponto de vista conservacionista, o preparo deverá manter a estrutura do solo com baixa probabilidade de desagregação e transportabilidade de suas partículas por água ou vento, aumentando a capacidade de infiltração, de modo a reduzir a enxurrada e a erosão. Dessa forma, a busca da sustentabilidade socioeconômica da exploração agrícola e a procura de uma condição de equilíbrio do sistema de produção passam pelo manejo adequado dos solos. Nesse sentido, devem-se utilizar práticas de uso e manejo que evitem a pulverização, compactação e que protejam o solo da ação erosiva das chuvas. Tais práticas devem propiciar: reter ao máximo a água da chuva; incrementar a velocidade de infiltração da água da chuva no solo; reduzir a velocidade de escorrimento da água não infiltrada; aumentar a capacidade de armazenamento de água no solo; melhorar as condições físico-químicas do solo para o bom desenvolvimento das plantas forrageiras. - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem14 DEGRADAÇÃO DO SOLO QUÍMICA FÍSICA BIOLÓGICA • Acidificação • Perda de fertilidade • Salinização • Declínio natural • Compactação • Selamento • Erosão • Perda da biodiversidade do solo • Redução da matéria orgânica Figura 2 - Diagrama de classificação de solo degradado. Fonte: Kobiyama et al. (2001). Segundo Cassel et al. (1995), a maior intensidade de preparo do solo leva à redução de cobertura, rugosidade e porosidade e ao aumento do grau de pulverização da camada superficial, favorecendo a formação de selamento, crosta e compactação subsuperficial, concorrendo para aumentar os riscos de erosão. Para minimizar os riscos de deterioração do solo, em função de mecanizações excessivas, as operações de preparo, tais como arações e gradagens, devem ser reduzidas ao mínimo. As Tabelas 9 e 10 ilustram o efeito de práticas de preparo sobre algumas características do solo. Tabela 9 - Práticas de preparo do solo e perdas por erosão Práticas Perdas do solo (t/ha) Preparo morro a baixo 26,1 Preparo em contorno 13,2 Preparo em contorno + alternância de capinas 9,8 Fonte: Marques et al. (1963). Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 15 Tabela 10 - Características físicas de um latossolo roxo após três ou sete anos de preparo com grade pesada + grade niveladora Densidade (g/cc) Estabilidade agregados (%) Profundidade (cm) Três anos Sete anos Três anos Sete anos 0-6 * * * * 6-14 1,20 1,43 78 48 14-23 1,19 1,40 79 58 23-30 1,18 1,25 78 56 *Solo desestruturado. Fonte: Denardin (1984). Os diferentes sistemas de preparo afetam distintamente o processo erosivo, em conseqüência das diferentes intensidades de movimentação que provocam no solo (Tabela 11). Por causa da movimentação e da quantidade de resíduos deixados no solo é que se tem um maior ou menor processo erosivo. E essa erosão será também conseqüência das modificações físicas causadas ao solo, e que, associada às alterações na fertilidade, irão proporcionar a não- sustentabilidade da pastagem. Pelos dados da Tabela 12 observa-se que, fazendo-se duas arações com arado de aiveca houve perdas de 14,6 t/ha de solo e de 5,7% de água da chuva por ano; com uma aração, as perdas de solo caíram para 12,0 t/ha e a de água, para 5,5%. O preparo de superfície (aiveca sem a relha tombadora) permitiu uma redução mais acentuada, com perdas de solo de 8,6 t/ha e 5,0% de água da chuva. Mediante esses resultados, torna-se evidente a necessidade do revolvimento reduzido da camada arável, de forma a limitar a desagregação excessiva das partículas do solo. Tabela 11 - Perdas por erosão em cambissolo submetido a diferentes práticas de preparo Forma de preparo Perdas de solo (t/ha) Covas 22,3 Covas + escarificação 15,9 Sulcos 15,0 Escarificação 4,5 Pastagem nativa 22,4 Solo descoberto 151,2 Adaptado: Santos (1993). - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem16 Tabela 12 - Efeito do sistema de preparo do solo sobre as perdas por erosão (Médias na base de 1.300 mm de chuva e declive de 10,8%) Perdas Sistema de preparo do solo Solo (t/ha) Água (% da chuva) Duas arações 14,6 5,7 Uma aração 12,0 5,5 Subsuperfície 8,6 5,0 Fonte: Marques e Bertoni (1961). A recomendação generalizada de um método de preparo do solo pode ser inadequada, pois essa prática depende de vários fatores, entre eles o grau de infestação de plantas daninhas, espécie forrageira a ser implantada, existência e localização de camada compactada, topografia e riscos de erosão. Quanto às práticas conservacionistas, deve-se analisar cada situação, objetivando determinar quais problemas e potencialidades existentes e quais alternativas disponíveis. Tal análise fornecerá as bases para a tomada de decisão. O mais racional é consultar um profissional especializado para adoção de uma estratégia conservacionista segura. Conforme Mazuchowski e Derpsch (1984), por estratégias conservacionistas entendem-se as práticas mecânicas que servem de base para um controle duradouro da erosão: localização das estradas internas e de acesso, tanto quanto possível, ao longo dos terraços. Quando há acúmulo de água de chuvas torrenciais no leito de estradas declivosas, essa não deve ser despejada na área de cultivo, mas conduzida aos vales de maneira a não causar danos; construção de fossas de captação de água à beira das estradas, quando não se pode evitar que o percurso dessas vias seja no sentido do escoamento da água; instalação de canais de escoamento revestidos com espécies de gramíneas de crescimento rasteiro fortemente enraizadas para a condução do excesso de água oriunda de propriedades vizinhas, estradas ou terreiros, para as baixadas sem formação de erosão; nivelamento dos sulcos profundos de erosão, depois de assegurar que o curso de água foi desviado, não mais escoando pelo mesmo lugar, ou então transformação dos sulcos em canais gramados de escoamento; construção de terraços para redução da velocidade de escoamento da água, retenção da água da chuva não infiltrada e sua condução lateral para canais gramados de escoamento. O terraceamento traz como vantagem adicional a obrigatoriedade do cultivo em nível; Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 17 plantio em nível - o preparo do solo, o plantio e a execução de todos os trabalhos de campo em nível é regra básica para um controle bem-sucedido da erosão. Os rastros do preparo do solo e os sulcos de plantio perpendiculares ao declive formam obstáculos ao escoamento da água. Conforme Castro Filho (1999), para otimizar o uso dos recursos naturais, será preciso conhecer características inerentes de cada propriedade, classificando-as para possíveis usos e adaptando as áreas de acordo com suas potencialidades e limitações. Contudo, o planejamento só será válido se estiver adequado às condições socioeconômicas do produtor, contemplando suas aspirações e tendências, permitindo fazer um diagnóstico dos sistemas de produção predominantes, e esse servirá de base para a elaboração de um plano técnico e conservacionista (Figura 3). Na Figura 4 pode-se observar os principais pontos do plano técnico. Condições socioeconômicas dos produtoresAptidão agrícola das terras Fatores e graus de limitações Aspirações e tendências Diagnóstico da situaçãoPlano técnico Bases para o planejamento conservacionista Figura 3 - Esquema básico para planejamento conservacionista dos solos. Fonte: Castro Filho (1999). - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem18 Plano técnico (Planejamento conservacionista) Aptidão agrícola do solo Hierarquização dos problemas Uso da terra Plano de produção e conservação dos recursos naturais - via ordem de prioridade 1)Redução da degradação 2)Controle da erosão 3)Melhoria da fertilidade do solo Controle da poluição Controle do escorrimento superficial Aumento da infiltração Racionaliza ção da adubação e calagem Aumento da cobertura do solo Figura 4 - Organização do planejamento conservacionista. Fonte: Castro Filho (1999). O fato é que cientistas e técnicos da área têm o dever de conscientizar os produtores de que devem ser utilizadores e defensores de práticas de manejo e uso do solo que evitem grandes desequilíbrios no sistema. Se não houver preservação da qualidade desse recurso natura,l nenhum objetivo de produção sustentável será alcançado, não importando outras tecnologias utilizadas. Portanto, o solo deve ser respeitado como um dos principais fatores- chave para a sustentabilidade das pastagens. Mas também é importante lembrar que a visão reducionista de elucidar tecnologias isoladas é um grande empecilho para a sustentabilidade do sistema de produção. Nesse aspecto, remete-se o leitor ao item III, no qual abordam-se algumas tecnologias alternativas que auxiliam na sustentabilidade da qualidade do solo e, por conseguinte, das pastagens. O que se preconiza são algumas estratégias de conservação de solos e água mais adequadas a cada caso, sem perder de vista aspectos fundamentais da preservação ambiental, buscando-se, tanto quanto possível, adequar, por meio do planejamento conservacionista, o uso e manejo do solo às suas reais possibilidades. Produzir com degradação mínima não é apenas Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 19 uma questão ambiental, mas, sobretudo, uma necessidade para melhorar a rentabilidade e a sustentabilidade do ecossistema. O ser humano precisa aprender com urgência a viver e se sustentar de forma mais harmônica com a natureza, desenvolvendo suas explorações econômicas sem perder o respeito pelo meio ambiente e, principalmente, respeitar o fato de que as gerações futuras necessitarão desses recursos naturais para a sua sobrevivência. Portanto, aumentar a produção, considerando a capacidade de assimilação da natureza e conservando os recursos naturais, é o paradigma preconizado para o desenvolvimento sustentável dos agroecossitemas. Assim, adotando-se preparo do solo e técnicas conservacionistas adequadas a cada situação, será possível iniciar a sustentabilidade das pastagens a partir de sua formação. 4 - Correção e fertilização do solo A toxidez por alumínio e manganês, a baixa disponibilidade de cálcio e magnésio e a deficiência generalizada de fósforo e outros nutrientes na maioria dos solos são fatores limitantes para a sustentabilidade das pastagens desde a sua formação. Portanto, para que as pastagens se iniciem e permaneçam sustentáveis, os solos devem ser corrigidos por meio da aplicação de corretivos e fertilizantes e isso deve ser realizado, impreterivelmente, com respaldo da análise de solo, a exemplo do que é feito para o cultivo de cereais. Felizmente, o pecuarista brasileiro está se conscientizando, cada vez mais, de que o solo não é uma fonte inesgotável de nutrientes e que esses devem ser corrigidos e repostos sempre que necessário. 5 - Época de plantio Preferencialmente, o plantio deve coincidir com a época de chuvas, pois a necessidade de irrigação onera sensivelmente o sistema de produção, além do fato que, nessa época outras condições climáticas (temperatura, radiação solar, etc.) são ideais para o estabelecimento das forrageiras. III - Algumas tecnologias que auxiliam na sustentabilidade da pastagem - Alternativas conservacionistas A visão conservacionista dentro de qualquer inovação tecnológica deve ser realçada para se obter sustentabilidade da atividade agropecuária. Os principais sistemas de produção agropecuários estão representados por uma agricultura com preparo excessivo do solo, uso intensivo de insumos e uma pecuária com pastagens não sustentáveis, e isso ocorre em conseqüência, - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem20 entre outros fatores, da degradação do solo pela erosão e queda na fertilidade. É fundamental adotar práticas de uso e manejo do solo que evitem sua pulverização, compactação e que o proteja da ação erosiva das chuvas. Nesse sentido, como alternativas conservacionistas, sugerem-se: 1) Sistema integrado lavoura-pastagem Este sistema consiste na diversificação das atividades na propriedade agrícola, de forma que essas constituam um mesmo sistema, com o objetivo de aumentar a eficiência da produção, preservar o meio ambiente e ampliar a renda do produtor. 2) Formação de pastagem em sistema de plantio direto É a forma de gerenciamento da terra em que se promove a cobertura permanente do solo com palha e, ou com plantas de cobertura, por meio da rotação de culturas, sendo o solo removido apenas para que seja possível depositar a semente e o fertilizante na linha de semeadura. 3) Formação de pastagem consorciada Uma das expectativas da formação de pastagem consorciada de gramíneas e leguminosas é a melhoria da qualidade do solo, uma vez que as leguminosas são capazes de fixar nitrogênio em quantidades suficientes para garantir a sustentabilidade do ecossistema. 4) Formação de pastagem arborizada A presença de árvores na pastagem pode oferecer alternativas para a sustentabilidade da atividade agropecuária e os sistemas podem ser estabelecidos segundo modelo planejado ou podem ocorrer de forma natural no ecossistema. Os ganhos obtidos com a adoção das práticas anteriormente mencionadas incluem aumentos consideráveis na produção e qualidade das pastagens, melhoria no controle de pragas e doenças nas lavouras e também na qualidade do solo, no rendimento das culturas e no desempenho animal. Deve-se considerar também a eficiência na utilização dos recursos naturais e na preservação do meio ambiente, condição básica para a sustentabilidade do agroecossistema. A seguir, será discutida cada uma das tecnologias conservacionistas anteriormente mencionadas. Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 21 1) Sistema integrado lavoura-pastagem Em geral, os solos ocupados por pastagens são marginais quando comparados àqueles usados pela agricultura de grãos. Esses solos apresentam problemas de fertilidade natural, acidez, topografia, pedregosidade ou limitações de drenagem (Adamoli et al., 1986). Portanto, é compreensível que as pastagens não se mantenham sustentáveis por muito tempo. A integração lavoura-pastagem é uma das formas de manter o sistema agropecuário produtivo, rentável e, principalmente, sustentável. Porém, considerando que a prática da agricultura é uma atividade de risco, a produção de grãos em áreas de pastagens requer uma determinada especialização dos pecuaristas. Conforme Kichel et al. (2001), é necessário: solos favoráveis para a produção de grãos em área de clima propício; infra-estrutura mínima para a produção de grãos (máquinas, equipamentos e instalações); acesso facilitado para a entrada de insumos e a saída de produtos; recursos financeiros para os investimentos na produção; domínio da tecnologia requerida para a produção; assistência técnica, e possibilidade de arrendamento da terra ou de parceria com produtores tradicionais de grãos. Algumas vantagens obtidas com o cultivo de lavouras, antes da formação da pastagem, conforme Oliveira et al. (1996) e Kichel et al. (2001): 1. Fertilidadedo solo recuperada - como as culturas anuais são mais exigentes em fertilidade de solo, uma atenção maior a esse aspecto é certamente dada; 2. Solo submetido às práticas de conservação - essa é uma prática corriqueira entre os agricultores, os quais também possuem equipamentos apropriados; 3. Formação com custos mais baixos - o lucro obtido com a cultura amortiza os gastos da formação da pastagem, e o preparo do solo representa cerca de 63% dos custos de formação; 4. Facilidade de formação da pastagem - em geral, no plantio de culturas anuais, o preparo do solo é mais intensivo, junto com o uso de herbicidas, proporcionando uma redução no potencial de sementes de invasoras no solo; 5. Solo melhorado em suas propriedades físicas, químicas e biológicas - com a rotação lavoura-pastagem, evitando-se a monocultura, eliminam-se camadas compactadas, bem como incorporam-se - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem22 resíduos, raízes e palhada de grãos, estimulando a vida no solo pelo incremento de material orgânico; 6. Redução da incidência de pragas e doenças - pela quebra do ciclo; 7. Aproveitamento do adubo residual - parte do fertilizante aplicado à cultura permanece no solo, sendo depois aproveitado pela pastagem; 8. Maior eficiência no uso de máquinas, equipamentos e mão-de-obra - os quais terão uma otimização por maior período de tempo no ano; 9. Diversificação do sistema produtivo - possibilita a maior diversificação de pastagens, podem-se explorar tanto as fases de cria, recria e engorda. Isso resulta em maiores garantias contra os riscos climáticos e flutuações de mercado; 10.Aumento da produtividade do negócio agropecuário - tornando-o sustentável em ternos econômicos e agroecológicos; 11.Redução de riscos de perda por deficiência hídrica, devida aos verânicos, por meio da formação de cobertura vegetal permanente sobre o solo e melhor enraizamento das plantas; 12.Desenvolvimento vegetativo das forrageiras por mais tempo, no período seco, por causa da maior retenção de umidade no solo; 13.Redução da necessidade de abertura de novas áreas. Os benefícios mencionados podem ser considerados como ecológicos e socioeconômicos. Ecológicos pelo fato de visar à recuperação e manutenção da qualidade do solo e do ambiente, e socioeconômicos em razão da maior geração de renda que ocorre em função da diversificação e aumento da oferta de produtos a custos menores. Vale lembrar também que a diversificação produtiva é a via mais adequada para promover o desenvolvimento rural com viabilidade econômica, eqüidade social e respeito ao meio ambiente. O rendimento da Brachiaria brizantha em cultivo solteiro ou consorciada com algumas culturas anuais pode ser observado na Tabela 13. Tabela 13 - Produção de forragem de Brachiaria brizantha, por ocasião da colheita de culturas anuais em quatro localidades Cultura anual consorciada (t/ha de massa verde) 1 Localidades Milho Sorgo Soja Arroz Milho forrageiro Sorgo forrageiro Santa Helena -GO 28,3 3,6 18,4 NO 8,0 2,0 Luziania -GO 20,9 2,2 11,4 14,5 4,8 4,5 Mimoso - BA 15,3 16,5 12,5 12,8 5,6 5,6 C. novo dos Parecis - MT 16,7 3,1 35,1 NO NO 3,7 1. Média de seis repetições. NO - não observado. Fonte: Kluthcouski et al. (2000). Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 23 Os menores rendimentos da Brachiaria brizantha foram observados nos consórcios milho e sorgo forrageiros como resultado da intensa competição exercida pela cultura anual até o período da ceifa. Vale ressaltar que a sustentabilidade somente será plena mediante redução no custo de produção das lavouras e produção agrícola na entressafra (período sem chuvas), principalmente com forrageiras. 2) Formação de pastagem em sistema de plantio direto A integração agropecuária com plantio direto, conforme Mello (1996), é técnica e economicamente viável e, para tal, devem ser identificados sistemas de produção de média e longa duração, integrando a produção de grãos com a de pastagens perenes, prática que oferece maior sustentabilidade e melhor resultado econômico possível. O plantio direto, cujo princípio básico é o de menor intervenção no solo, mantendo-o o mais protegido possível ao longo do ano, não se trata apenas de um ato de plantar sem o revolvimento do solo, mas de um sistema de produção que contribui substancialmente para a conservação do solo, promovendo a base para a sustentabilidade do ecossistema. É a forma de manejo em que se promove a cobertura permanente do solo com palha e, ou com plantas de cobertura, por meio de rotação de culturas, sendo o solo removido apenas para que seja possível depositar a semente e o adubo no sulco de plantio. Esse sistema busca expressar o potencial genético das culturas em sua plenitude por meio da maximização dos fatores ambiente e solo, reduzindo a degradação dos recursos naturais. Devido ao pouco revolvimento, há uma recuperação e manutenção das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo que beneficiam o desenvolvimento das culturas. Alguns requisitos para a implantação de pastagem no sistema de plantio direto: Área sem a presença de camada compactada; Correção de problemas químicos de acordo com a necessidade das espécies a serem implantadas. Algumas vantagens do plantio direto: 1 - Controle da erosão Como o solo não é pulverizado pela aração e gradagem, resiste melhor à ação erosiva dos ventos e da chuva, que encontram, na palhada, uma - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem24 barreira importante. Os dados da Tabela 14 exemplificam o efeito de restos culturais no escorrimento superficial, infiltração e perdas de solo. Tabela 14 - Efeito de diferentes níveis de resíduos culturais no escorrimento superficial, infiltração e perda de solo, em declividade de 5% Efeito sobre a água e o solo Resíduos (t/ha) Escorrimento (%) Infiltração (%) Perda de solo (t/ha) 0 45,30 54,70 13,69 0,550 24,30 74,70 1,56 1,102 0050 99,50 0,33 2,205 0,10 99,90 0 4,410 0 100,0 0 Adaptado: Ramos (1976) citado por Ruedell (1998). 2 - Melhor estrutura e fertilidade do solo Gradativamente, o plantio direto aumenta o teor de matéria orgânica presente no solo, propiciando condições favoráveis à atividade microbiológica nas camadas inferiores. Fabrício e Salton (1999) observaram em sistema de plantio direto, após três anos de avaliação de diferentes sistemas de produção, que ocorreu aumento de cerca de 30% no teor de matéria orgânica na superfície do solo (0,0 a 0,05 m), nas áreas com rotação pastagem/lavoura e lavoura contínua. Quanto a outros atributos químicos, ocorre influência decisiva dos corretivos e fertilizantes, uma vez que haverá acúmulo de nutrientes nas camadas superficiais do solo. 3 - Controle da compactação e das ervas daninhas Além de favorecer a ação das minhocas e insetos que funcionam como 'arados' naturais, destruindo camadas endurecidas, a palhada minimiza a pressão das máquinas no solo e evita a sua compactação excessiva. A palhada também constitui uma barreira física para invasoras, impedindo a sua emergência. 4 - Menor investimento em máquinas e menor custo de produção Como o plantio direto não exige revolvimento do solo, possibilita economia de capital imobilizado: utiliza-se apenas parte do maquinário agrícola empregado no cultivo convencional. O trator usado pode ter potência menor, pois não precisa puxar arados pesados, que mexam no solo a grandes Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 25 profundidades. Além disso, mão-de-obra e combustível são reduzidos pela metade. 5 - Menor agressão ao meio ambiente Seja pela redução da erosão e elevação da fertilidade do solo, seja pelo menor uso de determinados produtos químicos. 6 - Melhor oportunidade de plantio Como o solo não fica descoberto, é possível iniciar a semeaduraduas horas após a ocorrência de chuvas, porque a palha evita a patinação das máquinas, ao passo que no sistema convencional, são necessários até dois dias secos para iniciar os trabalhos. O plantio direto destaca-se como um sistema de resultados mais positivos em termos de eficiência biofísica, social e econômica, para substituir os processos convencionais de cultivo. Porém, vale lembrar que esse sistema de plantio não é aplicável a todas as condições de solo, pois dificulta a incorporação de fertilizantes, demanda maior uso de herbicidas e não é aplicável para formação de pastagem em solos degradados. 3) Formação de pastagem consorciada A adoção de leguminosas em consórcio de pastagens tem sido muito limitada no País. Os insucessos ocorridos no passado e a falta de persistência configuram um forte entrave à adoção pelos produtores (Barcellos et al., 2001). Porém, em função da necessidade de alternativas para melhoria da qualidade e da produtividade das pastagens, pode-se ter a perspectiva de concretizar a afirmação de que "é por meio de leguminosas que a produtividade da pastagem será aumentada" (Hutton, 1984) e sustentada. Nesse contexto, paralelamente à importância dada à formação de pastagem sustentável, o consórcio de gramíneas e leguminosas merece destaque. Em sistemas de produção agrícola, a contribuição das leguminosas é para manter e elevar o nível de fertilidade do solo, em razão da adição de nitrogênio ao sistema, e auxiliar no controle de pragas e doenças, no controle da erosão e na manutenção de áreas de lazer, e, em regiões com limitações ambientais, as leguminosas contribuem efetivamente para a produção agrícola e sustentam os sistemas de pastejo dentro da filosofia do baixo insumo (Maraschin, 1997). Somado a isso, há vantagens econômicas e ambientais. Uma das vantagens é a redução da necessidade de fertilização nitrogenada, o que minimiza o risco de contaminação do ecossistema. Nesse sentido, - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem26 observam-se na Tabela 15 informações sumarizadas sobre uso potencial e fixação de nitrogênio de algumas leguminosas. Tabela 15 - Uso e fixação de nitrogênio de algumas espécies leguminosas Nome científico Nome comum Uso Fixação de N (kg/ha/ano ou ciclo) Calopogonium mucunoides Calopogônio Forragem 370-450 Canavalia brasiliensis Feijão-bravo-do-ceará Adubo verde - Canavalia ensiformes Feijão-de-porco Adubo verde - Centrosema pubescens Centrosema Forragem 126-398 Clitoria ternatea Cunhã Forragem - Glycine max Soja Grão, forragem 60-178 Lablab purpureum Lablab Forragem, adubo verde - Macroptilium atropurpureum Siratro Forragem - Mucuna aterrina Mucuna preta Forragem, adubo verde 157 Neonotonia wightii Soja perene Forragem 160-450 Pueraria phaseoloides Kudzu tropical Forragem 30-99 Stylosanthes spp. Estilosantes Forragem 34-220 Fonte: Resende e Kondo (2001). Para Alves e Medeiros (1997), a importância da utilização de leguminosas na formação de pastagens está ligada à procura de um sistema de produção de forragem de alta qualidade, considerando-se a alimentação animal, mas, principalmente, buscando-se a eficiência em nitrogênio nesse sistema. No tocante às características do solo, a matéria orgânica é um dos principais agentes cimentantes das partículas primárias e secundárias, influenciando na qualidade estrutural. A formação de agregados e sua estabilidade são determinadas pelo suprimento contínuo de resíduos orgânicos (raízes, folhas e caules) e sua decomposição no solo, pela atividade microbiana. Dessa forma, segundo Harris et al. (1996), a consorciação de gramíneas e leguminosas que possuam um sistema radicular abundante e em constante renovação, e leguminosas que fixam nitrogênio, acelerando a decomposição, é o método mais eficiente para estruturação do solo. A utilização de leguminosas pode produzir um efeito protetor contra a erosão do solo e também há relatos de que o vigor de crescimento do sistema radicular de determinadas leguminosas, como, por exemplo, a crotalária, além de reciclar os nutrientes acumulados em profundidade no solo, pode, pelo menos em parte, favorecer o rompimento de camadas compactadas no perfil (Resende e Kondo, 2001); além do fato de que a grande exploração do solo pelo sistema radicular das leguminosas, bem como a cobertura que exercem Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 27 sobre o solo, favorecem a infiltração e a retenção de água e, conseqüentemente, dão maior proteção contra a erosão. As leguminosas, além de contribuírem para melhorar as características físicas e químicas do solo, favorecem o estabelecimento das gramíneas, proporcionando uma pastagem produtiva e com base sustentável. Para o sucesso na formação e estabelecimento de pastagens consorciadas e, para que essas mantenham-se sustentáveis, é primordial que sejam observados os fatores relacionados no ítem II. Apesar dos benefícios, as consorciações apresentam certa estabilidade em, geralmente, até cerca de quatro-cinco anos e, depois, as leguminosas praticamente desaparecem das pastagens. Portanto, a sustentabilidade das pastagens consorciadas ainda é um desafio para os pesquisadores. Neste sentido, questiona-se: não seria viável realizar uma 'injeção' de leguminosas no consórcio, a cada quatro-cinco anos, em detrimento da não-sustentabilidade da pastagem? A falta de persistência das leguminosas sempre foi atribuída à agressividade da gramínea, falta de adaptação às pressões bióticas e abióticas, ao manejo imposto na pastagem consorciada, pouca resistência ao pastejo e pisoteio e à não-reposição, no solo, dos nutrientes exoportados na forma de produto animal (Barcellos e Vilela, 1994). Nesse sentido, Vilela et al., citados por Barcellos e Vilela (1994), desenvolveram trabalho com intuito de determinar o efeito de gramíneas e nível de fertilidade na estabilidade de pastagens consorciadas (Tabela 16). Tabela 16 - Efeito de gramínea e níveis de fertilidade na porcentagem de leguminosas1 Época de avaliação Gramíneas Dez/1990 Abr/1991 Mar./1992 Maio/1994 Brachiaria decumbens 22,70 b 20,90 c 4,20 b - Brachiaria brizantha cv. Marandu 4,40 d 4,60 d 3,40 b - Andropogon gayanus 30,40 a 36,20 b 7,60 b - Panicum maximum cv. Vencedor 33,40 a 50,00 a 20,60 a 25,90 Panicum maximum cv. Centenário 12,40 c 38,00 b 22,10 a 27,50 Níveis de fertilidade2 F1 25,90 a 37,20 a 11,20 a 16,70 F2 16,40 b 22,70 b 12,00 a 25,70 1.Coquetel de leguminosas formado por soja perene, calopogônio, Centrosema brasilianum, Centrosema híbrida (Centrosema pubescens x Centrosema macrocarpum) e Stylosanthes capitata. 2.F1= Saturação por bases=20%, 233 kg/ha da fórmula 00-30-15 e 30 kg/ha de FTE-BR 12. F2= Saturação por bases=50%, 633 kg/ha da fórmula 00-30-15 e 60 kg/ha de FTE-BR 12. Fonte: Vilela et al. citados por Barcellos e Vilela (1994). - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem28 Quanto à escolha da espécie a ser consorciada com a gramínea, deve- se ponderar que, na época seca, ocorre um aumento significativo da leguminosa na composição botânica da dieta selecionada pelos animais. Esse fato, conforme Barcellos e Vilela (1994), permite inferir sobre a importância da aceitabilidade da leguminosa. Nesse sentido, deve-se optar por espécies que são menos consumidas na época de chuvas, pois, nessa época, a leguminosa, não sendo consumida, ganha capacidade de competição com a gramínea e, segundo Barcellos e Vilela (1994), beneficia o sistema de forma mais intensa. Entretanto, esses mesmos autores alertam que a capacidade diferenciada de fixação biológica do nitrogênio entre as espécies deve ser considerada para que o fato anteriormente mencionado possa ser verdadeiro. 4) Formação de pastagem arborizada A atividade pecuária no Brasil temexcluído sistematicamente as árvores das pastagens. Segundo Campello e Franco (2001), isso tem ocorrido porque a maioria das pastagens é formada após anos de agricultura, quando as árvores já não estão mais presentes, ou mesmo quando as árvores são deixadas, essas acabam morrendo porque são plantas climáticas ou secundárias tardias e, por isso, não se adaptam a condição de pleno sol e à exposição aos ventos. Contudo, a prática de arborização de pastagens deve ser incentivada, pois conforme Carvalho et al. (1995) e Carvalho e Botrel (2002), a árvore na pastagem representa vantagens tanto para a recuperação e sustentabilidade da produção de forragem, como para outros aspectos de importância ecológica, além de representar a forma mais fácil de viabilizar a inserção da fixação biológica do nitrogênio no sistema (Campello e Franco, 2001). Na opinião de Harvey et al. (1999), as principais razões para associar árvores e pastagens são o provimento de sombra para os animais, produção de madeira para os diferentes fins, disponibilidade estacional de frutas para a fauna silvestre e consumo humano ou animal, além das evidentes vantagens ambientais e econômicas. Porém, vale enfatizar que o efeito ecológico mais esperado da presença das árvores nas pastagens é, sem dúvida, a conservação do solo. Em comparação com as pastagens de gramíneas em monocultura, os sistemas silvipastoris apresentam maior diversidade vegetal, desde os modelos mais simples, até os sistemas com vários estratos de vegetação e constituídos por diversas espécies em cada estrato (Carvalho, 2001). As árvores exercem uma série de efeitos sobre o ecossistema das pastagens, a maioria benéficos. Sendo assim, devem ser consideradas principalmente quando o objetivo é a exploração auto-sustentável, especialmente em sistemas produtivos cujos solos são facilmente erodidos e de baixa fertilidade. Segundo Leal (1999), Carvalho (2001) e Carvalho e Botrel Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 29 (2002), os benefícios das árvores nas pastagens são vários, com destaque para: Maior reciclagem de nutrientes das camadas mais profundas para a superfície do solo As árvores são capazes de utilizar nutrientes de horizontes mais profundos do solo na produção de biomassa e repô-los nas camadas mais superficiais por meio da decomposição de folhas, frutos, galhos, cascas, etc., que se acumulam na serrapilheira, promovendo a reciclagem de nutrientes, além de constituírem uma proteção adicional contra a erosão (Payne, 1985). Oferta mais variada de forragem para os animais Ao se produzir mais por hectare, teoricamente pode haver mais terra disponível para reflorestamento ou para recuperação de áreas de mata e, também, o microclima criado sob as árvores, ou em suas imediações, favorece a retenção de umidade e o enriquecimento de nutrientes, que se refletem no prolongamento da disponibilidade de forragem verde (Sánchez, 2001). Desenvolvimento da flora e fauna nativas A presença de estratos múltiplos e de árvores permite o crescimento da população e da diversidade de insetos, aves (Cárdenas, 1999) e, eventualmente, mamíferos (Sánchez, 2001). E, ainda, pelo aumento na biodiversidade da flora, o risco de ataques severos de pragas e doenças pode ser menor (Sánchez, 2001). Melhores condições para o desenvolvimento de inimigos naturais das pragas dos componentes do sistema A presença de árvores nas pastagens pode resultar em alterações no balanço ecológico entre as forrageiras e as pragas, doenças e invasoras associadas com as mesmas (Wiley, 1975 citado por Budowski et al., 1984). Aumento de nitrogênio no sistema pela fixação biológica As leguminosas arbóreas fixam boa parte do nitrogênio que o sistema requer (Mahecha et al., 1999); por essa razão, podem ocorrer substituição total ou redução significativa da necessidade de fertilizantes químicos (Sánchez, 2001). Ocorre também armazenamento do carbono ao recuperar-se a fertilidade do solo (FAO, 2001). - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem30 Redução das perdas de solo e de nutrientes por erosão hídrica e eólica A proteção física exercida pelo componente arbóreo reflete-se principalmente no controle da erosão, pois a copa das árvores atua reduzindo a velocidade dos ventos e o impacto da chuva sobre o solo (Houghton, 1984), e o sistema radicular contribui para a sua sustentação, minimizando deslizamentos de terra em áreas declivosas (Hawley e Dymond, 1988). Incremento das propriedades físicas tais como estrutura, porosidade e retenção de umidade Por meio da biomassa do sistema radicular, as árvores contribuem para modificar a porosidade do solo e a taxa de infiltração de água, o que também reduz a erodibilidade (Nair, 1983 citado por Nair et al., 1984). Redução da acidez, pela adição de bases, devida à queda de folhas das árvores e aumento da matéria orgânica por meio da produção de serrapilheira ('litter') Em solos de baixa saturação por bases e baixos teores de argila, uma das agravantes é a acidificação que ocorre quando o nitrogênio é convertido em nitrato, podendo ser lixiviado para fora da zona de raízes da pastagem. As árvores conseguem capturar o nitrato lixiviado e reconvertê-lo em proteína, para devolver, então, na forma de folhas que caem (matéria orgânica), mantendo a reposição do nitrato. Dessa forma, ocorre também a deposição de outros elementos contidos na matéria orgânica, além de diminuir suas perdas por lixiviação no solo (Silva, 1998). Redução da temperatura e da oxidação da matéria orgânica Em pastagens arborizadas, as temperaturas podem ser atenuadas (Carvalho, 2001) e as modificações nas condições ambientais do solo e na interface solo/liteira de áreas sombreadas contribuem para incrementar as atividades biológicas e, como conseqüência, aumentam a mineralização de nitrogênio em comparação com áreas não-sombreadas da pastagem (Wilson, 1996). Na Tabela 17 são apresentadas evidências científicas dos efeitos benéficos das árvores sobre os solos e a Figura 5 ilustra esquematicamente os benefícios mencionados. Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 31 Tabela 17 - Evidência científica dos possíveis efeitos benéficos das árvores sobre os solos Processo Efeito principal Evidência científica Produção de biomassa Adição de matéria orgânica Disponível Fixação de nitrogênio Aumento do conteúdo de nitrogênio Disponível Chuvas Influência sobre a quantidade e distribuição de chuvas e seu aporte de nutrientes Não completamente demonstrado Proteção contra erosão hídrica e eólica Redução da perda de solo e nutrientes Disponível Absorção em camadas profundas e deposição na superfície Não completamente demonstrado Absorção/Reciclagem/Libera ção de nutrientes Conservação de nutrientes que poderiam perder-se por lixiviação Não demonstrado Liberação de nutrientes no momento requerido pelos cultivos (por meio do manejo) Disponível Processos físicos Melhora das propriedades físicas (retenção de água, drenagem, etc.) Disponível Aumento do crescimento e proliferação de raízes Aumento da biomassa de raízes, substâncias promotoras de crescimento, associações microbianas Parcialmente demonstrado Qualidade e dinâmica da serrapilheira Melhora da qualidade da serrapilheira mediante maior diversidade de espécies e manejo sincronizado da quantidade e tipo de biomassa aplicada Atualmente muito estudado (cultivo em aléias e outros experimentos de cultivos associados) Modificação do microclima Criação de microclima favorável, efeitos de quebra ventos e barreiras Disponível Processos bioquímicos/biológicos Moderação de efeitos em condições de extrema acidez, alcalinidade ou outras condições desfavoráveis dos solos Parcialmente demonstradoFonte: Nair citado por Montagnini (1992). - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem32 Plantio de árvores em pastagem Alterações na chuva incidente Interceptação de chuva pelas copas Redistribuição por gotejamento Perda por evaporação direta da água depositada nas copas Água Luz Nutrientes Competição Árvores Doenças Insetos Aves Produtos Outros serviços Melhoria dos solos Alteração dos padrões de vento Mudança nos padrões de radiação que atinge as pastagens Mudança no balanço de energia disponível no meio Evaporação da água Evaporação do solo Velocidade de ventos Danos mecânicos nas plantas Alteração de qualidades Diminuição do stand e IAF Predisposição a doenças e pragas Relação de causa Relação de efeito Alteração da qualidade da forragem Ingestão Trocas térmicas secas Temperatura do ar Perda/Ganho de calor animal Mortalidade Eficiência de produção animal Temperatura da planta Velocidade de rebrota Velocidade de desenvolvimento Transpiração Uso de água pelas plantas Potencial de água na planta Crescimento de plantas Temperatura do solo Germinação Emergência de plantas Erosão eólica Rajadas de grãos de areia Figura 5 - Modificações determinadas pela introdução de árvores em área de pastagem. Adaptado: Brenner (1996). A tolerância das forrageiras ao sombreamento é considerada como uma das condições necessárias para se aproveitarem as vantagens da integração de pastagens com árvores. Na Tabela 18 pode-se constatar a tolerância ao sombreamento de um grupo de gramíneas forrageiras, incluindo algumas das mais recomendadas para a formação de pastagens no Brasil. Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 33 Utilizou-se como sombra natural uma plantação de angico vermelho (Anadenanthera macrocarpa (Benth.) Brenan), sob a qual a porcentagem de transmissão de luz no verão variou de 30-40% da luz incidente em área adjacente sem árvores. As gramíneas foram semeadas no sub-bosque dessa plantação, e em área sem árvore (testemunha). O crescimento das gramíneas foi menor na condição de sombreamento; porém, a redução variou entre espécies e foi mais acentuada na fase inicial do que após o estabelecimento dessas. As gramíneas Brachiaria brizantha e Brachiaria decumbens foram as mais tolerantes ao sombreamento na fase inicial após o plantio, atingindo sob as árvores 49% e 33%, respectivamente, do crescimento obtido na área sem árvores. Na fase de produção, as gramíneas mais tolerantes foram Brachiaria brizantha, Panicum maximum e Brachiaria decumbens, alcançando, na sombra, 98%, 77% e 63%, respectivamente, do crescimento da área sem árvores. Tabela 18 - Produção de matéria seca (t/ha) de gramíneas forrageiras, nas fases de estabelecimento e de produção, em sub-bosque de angico vermelho e em área sem árvores Fase de estabelecimento Fase de produção Sol Sombra Produção relativa Sol Sombra Produção relativa Espécies ---------(t/ha)---------- (%) ---------t/ha)-------- (%) Brachiaria brizantha 7,62 3,73 49 7,05 6,90 98 Panicum maximum 9,16 1,37 15 8,22 6,31 77 Brachiaria decumbens 8,65 2,83 33 9,97 6,34 63 Setaria sphacelata - - - 5,27 2,30 43 Andropogon gayanus 13,40 1,72 13 13,33 5,53 41 Melinis minutiflora 10,40 1,70 16 7,18 2,57 36 Fonte: Carvalho et al. (1995;1997). Para Carvalho (2001), o efeito benéfico de árvores na pastagem é maior no caso de leguminosas que possuem capacidade de fixar o nitrogênio do ar atmosférico, e a vantagem de utilizar espécies leguminosas fixadoras de nitrogênio é a possibilidade de formar sistemas sustentáveis, diminuindo as chances do processo de degradação. Efeitos benéficos foram observados por Oliveira et al. (2000), ao avaliarem árvores isoladas de baru (Dipterix alata) e de pequi (Caryocar brasiliense) sobre as características do solo sob pastagem de Brachiaria decumbens, constatando que a concentração de carbono orgânico foi maior sob as duas espécies arbóreas do que em áreas sem árvores; porém, o cálcio, magnésio e potássio foram mais altos apenas sob as árvores de leguminosas (Tabela 19). - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem34 Tabela 19 - Características químicas de um solo de cerrado, na camada de 0-30 cm, em pastagem de Brachiaria decumbens, sob as copas de baru e pequi e a pleno sol Características do solo Em área aberta Sob pequi Sob baru pH 4,95 a1 4,95 a 5,20 a Al (cmolc/dm 3) 0,74 ab 0,79 b 0,51 a C orgânico (mg/kg) 7,11 a 9,65 b 13,36 c Ca (cmol/dm3) 0,11 a 0,15 a 0,31 b Mg (cmolc/dm 3) 0,27 a 0,29 a 0,53 b K (cmolc/dm 3) 0,29 a 0,39 ab 0,68 b 1. Médias seguidas por letras diferentes, nas linhas, diferem significativamente entre si pelo teste t (P0,05). Fonte: Oliveira et al. (2000). Andrade et al. (2002), estudando o efeito de árvores da leguminosa baginha (Stryphnodendron guianense (Aubl.) Benth.) sobre o ecossistema de pastagens cultivadas na Amazônia Ocidental verificaram que a fertilidade do solo sob a copa da baginha foi, de modo geral, superior à do solo adjacente às arvores, principalmente em sua camada superficial (0 a 20 cm), apresentando teores mais elevados de fósforo e potássio disponíveis e de cálcio trocável, maior soma de bases trocáveis (SB) e capacidade de troca cátions (efetiva, t, e a pH 7, T), menor teor de alumínio trocável e maiores teores de matéria orgânica (MO) e de nitrogênio total. Observaram também menores teores de Al+3 e maiores de matéria orgânica e de nitrogênio total na camada subsuperficial do solo (20 a 40 cm) (Tabela 20). Tabela 20 - Propriedades químicas do solo sob a copa da baginha e a pleno sol 0 a 20 cm 20 a 40 cm Sombra Pleno sol Sombra Pleno sol pH em água ( 1:2,5) 4,85 5,00 4,80 4,80 P (mg/dm3) 3,25 2,50 1,00 1,00 K (mg/dm3) 105,50 93,25 53,67 61,25 Al+3 (cmolc/dm 3) 0,65 0,78 1,25 1,68 Ca+2 (cmolc/dm 3) 2,35 1,98 0,98 0,85 Mg (cmolc/dm 3) 0,95 0,90 0,40 0,43 SB (cmolc/dm 3) 3,60 3,10 1,50 1,40 t (cmolc/dm 3) 4,20 3,90 2,80 3,10 T (cmolc/dm 3) 9,50 8,10 7,00 6,40 V (%) 37,60 38,60 21,90 22,30 M (%) 15,40 19,90 44,80 53,90 M.O. (dag/kg) 3,16 2,93 1,97 1,70 N total (dag/kg) 0,176 0,151 0,112 0,096 Fonte: Andrade et al. (2002). Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem - 35 Para Fassbender (1984), na consorciação de árvores com forrageiras, além da mais eficiente utilização do solo e do espaço aéreo, maior deposição de matéria orgânica e intensa reciclagem de nutrientes, ocorre melhor aproveitamento da fertilização exógena. Entretanto, esse mesmo autor alerta para o fato de que na seleção de espécies arbóreas para serem consorciadas com forrageiras, devem ser evitadas alelopatias e fortes competições entre elas, buscando-se sempre o mutualismo. King (1979) também menciona que as espécies devem ser preferencialmente complementares e estar habilitadas a utilizar, simultaneamente e de forma harmônica, os fatores de produção. Para possibilitar a criação de ecossistemas de pastagens mais diversificados e, principalmente, mais sustentáveis, torna-se necessária a realização de pesquisas que visem à determinação da densidade arbórea ótima nas pastagens. IV - Considerações finais Na formação da pastagem, o objetivo principal deve ser proporcionar o restabelecimento de condições de equilíbrio e sustentabilidade dos fatores qualitativos dos recursos naturais; porém, isso somente será possível se houver agregação de esforços multinstitucionais, multidisciplinares, bem como apoio e incentivos governamentais. Na adoção de tecnologias que visam a alcançar e manter a sustentabilidade das pastagens, desde a sua formação, deve-se avaliar, além dos aspectos ecológicos, a condição socioeconômica do produtor, pois ela é a base de sustentação dos fatores primordiaisque compõem o processo de sustentabilidade do sistema produtivo. Cabe aos pesquisadores e profissionais do setor colocar os produtores em contato com informações técnicas e ecológicas para utilizarem com mais intensidade os recursos naturais, sem degradá-los. Com esse conceito bem sedimentado, a recuperação e a conservação da qualidade do solo é o ponto de partida que deve dar lugar a uma expressiva mudança de comportamento dos produtores diante da crescente importância de uma agropecuária sustentável e lucrativa. A essência dessa mudança é produzir cada vez mais; porém, em harmonia com a natureza. A pesquisa, de agora em diante, não tem somente o dever de gerar e aperfeiçoar tecnologias, mas, sobretudo, o dever moral de disponibilizar para o setor rural noções básicas de respeito ao meio ambiente; isso será fundamental para que as gerações futuras possam produzir seus alimentos e lucros. Fundamentando-se nessa postura da pesquisa, certamente o homem aprenderá a explorar os recursos naturais com mais eficiência, porém, com profundo respeito. - Simpósio Sobre Manejo Estratégico da Pastagem36 Atingir essa meta não deve ficar apenas na idealização e, para tal, esforços não devem e não podem ser poupados. Nesse contexto, vale registrar uma frase pronunciada pelo professor Alfredo S. Lopes, em palestra proferida na UFLA (04/2002): "o que torna um sonho irrealizável é a inércia de quem sonha". V - Referências bibliográficas ADAMOLI, J.; MACEDO, J.; AZEVEDO, J. G.; NETTO, J. M. Caracterização da região dos cerrados. In: SOLOS DOS CERRADOS: TECNOLOGIAS E ESTRATÉGIAS DE MANEJO. 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