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As relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno

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As relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno 
Mariangela de F. Ariosi Graduada emLetras, Relações Internacionais, Direito, Diplôme Supérieur 
d´Études Française pela Université de Nancy; Pós-graduada em Mestrado em Relações 
Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC; Financial Management of Trade 
Unions pelo Levinson Institute em Tel-Aviv - Beit Berl; Mestre em Direito Internacional pela UERJ; 
Advogada e professora na Universidade Cândido Mendes - RJ. mariangelaariosi@yahoo.com.br 
Sumário: 1. Introdução - 2. Dualismo - 3. Monismo - 4. Críticas às Teorias Monista e Dualista 
(1) 
1. Introdução 
Pode-se iniciar este artigo com a seguinte indagação: "O Direito Internacional e o direito interno 
de cada Estado são duas ordens jurídicas distintas ou são fontes do mesmo Direito?"(2) Esta 
pergunta tem movimentado todos os estudos recentes sobre conflitos entre normas internacionais 
e internas, fato que tem tornado a discussão um pouco desgastada pela doutrina. Ainda assim, 
reconhecendo-lhe um certo caráter déja vu, a questão torna à baila. 
É bem verdade que, apesar deste desgaste conceitual, a questão da relação entre o Direito 
internacional e o interno só começou a ser estudada, sistematicamente, no final do século XIX; 
malgrado Marota Rangel reconheça na literatura européia uma preocupação com o tema há pelo 
menos quatrocentos anos: "(...) quatro séculos, desde quando aliás o aforismo International Law 
is part of the Law of the land, passou a informar a jurisprudência dos Tribunais de presas 
inglesas.(3)". O estudo desta relação enveredou-se em torno de duas vertentes que apesar de 
desgastadas e criticadas como reducionistas, são ainda citadas e referidas em qualquer obra 
sobre o tema. Estas correntes são o monismo e o dualismo, que serão tratados a seguir. Mesmo 
a boa doutrina, como a de Mirtô Fraga, reconhece que: "As teorias monistas e dualistas fornecem 
as bases doutrinárias para a solução a ser adotada pelos Estados no conflito entre o tratado 
internacional e o direito interno".(4) 
Ao se analisar a evolução do Direito Internacional, observa-se que o estreitamento das relações 
internacionais tem delineado um sistema internacional mais integrado, mais cooperativo. Esses 
movimentos que têm levado à crescente integração do sistema internacional, também chamados 
de movimentos globalizantes, têm imposto novas formas de relacionamento aos sujeitos 
internacionais. Nesse contexto, cada vez mais, o Direito internacional vai se tornando, ao mesmo 
tempo, um elemento de coesão e de tensão nas relações entre os sujeitos internacionais. É um 
elemento de coesão, à medida que vai conseguindo estabelecer a cooperação entre os atores 
internacionais e o equilíbrio do sistema internacional. Essa coesão implica a harmonização das 
duas ordens, interna e externa. Por outro lado, pode ocorrer, inversamente ao cenário de 
estabilidade, uma contradição de interesses entre as duas ordens, a estatal e a internacional; no 
caso do Direito Internacional, das duas ordens jurídicas, a interna e a externa. 
A dicotomia estabelecida pela independência entre o Direito internacional e o Direito interno tem 
levado a problemas doutrinários e práticos sem que se consiga chegar, todavia, a um consenso 
acerca da predominância de um Direito sobre o outro;(5) pois, havendo um conflito entre uma 
fonte originária do Direito Internacional e uma de Direito interno, qual delas deverá prevalecer? 
Vale ressaltar que há também os que digam que essa disputa doutrinária é irrelevante e inócua. 
Segundo Ross, tratar-se-ia de uma "disputa de palavras".(6) 
Como já fora mencionado, são duas vertentes de análise principais para se estudar a relação 
entre o Direito internacional e o Direito interno: o dualista e o monista. A prima facie, pode-se 
dizer que o dualismo pressupõe que o Direito Internacional e o Direito interno são noções 
diferentes, pois estão respectivamente fundamentados em duas ordens: interna e externa. O 
monismo pressupõe que o Direito internacional e o Direito interno são elementos de uma única 
	
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ordem jurídica e, sendo assim, haveria uma norma hierarquicamente superior regendo este único 
ordenamento. Esta teoria, ainda, apresenta duas posições: uma, que defende a primazia do 
Direito interno, e, outra, a primazia do Direito Internacional. 
Junto às teorias monista e dualista, existe uma outra abordagem, consagrada pelo pluralismo 
com subordinação parcial, que tenta conciliar alguns postulados de ambas as teorias. Essas 
teorias, que ficaram conhecidas como Teorias Conciliadoras, como bem ressalta Celso Mello: 
"(...) não teve aceitação na prática ou na doutrina e consagra uma distinção entre as normas 
internacionais que não tem qualquer razão de ser, nem é encontrada na prática internacional". (7) 
Além desta vertente crítica do monismo e do dualismo, surgiram outros posicionamentos críticos, 
que também merecem menção. 
Não se pode negar que o dualismo, o monismo e a perspectiva conciliadora, assim como os 
outros posicionamentos críticos, trazem à luz acadêmica uma discussão que parte, grosso modo, 
de três hipóteses diferentes e, portanto, reciprocamente contraditórias. Uma breve análise dessas 
hipóteses cumpre auxiliar na busca de um entendimento do conflito potencial entre fontes 
internacionais, especialmente, entre o tratado internacional e a ordem jurídica interna. 
2. Dualismo 
O primeiro estudo sistematizado acerca da existência de um conflito entre normas foi realizado 
por Heinrich Triepel,(8) em 1899, na obra Volkerrecht und Landesrecht, considerada, como 
reconhece G. A Walz : "(...) la plus importante pour le problème en question.(9)". Os 
ensinamentos de Triepel foram desenvolvidos, mais tarde, em 1905, na Itália, por Dionisio 
Anzilotti, em sua famosa obra intitulada Il Diritto Internazionale nel Giudizio Interno. É 
necessário observar que Anzilotti apresenta um dualismo diferente do formulado por Triepel; por 
exemplo, quando Anzilotti assevera que, em alguns casos, o Direito Internacional pode ser 
aplicado pelo Direito interno sem a devida transformação. Outros italianos, como Sereni e 
Perassi, também seguem o modelo do dualismo, fazendo da Escola Italiana de Direito 
Internacional um importante porta voz dessa teoria. 
Cumpre lembrar que fora Alfred Verdross, em 1914, quem denominou essa teoria de dualista, 
quando, apenas em 1923, Triepel utiliza o termo dualismo em seus escritos. Os estudos de 
Triepel figuram, em princípio, no plano das perspectivas pluralistas, como observa Walz(10) e 
Verdross(11); pois, na verdade, o dualismo admite não só duas, mas, várias ordens jurídicas: a 
nacional, por um lado, e a internacional, por outro. Não obstante, a definição de dualismo pode 
ser resumida como sendo: 
The chief exponents of dualism are Triepel and Anzilotti. Triepel maintains that the two system of 
international law and State law are entirely differente in nature.(12) 
La teoria dualista ou pluralista, fundada por Triepel y Anzilotti y representada todavía hoy por la 
doctrina italiana afirma que DI y el derecho interno son dos ordenamientos jurídicos 
absolutamente separados, por tener fundamentos de validez y destinatarios distintos. (13) 
Dentro do que se denomina de teoria dualista, ainda aparecem várias visões e postulados que 
acabam por quebrar a unidade conceitual de um corpo teórico.(14) Anzilotti e Verdross, tomando 
por base os trabalhos de Triepel, mesmo sendo adeptos do dualismo, estabeleceram novas 
abordagens que contradizem alguns aspectos da teoria desenvolvida a priori. Da mesma forma, 
Anzilotti e Verdross incluíram, cada um a sua forma, novos elementos no corpo teórico do 
dualismo. Nesse contexto, sem querer dirimir a importância dos demais teóricos, que destinaram 
consideráveis esforços para a questão do conflito de normas, é, realmente, Triepel o ponto departida para se entender, não apenas o dualismo, mas, também, as nuanças conceituais 
desenvolvidas por outros autores e que têm permeado o corpo teórico do dualismo jurídico por 
	
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todo o século XX.(15) 
3. Monismo 
O monismo surge como contra-ponto do dualismo defendido por Triepel. Grosso modo, a teoria 
monista não aceita a existência de duas ordens jurídicas autônomas, independentes e não-
derivadas. O monismo sustenta a tese da existência de uma única ordem jurídica. Esta 
concepção apresenta duas variáveis de compreensão: a que defende a primazia do Direito 
interno e, a outra, a primazia do Direito Internacional. 
Como observa Celso de Albuquerque Mello, o monismo com primazia do Direito interno tem suas 
raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta.(16) 
Segundo esta concepção, o Estado não pode estar sujeito a nenhum sistema jurídico que não 
tenha emanado de sua própria vontade; pois, o fundamento do Direito Internacional, segundo 
Jellinek, é a autolimitação do Estado já que o DI tira sua obrigatoriedade do Direito interno.(17) 
Nesse marco, o Direito Internacional traduz-se em um direito estatal externo, seria um tipo de 
Direito interno que os Estados aplicam em âmbito internacional.(18) Os precursores dessa 
corrente são Wenzel, os irmãos Zorn, Decencière-Ferrandière, Korovin, George Burdeau e 
Verdross -num primeiro momento.(19) 
Quanto ao monismo com primazia do Direito Internacional, fora desenvolvido pela Escola de 
Viena cujos principais representantes são Kelsen, Verdross e Kunz. Mas, é Kelsen quem se 
destaca ao formular a Teoria Pura do Direito, na qual estabeleceu a conhecida pirâmide de 
normas. Pode-se resumir a lógica da pirâmide dizendo que uma norma tem a sua origem e tira a 
sua obrigatoriedade da norma que lhe é imediatamente superior; e, a norma primeira é 
denominada de Grundnorm. Essa concepção fora denominada, na sua primeira fase, de Teoria 
da Livre Escolha. Ulteriormente, por influência de Verdross, Kelsen sai do seu indiferentismo e 
passa a considerar a Grundnorm como sendo uma norma de Direito Internacional, ou seja, a 
norma consuetudinária pacta sunt servanda.(20) É de se observar que, em 1927, Duguit e Politis 
defenderam o primado do Direito Internacional e foram apoiados pela Escola Realista francesa, 
esta se fundando em argumentos sociológicos.(21) 
Nesse ínterim, vale ressaltar os aspectos históricos que levaram a afirmação do monismo. Foi no 
período pós-II Guerra Mundial que o monismo encontrou sua majoritária aceitação pelos teóricos 
de todo o mundo. Como diz Walz: 
Toujours, dans les periodes de pertubation et de tension internationales, la tendence de trouver 
un ordre commun à l’humanité tout entière a préocupé les esprits. Tous les grands penseurs ont 
eu à coeur de formuler une explication à la fois valable pour la nature et l’ordre du monde 
politique. Aussi est-il naturel que la periode d’après guerre, avec ses pertubations d’ordre 
politique, culturel et économique touchant l’humanité tout entière, a vu ressuciter cette 
tendence.(22) 
O texto clássico e mundialmente conhecido de Kelsen, "Les Rapports de Système entre le Droit 
Interne et le Droit International Public", foi a mais importante contribuição doutrinária para a 
consolidação da teoria monista, principalmente no período pós-1945. De fato, a tendência à 
globalização das relações internacionais e o próprio élan do Direito Internacional, patrocinado 
pelas Nações Unidas, assim como alguns desdobramentos do cenário internacional, foram 
fatores que contribuíram decisivamente para o fortalecimento da ordem jurídica internacional. No 
sentido mais hegeliano, a Ordem do pós-II Guerra perece se direcionar a uma democratização 
das relações internacionais tendo o DI como organizador dessas relações. É nesse contexto que 
surgem as teses, como por exemplo aquelas acerca da corrosão da soberania nacional, da 
possibilidade do surgimento de organizações supranacionais e outras. 
Nesta Ordem Internacional, malgrado a macroestrutura bipolar, as relações internacionais 
	
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passam a ser empreendidas em um contexto mais integrado, onde a responsabilidade 
internacional aumenta e onde o tratado internacional passa a ser um elemento preponderante 
para a tendência globalizante das relações internacionais. Os processos hodiernos das relações 
internacionais demonstram que o monismo, com primazia do Direito Internacional, tem sido uma 
das vias utilizadas para se garantir a unidade e o equilíbrio do sistema internacional, já que pode 
evitar contradições e conflitos jurídicos internacionais. É bem verdade que o contrário também 
ocorre.(23) A questão é quantitativa, pois, do tratado internacional decorrem sérios conflitos, mas 
também decorrem a paz e a cooperação; assim, o desafio é o de se saber se o tratado 
internacional confere mais coesão ou mais tensão para as relações internacionais. 
A tese monista referente à primazia do Direito Internacional sobre o Direito interno ganha, 
portanto, um especial destaque, mormente pelos internacionalistas, que afirmam que a 
observação dos tratados internacionais torna-se uma necessidade vital para a garantia de uma 
estabilidade sistêmica, na medida em que, podem evitar conflitos internacionais com demais 
Estados contratantes. Seja como for, é pelo prisma das duas variáveis monistas, aquela da 
primazia do Direito Internacional e a da primazia do Direito interno, que o debate jurídico-
doutrinário se edifica. 
Vale ressaltar, ainda, as contribuições de dois importantes juristas que seguiram o rastro de 
Triepel e ajudaram na fundação do monismo: Mestre e Mosler. 
Em 1931, em artigo intitulado "Les Traités et les Droit Interne", Mestre se destaca na defesa do 
monismo. Ao se referir à discussão entre os monistas e dualistas, ele assinala seus objetivos: 
"Ma prétention est infiniment plus modeste et limitée; elle se bornera à un examen des diverses 
solutions positives qu’a comportées le problème posé.(24)". Ao analisar a jurisprudência francesa, 
em matéria de tratado internacional, ele discorre sobre a fórmula francesa consagrada em sua 
jurisprudência: "le traité a force de loi.". (25) 
Outro autor, influenciado por Mestre, que merece destaque, é Mosler. Em artigo "L’Application du 
Droit International Public par les Tribunaux Nationaux", de 1957, ele assevera que: "L’ordre 
juridique international et l’ordre juridique de l’État ne sont pas séparés, mais doivent être 
considérés comme des sphères de l’ordre juridique général.(26)". Partindo da premissa monista, 
Mosler demostra que existem normas de jus cogens que independem da vontade dos Estados e 
que o Direito Internacional encontra o fundamento de sua existência no Direito interno dos 
Estados, visto que, o Direito Internacional "ne suffit à lui même", necessita do ordenamento 
interno para ser executado. Por este prisma, o objetivo de Mosler, no referido artigo, é tratar da 
aplicação do Direito Internacional na jurisdição interna dos Estados, por meio dos Tribunais 
Nacionais. E, conclui, após uma análise de Direito Constitucional Comparado de alguns Estados, 
que as novas Constituições não conseguem regular as relações entre Direito Internacional e 
Direito interno, a não ser de forma aproximada, portanto, ainda longe da forma ideal, segundo ele. 
Um crítico que também merece destaque é Walz. Em suas observações acerca da Teoria 
Normativa Transcendental - reine Rechtslehre Kelsens -, Walz discorre sobre a importância da 
teoria transcendental, que tem suas bases em Kant. Com a afirmação: "La méthode caractérise la 
conception et le système. Le monde de la substance, du réel, subit une systématisation.(27)", 
Walz introduz a hipótese a qual afirma que, quanto mais se afasta do mundo dos fatos para a 
realização do método transcendental, mais científico será o resultado obtido a partir dessa 
pesquisa.Deve-se considerar que o Kantismo moderno - das erkenntnisgenetishe Denken -, que 
implica uma modificação nas bases originárias elaboradas por Kant, é a base para a Teoria 
Transcendental, cujas premissas principais são a unidade e a pureza das idéias. Dessa forma, a 
idéia, ou concepção, torna-se mais pura à medida que vai evoluindo em direção ao mundo 
abstrato afastando-se, cada vez mais, do mundo material. 
A Teoria Transcendental concentra-se no aspecto puramente normativo do Direito, conflitando-se 
com o mundo dos fatos, da realidade. Sob esse ponto de vista, Walz diz que: 
	
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Si le droit relève donc du monde normatif et si la pureté de la conception se complète par le 
désintéressement absolut du monde réel et historique, l’unité de la jurisprudence doit être réalisée 
par la désignation d’une norme fondamentale, logique, suprême, dont se déduiront toutes les 
auttres normes faisant partie du système du droit.(28) 
Este é o primeiro postulado do princípio fundamental da Teoria Transcendental. A norma 
fundamental é considerada como sendo a fonte suprema da ordem jurídica positiva; aliás, a 
positivação de uma ordem jurídica corresponde à possibilidade de ser deduzida de uma norma 
fundamental suprema. 
A concepção monista de Kelsen, na verdade, encontra paralelos na antiga idéia de Christian 
Wolff sobre civitas maxima, onde a sociedade de Estados torna-se a ordem jurídica 
predominante, e, considerando-se o método transcendental, no qual a ordem jurídica e o Estado 
são noções idênticas, o Direito Internacional se incorpora pela civitas maxima em sua forma 
moderna; pois, é do Direito Internacional que as ordens estatais derivam.(29) 
Um outro método, além do método transcendental utilizado por Walz, é o da argumentação 
psicológica que também visa a provar a unidade das duas ordens jurídicas. O precursor dessa 
abordagem é Krabbe e sua tese objetiva interpretar o Direito existente; pois: "(...) ce n’est pas la 
spéculation mais bien la réflexion qui doit fonder la suprématie du droit positif.(30)". Krabbe afirma 
que o Direito Internacional, assim como todo e qualquer Direito, se funda sob a consciência: "Le 
droit international est interprété comme étant un droit supernational, puisqu’il y existe une 
communauté juridique supérieure englobant tous les Etats.(31)". Ademais, os sujeitos do Direito 
Internacional não são os Estados, mas, sim, os homens e a diferença entre as duas ordens 
jurídicas está no âmbito dos valores. O DI não pode ser concebido sem a existência de uma 
ordem jurídica interna. Vê-se, portanto, que segundo as argumentações psicológicas, os sujeitos, 
os conteúdos e os objetos são os mesmos para ambas as ordens e que a distinção está no 
campo dos valores, por essa razão, o DI: "(...) possède une valeur juridique supérieur et domine 
ainsi le droit national.". (32) 
Os métodos da teoria transcendental e das argumentações psicológicas, assinalados por Walz, 
são modelos teóricos aplicados nas argumentações a favor do monismo com primazia do DI. 
Esses esforços devem, ainda, ser completados com uma breve análise dos fundamentos de 
Kelsen, visto que, é a partir de seus trabalhos que o monismo ganha espaço no debate jurídico 
internacional.(33) 
4. Críticas às Teorias Monista e Dualista 
Desde o início do século XX, sobremaneira pela contribuição das publicações no Recueil des 
Cours, foi estabelecendo-se uma doutrina internacional dentro da qual se desenvolveu um 
fecundo debate sobre a relação entre o Direito Internacional e o Direito interno dos Estados. Hoje, 
o que Visscher assegurava há mais de 50 anos atrás, que International law is part of the land, não 
mais é questionado na atual sociedade internacional.(34) O Direito Internacional já é parte do 
Direito interno dos Estados. O debate atual gira em torno da forma de relação entre o Direito 
Internacional e o Direito interno, a partir da qual se questiona a imperatividade das normas 
internacionais, bem como efetividade dos tratados internacionais, na ordem jurídica interna. Quer 
dizer, questionam-se, sim, acerca das formas de internalização do direito internacional no 
ordenamento jurídico dos Estados, questionamento que esbarra na soberania nacional. 
Para Hildebrando Accioly, os Estados cumprem as normas derivadas do Direito Internacional, e 
são exceções, na atual sociedade internacional, aqueles Estados que ainda pretendem submeter 
o Direito Internacional ao seu Direito interno.(35) Nesta situação, a soberania nacional é utilizada 
como fundamento para autodeterminação do Estado em face o Direito Internacional. 
Mirtô Fraga tem um entendimento bastante conciliador: 
	
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A adoção pode ser automática ou não; a superioridade do tratado sobre a lei pode ser expressa, 
sendo verdadeira, também, a posição oposta; pode-se ainda, nada estabelecer, competindo, 
nesse caso, aos Tribunais a tarefa de determinar qual delas deva ser aplicada; é certa, no 
entanto, a tendência de se procurar uma interpretação que permita a conciliação.(36) 
Nádia de Araújo, apesar de reconhecer que as teorias monista e dualista apresentem-se ainda 
como uma referência no estudo das relações entre o Direito interno e o Direito Internacional, 
também assegura que: 
Saber se há separação de qualquer espécie entre o ordenamento jurídico nacional e o 
internacional, e, ainda, em que qualidade o tratado integra o ordenamento jurídico interno traz à 
tona a velha controvérsia entre as idéias colocadas, nos anos 20, por dualistas e monistas, 
correntes teóricas que até hoje assombram a doutrina nacional.(37) 
Pelo texto acima, pode-se deduzir que a autora lamenta a insistente referência destas duas 
teorias como vias exclusivas para se estudar a relação entre as duas ordens jurídicas. Assim 
como Nádia de Araújo, outros autores e acadêmicos têm criticado a dicotomização do estudo da 
relação entre o Direito Internacional e o Direito interno reduzindo-o em duas vias de explicação: 
monismo e dualismo. Com efeito, o tema é controvertido e ainda suscita especulações 
doutrinárias. 
___________________________________________________ 
(1) Vale citar algumas obras da bibliografia indicada por Celso Mello acerca desse tópico: Dionisio Anzilotti. "Il Diritto 
Internazionale nel Giudizi Interni", in Schitti di Diritto Internazionale, vol I, 1956, pp. 291 e seg.; Henrich Triepel. "Les 
Rapports entre les Droit Interne et le Droit International", in RDC, 1923, T. I, pp. 77 e seg.; Erich Triepel. "Traité 
International et Loi Interne", in Mélanges Gilbert Gilde, 1963, pp. 383 e seg.; Gustav Adolf Walz. "Les Rapports du 
Droit International et du Droit Interne", in RDC, 1937, Vol. III, T. 61. Pp. 379 e seg.; G. Barile. Diritto Internazionale e 
Diritto Interno. 1960; Pedro Baptista Martins. Da Unidade do Direito e da Supremacia do Direito Internacional. 1942; 
Riccardo Monaco. L’Odinamento Internazionale in Raporto all’Ordinamento Statuale. 1932; H. F. Panhuys. "Relations 
and Interactions between International and National Scenes of Law", in RDC, 1964, Vol. II, T. 112, pp. 7 e seg.; Pierre 
lardy. La Force Obligatoire du Droit Interne. 1966; Wilhelm Wengler. "Réflexion sur l’Application du Droit International 
Public par les Tribunaux Internes", in RGDIP, 1968, no. 4, oct/dec, pp. 921 e seg.; H Mosler. "L’Application du Droit 
International Public par les Tribunaux Nationaux", in RDC, 1957, vol. I, t. 91, pp. 619 e seg.; M. Miele. "Les 
Organisations Internationales et le Domaine Constitutionnel des États", in RDC, 1970, vol. II, t. 131, pp. 309 e seg.; 
Edoardo Vitta. "International Conventions and National Conflict Systems", in RDC, 1969, vol. I, t. 126, pp. 111 e seg.; 
Juan Carlos Puig. "Derecho de la Comunidad Internacional y Derecho Interno", in Estudios de Derecho y Política 
Internacional, 1970, pp. 265 e seg.; Vicente Marotta Rangel. "Os Conflitos entre o Direito Interno e os Tratados 
Internacionais",in BSBDI, jan. dez, 1967, nos. 45 e 46, pp. 29 e seg.; Wilfried M. Bolewski. "Les Certificats 
Gouvernamentaux Relatifs à l’Application du Droit International par le Juge Anglais", in RGDIP, 1973, no. 3, juilet/ 
sep., pp. 672 e seg.; F. A Mann. Studies in International Law. 1972, pp. 327 e seg.; A Cassese. "Modern Constitutions 
and International Law", in RDC, 1985, vol III, t. 192, pp. 333 e seg.; Michel Waelbroeck. "Les Effets Internes des 
Accords Internationaux Conclus par Communauté Économique Européenne", in Mélanges Charles Chaumont, 1984, 
pp. 579 e seg.; Joel Rideau. "Constitution et Droit International dans les États Membres de Communautés 
Européenes", in Revue Française Droit Constitutionnel, 1990, no. 2, pp. 259 e seg. 
(2) FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direito Interno. Rio de Janeiro: Forense, 1998, 
p. 03. 
(3) RANGEL, Vicente Marotta. "Os Conflitos entre o Direito Interno e os Tratados Internacionais", in BSBDI, nº 44-45, 
pp. 29-64, 1967, p. 30. 
(4) FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direito Interno. Rio de Janeiro: Forense, 1998, 
p. XIII. 
(5) Realmente, a teoria e a prática são coisas distintas, fato que mereceu atenção exclusiva. Mirtô também 
reconhece esta independência: "A questão pode ser estudada de dois pontos de vista: o teórico e o prático." 
(FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direito Interno. Op. cit., p.04) 
(6) MELLO, Celso. Curso de Direito Internacional Público. op. cit., p. 82. 
	
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(7) Id. Ib., p. 87. 
(8) Triepel estudou na Universidade de Fribourg, em Brisgau, e na de Leipzig, onde adquiriu seu título de Doutor em 
Direito, em 1891. De 1890 a 1897, Triepel trabalhou com a prática jurídica, nesses últimos anos, como juiz suplente 
(Richter) no Tribunal Regional (Landgericht) de Leipzig. Durante esses anos, ele adquire o título de privat-docent da 
Universidade de Laipzig, onde ele fora professor extraordinário em 1899. Mais tarde, Triepel fora convidado a 
lecionar D. público e DI na Universidade de Tubingen, em 1900, em Kiel, em 1909 e em Berlim, em 1913. Em 1914, 
fora nomeado Conseiller intime de Justice (Geheimer Justizrat). De 1910 a 1920, Triepel pertenceu ao Instituto de DI, 
de onde fora Conseiller technique para o D. Público Estrangeiro e DI. Ao final de sua vida presidiu a União Alemã dos 
Professores de Direito Público e foi membro da Députation Permanente do Comitê dos Juristas Alemães. 
As atividades acadêmicas de Triepel desenvolveram-se em dois campos: o Direito Público e o Direito Internacional. 
No campo do Direito Público, podem-se mencionar as seguintes obras: Das Interregnum (1892); Wahtrecht 
Wahlpflicht (1900, traduzida em russo, em 1906); Die Thronfolge in Furstentum Lippe (1903); Unitarismus und 
Foderalismus (1907); Die Kompetenzen des Bundesstaals und die Geschricbene Verfassung (1908); Zur 
Vorgeschichle der Norddeutschen Bundesperfassung (1911); Die Reichsaufsicht (1917); Streitigkeiten Zwischen 
Reich und Landern (1923); Quellensammlung zum Deutschen Reichsstaatsrecht (3a. edição, 1922). Na área do DI, 
podem ser citadas as obras: Volkerrecht und Landesrecht (1899, traduzida em italiano, em 1913, em francês, em 
1920); Die Zukunft des Volkerrechts (1916); Die Freiheit der Meere (1917); konterbande, Blockade und Seesperre 
(1918); Virtuelle Staatsangehorigkeit (1921). (TRIEPEL, op. cit., p. 74). 
(9) WALZ, G A . "Les Rapports du Droit International et du Droit Interne", in RDC, Paris, 1937, vol. III, t. 61, p. 379. 
(10) Ibid., p. 379. 
(11) VERDROSS. "La Loi de la Formation des Groupes Juridiques et la Notion de Droit International Public" in 
Introduction à l’Étude du Droit Comparé, Recueil d’Études en l’Honneur d’Edouard Lambert, 1938, vol. I, p. 63. 
(12) WALZ, "Les Rapports du Droit International et du Droit Interne", op. cit., p. 55. 
(13) VERDROSS, "La Loi de la Formation des Groupes Juridiques et la Notion de Droit International Public". op. cit., 
p. 63. 
(14) Como observa Triepel, pouco importa se os tratados são concluídos por um número grande de signatários - 
Convenção de Genebra, Ato do Congo, Ato Antiescravagista, Declaração de Paris sobre Direito Marítimo, as 
Convenções de Haya e muitas outras -, ou por um número reduzido de Estados, podendo, neste caso, serem 
também considerados os tratados bilaterais. 
(15) A tese dualista, proposta por Triepel, teve uma grande aceitação principalmente na Alemanha e na Itália. O 
dualismo, tal como fora construído por Triepel, todavia, sofreu algumas modificações quando repensado por outros 
autores. Não que esses autores tenham se distanciado da substância do dualismo, que é a consideração da 
existência de dois sistemas jurídicos independentes, mas, cada autor contribuiu com novos conceitos e postulados 
dentro da mesma estrutura teórica do dualismo jurídico. Foi o caso, por excelência de Anzilotti: "Anzilotti adopts a 
different approach; he distinguishes international law and State law according to the fundamental principles by which 
each system is conditioned. In his opinion, State law is conditioned by the fundamental principle or norm that State 
legislation is to be obeyed, while international law is conditioned by the principle pacta sunt servanda.". (STARKE, J. 
G. An Introduction to International Law. London: Butterworth & Co., 1950, p. 55) 
A diferença substancial com relação a Triepel é que Anzilotti admite a aplicação imediata do Direito Internacional 
pelos tribunais internos. Como destaca Walz: "Chez Triepel, nous avons affaire à une médiatisation total, qui se 
trouve modifiée par Anzilotti pour le cas en cause.". (WALZ, G A . "Les Rapports du Droit International et du Droit 
Interne", in RDC, Paris, 1937, vol. III, t. 61, p. 387) 
Pode-se dizer, em suma, que Triepel construiu um dualismo radical, em razão da rigidez estabelecida nas suas 
categorizações, e que Anzilotti, ainda dentro do arcabouço teórico dualista, admite algumas flexibilidades na questão 
central, ou seja, a de se saber como são estabelecidas as relações entre o Direito Internacional e o Direito interno, 
podendo-se falar de um dualismo moderado. Com efeito, qualquer discussão acerca de conflitos entre fontes tem que 
considerar, ao menos a título de contraposição argumentativa, os estudos de Triepel, a quem se devem, certamente, 
os primeiros esforços na busca de uma resposta à questão da relação entre o Direito Internacional e o Direito interno. 
 (16) MELLO, Celso. Curso de Direito Internacional Público. op. cit., p. 84. 
(17) Id. Ib., p. 84. 
(18) Id. Ib., p. 84. 
	
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(19) Id. Ib., p. 84. 
(20) Id. Ib., p. 85. 
(21) Id., Ib., p. 85 
(22) WALZ, "Les Rapports du Droit International et du Droit Interne". op. cit., p. 391. 
(23) Uma das grandes discussões no Direito Internacional é de se saber se o DIP é capaz de estabelecer 
mecanismos cogentes para o cumprimento das normas internacionais. Nesse sentido, o tratado é considerado como 
sendo um instrumento que confere certa estabilidade às relações internacionais. Nos estudos de relações 
internacionais, há duas correntes preponderantes o realismo político e o positivismo jurídico que parecem 
compartilhar da premissa de que num mundo sem soberanos não há direito e tampouco justiça. Dos muitos autores 
que discutem esta questão, três autores podem ser citados: Alexander Wendt, Helen Macmanus e Nicholas Onuf. Os 
três apresentam argumentos que se contrapõem ao paradigma no qual não existiria direito ou justiça nas relações 
internacionais em razão da ausência de um governo comum. Sistematizam uma visão alternativa das relações 
internacionais pela crença em que o direito, a justiça e as instituições são elementos constitutivos da sociedade 
internacional. 
(Extrato de trabalho apresentado para a disciplina Teoria das Relações Internacionais, em 2002, UERJ, mestrado em 
Direito Internacional,com consulta a seguinte bibliografia: BROWN, Chris. "Contractarian Thought and the 
Constitution of International Society"; BULL, Hedley. A Sociedade de Estados: um Estudo da Ordem Política Mundial. 
São Paulo: UNB 2002; DONNELLY, Jack. Realism and International Relation. Cambridge University Press, 2000; 
GRIECO, Joseph M. "Anarchy and the Limits of Cooperation: a Realist Critique of the Newest Liberal Institutionalism". 
In Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary Debate. New York: Columbia University Press; MACMANUS, 
Helen. International Law Constructing Power? University of Missouri – Columbia; MAPEL, D. And T Nardin, Eds. 
International Society: Diverse Ethical Perspectives. Princeton University Press, 1998; MILNER, Helen. "The 
Assumption of International Relations Theory: A Critique". In Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary 
Debate. New York: Columbia University Press; NARDIN, Terry. "Legal Positivism as a Theory of International 
Society"; NARDIN, Terry. Lei Moralidade e as Relações entre os Estados. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 
1987; ONUF, Nicholas. Construtivism: A User´s Manual, in International Relations in a Constructed World. New York: 
M E Sharpe; WALTZ, Kenneth. Man, the State and War: A theorethical Analysis. New York: Columbia University 
Press 1954) 
(24) MESTRE, A . "Les Traités et le Droit Interne", in RDC, Paris, 1931, T. 38, vol. IV, p. 238. 
(25) Ibidem, p. 239. 
(26) MOSLER, K. "L’Application du Droit International Public par les Tribunaux Nationaux", in RDC, Paris, T. 91, vol. I, 
1957, p. 626. 
(27) WALZ, "Les Rapports du Droit International et du Droit Interne". op. cit., p. 391. 
(28) Id., Ib., p. 392. 
(29) Id., Ib., p. 397. 
(30) Id., Ib., p. 397. 
(31) Id., Ib., p. 397. 
(32) Id., Ib., p. 397. 
(33) Cumpre ressaltar, finalmente, o que Kelsen diz acerca da teoria dualista, ou como ele denomina, da lógica dessa 
teoria. A partir de uma análise crítica de alguns pressupostos da teoria dualista, Kelsen chegou à conclusão de que o 
dualismo é uma forma de subjugar o preponderante papel desempenhado pelo Direito Internacional nas relações 
internacionais, que leva, como ele sugere, a um: "anéantissement complet du droit international". Mais contundente 
ainda, Kelsen afirma que o dualismo é, sobretudo, um corolário dogmático-apológico da soberania do Estado; pois, 
defender a manutenção da autoridade suprema do Estado sobre qualquer ordem de caráter supranacional, é 
defender, em última instância, a teoria clássica da soberania estatal, visto que: "(...) c’est également ce dogme de la 
souveraineté qui, au fond, se cache derrière la construction dualiste du droit international.". (KELSEN, Hans. "Les 
Rapport de Système entre le Droit Interne et le Droit International Public", in RDC, Paris, 1926, vol. IV, t. 14, p. 288) 
(34)VISSCHER, Paul de. "Les Tendances Internationales des Constituitions Modernes", in Recueil des Cours, 
Academie de Droit International, Haye, Tome 80, nº I, 1952, pp. 511-578, p. 526. 
	
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(35)ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: IBGE, 1956, vol. I, p.50. 
(36)FRAGA, op. cit., p. 27. 
(37) ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 
140. 
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Artigos/Art_Mariangela.htm

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