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Scientiarum Historia II – Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências – UFRJ / HCTE & Universidade de Aveiro 2º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – 28 a 30 de outubro de 2009 História das vacinas: das técnicas a revolta Flávia Cristina Morone Pinto1 *, Teresa Cristina C. Piva2 1Mestre em Saúde Pública – Profª do Curso de Graduação em Enfermagem e Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública, do Centro Universitário Celso Lisboa 2 Doutora em Ciências – Profª do Curso de Graduação e Pós-Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Celso Lisboa flaviamorone@globo.com Palavras Chave: história das vacinas, Revolta da Vacina, técnicas de vacinação. Introdução Muitos povos vêm tentando ao longo dos tempos práticas rudimentares de imunizar as pessoas com o objetivo de tornar o organismo dos indivíduos mais resistentes e capazes de terem reações diante de certos agentes externos. Utilizavam inicialmente técnicas simples como, por exemplo: incrustar crostas em arranhões, furar a pele com agulhas contaminadas, vestir roupas íntimas de doentes, cortar a pele e colocar gotas de pus, dentre outras práticas. Um momento significativo para o avanço da imunização foi quando perceberam que as pessoas que sobrevieram ao ataque de varíola não contraíam novamente a doença. Os chineses foram os primeiros a deixarem registros sobre esta tentativa, mesmo sem um conhecimento profundo do que era a imunização, e esta prática ficou conhecida como variolização. No início do século XVIII, na Turquia, a inoculadora de origem grega, e por isso recebeu o nome de Tessaliana, possibilitou a imunização de cerca de 40 mil pessoas. Os jesuítas quando chegaram ao Brasil trouxeram a prática de inocular e a utilizaram com os índios. Os objetivos desta pesquisa são: apresentar uma cronologia das diferentes técnicas de vacinação e em adição levar a uma reflexão do que foi a Revolta da Vacina no Brasil. Resultados e Discussão Os resultados foram alinhavados seguindo a cronologia das técnicas de vacinação, com breve exposição sobre elas. Das Técnicas: A variolização foi a primeira das técnicas de vacinação, onde os primeiros registros desta prática, remontam aos chineses. Era conhecida entre diversos povos da África e da Ásia, como hindus, egípcios, persas, circassianos, georgianos, árabes. Embora a variolização pareça ter sido praticada em algumas regiões da França, na Escócia, no País de Gales e na Itália, atribui-se sua introdução na Europa à Lady Mary Wortley Montagu (1689- 1762), mulher do embaixador britânico na Turquia, que fez inocular seus filhos. Jesuítas inocularam índios no Brasil, e Zabdiel Boylston (1679- 1766) imunizou 243 pessoas durante uma epidemia em Boston, em 1721. Na mesma cidade, em 1764, novo surto de varíola levou à criação de dois hospitais particulares para inoculação. John Adams (1735- 1826), mais tarde presidente dos Estados Unidos, submeteu-se ao tratamento. (1) De acordo com Teixeira e Almeida (2) a vacina surgiu no final do século XVIII, quando o médico inglês Edward Jenner (1749-1823) a partir da observação do fenômeno de proteção contra a doença, adquirido por ordenhadores de vacas, passou a inocular pessoas ainda sãs com líquido proveniente das pústulas de vacas acometidas pela varíola bovina - cowpox. Após uma série de experiências, constatou que estes indivíduos mantinham-se refratários à varíola, mesmo quando inoculados com o vírus. Jenner começou a imunizar crianças, com material retirado diretamente das pústulas dos animais e passado braço a braço. Em 1798, divulgava sua descoberta no trabalho Um Inquérito sobre as Causas e os Efeitos da Vacina da Varíola. O fatalismo que lhes é atribuído é bastante relativo. Eles conheciam, aliás, uma forma de variolização, mas ela era ligada, diferentemente da vacinação jenneriana, à bondade divina que lhes enviava varíolas espontaneamente benignas: a Varíola de Deus (Djidri Allahi), que permite proteger as crianças. Ela se opunha à varíola do governo, Djidri Beylik (a Vacina Jenneriana), que simbolizava os impostos, o trabalho obrigatório, a conscrição: exigências de um governo estrangeiro e, além do mais, cristão. Trata-se, portanto, de uma rivalidade entre dois meios de prevenção e não de uma oposição de princípio a qualquer forma de luta e de profilaxia da doença. O Egito apresenta um outro caso interessante (3). A 26 de outubro de 1885, o cientista francês Louis Pasteur (1822-1895) comunicava à Academia de Ciências a descoberta do imunizante contra a raiva, que chamou de vacina em homenagem a Jenner. As vacinas de Pasteur foram as primeiras obtidas seguindo uma metodologia científica. Fundador da Scientiarum Historia II – Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências – UFRJ / HCTE & Universidade de Aveiro UFRJ – Scientiarum Historia – 1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – RJ / 2008 2 moderna microbiologia e da medicina experimental, Pasteur revolucionou a ciência ao desenvolver um imunizante produzido à vontade por um método que podia ser generalizado (1). Foi no século XIX que o método experimental se consolidou na medicina, concebendo o laboratório como espaço privilegiado das novas pesquisas. A fisiologia experimental de Claude Bernard (1813-1878), as pesquisas realizadas por Louis Pasteur e Heinrich Hermann Robert Koch (1843-1910) fundando a microbiologia, os estudos de Elie Metchnikoff (1845 – 1916) que respaldaram a imunologia e as diversas inovações na biologia, principalmente com as pesquisas em citologia de Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-1902), constituíram marcos significativos desta nova concepção em medicina. Neste período, a varíola e a vacina antivariólica foram incorporadas a estas disciplinas, por meio de estudos, em sua maioria europeus, voltados principalmente para a identificação do agente da doença e da forma de atuação da vacina (4) A vacina humanizada chegaria ao Brasil no início do século XIX, sendo criada, em 1811, a Junta Vacínica da Corte, responsável pela sua aplicação na capital do Império. Em São Paulo, as primeiras informações sobre a vacina reportam ao ano de 1819, quando foi regulamentada a Instituição Vacínica da Capitania de São Paulo, pela Câmara Municipal (2). No tempo de Pasteur, a vacina era considerada por muitos como uma doença semelhante à varíola, porém mais branda e com expressão localizada, com pústulas no local da inoculação, tendo a capacidade de proteger o indivíduo contra a varíola; somente mais tarde foi considerada como resposta imunizante, sustentada por complexa conceituação teórica (5). Anne Marie Moulin, pesquisadora preocupada em esclarecer as origens históricas da imunologia, estabelece uma distinção entre a 'imunologia', como uma ciência autônoma, posterior a Pasteur, e a 'vacinologia', como a prática ligada à vacina e que abrange desde a organização industrial da produção até a vacinação propriamente dita. Ressalta também a diferenciação entre a imunização, como um conjunto de técnicas, e a ciência da imunidade, referenciada em conceitos teóricos próprios. (6) Seguiram-se estes pressupostos tendo como meta uma análise a respeito dos trabalhos desenvolvidos pelo Instituto Vacinogênico de São Paulo nos anos finais do século XIX, considerando a singularidade histórica dos estudos sobre vacina daquele período. 1804 Introdução da vacina no Brasil. 1811 Criada a Junta Vacínica da Corte. 1832 Primeira legislação de obrigatoriedade da vacina no Brasil. 1846 Criado o Instituto Vacínico do Império a partir da reestruturação da Junta Vacínica. 1900 Criação do Instituto Soroterápico Federal, primeira Instituição a produzir soro no Brasil. 1902 Oswaldo Cruz assume a Direção-geral do Instituto Soroterápico Federal. 1904 Aprovadaa lei da obrigatoriedade da vacinação. Estoura a Revolta da Vacina. Aplicação de vacina antivariólica no Instituto Vacinogênico de São Paulo (s/d) Acervo: Museu de Saúde Pública Emílio Ribas Scientiarum Historia II – Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências – UFRJ / HCTE & Universidade de Aveiro UFRJ – Scientiarum Historia – 1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – RJ / 2008 3 Técnica Período Instrumentos Variolização Jenner extraiu soro infectado das pústulas de uma vaca leiteira em 1976 e inoculou uma pequena quantidade num menino de 8 anos. Por volta do século XVI Instrumentos de variolização, obtidos em 1966 no Malawi. Acervo: Organização Mundial da Saúde. Vacalização ou Minotaurização Descoberta por Edward Jenner. Considerada a primeira Vacina. Acervo: FIOCRUZ Médico extraía linfa de bezerro com vírus da varíola bovina para inoculá-la em indivíduos sadios. Século XVIII Jenner vacinando o filho. Acervo: Casa de Oswaldo Cruz. Vacina Acervo: Musée Pasteur Descoberta Louis Pasteur ao atenuar o Vírus da raiva. Depois foram descobertas outras vacinas. Após 1885 Acervo: Musée Pasteur Vacina X Imunização Oswaldo Cruz no Instituto Pasteur Acervo: Casa de Oswaldo Cruz Criada através do Decreto nº 59.153, de 31 de agosto de 1966, a Campanha da Erradicação da Varíola substituiu a Campanha Nacional contra a Varíola, que fora organizada pelo governo brasileiro em 1962. Após o Século XIX Acervo: Ministério da Saúde Scientiarum Historia II – Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências – UFRJ / HCTE & Universidade de Aveiro UFRJ – Scientiarum Historia – 1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – RJ / 2008 4 À Revolta: Documentos da Casa de Oswaldo Cruz, da FIOCRUZ, mostram que a partir de um episódio histórico, a revolta popular ocorrida no Rio de Janeiro em 1904 foi devido a uma lei federal que obrigava a vacinar-se contra a varíola. Bonde virado na Praça da República. Acervo: Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz A vacinação obrigatória foi o estopim para que o povo, já profundamente insatisfeito com o “bota-abaixo” e insuflado pela imprensa, se revoltasse. Durante uma semana, enfrentou as forças da polícia e do exército até ser reprimido com violência. O episódio transformou, no período de 10 a 16 de novembro de 1904, a recém reconstruída cidade do Rio de Janeiro numa praça de guerra, onde foram erguidas barricadas e ocorreram confrontos generalizados. O governo acabou por recuar e revogou a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. A polícia aproveitou os tumultos e realizou uma varredura de pessoas excluídas que perambulavam pelas ruas da capital da República. As pessoa foram aprisionadas e enviadas à Ilha das Cobras. Sofreram espancamentos, e ficaram amontoadas em navios-prisão e posteriormente deportadas para o Acre, a fim de trabalharem nos seringais. Muitas delas não chegaram ao seu destino e morreram durante a viagem. A revolta deixou um saldo de 30 mortos, 110 feridos e 945 presos, dos quais 461foram deportados para o Acre (7). Conclusões Pela análise que foi feita para este artigo, percebe-se que a prática de vacinação apresentou uma dinâmica bastante complexa, ao longo dos tempos. Com a inovação das técnicas de produção de vacinas e o avanço nos processos de imunização percebeu-se que a produção de vacina assumia um notável papel no controle de epidemias, considerada de caráter obrigatório desde os primeiros códigos sanitários vigentes no Brasil. Esta reflexão não deve ser vista, de forma alguma, como uma história acabada, mas sim como um esboço da trajetória das técnicas elaborada por cientistas e pesquisadores empenhados na missão civilizadora das práticas sanitárias, na qual a vacinação antivariólica se configurou como campo institucional autônomo de práticas e investigações científicas. Referências e Notas 1 MINISTÉRIO DA SAÙDE. CENTRO CULTURAL DA SAÚDE – CCS. Mostra sobre História das Vacinas - Uma técnica Milenar. Módulo 7. Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/revolta/pdf/M7.pdf, acesso em 2009. 2 Teixeira, L. A. T.; Almeida, M. de., Os primórdios da vacina antivariólica em São Paulo: uma história pouco conhecida. Hist. cienc. saude-Manguinhos v.10 supl.2 Rio de Janeiro 2003. 3 Moulin, A. M., A hipótese vacinal: por uma abordagem crítica e antropológica de um fenômeno Histórico. História, Ciências, Saúde . Manguinhos, Rio de Janeiro. vol. 10 (suplemento 2):499-517, 2003. Scientiarum Historia II – Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências – UFRJ / HCTE & Universidade de Aveiro UFRJ – Scientiarum Historia – 1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – RJ / 2008 5 4 Fernandes, T. M.., Vacina antivariólica: ciência, a técnica e o poder dos homens 1808-1920. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 1999. 5 Moulin, A. M., Le dernier langage de la médecine. Histoire de l'immunologie de Pasteur au Sida. Paris, Presses Universitaires de France. 1991. 6 Moulin, A. M. L'Aventure de la vaccination. Lyon, Fayard. 1996. 7 MINISTÉRIO DA SAÙDE. CENTRO CULTURAL DA SAÚDE – CCS. Revolta da Vacina. Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/revolta/revolta.html, acesso em 2009.
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