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História Cultural e História das Mentalidades

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Aula 5 - Cultura e Sociedade – História Cultural e História das Mentalidades
Cultura e História constituem uma relação tão importante como a que discutimos na aula de Poder e História. Nesta ultima relação, preside a formação da modalidade historiográfica que podemos denominar “historia politica”, conforme vimos anteriormente. Já a relação entre cultura e historia permite que falemos também da História Cultural – campo histórico que se torna mais preciso e evidente a partir das ultimas décadas do século XX, mas que tem antecedentes desde o inicio do Século, sem contar exemplos mais dispersos entre os historiadores oitocentistas. Um exemplo de historiador oitocentista que já sei preocupa com a relação entre Historia e Cultura é o Jacob Burckhardt, autor de Cultura do Renascimento na Itália. No inicio do século XX, temos outro precursor, Johannes Huizinga, que em 1919 escreveu o célebre Outono da Idade Média. Mas de modo geral teremos de avançar no século XX para encontrar mais historiadores culturais e, sobretudo os novos historiadores culturais, que já trabalham, conforme veremos, com um conceito ampliado de cultura.
A história Cultural é mais um daqueles campos históricos definidos por uma dimensão que o historiador examina em primeiro plano ao analisar as sociedades historicamente localizadas. Desta maneira, a História Cultura é atravessada pela noção de cultura, do mesmo modo que a História Politica é o campo atravessado pela noção de poder, o que a Historia Demográfica funda-se sobre o conceito de “população”. Também a “cultura” corresponde a um conceito extremamente polissêmico (um conceito que apresenta diversos sentidos) e ainda o século XX trouxe-lhe novas redefinições e abordagens em relação ao que se pensava no século XIX como um âmbito cultural digno de ser investigado pelos historiadores.
Orientando-se em geral por uma noção bastante restrita de “cultura”, os historiadores do século XIX costumavam a passar ao largo das manifestações culturais de todos os tipos de cultura popular. Além disso, também ignoravam que qualquer objeto material produzido pelo homem fosse também parte da cultura – da cultura material, mais especificamente. Negligenciava-se o fato de que toda a vida cotidiana está inquestionavelmente mergulhada no mundo da cultura.
Ao existir, qualquer indivíduo já está automaticamente produzindo cultura, sem que para tal seja preciso ser um artista, um intelectual, ou um artesão. A própria linguagem, além das praticas discursivas que constituem a substância da vida social, embasam esta noção mais ampla da cultura. Comunicar é produzir cultura, e de saída isto já implica na duplicidade reconhecida entre Cultura Oral e Cultura Escrita, sem falar que o ser humano também se comunica através dos gestos, do corpo, de sua maneira de estar no mundo social, isto é, do seu modo de vida.
Para exemplificar com uma situação particularmente significativa, tomemos um “livro”, este objeto cultural reconhecido por todos os estudiosos e historiadores que até hoje se debruçam sobre os problemas culturais. Ao escrever um livro, seu autor incorpora o papel de um produtor cultural. Isto todos reconhecem. O que foi acrescentado pelas modernas teorias da comunicação é que, ao ler este mesmo livro, um leitor comum também esta produzindo cultura. A leitura, enfim, é pratica criadora – tão importante neste mister quando o gesto da escrita e publicação do livro. Pode-se dizer ainda, que cada leitor termina por recriar o texto original de uma nova maneira, de acordo com os seus próprios âmbitos de “competência textual” e com as suas especificidades, inclusive com a sua capacidade de comparar o texto com outros que leu e que podem não ter sido previstos ou sequer conhecidos pelo autor do texto original. Desta forma, uma prática cultural não é constituída apenas no momento da produção de um texto ou de qualquer objeto cultural, ela também se constitui no momento da recepção. Este exemplo é aqui lembrando com o fito de destacar a complexidade que envolve qualquer prática cultural (e elas são de numero indefinido).
Desde já, para aproveitar o exemplo anteriormente discutido, poderemos evocar uma delimitação já moderna da Historia Cultural elaborada por George Duby. Para o historiador francês, este campo historiográfico estudaria, dentro de um contexto social, os “mecanismos de produção dos objetos culturais” (aqui entendidos como quaisquer objetos culturais e não apenas as obras-primas oficialmente reconhecidas). O exemplo proposto autoriza-nos a acrescentar algo. A Historia Cultural enfoca não apenas os mecanismos de produção dos objetos culturais, como também os seus mecanismos de recepção, e vimos que, de um modo ou de outro, a recepção é também uma forma de produção. Estabelecido isto, retomemos a comparação entre os atuais tratamentos historiográficos da Cultura e aqueles que eram típicos do século XIX.
Ao ignorar a inevitável complexidade da noção básica que a fundamentava, a História da Cultura, tal como era praticada nos tempos antigos, terminava por ser uma historia elitizada, tanto no que se refere aos sujeitos como aos objetos estudados. A noção de “cultura”, que antes a perpassava, era uma noção demasiado restrita, que os avanços da reflexão antropológica vieram desautorizar. Não se pode dizer que as produções culturais, reconhecidas por várias épocas como “alta cultura”, ou a produção artística que está hoje sacramentada pela prática museológica tenham perdido interesse para os historiadores. Ao contrario, estuda-se Arte e Literatura do ponto de vista historiográfico muito mais do que nos séculos anteriores ao século XX. Apenas que a esses interesses mais restritos acrescentou-se uma infinidade de outros. Isso parece ter sido a principal contribuição do ultimo século para a Historia da Cultura. Para além disso, passou-se a avaliar a Cultura também como processo comunicativo, e não como a totalidade dos bens culturais produzidos pelo homem. Este aspecto, para o qual confluíram as contribuições advindas das teorias semióticas da cultura, também representou um passo decisivo.
As noções que se acoplam mais habitualmente à de “cultura” para construir um universo de abrangência da História Cultural são as de “linguagem” (ou comunicação), “representações”, e de “praticas” (praticas culturais realizadas entre os seres humanos e na sua relação com o mundo, o que em ultima instancia inclui tanto as “práticas discursivas” como as “práticas não discursivas”). Para além disso, a tendência nas ciências humanas de hoje é muito mais de falar em uma “pluralidade de culturas” do que em uma única Cultura tomada de forma generalizada. Como estamos empregando a História Cultural como um dos enfoques possíveis para o historiador que se depara com uma realidade social a ser decifrada, utilizaremos em algumas ocasiões a expressão empregada no singular como ordenadora desta dimensão complexa da vida humana. Trata-se, no entanto, de uma dimensão múltipla, plural, complexa e que pode gerar diversas aproximações diferenciadas.
Os objetos da História Cultural, face à noção complexa de cultura que hoje predomina nos meios da historiografia profissional, são inúmeros. A começar pelos objetos que já faziam parte dos antigos estudos historiográficos da Cultura, continuaremos mencionado o âmbito das Artes, da Literatura e da Ciência – campo multidiversificado, no qual podem ser observadas desde as imagens que o homem produz de si mesmo, da sociedade em que vive e do mundo que o cerca, até as condições sociais de produção e circulação dos objetos de arte e literatura. Fora esses objetos culturais, há muito tempo reconhecidos, e que de resto sintonizam com a “cultura letrada”, incluiremos todos os objetos da “cultura material” e os materiais (concretos ou não) oriundos da “cultura popular”, produzida ao nível da vida cotidiana através de atores de diferentes especificidades sociais. De igual maneira, uma nova Historia Cultural irá interessar aos sujeitos produtores e receptores de cultura –o que abarca tanto a função social dos “intelectuais”, de todos os tipos (no sentido amplo, conforme veremos adiante), até o publico receptor, o leitor comum, ou as massas capturadas modernamente pela chamada “indústria cultural”. Esta também pode ser relacionada a uma agencia produtora e difusora de cultura. Agencias de produção e difusão cultural também se encontram no âmbito institucional: os Sistemas Educativos, a Imprensa, os meios de comunicação, as organizações socioculturais e religiosas. 
O que são as “praticas culturais”? Antes de tudo, convem ter em vista que esta noção deve ser pensada não apenas em relação às instancias oficiais de produção cultural, às instituições várias, às técnicas e às realizações (por exemplo os objetos culturais produzidos por uma sociedade), mas também aos usos e costumes que caracterizam a sociedade examinada pelo historiador. São práticas culturais não apenas a feitura de um livro, uma técnica artística ou uma modalidade de ensino, mas também os modos como, em uma dada sociedade, os homens falam e se calam, comem e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros.
Para compreender melhor, vejamos um exemplo concreto. Para este fim, acompanharemos as “práticas culturais” (e neste caso as “praticas sociais”) que se entreteceram no Ocidente Europeu durante um período situado entre a Idade Média e o período Moderno, com relação a aceitação ou rejeição da figura do “mendigo”. Poderiamos escolher qualquer outra figura humana menos ou mais emblemática – como o louco, o marginal, o monge, o devoto, o comerciante. O mendigo, contudo, traz-nos o beneficio adicional de recolocar problemas relacionados à Historia Social, do Imaginário, das Religiosidades, à própria História Política e tantas outras modalidades historiográficas que se combinam à Historia Cultural para construir análise deste ator social que se coloca nas bordas da sociedade, do sistema de trabalho, do imaginário político e religioso, e que ameaça viver à margem das regras da comunidade. O mendigo, de fato, em que pese a sua singular independência na dependência – uma vez que habitualmente é singularmente livre dentro dos limites que lhe são impostos pela dependência da caridade alheia e pela vigilância dos poderes constituídos – é um ator social que precisa ser administrado socialmente, economicamente, politicamente, em determinadas sociedades religiosamente. Dependendo do sistema econômico e das suas circunstâncias, pode ser que o persigam ou que tentem evitar o seu próprio existir; dependendo da economia de valores religiosos pode ser que ele seja um objeto necessário para a própria dinâmica da caridade. O mendigo esta excluído do mundo politico institucionalizado; sofre, contudo, as ações politicas e pode ser vitima de poderes e micropoderes vários. A literatura pode romantiza-lo ou pinta-lo com as cores mais realistas da miséria social; certas correntes estéticas podem elegê-lo como objeto estético, em decorrência de suas potencialidades expressionistas. Eis, portanto, uma figura limite, objeto para muitas histórias. Tomemo-lo como pretexto para uma reflexão acerca do par conceitual das “práticas” e “representações”.
Entre o fim do século XI e o inicio do século XIII, o pobre, e entre os vários tipos de pobres, o mendigo, desempenhava um papel vital e orgânico nas sociedades cristãs do Ocidente Europeu. A sua existência social era justificada como primordial para a “salvação do rico”. Consequentemente, o mendigo – pelo menos o mendigo conhecido – costumava ser bem acolhido na sociedade medieval, ao menos na maior parte dos países europeus. Toda comunidade, cidade ou mosteiro queriam ter os seus mendigos, pois eles eram vistos como lações entre o céu e a terra – instrumentos através dos quais os ricos poderiam exercer a caridade para expiar os seus pecados. Esta visão do pobre como “instrumento de salvação para o rico” antecipemos desde já, é uma “representação cultural”. A “representação”, conforme poderemos entende-la a partir deste e de outros exemplos, está associada a um certo modo de “ver as coisas”, de dá-las a ver, de refigurá-las. A postura medieval em relação aos mendigos também gerava “práticas”, mais especificamente costumes e modos de convivência. Fazem parte também do conjunto das “práticas culturais” de uma sociedade os modos de vida, as atitudes (acolhimento, hostilidade, vigilância, desconfiança), ou as normas de convivência (caridade, discriminação, repúdio, repressão). Tudo isso, conforme veremos, são práticas culturais que, além de gerarem eventualmente produtos culturais no sentido literário e artística, geram também padrões de vida cotidiana (“cultura” no moderno sentido antropológico). Naturalmente, não pode deixar de ser notado aqui, através deste objeto historiográfico canalizado pela figura do “mendigo”, a tendência a uma conexão entre História Cultural e História Social, por vezes conclamando também História Política.
No século XIII, com as ordens mendicantes inauguradas por São Francisco de Assis, a valorização do pedinte pobre recebe ainda um novo impulso, abrindo um capítulo importante na História da Igreja e na História das Religiosidades. Antes ainda havia aquela visão amplamente difundida de que, embora o pobre fosse instrumento de salvação necessário para o rico, o mendigo em si mesmo estaria naquela condição como resultado de um pecado. O seu sofrimento pessoal, tendia-se a pensar, não era gratuito, mas resultado de uma determinação oriunda do plano espiritual. Os franciscanos apressam-se em desfazer esta “representação”. Seus esforços atuam no sentido de produzir um discurso de reabilitação da imagem do pobre, e mais especificamente do mendigo. O pobre deveria ser estimado pelo seu valor humano e não apenas por desempenhar este importante papel na economia de salvação das almas. O mendigo não deveria ser mais visto em associação a um estado pecaminoso, embora útil.
Estas representações medievais sobre o pobre, com seus mais sutis deslocamentos, são complementares a inúmeras práticas, e é este o ponto ao qual queríamos chegar, de modo a dar a perceber a complementariedade entre estes dois polos: as “práticas” e “representações”. Desenvolvem-se as instituições hospitalares, os projetos de educação para os pobres, as caridades paroquiais, as esmolarias de príncipes. A literatura dos romances, os dramas litúrgicos, as iconografias das igrejas e a arte dos trovadores difundem, em meio a suas práticas, as representações do pobre que lhe dão um lugar relativamente confortável na sociedade. Havia os pobres locais, que eram praticamente adotados pela sociedade na qual se inseriam, e os “pobres de passagem” – os mendigos forasteiros que, se não eram acolhidos em definitivo, pelo menos recebiam alimentação e cuidados por um certo período antes de serem convidados a seguir viagem.
O próximo exemplo que gostaríamos de retomar é o do livro, pois talvez nenhum outro objeto de cultura seja constituído tão claramente de uma confluência de feixes de práticas e representações. Já mencionamos o fato de que os livros envolvem práticas e representações criadoras tanto da parte de seus autores, como de seus leitores. Veremos agora que existem inúmeras outras práticas e representações que se entrelaçam de modo a permitir a constituição de um livro, sua circulação, sua reapropriação pelos diversos tipos de leitores. O exemplo do livro é particularmente oportuno, uma vez que estamos aqui diante de um objeto de cultura que já passou por inúmeras formas, mas que, nas linhas gerais, é algo bem conhecido no nosso tipo de sociedade e de muitas outras. Para a sua produção, são movimentadas determinadas práticas culturais e também representações, sem contar que o próprio livro, depois de produzido, irá difundir novas representações e contribuir para a produção de novas práticas.
As praticas culturais que aparecem na construção do livro são tanto de ordem autoral (modos de escrever,de pensar ou expor o que será escrito), como editorias (reunir o que foi escrito para construí-lo em livro), ou ainda artesanais (a construção do livro na sua materialidade, dependendo de estarmos na era dos manuscritos ou da impressão). Da mesma forma, quando um autor se põe a escrever um livro, ele se conforma com determinadas representações do que se espera dele, com certas representações concernentes ao gênero literário no qual se inscreverá a sua obra, com representações concernentes aos temas por ela desenvolvidos. Esse autor também poderá se tornar criador de novas representações, que encontrarão no devido tempo uma ressonância maior ou menor no circuito leitor ou na sociedade mais ampla.
É preciso lembrar mais uma vez que a leitura de um livro também gera práticas criadores, podendo produzir concomitantemente práticas sociais. O livro pode ser lido silenciosamente, em recinto privado, em uma biblioteca, em praça pública etc. Sabemos que sua leitura poderá ser individual ou coletiva (um letrado, por exemplo, pode ler o livro para uma multidão de não-letrados), e que o seu conteúdo poderá imposto ou rediscutido. Por fim, a partir da leitura e difusão do conteúdo do livro, poderão ser gerada inúmeras representações novas sobre os temas que o atravessam, que em alguns casos poderão passar a fazer parte das representações coletivas.
A leitura complexa e multidimensional de objetos culturais, representações e práticas tem levado historiadores diversos a ampliar suas perspectivas de estudos e interesses. Para referenciar a questão da História do Livro, por exemplo, teremos desde os historiadores que atentam mais especificamente para os mecanismos da recepção, como é o caso de Roger Chartier (1987) ou de Alberto Manguel (1999), como também aqueles que têm atentado para a necessidade de examinar as formas materiais do livro, tal como o historiador neozelandês Don McKenzie em seu ensaio Bibliography and Sociology of Texts (1986). Assim, detalhes como as características tipográficas e a diagramação seriam portadores de significados, devendo ser objeto de análise mais sistemática e aprofundada pelos historiadores.
A produção de um livro, ou de qualquer outro bem cultural, estaria, se aceitarmos o sistema conceitual acima esclarecido, necessariamente inscrita em um universo regido por estes dois polos que são as práticas e as representações. Os exemplos são indefinidos. Um sistema educativo inscreve-se em uma prática cultural, mas ao mesmo tempo inculca naqueles que a ele se submetem determinadas representações destinadas a moldar certos padrões de caráter e a viabilizar um determinado repertório linguístico e comunicativo que será vital para a vida social, pelo menos tal como a concebem os poderes dominantes. Em casos como este, como também no exemplo do mendigo, as práticas e representações são sempre resultados de determinadas motivações e necessidades sociais, e isto permite um entrelaçamento maior entre história cultural e história social. Para aprofundar mais a discussão sobre os conceitos de práticas e representações, leia textos especializados, como o artigo de José D’Assunção Barros sobre o tema (BARROS, 2005).
Fernando Braudel, em uma célebre obra intitulada O Mediterrâneo e a época de Felipe II, propôs um modelo simplificado para a compreensão da complexidade dos tempos históricos.  Seria possível pensar a história e tudo o que nela acontece de acordo com três ritmos diferenciados de mudanças (ou durações).
Curta Duração
Média Duração
Longa Duração
Diz-se que um acontecimento ou processo é de curta duração quando ele se modifica muito rapidamente, isto é, quando tem um ritmo mais acelerado de mudanças. Muitas vezes, certos aspectos do mundo político parecem mudar rapidamente. Nas democracias ocidentais, em quatro ou cinco anos, os presidentes costumam mudar, e com eles também ascendem ao poder novas configurações de partidos políticos, assim como novos ministros são empossados. O que são três ou quatro anos de duração de uma certa configuração política formal, em comparação com os vários séculos em que vão perdurando certos modos de pensar e de sentir, ou certos padrões de comportamento, como, por exemplo o “machismo”? A dominação masculina sobre o gênero feminino é um fenômeno de longa duração: veio mudando, mas só muito lentamente ao longo da história. Nos países da Europa, entre o século XVIII e os tempos atuais, já se alternaram muitas formas de governo, já ocorreram revoluções as mais diversas, ditadores ascenderam ao poder e depois foram derrubados (mesmo que tenham persistido no poder durante duas ou mais dezenas de anos), e gerações de presidentes e políticos foram eleitos nos regimes democráticos para mandatos relativamente curtos quando comparados a fenômenos de longa duração. De igual maneira, particularmente a partir do século XX, novas tecnologias se sucederam em mudanças de curta duração: surgiu o telefone com fio, sem fio, depois o celular, e logo a internet e outras formas mais instantâneas de comunicação. Neste último século, as mudanças tecnológicas obedeceram a ritmos de curta duração. Em contrapartida, certos hábitos mentais e formas de comportamento parecem ter mudado pouco, como o já referido exemplo do machismo. Quando recuamos no tempo, também percebemos que certos medos coletivos demoraram muito a serem superados ou vencidos. O homem europeu, antes de se aventurar nas expansões ultramarinas do século XVI, para empreender as grandes travessias oceânicas que o permitiram chegar às Américas, esteve imobilizado por medos que duraram séculos, ou que só foram vencidos muito lentamente. Esses são exemplos de fenômenos de longa duração. Os historiadores das mentalidades começaram a se interessar pelo estudo das formas coletivas de pensar e de sentir que perduram e mudam muito lentamente. É esse interesse pelos padrões coletivos de pensar e de sentir que definiu esse novo campo histórico que começa a se consolidar a partir dos anos 1970 sob a rubrica de “história das mentalidades” (BARROS, 2005, p. 1).
Rigorosamente, qualquer tema pode ser trabalhado a partir dos vários enfoques que atrás classificamos como relacionados às dimensões sociais (a Política, a Economia, a Cultura, as Mentalidades, o Imaginário, e assim por diante). Dessa forma, uma História da Morte pode ser trabalhada com uma história Demográfica, Política, da Cultura Material e não apenas com a História das Mentalidades. Em contrapartida, temas tradicionais como o do “nacionalismo” ou da “religião” podem ser igualmente examinados sob a perspectiva de uma História de Mentalidades. Não são, portanto, os domínios privilegiados pelos historiadores das mentalidades que definem o tipo de história que fazem, mas sim a dimensão da vida social para a qual os seus olhares se dirigem: o universo mental, os modos de sentir, o âmbito mais espontâneo das representações coletivas e, para alguns, o inconsciente coletivo. José D’Assunçao Barros propõe um esclarecimento acerta dos critérios a partir dos quais devem ser pensados e repensados os vários campos e modalidades da História. Ao lado das abordagens, que se referem aos métodos e modos de fazer, e dos domínios, que se referem a compôs temáticos privilegiados pelos historiadores, as dimensões correspondem àquilo que o historiador traz para primeiro plano no seu exame de uma determinada sociedade: a Política, a Cultura, a Economia, a Demografia e assim por diante.
A verdadeira polemica que envolve a história das mentalidades é teórica e metodológica. Apenas para registrar alguns problemas pertinentes a este campo historiográfico que se consolida a partir da década de 1960, mencionaremos aqui as questões fundamentais que devem ser refletidas pelo historiador que ambiciona trilhar esses caminhos de investigação. Existirá efetivamente uma mentalidade coletiva? Será possível identificar uma base comum presente nos “modos de pensar e sentir” dos homens de determinada sociedade – algo que uma “César e o ultimo soldado de suas legiões, São Luíse o camponês que cultivava as suas terras, Cristovão Colombo e o marinheiro de suas caravelas”? Estas imagens, extremamente oportunas, foram celebrizadas por Lucien Febvre.
Abraçando a perspectiva teórica de que existem de fato mentalidades coletivas, o historiador deve ampliar a sua concepção documental. Conforme assinala François Furet, se o historiador das mentalidades pretende alcançar níveis médios de comportamento, não pode se satisfazer mais apenas com a literatura tradicional do testemunho histórico, que é inevitavelmente subjetiva, não representativa, ambígua. Assim, como veremos adiante, ocorreu um casamento feliz entre a História das Mentalidades (um campo histórico que se refere a uma “dimensão”) e a História Serial (um campo histórico que se refere a uma “abordagem”, e que já vinha se conectando com sucesso à História Econômica nas décadas anteriores). A revalidação dos estudos de natureza qualitativa, ao lado da abordagem serial, não esteve, contudo, alheia a outros historiadores das mentalidades – como no caso de Michel Vovelle, historiador marxista das mentalidades que defende um artigo importante o uso das duas abordagens como igualmente válidos para captar a dimensão mental de uma sociedade. Para resumir três ordens de tratamento metodológicos que os historiadores das mentalidades têm empregado na sua ânsia de captar os modos coletivos de pensar e de sentir, poderemos registrar precisamente: a abordagem serial, a eleição de um recorte privilegiado que funcione como lugar de projeção das atitudes coletivas (uma aldeia, uma prática cultural, uma vida) ou finalmente uma abordagem extensiva de fontes de naturezas diversas, este ultimo caso enquadra-se a obra de Philippe Ariès. Nesta ambiciosa obra, lança-se mão dos mais diversos tipos de fontes – desde os escritos de todos os tipos (obras literárias, textos hagiográficos, poemas, canções, crônicas oficiais, testemunhos anônimos) até as fontes iconográficas e os objetos de cultura material. Vovelle denomina esta utilização de um universo de fontes tão heterogêneo, percorrido mais ou menos livremente, de técnica, impressionista. De maneira análoga, conforme mencionamos, as diversas regiões ou subunidades espaciais de um mesmo país podem não se comportar da mesma maneira em uma certa realidade histórica: a economia das pequenas unidades pode apontar, eventualmente, para especializações economias e desenvolvimentos diferenciados.
Quando examina fontes iconográficas, afasta-se da abordagem qualitativa livre para avaliar topicamente a recorrência e ruptura de certos modos de representar, às vezes medindo espaços no interior da representação iconográfica e quantificando elementos figurativos. Se vai das fontes de cultura matéria à arquitetura funerária, por exemplo, ele faz medições das distancias que separam túmulos e altares. Sua abordagem é, portanto, sistemática, cuidadosamente preocupada com a homogeneidade das fontes e com o seu lugar preciso dentro da série. Phillipe Ariès, já utiliza a segunda ordem de procedimentos a que já nos referimos: de um modo geral, prefere a abordagem serial. Em sua tese sobre a Piedade Barroca e Descristianização, Vovelle examinou com precisão e método milhares de testamentos provençais. Fazia isso sempre de forma maciça e procurando enxergar serialmente padrões e seus deslocamentos que denunciassem as variações das atitudes diante da morte na longa duração por ele escolhida.
A derradeira ordem de tratamentos metodológicos corresponde a já mencionada eleição de um recorte privilegiado que funcione como lugar de projeção das atitudes coletivas ou de padrões de sensibilidade. Pode ser um microcosmo localizado ou uma vida, desde que o autor os considere significativos para a percepção de uma mentalidade coletiva mais ampla. Lucien Febvre, precursor distante dos estudos de mentalidade, havia tentado precisamente esta via. Em sua famosa obra sobre Rabelais, o historiador francês se propõe – a partir da investigação de um único indivíduo – identificar as coordenadas de toda uma era. A abordagem é criticada por Carlo Ginzburg, historiador habitualmente classificado na interconexão de uma História Cultural (dimensão) com uma Micro-História (abordagem). Ao contrário de Febvre, Ginzburg (1989, p.34) opta por instrumentalizar o conceito de “mentalidade de classe” em sua obra O Queijo e os Vermes. Neste último caso, onde toma como documentação principal os “registros inquisitoriais” do processo de um moleiro italiano perseguido pela inquisição no século XVI, Ginzburg mantém-se atento à questão da intertextualidade, isto é, ao diálogo que o discurso do moleiro Menocchio estabelece implicitamente com outros textos e discursos.
Embora ambos os historiadores partam de um estudo de caso individual, a abordagem torno-se distinta. Ressalta-se, no tratamento historiográfico levado adiante por Ginzburg, a já mencionada preocupação em identificar os vários registros dialógicos presentes em uma mesma fonte. Preocupação que se coadurna muito intimamente com um dos setores da chamada nova Historia Cultural. Assim, para além do discurso externo do próprio Menocchio, visível na superfície de suas fontes, o historiador italiano toma por objeto a multiplicidade de discursos que o constituem. Além disso, evita a pretensão de reconstruir uma “mentalidade de época” (embora admitindo a apreensão de uma “mentalidade de classe”, ou de mentalidades relativas a certos grupos sociais específicos). A metodologia de Grinzburg funda-se em uma análise dialógica e intensiva da documentação. 
Uma nova história cultural, alias, a maneira como as correntes foram discutidas no inicio desta aula, vem se fortalecendo cada vez mais como uma alternativa relevante para o tratamento de certos temas que tradicionalmente tem sido objetos privilegiados pelos historiadores das mentalidades. Ainda assim é preciso reconhecer que a História das Mentalidades, sobretudo através dos historiadores franceses da Novelle Histoire, proporcionou uma significativa abertura aos novos modos de fazer a história, inclusive deixando sua margem de influencias na historiografia brasileira da década de 1980. É verdade que, para o caso da maioria dos nossos historiadores, ela raramente foi uma influencia única e linear, aparecendo habitualmente combinada a outras influencias e entrelaçada com outras subespecialidades da Historia. 
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