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DISCURSIVAS PGE-PGM – RODADA 1 (1) (PGM-SALVADOR-2016) Considerando que, em determinado Município, após importante queda de arrecadação de tributos, a despesa com pessoal tenha ultrapassado os limites do percentual admitido em lei, responda aos seguintes questionamentos: a) Em que dispositivo legal estão previstos os limites para despesas com pessoal e quais são esses limites? b) Que medidas devem ser adotadas para a eliminação do percentual excedente? c) Qual o prazo para que essa eliminação aconteça? Questão de Direito Financeiro abordando um tema bastante atual, tendo em vista que muitos Estados e Municípios vêm tendo dificuldades em manter os gastos com pessoal dentro dos limites permitidos em lei. A disciplina das despesas com pessoal está inserida na Lei de Responsabilidade Fiscal, que em seu art. 18 traz um conceito legal sobre o que se entende por despesa com pessoal: “Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos de ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.” Veja que o referido dispositivo traz uma definição ampla, que abarca não apenas as despesas com pessoal ativo, mas também as despesas com INATIVOS. Ademais, o referido conceito contempla todos os pagamentos que são feitos em virtude da relação de trabalho ou emprego, bem como os encargos incidentes sobre estes, tais como o SAT (Seguro Acidente de Trabalho) e o FGTS. No entanto, não estão incluídos nos valores de despesas com pessoal as verbas de caráter INDENIZATÓRIO, a exemplo do auxílio- educação, auxílio-transporte, ajudas de custo etc. Visto isto, importante mencionar que o art. 19 e 20 da LRF cuida de estabelecer os limites em porcentagem da receita corrente liquida (RCL) para os gastos com pessoal. Tais limites variam a depender do ente federativo (União, Estados, Município, DF) e dos Poderes e órgãos que os compõem. União 50% Estados 60% Municípios 60% Internamente nos Estados Legislativo e Tribunal de Contas 3% Judiciário 6% Executivo 49% Ministério Público dos Estados 2% Interessante destacar que o art. 19, § 1º, inciso IV diz que, na verificação do atendimento dos limites, não se computarão as despesas decorrentes de decisão judicial. Quando a LRF foi estabelecida, alguns Estados e Municípios não queriam cumprir decisões referentes a servidores públicos sob o argumento de que não poderia cumprir a decisão porque extrapolaria o limite. No entanto, a LRF já previu este problema. O STJ tem alguns precedentes sobre o tema (AgRG no Resp 557.060) e entendeu que não incidem as restrições de despesa com pessoal da LRF quando estiver em jogo o cumprimento de decisões judiciais. A fim de evitar que tais limites sejam excedidos, a própria LRF previu dois importantes mecanismos, quais sejam, o LIMITE DE ALERTA e o LIMITE PRUDENCIAL. Se o ente chega a 90% do limite, há um alerta do Tribunal de Contas para que não gaste mais (é o chamado limite de alerta, previsto no artigo 59, §1º) Se o ente chega a 95%, tem-se o limite prudencial, que é bem mais sério, pois traz restrições. Não são sanções, pois ainda não extrapolou o limite. São restrições para não extrapolar o limite, como a proibição de provimento em cargo público. Art 22, Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso: I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição; II - criação de cargo, emprego ou função; III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança; V - contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias. Se mesmo com esses limites e com as restrições o ente extrapolar os limites, deve providenciar o corte dos gastos de pessoal, observando o prazo de DOIS QUADRIMESTRES estabelecidos pela LRF para retornar ao máximo legal: Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4o do art. 169 da Constituição. O percentual excedente tem que ser eliminado em 8 meses, sendo pelo menos 1/3 no primeiro quadrimestre. Para que haja a eliminação desse percentual excedente, o ente deverá adotar as medidas previstas no art. 169 da CRFB, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 19. Art. 169, § 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II - exoneração dos servidores não estáveis. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Dessa forma, para cortar o excedente de gastos com pessoal, deve ser seguida a seguinte ordem: - Primeiro, reduzir pelo menos 20% das despesas servidores comissionados do ente. - Segundo, exoneração de servidores não estáveis. - Por fim, possibilidade de exoneração de servidores estáveis. • 90% • Não traz restrições Limite de Alerta • 95% • Há restrições, vide art. 22, PU, da LRF Limite prudencial Perceba que, antes de partir para a exoneração de servidores estáveis, é necessário que haja ato normativo motivado de cada poder e que sejam exonerados antes servidores comissionados e servidores não estáveis. Ademais, havendo a exoneração de servidor estável, este fará jus a uma indenização e terá a garantia de que o cargo será extinto, vedada a criação de cargo igual ou semelhante pelo prazo de 4 anos. § 5º O servidor que perder o cargo na forma do parágrafo anterior fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 6º O cargo objeto da redução prevista nos parágrafos anterioresserá considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 7º Lei federal disporá sobre as normas gerais a serem obedecidas na efetivação do disposto no § 4º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)". OBSERVAÇÃO: Além das medidas do art. 169, a LRF previu ainda a possibilidade de redução da carga horária do servidor, com a proporcional redução da remuneração (art. 23, §1º e 2º). No entanto, a Constituição já estabelece, em seu art. 169, as medidas que devem ser adotadas. Em momento algum, a EC 19/98 possibilitou a redução dos vencimentos dos servidores, e há uma regra constitucional de irredutibilidade de vencimentos. Por isso, o STF declarou a inconstitucionalidade desses dispositivos na ADI 2238. Jessé Torres, em 1999, já defendia a inconstitucionalidade desses dispositivos. E se o ente ultrapassa o limite e não consegue cortar os gastos e retornar à margem admitida nos 8 meses seguintes? Se passa o lapso temporal de 8 meses e o limite continua a ser desrespeitado, a LRF traz algumas sanções no art. 23, §3º: § 3o Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá: I - receber transferências voluntárias; II - obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; III - contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. O ente que não retornou ao limite não poderá: - Receber transferências voluntarias - Obter garantia, direta ou indireta, de outro ente. - Contratar operações de créditos (fazer dívida de pública), com ressalva da dívida mobiliária e as que visem à redução de despesa com pessoal. No entanto, há uma ressalva em relação a essa proibição de repasses voluntários ao ente que extrapolou o limite, no que tange aos repasses para ações de educação, saúde e assistência social. Art 25, § 3o Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social. (2) (PGE-SP-2012) Em relação ao instituto da governança corporativa nas sociedades anônimas: a) Explique o conceito. b) Indique ao menos 3 de seus objetivos c) Indique ao menos 3 exemplos concretos de sua adoção em uma empresa. d) Analise a possibilidade de sua adoção nas sociedades de economia mista, considerando os princípios norteadores da Administração Pública. A governança corporativa compreende o conjunto de práticas e instituições que disciplinam e influenciam as relações entre a companhia e seus investidores. Nas palavras de Arnoldo Wald, “A governança corporativa são as práticas e os relacionamentos entre os Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital”. Portanto, a governança corporativa corresponde às práticas administrativas com o objetivo de otimizar o desempenho da empresa e atrair investidores. Sua grande preocupação é assegurar que os dirigentes atuem sempre no interesse da companhia e dos investidores, e não em seu próprio interesse. De acordo com Mario Engler, “a companhia dotada de boa governança corporativa transmite mais segurança a quem pretenda investir ali o seu capital, na expectativa de participar da distribuição de eventual excedente de receita (...). A inexistência de relação contratual entre o acionista e a companhia, assegurando o retorno do capital investido, torna o elemento confiança fundamental para a decisão de investimento”. (PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2010). A governança corporativa possui grande importância para lidar com os chamados “problemas de agência” e os “problemas de expropriação”. No primeiro caso, os problemas de agência costumam se verificar em companhias marcadas por dispersões acionárias, ou seja, quando não há acionista controlador definido, de modo que o vínculo entre os acionistas e os gestores da companhia é bastante tênue, marcado por uma grande assimetria de informações, o que dificulta o controle da gestão. Os problemas de agência consistem no desalinhamento de interesses entre os agentes (gestores da companhia) e os principais (acionistas e beneficiários finais do patrimônio administrado pelos gestores), uma vez que os agentes gestores costumam se aproveitar da dispersão acionária para atuar não no interesse coletivo, mas sim no interesse próprio. Ao analisar os problemas de agência, Mario Engler propõe a adoção de mecanismos de incentivo (tais como a remuneração variável dos administradores) e a implantação de sistemas de controle mais efetivos da gestão. Para o autor, essas duas soluções devem ser balanceadas, a fim de se alcançar um modelo de governança corporativa ideal, apto a evitar o desvio de conduta dos administradores e, ao mesmo tempo, não engessar a atuação da companhia no mercado. No segundo caso, os problemas de expropriação se verificam em companhias que apresentam um capital concentrado, havendo a figura de um acionista controlador. Nesse caso, o acionista controlador acaba até mesmo se sobrepondo aos administradores, os quais perdem grande pare de sua autonomia funcional para definir as prioridades e a linha de atuação da companhia, diante da aceitação formal ou informal da decisão tomada previamente pelo acionista controlador. Desse modo, o problema de expropriação se apresenta como o risco de o acionista controlador apropriar-se dos recursos da companhia, com a consequente espoliação dos demais acionistas. Diante de tal problema, a solução apontada seria a garantia de tratamento equitativo entre todos os acionistas (controlador e não controladores), aliada à fiscalização mais efetiva, capaz de detectar e sancionar com rigor eventuais desvios de conduta e práticas ilícitas do acionista controlador. Como tais problemas são verificáveis nas empresas estatais? As empresas estatais podem estar sujeitas tanto a problemas de agência quanto a problemas de expropriação, uma vez que conjugam as características de dispersão acionária e de capital concentrado. Na prática, é muito comum ver, por exemplo, o Estado se utilizar de uma companhia com fins políticos, o prejudica o seu desempenho e as perspectivas de retorno financeiro aos investidores. Nesse interim é que surge não só a possibilidade, mas também a necessidade de adoção de mecanismos de governança corporativa nas empresas estatais. Assim, a recente Lei 13.303/16 (Estatuto das Estatais) determina, em vários dispositivos, que as empresas estatais devem observar as regras de governança corporativa. Art. 6o O estatuto da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias deverá observar regras de governança corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de controle interno, composição da administração e, havendo acionistas, mecanismos para sua proteção, todos constantes desta Lei. Art. 12. A empresa pública e a sociedade de economia mista deverão: I - divulgar toda e qualquer forma de remuneração dos administradores; II - adequar constantemente suas práticas ao Código de Conduta e Integridade e a outras regras de boa prática de governança corporativa, na forma estabelecida na regulamentação desta Lei. Essas regras de governança deverão ser estabelecidas por atos do Poder Executivo, conforme prevê o §3º do art. 1º do Estatuto. Art. 1º § 3o Os Poderes Executivos poderão editar atos que estabeleçamregras de governança destinadas às suas respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista que se enquadrem na hipótese do § 1o, observadas as diretrizes gerais desta Lei. Na lição do professor Marlon Tomazette, “a governança corporativa é pautada por quatro linhas mestras, a saber, a transparência, a integridade, a prestação de contas e a responsabilidade corporativa1”. Busca-se com isso melhorar a gestão das empresas estatais de modo a atrair mais investimentos e, assim, atender aos interesses que ensejaram a criação da empresa estatal, que, em última análise, é o interesse público consubstanciado em imperativos da segurança nacional ou no relevante interesse coletivo. (3) (PROCURADORIA – UERJ – 2016 – ADAPTADA) Discorra acerca dos limites da negociação coletiva na Administração Pública e indique qual seria a justiça competente para o julgamento de um eventual dissídio coletivo de greve. Boa questão de Direito do Trabalho, que exige temas diretamente ligados à Advocacia Pública. Para fins didáticos, dividiremos a resposta em duas partes: (I) Limites à negociação coletiva na Administração Pública; (II) Justiça competente para o julgamento de dissídio de greve. (I) Limites à negociação coletiva na Administração Pública: O estudo do direito coletivo do trabalho aplicado à Administração Pública é permeado de algumas peculiaridades. Inicialmente, convém destacar que a Constituição Federal, embora não tenha trazido maiores parâmetros de organização, reconheceu o direito à organização sindical até mesmo aos servidores estatutários (art. 37, VI, da Constituição Federal). CF, “Art. 37. (...) VI – é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical (...).” Quanto aos servidores celetistas, por óbvio, não restam dúvidas acerca da possibilidade de associação sindical, tendo em vista que estão submetidos aos preceitos da CLT e a eles é aplicável o art. 7º da CRFB em sua integralidade. Não obstante tais permissivos constitucionais à associação sindical, há enorme controvérsia acerca da possibilidade de negociação coletiva entre os sindicatos de servidores públicos e a Administração Pública. 1 TOMAZETTE, Marlon. CURSO DE DIREITO EMPRESARIAL: TEORIA GERAL E DIREITO SOCIETÁRIO – VOLUME 1. 5ª edição. Ed. Atlas :São Paulo, 2013 Quanto aos servidores estatutários, classicamente sempre se sustentou a IMPOSSIBILIDADE de negociação coletiva entre os sindicatos de tais servidores e a Administração Pública. Os argumentos principais seriam: - Os óbices de natureza orçamentária para a concessão de vantagens pecuniárias a servidores públicos, notadamente as limitações previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/01). - Ausência de previsão legal ou constitucional para tal negociação, tendo em vista que o art. 39, §3º não reconhece a possibilidade de celebração de convenções e acordos coletivos para servidores ocupantes de cargo público. Art. 7º XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; Art. 39, § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. - Violação à iniciativa privativa do chefe do executivo para projetos de lei que impliquem concessão de vantagens ou aumento na remuneração de servidores ocupantes de cargos na administração direta e autárquica. Art. 61, § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; - Violação ao princípio da indisponibilidade do interesse público, tendo em vista que a celebração de acordos e convenções coletivas poderia implicar transações não consentâneas com o interesse público. Este é o entendimento do STF desde a edição da Súmula 679, datada do ano de 2003: STF, Súmula 679: “A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva” O TST também sempre entendeu em sentido semelhante, com base na antiga redação da OJ nº 5 da SDC (que, como veremos, foi alterada): OJ nº 5 da SDC “aos servidores públicos não foi assegurado o direito ao reconhecimento de acordos e convenções coletivos de trabalho, pelo que, por conseguinte, também não lhes é facultada a via do dissídio coletivo, à falta de previsão legal”. Não obstante, paulatinamente tais entendimentos começaram a ser alvo de críticas. Com efeito, se o constituinte reconheceu o direito à organização sindical, não faria sentido não reconhecer o direito também à negociação coletiva, uma vez que o conceito de sindicato e o de negociação coletiva não podem estar dissociados. Ademais, a Convenção 151 da OIT, ratificada pelo Decreto Legislativo 206, de 2010, ao dispor sobre o Direito Coletivo na Administração Pública, expressamente prestigia a negociação coletiva nos arts. 7.º e 8: “Artigo 7: Quando necessário, devem ser tomadas medidas adequadas às condições nacionais para encorajar e promover o desenvolvimento e utilização dos mais amplos processos que permitam a negociação das condições de trabalho entre as autoridades públicas interessadas e as organizações de trabalhadores da função pública ou de qualquer outro processo que permita aos representantes dos trabalhadores da função pública participarem na fixação das referidas condições. Artigo 8: A resolução dos conflitos surgidos a propósito da fixação das condições de trabalho será procurada de maneira adequada às condições nacionais, através da negociação entre as partes interessadas ou por um processo que dê garantias de independência e imparcialidade, tal como a mediação, a conciliação ou a arbitragem, instituído de modo que inspire confiança às partes interessadas. Nessa linha, o TST ALTEROU A REDAÇÃO DA OJ Nº 05 DA SDC, a qual conta com a seguinte redação desde 2012: OJ nº 5, SDC, Em face de pessoa jurídica de direito público que mantenha empregados, cabe dissídio coletivo exclusivamente para apreciação de cláusulas de natureza social. Inteligência da Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Decreto Legislativo nº 206/2010 Perceba que o TST restringiu a possibilidade de negociação coletiva aos empregados públicos (regidos pela CLT), não vislumbrando a possibilidade da via negocial para servidores públicos estatutários. Ademais, o TST restringiu a possibilidade de negociação coletiva às chamadas “CLÁUSULAS SOCIAIS”, não sendo possível o envolvimento de “CLÁUSULAS ECONÔMICAS”. Nos dizeres de Rogerio Neiva, “As cláusulas econômicas têm como conteúdo obrigações de dar, correspondentes a vantagens pecuniárias. Já as cláusulas sociais envolvem ajustes que podem ter conteúdos declaratórios ou obrigacionais, mas não envolvem obrigações de dar.” (NEIVA, Rogerio. Direito do Trabalho aplicado à Administração Pública). Assim, só seria possível a via da negociação coletiva para cláusulas que não envolvessem diretamente o pagamento de prestações pecuniárias, tendo em vista as limitações orçamentárias estabelecidas na Constituição e na LRF. Nesse sentido, veja alguns precedentes recentes do TST: RECURSO DE REVISTA. SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. REDUÇÃO DA JORNADA. VANTAGEM ECONÔMICA. NÃO RECONHECIMENTO. A Administração Pública direta, autárquica ou fundacional só pode conceder vantagem ou aumento de remuneração, a qualquer título, a seu pessoal mediante autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias e prévia dotação, sem excederos limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (arts. 37,"caput", X, XI, XII e XIII, 39, § 3º, e 169,"caput"e § 1º, I e II, da Constituição Federal, e Lei Complementar nº 101/2001). De forma que a negociação coletiva que envolve empregados da administração pública, fica limitada às cláusulas de natureza social. Nesse sentido, não há como se validar cláusula coletiva que estabelece a redução da carga horária, prevista no contrato de trabalho, para seis horas diárias, pois se trata de cláusula com repercussão econômica. Precedentes. (TST - RECURSO DE REVISTA : RR 488007020095150141) RECURSOS ORDINÁRIOS E REMESSA NECESSÁRIA. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. LIMITAÇÃO ÀS CLÁUSULAS SOCIAIS. REAJUSTE E CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. "Em face de pessoa jurídica de direito público que mantenha empregados, cabe dissídio coletivo exclusivamente para apreciação de cláusulas de natureza social. Inteligência da Convenção n.º 151 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Decreto Legislativo n.º 206/2010." 2. A fixação de cláusulas econômicas, como a que trata do reajuste salarial e da concessão de auxílio-alimentação/refeição, é contrária a diretriz da Orientação Jurisprudencial n.º 5 da SDC, por ter como destinatários empregados de pessoa jurídica de direito público. Recursos Ordinários e Remessa Necessária providos. (TST - ReeNec e RO: 55314020145150000, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 14/03/2016, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 22/03/2016) Como exemplo de possibilidade de ajuste, Rogerio Neiva cita o estabelecimento de cláusulas sociais envolvendo ajustes como criação de banco de horas ou estabilidade. Quanto aos servidores estatutários, ressalte-se que há precedentes no TST anteriores à atual redação da OJ nº 05 que admitem a sua possibilidade jurídica, desde que também restrita às referidas cláusulas sociais. Não obstante, os precedentes mais recentes do STF (Ex: RE 608386 RS) e a própria Súmula 679 parecem indicar a impossibilidade da via negocial. Sendo assim, considerando a incompetência da justiça do trabalho para processar e julgar as ações envolvendo servidores estatutários (vide ADI 3395 DF), parece mais prudente adotar o entendimento – a nosso ver, criticável – segundo o qual os sindicatos de servidores públicos estatuários não poderiam se valer da negociação coletiva ou suscitar dissídios coletivos, nem mesmo para cláusulas sociais. O tema é controverso, sendo necessário aguardar novos precedentes do STF sobre a matéria. (II) Justiça competente para o julgamento de dissídio de greve: A competência material da justiça do trabalho está delineada no art. 114 da CRFB, que sofreu importantes alterações a partir da EC nº 45/04. Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II - as ações que envolvam exercício do direito de greve; III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. Antes da EC45/2004, o caput do art. 114 dispunha que competia à justiça do trabalho “conciliar e julgar as lides oriundas das relações de emprego”. No entanto, depois da EC45/2004, ampliou-se a competência da justiça do trabalho, a partir da alteração da redação para “processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho”. Assim, de acordo com a nova redação do art. 114 da CRFB, podem demandar na JT não apenas o empregado (que preenche todos os requisitos da relação de emprego), mas também outros trabalhadores, como o autônomo e o estagiário. A relação de trabalho entre profissional liberal e cliente é de competência da JT? Não. A Súmula 363 do STJ estabelece que compete à justiça estadual processar e julgar as ações de cobrança ajuizada por profissional liberal contra o seu cliente. Súmula 363 do STJ: "Compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente." Estatutários e servidores temporários podem demandar na justiça do trabalho? NÃO. Antes da EC45, o STF declarou inconstitucional o art. 240, alíneas “d” e “e” da L8112/90, que estabelecia que cabia aos servidores civis estatutários o ajuizamento de ações perante a justiça do trabalho. O STF, nessa ADI (ADI 4992), entendeu que o servidor público estatutário possuía uma relação institucional, e não contratual. Logo, não poderia demandar na justiça do trabalho. Com a EC45/2004, não foi feita nenhuma ressalva quanto aos servidores públicos estatutários, e por isso foi proposta a ADI 3395. Em sede de liminar, o STF entendeu que não compete à JT julgar às ações que envolvam estatutários ou aqueles que possuem com o poder público um regime jurídico administrativo (como no caso dos temporários), repetindo o entendimento anterior. Ações que envolvam o exercício do direito de greve: A justiça do trabalho já era competente para julgar as ações que envolviam direito de greve antes mesmo da EC45, pois o art. 8º da lei de greve (L7783) já trazia essa competência. Com a EC45, tal competência ficou ainda mais clara, conforme inciso II do art. 114: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: II - as ações que envolvam exercício do direito de greve; O STF ainda entende que as ações possessórias decorrentes do exercício desse direito também são de competência da JT: Súmula Vinculante 23: A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada. E no caso de greve envolvendo servidor público? A justiça do trabalho permanece competente? Depende. No caso de servidor público CELETISTA, a competência para julgar o dissídio de greve de fato será da justiça do trabalho, por envolver relação contratual regida pela CLT. No entanto, em se tratando de servidor público ESTATUTÁRIO, deve ser observada a orientação firmada na ADI 3395, no sentido de se afastar qualquer interpretação que abarque na competência da justiça do trabalho demandas envolvendo servidores públicos estatutários. Assim, em Reclamações e Recursos Extraordinários sobre o tema, o STF firmou o entendimento de que os dissídios de greve envolvendo servidores ESTATUTÁRIOS são de competência da justiça COMUM DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. DIREITO DE GREVE. SERVIDORES PÚBLICOS. DISSÍDIO COLETIVO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Ofende a autoridade do julgado do STF nos MIs 670 e 708, decisão que afasta a competência originária de Tribunal de Justiça para apreciar ação declaratória de ilegalidade de greve de servidores públicos municipais. 2. Reclamação que se julga procedente. (Rcl 21842 / RS) AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO.DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL – ADI 3.395. RECLAMAÇÃO DA PARTE AGRAVANTE JULGADA PROCEDENTE PELO PLENÁRIO DO STF – RCL 6.568. PERDA DO OBJETO DO PRESENTE RECURSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PREJUDICADO. 1. A competência para julgamento dos Dissídios Coletivos de Greve envolvendo servidores públicos estatutários pertence à Justiça Comum Estadual. 2. O plenário desta Corte, quando do julgamento da ADI 3.395, Rel. Min. Cezar Peluzo, assentou que o termo “relação de trabalho”, disposto no inciso I do art. 114 da Constituição Federal, refere-se aos contratos de trabalho assinados sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, e somente a esses está circunscrita a competência da Justiça Especializada. 3. A orientação jurisprudencial restou mantida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Rcl 6.568, Rel. Min. Eros Grau, ajuizada pela parte ora agravante, e julgada procedente nos mesmos termos da pretensão recursal do presente agravo. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “Dissídio Coletivo de Greve proposto pelo Estado de São Paulo contra Sindicatos e Associações de Policiais Civil – Pré-existência de ação semelhante em curso pela Justiça do Trabalho – Ordem de remessa do processo à Justiça Especializada – Decisão mantida – Agravo regimental desprovido.” 5. Agravo de instrumento PREJUDICADO por perda superveniente do seu objeto. Quanto à competência FUNCIONAL, importante destacar que a competência originária para julgar o dissídio de greve poderá ser do TRT ou do TST. Será do TRT quando o conflito estiver jungido à área de jurisdição deste tribunal regional. Será do TST quando a abrangência do conflito abarcar a área de jurisdição de mais de um TRT. Nesse sentido, leciona Raimundo Simão de Melo: “A competência para julgamento dos Dissídios Coletivos, qualquer que seja a espécie, é dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, a qual é distribuída com base no critério da extensão territorial do conflito”. (A Greve no Direito Brasileiro – 2.ed. – São Paulo: LTR, 2009, pg. 122) Em suma, temos que: Competência MATERIAL Servidores CELETISTAS Justiça do Trabalho Servidores ESTATUTÁRIOS Justiça Comum Competência FUNCIONAL Jurisdição de um TRT Respectivo TRT Jurisdição de mais de um TRT TST (4) (SIMULADO – CONSTITUCIONAL) Lei estadual de iniciativa parlamentar, com o fim de viabilizar o adequado aproveitamento escolar nas unidades de ensino estabelecidas em seu território, determinou que o número máximo de alunos em sala de aula, por professor, deve ser limitado a 15 alunos na educação infantil, 30 no ensino fundamental e 40 no ensino médio. A mesma lei impôs, ainda, a obrigatoriedade do ensino de educação artística em toda a rede pública, com carga horária definida em duas hora/aula semanais, considerada a relevância da disciplina para a formação do aluno. Analise a constitucionalidade da referida lei. Em questões que tratam sobre competência legislativa, é importante, em primeiro lugar, identificar os artigos da Constituição Federal pertinentes à temática veiculada na lei. Na hipótese, temos o art. 22, inciso XXIV, que prevê a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, e, concomitantemente, o art. 24, inciso IX, da CRFB, que traz a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre educação e ensino. No âmbito da competência legislativa concorrente, cabe à União editar normas gerais (art. 24, §1º, CRFB), o que não exclui a competência suplementar dos Estados (art. 24, §2º, CRFB), para editar normas específicas condizentes com a realidade regional. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados poderão exercer a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades (art. 24, §3º, CRFB). Considerando que as normas gerais sobre educação e ensino, em termos de conteúdo, identificam-se com o que a Constituição denomina “diretrizes e bases da educação nacional”, a celeuma cinge em saber se as questões afetas ao número máximo de alunos em sala de aula e à obrigatoriedade de ensino da educação artística em toda a rede pública configuram normas gerais, hipótese em que restaria violada a competência legislativa da União, ou normas específicas, abrangidas pela competência suplementar dos Estados. No que toca ao número máximo de alunos em sala de aula, o caso concreto em análise deve ser respondido à luz do julgamento realizado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal no bojo da ADI 4060/SC, cuja ementa possui o seguinte teor: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. PARTILHA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE EM MATÉRIA DE EDUCAÇÃO (CRFB, ART. 24, IX). LEI ESTADUAL DE SANTA CATARINA QUE FIXA NÚMERO MÁXIMO DE ALUNOS EM SALA DE AULA. QUESTÃO PRELIMINAR REJEITADA. IMPUGNAÇÃO FUNDADA EM OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO EM MATÉRIA DE NORMAS GERAIS. COMPREENSÃO AXIOLÓGICA E PLURALISTA DO FEDERALISMO BRASILEIRO (CRFB, ART. 1º, V). NECESSIDADE DE PRESTIGIAR INICIATIVAS NORMATIVAS REGIONAIS E LOCAIS SEMPRE QUE NÃO HOUVER EXPRESSA E CATEGÓRICA INTERDIÇÃO CONSTITUCIONAL. EXERCÍCIO REGULAR DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PELO ESTADO DE SANTA CATARINA AO DETALHAR A PREVISÃO CONTIDA NO ARTIGO 25 DA LEI Nº 9.394/94 (LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL). PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 1. O princípio federativo brasileiro reclama, na sua ótica contemporânea, o abandono de qualquer leitura excessivamente inflacionada das competências normativas da União (sejam privativas, sejam concorrentes), bem como a descoberta de novas searas normativas que possam ser trilhadas pelos Estados, Municípios e pelo Distrito Federal, tudo isso em conformidade com o pluralismo político, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CRFB, art. 1º, V). 2. A invasão da competência legislativa da União invocada no caso sub judice envolve, diretamente, a confrontação da lei atacada com a Constituição (CRFB, art. 24, IX e parágrafos), não havendo que se falar nessas hipóteses em ofensa reflexa à Lei Maior. Precedentes do STF: ADI nº 2.903, rel. Min. Celso de Mello, DJe-177 de 19- 09-2008; ADI nº 4.423, rel. Min. Dias Toffoli, DJe-225 de 14-11-2014; ADI nº 3.645, rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 01-09-2006. 3. A prospective overruling, antídoto ao engessamento do pensamento jurídico, revela oportuno ao Supremo Tribunal Federal rever sua postura prima facie em casos de litígios constitucionais em matéria de competência legislativa, para que passe a prestigiar, como regra geral, as iniciativas regionais e locais, a menos que ofendam norma expressa e inequívoca da Constituição de 1988. 4. A competência legislativa do Estado-membro para dispor sobre educação e ensino (CRFB, art. 24, IX) autoriza a fixação, por lei local, do número máximo de alunos em sala de aula, no afã de viabilizar o adequado aproveitamento dos estudantes. 5. O limite máximo de alunos em sala de aula não ostenta natureza de norma geral, uma vez que dependente das circunstâncias peculiares a cada ente da federação, tais como o número de escola colocadas à disposição da comunidade, a oferta de vagas para o ensino, o quantitativo de crianças em idade escolar para o nível fundamental e médio, o número de professores em oferta na região, além de aspectos ligados ao desenvolvimento tecnológico nas áreas de educação e ensino. 6. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improcedente. Neste importante julgado, o STF decidiu que a competência legislativa do Estado- membro para dispor sobre educação e ensino, nos termos do art. 24, IX, da CRFB, autorizaa fixação, por lei local, do número máximo de alunos em sala de aula, no intuito de viabilizar o adequado aproveitamento dos estudantes. Em outras palavras, a Corte entendeu que a definição do limite máximo de alunos em sala de aula não ostenta natureza de norma geral, uma vez que depende de circunstâncias peculiares a cada ente da federação, tais como o número de escolas colocadas à disposição da comunidade, a oferta de vagas para o ensino, o quantitativo de crianças em idade escolar para o nível fundamental e médio, o número de professores em oferta na região, além de aspectos ligados ao desenvolvimento tecnológico nas áreas de educação e ensino. Ademais, a Corte enfatizou que a sistemática normativa estadual é compatível também com a disciplina federal infraconstitucional sobre o tema, fixada pela Lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Para o STF, o artigo 25 da lei federal mencionada deixa nítido espaço para atuação estadual e distrital na fixação da proporção professor/aluno dos sistemas de ensino.2 É imperioso registrar que o voto do Ministro Relator Luiz Fux, acompanhado pelo Tribunal Pleno por unanimidade, consagra uma importantíssima premissa teórica que deve ser enfatizada em qualquer questão de prova que aborde a temática do federalismo e da repartição de competências legislativas. É que, nesta ocasião, convencionou-se que a postura prima facie a ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal em casos de litígios constitucionais envolvendo matéria de competência legislativa, será a de prestigiar, como regra geral, as iniciativas regionais e locais, a menos que ofendam norma expressa e inequívoca da Constituição de 1988, por ser essa a diretriz que melhor se amolda à noção de federalismo como sistema que visa a promover o pluralismo nas formas de organização política. Nesse sentido, é oportuna a transcrição dos seguintes trechos do voto do Relator: Não se pode perder de mira que a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos o pluralismo político (CRFB, art. 1º, V). Propõe-se, assim, que a regra geral deva ser a liberdade para que cada ente federativo faça as suas escolhas institucionais e normativas, as quais já se encontram bastante limitadas por outras normas constitucionais materiais que restringem seu espaço de autonomia. [...] Em consonância com as premissas teóricas firmadas linhas atrás, cumpre não inflacionar a compreensão das “normas gerais”, o que afastaria a autoridade normativa dos entes regionais e locais para tratar do tema. Assim é que, não havendo necessidade autoevidente de uniformidade nacional na disciplina da temática, proponho prestigiar a iniciativa local em matéria de competências legislativas concorrentes. O benefício da dúvida deve ser pró-autonomia dos Estados e Municípios. 2 Art. 25. Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento. Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto neste artigo. Nessa linha, é valiosa a lição de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto, também reproduzida no voto do Ministro Relator, verbis: “Ao invés de assumir os riscos envolvidos nas grandes apostas de reforma global das instituições nacionais, como tem sido feito, talvez seja melhor experimentá-las no plano local de governo. A aplicação de novas ideias ou arranjos políticos em algum estado ou município precursor pode servir como teste. É claro que muitas experiências podem dar errado, mas os riscos para a sociedade são menores do que quando se pretende realizar reformar nacionais de um só golpe. Não por outra razão, o Juiz Louis Brandeis, da Suprema Corte norteamericana, chamou os governos estaduais de ‘laboratórios da democracia’: ‘É um dos felizes incidentes do sistema federal que um único e corajoso Estado possa, se os seus cidadãos escolherem, servir de laboratório; e tentar experimentos econômicos e sociais sem risco para o resto do país’.” (SARMENTO, Daniel; PEREIRA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 335) No que toca à imposição da obrigatoriedade do ensino da educação artística em toda a rede pública estadual, com carga horária definida em duas hora/aula semanais, é necessário enfatizar que, conforme entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 1399, de relatoria do Min. Maurício Corrêa, a exigência é constitucional e pode ser veiculada por lei estadual, já que se insere na competência concorrente do Estado para legislar sobre educação e ensino (art. 24, IX, CRFB).3 Diante do exposto, ambas as disposições contidas na lei estadual retratada no caso hipotético inserem-se no âmbito da competência legislativa dos Estados para legislar sobre educação e ensino, na forma do art. 24, IX c/c §2º da CRFB, de modo que não violam a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, CRFB) ou para dispor sobre normas gerais de educação e ensino (art. 24, IX c/c §1º, CRFB). Dito isto, não há que se falar em inconstitucionalidade formal orgânica. Resta investigar se houve alguma ofensa às normas de iniciativa privativa previstas na Constituição. As hipóteses de iniciativa privativa do Chefe do Executivo estão elencadas no §1º do art. 61 da CRFB. Embora o dispositivo refira-se ao Presidente da República, o dispositivo é aplicável por simetria ao âmbito dos Estados e Municípios. Nesse ponto, é imperioso registrar que as leis estaduais impugnadas nas ADIs nº 4060/SC (limitação de alunos em sala de aula) e 1399 (obrigatoriedade do ensino da educação artística na rede pública estadual) são de iniciativa parlamentar, e o Supremo Tribunal Federal não vislumbrou, em nenhuma delas, vício formal de iniciativa. 3 Nesta ocasião, o Plenário da Corte afastou a alegação de inconstitucionalidade da lei estadual em virtude da imposição de obrigatoriedade do ensino de educação artística na rede pública, com carga horária definida em 2 horas/aula semanais, mas considerou inconstitucional a exigência de que a disciplina fosse ministrada por professor com formação específica, considerando que tal imposição constituiria uma diretriz geral que só poderia ser veiculada pela União, no uso da competência que lhe foi atribuída pelo art. 22, XXIV da CF. Na ADI nº 4060/SC, o voto do Ministro Luiz Fux sequer problematiza a questão da iniciativa parlamentar. Ao se manifestar, o Ministro Barroso chega a levantar dúvida quanto a eventual vício de iniciativa da lei, mas, em virtude das circunstâncias, prefere não se concentrar nessa questão e segue integralmente o voto do Ministro Relator. Em seguida, o Ministro Gilmar Mendes argumenta que a lei trata sobre o sistema geral de ensino no Estado, e, neste tocante, não há iniciativa privativa do Chefe do Executivo, de modo que é plenamente legítima a iniciativa parlamentar. Por sua vez, na ADI nº 1399, o Tribunal expressamente se manifestou no sentido de que a matéria não se insere entre as reservadas ao Chefe do Executivo, uma vez que a lei não veicula questão atinente à estrutura da administração da unidade federada, limitando-se a regulamentar aspectos sobre o sistema de ensino. Por fim, no que toca ao mérito, não se vislumbra ofensa a nenhum dispositivo da Constituição da República, sendo certo que, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, o conteúdo veiculado na lei estadual apresentada nasituação hipotética é razoável e compatível com os valores constitucionais. (5) (SIMULADO – TRIBUTÁRIO) A sociedade Alfa S.A foi objeto de cisão parcial, tendo parcela de seu patrimônio vertido para as sociedades Beta S.A e Gama S.A. Na referida operação, foi estipulada cláusula por meio da qual a sociedade Alfa S.A não ficaria responsável por quaisquer débitos tributários – inclusive multas moratórias e punitivas - relativos a fatos geradores anteriores à cisão, os quais passariam a ser de responsabilidade exclusiva das sociedades Beta S.A e Gama S.A. Diante do caso em tela, analise a validade e a eficácia da referida convenção e indique como se daria a responsabilidade tributária para fins de cobrança de tributos e multas. Questão sobre o tema “Responsabilidade Tributária”, muito exigido em provas de Procuradorias Estaduais. Antes de nos atermos ao tema, importante nos localizarmos dentro da disciplina Direito Tributário. Ao tratar do fato gerador, a doutrina o subdivide em 5 aspectos ou elementos: material, subjetivo, espacial, temporal e quantitativo. O aspecto material, “núcleo” ou “materialidade” do fato gerador, é a própria situação fática, eleita pelo legislador apta a gerar a obrigação tributária, ou seja, a incidência do tributo. Normalmente, vem expresso por um verbo e um complemento. Vejamos o exemplo dos impostos de competência Municipal, que mais nos interessam neste estudo: “possuir imóvel” – a propriedade de um imóvel localizado em área urbana resulta na incidência do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); “adquirir imóvel” – a compra e venda de imóvel resulta na incidência do Imposto sobre Transmissão inter vivos (ITBI); “prestar serviço” - a prestação de um determinado serviço resulta na incidência do Imposto sobre Serviços de qualquer natureza (ISS ou ISSQN). O aspecto espacial trata do lugar eleito pelo legislador para a ocorrência do fato gerador, sendo relevante para a se determinar qual ente da federação será o competente para cobrar o tributo e dirimir eventuais conflitos. Por exemplo, o art. 3º da Lei Complementar nº 116 de 2003 determina que o serviço considera-se prestado e o ISS devido no lugar do estabelecimento do prestador. O aspecto temporal trata do momento eleito pelo legislador para a ocorrência do fato gerador, sendo importante para que se possa identificar qual lei irá regê-lo e solucionar os eventuais conflitos de leis no tempo com relação ao princípio da anterioridade tributária. Quanto a este aspecto, o fato gerador pode ser: instantâneo – um único fato ocorre em certo momento do tempo e nele se esgota totalmente, gerando uma única obrigação de pagar tributo (ex.: a transmissão de bem imóvel – ITBI)); periódico ou complexivo – diversos fatos isolados que ocorrem em determinado espaço de tempo e somados resultam em um único fato gerador (ex.: auferir renda durante o ano - IR); continuado – decorre de uma situação que se perpetua no tempo, sendo estabelecidos recortes temporais para sua incidência (ex.: IPTU e IPVA); O aspecto quantitativo está relacionado à fixação do valor da obrigação tributária e se subdivide em dois elementos: base de cálculo - a expressão legal e econômica do fato gerador, é grandeza sobre a qual incide a alíquota, podendo ser: - mensurada em dinheiro: o seu valor (“x” Reais) - mais comum; - técnica - a medida da operação (litros, toneladas...). A base de cálculo pode se confundir com o próprio fato gerador, como no caso do IR, no qual o fato gerador e a renda correspondem à base de cálculo. Não é obrigatória tal correspondência, porém a base de cálculo tem que expressar a medida de grandeza do fato gerador, o que se denomina “pertinência”. Vale observar que quando o valor do tributo é fixado pela própria previsão normativa (tributos fixos), não possuem base de cálculo, nem alíquotas individualizadas. Por exemplo, no caso do ISS incidente sobre os serviços prestados por profissionais liberais (art. 9º, § 3º, do Decreto Lei nº 406/68, e art. 5º da Lei Municipal nº 3.720/2004). alíquota – determina a parte da base de cálculo que cabe ao Estado, podendo ser: - ad valorem: se expressa sobre a forma de percentual, utilizada com uma base de cálculo mensurada em dinheiro, ou; - específica: é um valor fixo ou variável (expressão monetária), utilizada com uma base de cálculo técnica. Exemplo: supondo que determinado tributo seja R$ 100,00 por quilo de certa mercadoria. O aspecto subjetivo trata dos sujeitos ativo (credor) e passivo (devedor) da obrigação tributária. Quem é o sujeito ativo? O titular da competência tributária ou da capacidade tributária ativa? CTN Art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei. Parágrafo único. Os tributos cuja receita seja distribuída, no todo ou em parte, a outras pessoas jurídicas de direito público pertencerá à competência legislativa daquela a que tenham sido atribuídos. Alíquota específica Base de cálculo técnica específica Competência para exigir/cobrar tributos Delegável específica Competência para instituir tributos (legislar) conferida pela Constituição Federal aos entes da federação. Indelegável Delegável específica Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição. § 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir. § 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido. § 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos. Depende... Nas ações de cobrança ou desconstitutivas é o titular da capacidade. Nas ações que discutem a relação jurídico tributária é o titular da competência. Destaque-se que STJ possui entendimento de que o destinatário da integralidade da receita pode ser litisconsorte passivo, ainda que não tenha capacidade ou competência4. Quem é o sujeito passivo? É aquele que pratica o fato gerador, chamado de contribuinte (sujeito passivo direto), ou aquele que é eleito pela lei, chamado de responsável (sujeito passivo indireto). Quanto ao contribuinte vale mencionar que, nos tributos que comportam a transferência do seu encargo financeiro, diferencia-se contribuinte de fato, aquele que suporta o ônus financeiro do tributo, e contribuinte de direito, aquele que pratica o fato gerador, recolhe o tributo e repassa no preço, fenômeno denominado repercussão tributária. O contribuinte de fato (Ex: consumidor) não integra a relação jurídico- tributária, mas tão somente sofre a repercussão econômica desta. 4 AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 664.092 - PR (2015/0035315-3) RELATORA : MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES AGRAVANTE : FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE AGRAVADO : RONALD RABBERS ADVOGADO : SILVIO LUIZ DE COSTA E OUTRO (S) INTERES. : FAZENDA NACIONAL DECISÃO Cuida-se de Agravo interposto pelo FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE), inconformados com adecisão que negou seguimento ao Recurso Especial contra o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e assim ementado: "TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O SALÁRIO-EDUCAÇÃO. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA. RESTITUIÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. A União é parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, juntamente com o FNDE. 2. Cabe ao FNDE devolver o montante da arrecadação a título de salário- educação que lhe foi destinado (99% do valor arrecadado) e, à União, o valor restante" (fl. 384). (...)É o relatório. Relativamente à legitimidade passiva para o pedido de declaração de inexigibilidade e restituição do valor pago a título de salário-educação, sabe-se que as contribuições do Salário-Educação sempre foram devidas ao FNDE (...) Assim, quanto ao pleito declaratório e restituitório, subsiste a legitimidade passiva do FNDE, em razão de este ser o ente destinatário da arrecadação. Mutatis mutandis, foi esse o entendimento adotado por este Tribunal por ocasião da definição da legitimidade do INCRA em litisconsórcio necessário com o INSS (e atualmente a União) nas demandas que têm por objeto a restituição do indébito tributário, (...) (STJ - AREsp: 664092 PR 2015/0035315-3, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Publicação: DJ 09/04/2015) Quanto ao responsável tributário, há de se atentar que não se pode eleger como responsável pessoa totalmente alheia ao fato gerador, devendo a mesma ter alguma relação com este. Nesse sentido, veja a redação do art. 128 do CTN, que inaugura o capítulo relativo à responsabilidade tributária no Código: Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. Diante desta redação, 3 destaques devem ser feitos: 1 - A responsabilidade tributária deriva sempre de LEI. Com base nisto, o STJ já firmou entendimento no sentido de que o termo de compromisso firmado por agente marítimo não tem o condão de atribuir-lhe responsabilidade tributária5. Na mesma linha, o contrato de locação atribuindo a responsabilidade pelo pagamento do IPTU ao locatário não o torna sujeito passivo da obrigação. 2 - O responsável deve ser vinculado ao fato gerador. Aqui deve se observar a intensidade do vínculo: o responsável não pode ter uma relação pessoal e direta com o fato gerador, pois nesse caso seria contribuinte. Mas também não pode ser totalmente desvinculado da obrigação tributária, pois caso contrário haveria ofensa ao art. 128, que exige tal vinculação. Nesse sentido, leciona Ricardo Alexandre: 5 Tributário – Imposto de importação – Mercadoria a granel – Transporte marítimo – Quebra – Responsabilidade tributária do agente marítimo – Inocorrência – Súmula 192 do ex-TFR – Termo de responsabilidade – Princípio da reserva legal – CTN, 121, II – Precedentes do STJ. – O agente marítimo não é considerado responsável pelos tributos devidos pelo transportador, nos termos da Súmula 192 do ex-TFR. – O termo de compromisso firmado por agente marítimo não tem o condão de atribuir-lhe responsabilidade tributária, em face do princípio da reserva legal previsto no art. 121, II, do CTN ” (STJ, 2.a T., REsp 25.2457/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 04.06.2002, DJ 09.09.2002, p. 188) (grifou-se) SU JE IT O PA SS IV O Contribuinte Responsável Relação pessoal e direta com o fato gerador Terceiro eleito por lei, devendo ser vinculado ao FG “Como decorrência do dispositivo, a pessoa a quem o legislador atribui a responsabilidade deve ser vinculada ao fato gerador da obrigação. Aqui se deve ter uma noção de intensidade do vínculo, que necessariamente deve existir, mas não pode configurar relação pessoal e direta com o fato gerador, afinal, se tal situação se caracterizar, o sujeito passivo será contribuinte, e não responsável. O transportador da mercadoria possui um vínculo com os fatos geradores do imposto de importação (entrada de mercadoria no território nacional) e do ICMS (saída da mercadoria do estabelecimento comercial), e pode, por isso, ser considerado, por disposição expressa de lei, responsável pelo pagamento do tributo em determinadas circunstâncias.” 3 – A lei pode atribuir a responsabilidade ao terceiro excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. Ademais, a tal responsabilidade pode surgir contemporaneamente ao fato gerador da obrigação ou posteriormente, em virtude da ocorrência de um evento definido em lei que causa a alteração na sujeição passiva. No primeiro caso temos a chamada responsabilidade tributária por SUBSTITUIÇÃO, e no segundo a responsabilidade tributária por TRANSFERÊNCIA. De acordo com a doutrina, a responsabilidade “por transferência” abrange os casos de responsabilidade “por sucessão”, “por solidariedade” e “de terceiros”. Responsabilidade Tributária Por substituição Por Transferência Responsabilidade por Transferência Por sucessão Por solidariedade de Terceiros Contemporaneamente ao fato gerador Posteriormente ao fato gerador É no estudo da “Responsabilidade Tributária por Sucessão” que centraremos nossos comentários, mais especificamente no caso de SUCESSÃO EMPRESARIAL. As demais hipóteses merecem aprofundamento em futuros materiais, em virtude das diversas controvérsias que cercam o tema. Pois bem, voltemos ao enunciado: “A sociedade Alfa S.A foi objeto de cisão parcial, tendo parcela de seu patrimônio vertido para as sociedades Beta S.A e Gama S.A. Na referida operação, foi estipulada cláusula por meio da qual a sociedade Alfa S.A não ficaria responsável por quaisquer débitos tributários – inclusive multas moratórias e punitivas - relativos a fatos geradores anteriores à cisão, os quais passariam a ser de responsabilidade exclusiva das sociedades Beta S.A e Gama S.A. Diante do caso em tela, analise a validade e a eficácia da referida convenção e indique como se daria a responsabilidade tributária para fins de cobrança de tributos e multas.” A responsabilidade por sucessão empresarial encontra fundamento no art. 132 do CTN: Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual. Trata-se, como visto, de modalidade de responsabilidade por transferência, uma vez que o contribuinte era uma determinada sociedade X, mas em virtude de um evento POSTERIOR (uma operação societária: fusão, transformação ou incorporação) haverá a transferência da sujeição passiva para outra sociedade. Nos dizeres de Ricardo Alexandre: “A regra objetiva atribuir responsabilidade à pessoa jurídica de direito privado resultante de alterações (fusão, cisão, transformação e incorporação) de outras pessoas jurídicas de direito privado devedoras de tributo. (...) O raciocínio que orientou a elaboração das regras foi o de que a Administração Tributária deve seguir a manifestação de riqueza dessas entidades, de forma que o “desaparecimento” de uma entidade implicará a responsabilidade daquelasque lhe sucederem. Assim, pode-se afirmar que a premissa fundamental é a de que a sucessão empresarial gera sucessão tributária.” Há divergência se as hipóteses mencionadas no artigo são exemplificativas ou taxativas. Para os que entendem que são exemplificativas, haveria uma 4ª hipótese, a cisão, prevista na Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), posterior ao CTN. De acordo com este entendimento a empresa cindida parcialmente e a sucessora responderiam solidariamente pelas obrigações tributárias pela aplicação dos arts. 229 e 233 da referida Lei6. 6 RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE CERTIDÃO POSITIVA DE DÉBITO COM EFEITO DE NEGATIVA. CISÃO DE EMPRESA. LANÇAMENTOS, ANTERIORES E POSTERIORES À CISÃO, EM NOME DA EMPRESA ORIGINÁRIA. OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ANTERIORES À CISÃO. DECADÊNCIA EM RELAÇÃO A FUTUROS LANÇAMENTOS. RESPONSABILIDADE PELAS MULTAS FISCAIS. 1. Preliminarmente, afasta-se a alegada violação do art. 535 do Código de Processo Civil, tendo em vista que o Tribunal de origem enfrentou, uma a uma, destacadamente, todas as questões invocadas no recurso de apelação e nos embargos de declaração, não se exigindo da Corte local a menção expressa a todos os dispositivos legais relacionados pelas partes, mas, apenas, aos fundamentos jurídicos necessários à solução da lide, como corretamente se verificou. 2. São válidos e suficientes os lançamentos LSA, Art. 233. Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão. Importante mencionar que o Parágrafo Único do referido dispositivo trouxe ainda a possibilidade de que o ato de cisão parcial dispusesse de forma distinta sobre a sucessão das obrigações: LSA, Art. 233, Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da publicação dos atos da cisão. Não obstante, a doutrina majoritária entende que tal previsão não se aplica aos créditos tributários, tendo em vista a regra de que as convenções particulares não podem alterar o sujeito passivo da obrigação tributária (art. 123 do CTN), de modo que tal ato não será oponível ao fisco quando da cobrança do tributo (que poderá exigir o valor tanto da empresa cindida quanto daquelas que receberam parcela do seu patrimônio). CTN, Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes. Destaque-se, no entanto, entendimento de Ricardo Alexandre no sentido de que tais convenções seriam sim oponíveis ao fisco, uma vez que o art. 123 começa com a expressão “salvo disposições de lei em contrário”, e o art. 233, PU da LSA seria justamente uma possibilidade contemplada na legislação. Tal entendimento não é o mais favorável para a Fazenda, de modo que não se recomenda a sua adoção em provas de Advocacia Pública. No caso em tela, a sociedade Alfa S.A foi objeto de cisão parcial, tendo parcela de seu patrimônio vertido para as sociedades Beta S.A e Gama S.A. Como visto, na referida operação foi estipulada cláusula por meio da qual a sociedade Alfa S.A não ficaria responsável por quaisquer débitos tributários – inclusive multas moratórias e punitivas - relativos a fatos geradores anteriores à cisão, os quais passariam a ser de responsabilidade exclusiva das sociedades Beta S.A e Gama S.A. Diante de todo o exposto, o candidato deveria indicar que haveria responsabilidade solidária entre as 3 sociedades, de modo que o fisco poderia exigir os tributos de quaisquer delas, não sendo tributários efetuados antes e depois da cisão de determinada empresa, em nome da sociedade originária e com base em débitos e fatos geradores anteriores à mencionada cisão, não havendo necessidade de serem reproduzidos em nome da nova sociedade, ora recorrente. 3. Reconhecida a desnecessidade de serem efetuados lançamentos em nome da ora recorrente, empresa surgida em decorrência da sociedade originária, fica prejudicada a alegação de decadência em relação a tais procedimentos. 4. Cuidando-se de sucessão empresarial, permanece a responsabilidade pelo pagamento, também, das respectivas multas fiscais. Precedentes. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido. (STJ - REsp: 1237108 SC 2011/0029660-1, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 05/09/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2013) oponível a cláusula no ato de cisão que afastasse tal responsabilidade, diante da regra do art. 123 do CTN. Ressalte-se que tal cláusula não seria inválida, uma vez que permitida pelo art. 233, PU da LSA. No entanto, não teria eficácia perante o fisco, no que tange aos créditos tributários. A sucessão empresarial abrange tão somente os tributos ou também as multas? O tema sempre foi controvertido na jurisprudência e na doutrina, mas recentemente foi sumulado pelo STJ. Antes de mencionarmos o entendimento firmado, entendamos a celeuma: Inicialmente, importante lembrar as diferenças entre os institutos da “multa punitiva”, “multa moratória” e “juros de mora”. Multa moratória Multas punitivas Juros de Mora É devida no atraso do pagamento do tributo e tem um caráter muito mais de indenização / compensação. Decorre de um descumprimento da lei tributária. É uma penalidade típica. Ex: não emitiu nota fiscal Não tem caráter punitivo, mas sim REMUNERATÓRIO, e é devido no atraso no pagamento do tributo. A multa, seja a punitiva ou a moratória, não é considerada tributo, uma vez que o art. 3º do CTN apregoa que o tributo não pode ser sanção de ato ilícito. Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. No entanto, a multa é considerada CRÉDITO TRIBUTÁRIO, uma vez que consiste em obrigação tributária principal, por ser uma obrigação de dar: Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. Assim, por ser crédito tributário, boa parte da doutrina sempre sustentou que, nos casos de responsabilidade tributária por sucessão, tal responsabilidade abrangeria não apenas os tributos devidos, mas também as multas. A discussão serve tanto para os casos de sucessão empresarial quanto para os demais casos de responsabilidade por sucessão, como no caso da sucessão do adquirente de bem imóvel (art. 130 do CTN). Sobre o tema, destacaram-se 3 correntes: 1ª: Não há sucessão em relação a nenhuma multa. Isso porque todos os artigos de sucessão no CTN só fazem menção a tributos, que não se confundem com penalidade, em conformidade com o art. 3º do CTN. Ademais, como é multa, deveria ser aplicado o princípio do direito penal, que é o de que a pena não poderiapassar da pessoa do infrator, de modo que só poderia ser cobrada de quem infringiu a lei (defendida por Luciano Amaro). 2ª: Sucede a multa moratória, porque ela tem a ver com o pagamento do tributo. Mas não sucederia a multa punitiva, em função do princípio da individualização da pena (era a posição do STF antigamente). 3ª: Há sucessão das 2 multas. Isso porque o art. 129 do CTN fala que o disposto na seção aplica-se aos CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. Como a multa é inclusive uma obrigação tributária principal, deve também haver sucessão, em função de uma interpretação sistemática do CTN (é a posição do STJ – RESP 923012 e REsp 432.049/SC). “2. Os arts. 132 e 133, do CTN, impõem ao sucessor a responsabilidade integral tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável. Portanto, é devida a multa, sem se fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo, visto ser ela imposição decorrente do não pagamento do tributo na época do vencimento. 3. Na expressão ‘créditos tributários’ estão incluídas as multas moratórias. 4. A empresa, quando chamada na qualidade de sucessora tributária, é responsável pelo tributo declarado pela sucedida e não pago no vencimento, incluindo-se o valor da multa moratória. 5. Precedentes das 1.ª e 2.ª Turmas desta Corte Superior e do colendo STF” (STJ, 1.a T., REsp 432.049/SC, Rel. Min. José Delgado, j. 13.08.2002, DJ 23.09.2002, p. 279) Recentemente o tema foi inclusive sumulado, pacificando a discussão: STJ, Súmula 554: Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão. Ante o exposto, o candidato também deveria indicar que, na sucessão empresarial em tela, a responsabilidade tributária abrangeria tanto os tributos quanto as MULTAS, sejam elas punitivas ou moratórias.
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