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Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: Os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade Ivam Ricardo Peleias * João Bacci** Resumo Este trabalho oferece uma retrospectiva histórica sobre o desenvolvimento da Contabilidade no Brasil, entre os séculos XIX e XX, e contemplou: para o século XIX, os movimentos iniciais para a regulamentação e consolidação da profissão contábil, a criação dos primeiros cursos de ensino comercial, as obras pioneiras editadas e a implantação de um sistema de Contabilidade Pública em São Carlos, Estado de São Paulo. Para a primeira metade do século XX, abordou os esforços pelo reconhecimento da profissão, as primeiras discussões e ações para a padronização contábil, e os Congressos Brasileiros de Contabilidade. A pesquisa é exploratória e descritiva, baseada em fontes primárias e secundárias, trabalhos acadêmicos, periódicos editados por órgãos de classe e obras históricas. Busca ilustrar a evolução da Contabilidade no Brasil, apresentando cronologicamente as primeiras ações para a regulamentação da profissão e para o ensino comercial, as contribuições de alguns pensadores contábeis do século XIX e início do século XX, as discussões e esforços na busca da padronização contábil, e as contribuições obtidas com os primeiros Congressos Brasileiros de Contabilidade, oferecendo um melhor entendimento sobre o desenvolvimento histórico da profissão contábil em nosso País. Palavras-Chaves: profissão contábil no Brasil, desenvolvimento contábil no Brasil, padronização contábil e congressos brasileiros de contabilidade. Abstract This work offers a historical retrospect on the development of the Accounting in Brazil, between centuries XIX and XX, and contemplated: for century XIX, the initial movements for the regulation and consolidation of the countable profession, the creation of the first courses of commercial education, the pioneering workmanships edited and the implantation of a system of Public Accounting in Are Carlos, State of São Paulo. For the first half of century XX, it approached the efforts for the recognition of the profession, the first quarrels and action for the accounting standardization, and the Brazilian Congresses of Accounting. The research is exploratória and descriptive, based in primary and secondary sources, academic, periodic works edited by classroom agencies and historical workmanships. Search cronologicamente to illustrate the evolution of the Accounting in Brazil, presenting the first actions for the regulation of the profession and commercial education, the contributions of some countable thinkers of century XIX and beginning of century XX, the quarrels and efforts in the search of the accounting standardization, and the contributions gotten with the first Brazilian Congresses of Accounting, offering one better agreement on the historical development of the countable profession in our Country. Key Words: accouting profession in Brazil, countable development in Brazil, accounting standardization and Brazilian congresses of accounting. * Professor Doutor do Curso de Mestrado de Contabilidade e Controladoria da Unifecap. ** Mestre em Contabilidade e Controladoria pela Unifecap. Ivam Ricardo Peleias - João Bacci 1 - Introdução O desenvolvimento da Contabilidade sempre esteve associado à evolução da humanidade. Esta associação é ressaltada e abordada por estudiosos, sob distintas perspectivas. A opinião de alguns pensadores, e os aspectos por estes identificados são a seguir apresentados: Melis (1950:3) destaca que: A Contabilidade, e sua principal e mais característica manifestação – a conta – é tão antiga quanto é a civilização construída pelos homens ... A história da Contabilidade é, em certo ponto, uma conseqüência da história da civilização, tanto em suas vicissitudes como nas mais altas manifestações da referida civilização, sobretudo no campo econômico. Da mesma forma, Vlaemminck (1961:XIII) analisa o desenvolvimento histórico da Contabilidade, estabelecendo uma correlação de sua evolução com a Economia: A Contabilidade é indubitavelmente uma técnica auxiliar da Economia. Como conseqüência aparece, se expande e se degenera ou se retrai ao compasso da evolução econômica das civilizações, nas diversas regiões e distintas épocas de sua história. Trataremos de nos manifestar sobre o paralelismo entre a evolução econômica geral e a evolução de um dos métodos a serviço da economia das empresas: a técnica das contas. Para Iudícibus (1993:31): em termos de entendimento da evolução histórica da disciplina, é importante reconhecer que raramente o “estado da arte” se adianta muito em relação ao grau de desenvolvimento econômico, institucional, e social das sociedades analisadas, em cada época. O grau de desenvolvimento das teorias contábeis e de suas práticas está diretamente associado, na maioria das vezes, ao grau de desenvolvimento comercial, social e institucional das sociedades, cidades ou nações. Em obra de sua autoria, Sá (1997:16) informa que “A Contabilidade nasceu com a civilização e jamais deixará de existir em decorrência dela; talvez, por isso, seus progressos quase sempre tenham coincidido com aqueles que caracterizam os da própria evolução do ser humano”. Em trabalho de cunho histórico, Schmidt (2000:12) assevera que: dentro de um aspecto arqueológico, a Contabilidade manifestou-se há quase dez séculos, portanto, muito antes do próprio homem ter desenvolvido o espírito de civilidade. Assim como o homem progrediu, a Contabilidade, como uma ferramenta indispensável para o progresso da humanidade, perseguiu esse progresso. A epítome do enredo evolutivo da Contabilidade leva ao desfecho de que, assim como qualquer ramo do conhecimento intimamente relacionado com o contexto social, a História do Pensamento Contábil (HPC) é produto do meio social em que o usuário está inserido, tanto em termos de espaço como em termos de tempo. Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 40 Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: Os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade Provas do desenvolvimento da Contabilidade associado á evolução da sociedade são as primeiras preocupações com o ensino comercial, o surgimento e a atuação dos pensadores contábeis, os esforços e a necessidade de padronização (cuja conseqüência natural é formulação de regras e a padronização das demonstrações contábeis), a criação dos órgãos de classe e os eventos realizados por estes organismos. Estes movimentos ocorreram também no Brasil, de forma embrionária nos séculos XVI, XVII e XVIII1, e com maior intensidade a partir do século XIX2, principalmente pela vinda da Família Real e como conseqüência de diversos acontecimentos históricos ocorridos no País, em seus estágios políticos de Reino Unido, Império e República. Este artigo se propõe a identificar cronologicamente as primeiras ocorrências no ensino comercial3 no século XIX, o surgimento de pensadores contábeis brasileiros, as discussões pioneiras e as primeiras ações para a padronização contábil e a realização dos Primeiros Congressos Brasileiros de Contabilidade. 2 - Breve retrospectiva sobre o desenvolvimento profissional contábil no Brasil – do século XIX à década de 20 do século XX Os resultados obtidos com esta pesquisa indicam que os primeiros grandes movimentos para a profissão contábil no Brasil ocorreram, no início do século XIX, com a chegada da Família Real. Algumas ocorrências havidas neste século, julgadas relevantes para este trabalho, serão a seguir apresentadas,em ordem cronológica4. Os primórdios do estudo comercial no Brasil datam de 1804, quando José da Silva Lisboa, intitulado Visconde de Cairu, faz publicar a obra “Princípios de Economia Política”. Este autor forneceria ainda outra contribuição no início do século XIX, a ser apresentada seguindo a cronologia adotada. Por meio de alvará publicado em 23 de agosto de 1808, cria-se a Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Este documento determinou a adoção do sistema de partidas dobradas, para controle dos bens. A adoção deste sistema teve como causa principal o reconhecimento de seu uso pelos países da Europa. O ano de 1809 apresenta dois fatos relevantes: • o primeiro, a promulgação do Alvará de 15 de julho, criando oficialmente o ensino de Contabilidade no país, por meio das aulas de comércio, intituladas “aulas práticas”; • o segundo, a apresentação, pelo Visconde de Cairu, de um sistema de Direito Comercial, juntamente com a realização dos primeiros estudos sobre Economia Política no Brasil. Em 1833, Estevão Rafael de Carvalho escreve a obra “A Metafísica da Contabilidade Comercial”, na qual divulgava o método das partidas dobradas, e propunha a elevação da Contabilidade à condição de Ciência5. Segundo Ericeira (2003:54) esta obra teve ampla divulgação; entretanto, não houve interessados em sua aquisição. A publicação em formato de livro viria a ocorrer em 1837, ano no qual seu autor cumpria mandato como deputado federal. Em 1846, por meio do Decreto no. 456, de 23 de julho, foi fixado o regulamento das “aulas de comércio”, com duração estabelecida em dois anos, e cujos exames finais abordavam as disciplinas de Matemática, Geografia, Economia Política, Direito Comercial, Prática das Principais Operações e Atos Comerciais. Este diploma legal alterou a denominação das “aulas práticas” para “aulas de comércio”. A promulgação do primeiro Código Comercial Brasileiro por meio da Lei no. 556, de 25 de junho de 1850, trouxe a obrigatoriedade de as empresas manterem a escrituração Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 41 Ivam Ricardo Peleias - João Bacci contábil, seguirem uma ordem uniforme para os registros contábeis e o levantamento, ao final de cada ano, dos balanços gerais.A determinação do uso das partidas dobradas reforça a necessidade do ensino comercial, e em 1856 surge o Instituto Comercial do Rio de Janeiro, que a partir e 1863 passou a oferecer a disciplina “Escrituração Mercantil”, buscando qualificar seus alunos ao exercício da escrituração contábil. Em 22 de agosto de 1860 é promulgada a Lei no. 10836, que corrigiu alguns problemas do Código Comercial de 1850, e determinou para as empresas da época, a obrigatoriedade de publicar e de remeter ao governo, nos prazos e pelo modo estabelecido em seus regulamentos, os balanços, demonstrações e documentos por este determinados. Esta lei foi regulamentada pelo Decreto no. 2679, de 03 de novembro do mesmo ano, que definiu as datas máximas para a publicação de balanços e para quais órgãos as empresas deveriam enviar as referidas demonstrações contábeis. De acordo com Iudícibus e Ricardino Filho (2002:7) a Lei no. 1083 é de fato a primeira Lei das Sociedades por Ações no Brasil, e tornou públicos os padrões contábeis nacionalmente adotados, até que a Lei no. 2627/40 apresentasse outras disposições. Em 1870, o Decreto Imperial no. 4.475 reconheceu oficialmente a Associação dos Guarda-Livros da Corte, tornando o guarda-livros uma das primeiras profissões liberais regulamentadas no Brasil. Em 1890, a Escola Politécnica do Rio de Janeiro passa a oferecer a disciplina “Direito Administrativo e Contabilidade”, relacionada à escrituração mercantil, associando, pela primeira vez no Brasil, a Contabilidade ao Direito. Em 1884, em São Carlos, interior de São Paulo, o Cel. Paulino Carlos de Arruda Botelho contrata o Engenheiro Estanislau Kruszynski, polonês de nascimento, para professor de seus filhos. Kruszynski era um estudioso de Ciências Econômicas e profundo conhecedor de Contabilidade, e coube a ele a primazia de iniciar nesta cidade cursos de Contabilidade Agrícola, Mercantil e Industrial, baseados no método das partidas dobradas, e na teoria de personalização das contas, conhecida como “Logismografia7” de Giuseppe Cerboni e Giovanni Rossi. Nesta cidade instalou-se em 1892, um sistema de Contabilidade pública8, de característica patrimonial, financeira e orçamentária, usando o método das partidas dobradas, delineado por Kruszynki para a Prefeitura Municipal, e executado por Carlos de Carvalho, que primeiramente atuou como guarda–livros e posteriormente Contador da Municipalidade. Mancini (1978:4) destaca este fato, relatado no “Almanaque de São Carlos” de 1894, folhas 42 e 43, em artigo escrito pelo advogado e economista Cincinato Braga, ex-presidente do Banco do Brasil, Promotor Público de São Carlos e deputado federal em várias legislaturas. Parte do artigo é transcrita a seguir: Até fins de setembro de 1.892 não tinha a nossa Câmara escrituração feita de acordo com os preceitos da Contabilidade mercantil. Até esse tempo eram apresentados mensalmente balancetes que davam tão somente conta da entrada e saída de dinheiro no correr de cada mês, sendo, conseqüentemente, impossível fazer-se idéia clara ou exata do movimento total da recebedoria. Atendendo o grande desenvolvimento a que atingiu esta repartição, o Dr. Eugênio de Andrade Egas, na qualidade de Intendente, resolveu organizar aí a Contabilidade apropriada, na qual se desse conta de todos os negócios públicos. Foi nomeado, pois, guarda-livros dessa importantíssima repartição o Sr. Carlos de Carvalho, o qual, depois de haver prestado o devido compromisso, começou a escriturar os livros hoje ali existentes, seguindo o método de partidas dobradas, e apresentando mensalmente um balancete no qual figuram o ativo e passivo da Municipalidade e do qual se vê claramente a marcha dos negócios públicos, isto é, como se emprega o dinheiro do contribuinte. Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 42 Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: Os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade Convém dizer que não havendo antes um método regular de escriturar livros, o Sr. Carlos de Carvalho tomou como base um bem elaborado esquema apresentado pelo hábil contabilista Ten. Estanislau Kruszynski, o qual calculara a receita e a despesa da Municipalidade no primeiro trimestre do exercício de 1.892, adotando para esse importante e bem feito trabalho, o belo sistema de escrituração usada na Itália, nas repartições públicas e conhecido pelo nome de Logismografia de Cerboni, nome do seu inventor. Em seu texto, Mancini relata que o método implantado por Kruszynski e operacionalizado por Carvalho em São Carlos obteve pleno êxito e, no início do século XX (por volta de 1905) foi implantado no Tesouro do Estado, por meio da reforma da escrituração estadual. O mesmo sucesso ocorrido em São Carlos deu-se no Estado de São Paulo, e o método tornou-se o padrão adotado no Brasil, com a criação da Contadoria Central da República, em 1922. A regulamentação da profissão contábil, a criação das primeiras instituições de ensino comercial, e a aplicação da escrituração contábil nos negócios privados e públicos ofereceram as condições para o surgimento de mais obras impressas sobre Contabilidade no País. Em 1897 surge “Curso de Escrituração Mercantil”, editada por Antonio Tavares da Costa, citada em diversos jornais do Rio de Janeiro, conforme apresentado por Mancini (1978:2): Gazeta Comercial e Financeira – 24-07-1.897: sendo o primeiro trabalho neste gênero que se apresenta no Brasil, não podemos deixar de lê-lo coma mais religiosa atenção ....; Jornal do Comércio – 15-08-1897: sôbre escrituração mercantil não existia obra propriamente didática, mas um montão de coisas preparadas e amassadas para guarda-livros feitos. Saber ensinar esta matéria, por meio de palavras é difícil, e escrevê-lo, mais difícil ainda ...; ... é sabido que não existe em língua vernácula livro algum sobre escrituração mercantil, por meio do qual possa qualquer indivíduo preparar-se para o difícil e complicado cargo de livros ...; Jornal do Comércio – 11-09-1897: o nosso comércio constituindo aliás uma classe numerosa e respeitável, sofre muitas vezes a falta de competência de seus auxiliares e estes por sua vez prejudicam-se individualmente pela ausência de um preparo teórico-prático da escrituração mercantil e das matérias que mais diretamente entendem com as operações mercantis. A causa deste estado é, primeiramente, a falta de professores e, em segundo lugar, a de compêndios próprios àquele fim .... Merecem destaque outros divulgadores e defensores do pensamento contábil, a seguir apresentados, que entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX empenharam-se para o desenvolvimento e a consolidação da Contabilidade no Brasil: • Sebastião Ferreira Soares9, escritor e defensor da Contabilidade como uma ciência exata e de informação, que em 1852 fez publicar, segundo ele próprio, a primeira obra nacional sobre Contabilidade Pública no Brasil, intitulado “Tratado de Escripturação Mercantil por Partidas Dobradas Aplicado às Finanças do Brasil”; • Carlos de Carvalho, de tendências contistas, discípulo de Estanislau Kruszynski, autor da obra “Estudos de Contabilidade”, composta de quatro volumes, cuja segunda edição data de 1915, foi um dos precursores do estudo da Contabilidade e divulgador de seus aspectos práticos e científicos. “Estudos de Contabilidade” procurava demonstrar os problemas relativos à escrituração contábil e da implantação do sistema de partidas dobradas. Estas preocupações de Carvalho podem ser corroboradas pela afirmação de Schmidt (2000:219): Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 43 Ivam Ricardo Peleias - João Bacci percebe-se a tendência contista de Carlos de Carvalho, pois sua principal preocupação estava centrada no problema da escrituração contábil, especialmente no que se refere à implantação do sistema de partidas dobradas. • Frederico Hermann Jr.10, de tendência patrimonialista, divulgava o pensamento econômico-contábil, defendeu o patrimônio como objeto de estudo da Contabilidade e propôs sua inclusão no quadro geral das Ciências11. Foi professor, membro fundador do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo, autor de diversas obras, atuou em grandes empresas de sua época e fundou uma empresa de serviços contábeis nas áreas de Contabilidade, Auditoria e Organização; • Francisco D'Auria, autor de várias obras, foi professor, escritor, membro fundador do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo, serviu aos governos estadual e federal, participou da criação a FEA/USP. Defendeu filosoficamente a Contabilidade como Ciências Pura, e possuía tendências patrimonialistas, o que pode ser atestado por meio da citação de Masi (1958:8), apud Schmidt (2000:220): sempre foi patrimonialista, não há dúvida, como se verifica pela leitura de sua obra principal, denominada Primeiros Princípios de Contabilidade Pura12 que em sua parte central, na sua opinião, revela-se patrimonialista. Também em Mancini (1978:59) é possível verificar a tendência patrimonialista de D’Áuria: Francisco D'Auria, afirma que os elementos patrimoniais ativos, alem de constituírem riqueza da administração, podem ser fonte de renda. Por esta razão estão ligados à parte financeira da administração. A falta de vigilância destes elementos pode ocasionar diminuição de riqueza ou renda, ou aumento de despesa para os restituir à sua integralidade. 3 - Os esforços pioneiros pelo reconhecimento da profissão 3.1 – Os primeiros esforços D’Áuria e Herrmann Jr. participaram ativamente no reconhecimento da profissão contábil no País. Em suas obras, entendiam ambos ser a Contabilidade uma ciência. Além deste posicionamento, contribuíram para a criação da “Revista Brasileira de Contabilidade” em 16 de dezembro de 1911. O primeiro número do periódico foi editado em 01 Janeiro de 1912, trazendo na sua página 18 a seguinte observação13: Sociedade Anonyma “Revista Brasileira de Contabilidade” - Em 16 do mez de dezembro último, constituiu-se legalmente, nesta capital, uma Sociedade Anonyma com o titulo acima. O objetivo dessa sociedade é a publicação desta Revista. A sociedade é administrada por três directores e quatro administradores. Esses cargos ficaram assim distribuídos: Diretores Carlos de Carvalho, Horacio Berlinck e José da Costa Sampaio. Administradores: Francisco D’Auria, Carlos Levy Magano, Raymundo Marchi e Emilio de Figueiredo e como redator o Sr. Carlos de Carvalho. Em seu editorial é apresentado o seguinte objetivo para a publicação: Se a ordem deve preponderar na organisação technica de uma empresa, deve também existir na sua administração; se a contabilidade não é uma causa directa da riqueza, constitue, entretanto, um considerável elemento de absoluto successo das empresas em geral. Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 44 Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: Os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade O primeiro número da revista trouxe, à página 2, um ensaio de classificação científica sobre contas comerciais, escrito por José da Costa Sampaio, aqui considerado um dos primeiros estudos científicos sobre Contabilidade produzido no Brasil. Herrmann Jr. e D’Áuria participaram ativamente na criação das primeiras entidades de classe dos contabilistas: o Instituto Paulista de Contabilidade (atual Sindicato dos Contabilistas de São Paulo), da Academia Paulista de Contabilidade e da Revista Paulista de Contabilidade com seu primeiro número editado em junho de 1922, substituindo a Revista Brasileira de Contabilidade14, com o objetivo de publicar não só artigos técnicos, mas também defender as causas nobres que redundarem em benefício dos contadores e guarda livros brasileiros. Em seu primeiro número às paginas 3, 4, 5 e 6 foi publicado um artigo escrito por Raul Vaz, em prol dos contabilistas, do ensino e da luta pela regulamentação da profissão, do qual alguns trechos são a seguir transcritos: ...o que devemos fazer não é contractar profissionais extrangeiros, mas sim, tratar de amparar o ensino commercial dando-lhe o verdadeiro molde, e que no presente é sem rodeios, a legalização da classe. Legalisada a profissão de contadores e guarda-livros teremos amparado o ensino commercial e serão favorecidos: a) os contadores formados por escolas, cujo programma seja o mais conveniente possível para formar rapazes para o commércio; b) os governos, que terão nessa classe, independente de remuneração, os seus fiscaes, porque havendo penalidades, como sejam multa, annulacão de titulo e prisão, os profissionaes, toda a vez que o commerciante procurar insinua-los para praticarem um acto que viesse prejudicar o fisco, recusariam categoricamente receiosos de serem punidos; os Srs. Commerciantes, que assim sabiam perfeitamente que tinham auxiliares de responsabilidade e que portanto o seu patrimônio estava em boas mãos. Portanto, o único remédio efficaz para a remodelação do ensino commercial do paiz está na legalisacão da classe, sem o que nada se conseguirá. .... convém ponderarmos que já existe projecto de lei para legalisacão dos guarda- livros ...” Desta forma temos a luta pelo reconhecimento, pela regulamentação e pelavalorização da Contabilidade como ensino e como profissão como numa batalha sem tréguas para ser vencida. À mesma época, em 1920, tramitava no Senado Federal projeto de lei de autoria do Senador Raymundo de Miranda, determinando que toda a escrituração comercial fosse realizada pelo sócio autorizado pelo contrato social ou por guarda-livros habilitados. Os movimentos até aqui relatados tiveram como conseqüência a fundação de órgãos de classe por todo o Brasil, que viessem a defender os interesses da profissão contábil, então em franco desenvolvimento. Apresenta-se a seguir uma cronologia dos esforços para o reconhecimento e regulamentação da profissão até a edição do Decreto-Lei nº 9295/46, refletidos na criação de diversos órgãos de classe e na ocorrência dos primeiros congressos brasileiros de Contabilidade: • 1916 – criação do Instituto Brasileiro de Contadores Fiscais e a Associação dos Contadores em São Paulo; • 1916 - criação do Instituto Brasileiro de Contabilidade no Rio de Janeiro; Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 45 Ivam Ricardo Peleias - João Bacci • 1919 – fundação do Instituto Paulista de Contabilidade; • 1924 – ocorre o I Congresso Brasileiro de Contabilidade; • 1927 - fundação do Instituto Mineiro de Contabilidade; • 1928 – criação do Instituto Fluminense de Contabilidade; • 1929 – fundação em São Paulo da Associação Internacional de Contabilidade; • 1931 – fundação da Câmara dos Peritos Contadores no Instituto Brasileiro de Contabilidade; • 1931 – fundação da Associação Pernambucana de Contabilidade; • 1931 – fundação do Instituto Matogrossense de Contabilidade; • 1932 – fundação da Associação Mineira de Contabilidade; • 1932 – ocorre o II Congresso Brasileiro de Contabilidade; • 1933 – fundação do Instituto Riograndense de Contabilidade; • 1934 – ocorre o III Congresso Brasileiro de Contabilidade; • 1937 – ocorre o IV Congresso Brasileiro de Contabilidade. 3.2 – Os esforços do Senador João Lyra – década de 20 do século XX No esforço para o reconhecimento da profissão, algumas personalidades atuaram para que isto ocorresse. Merecem destaque o Senador João Lyra, Francisco D’Auria, Raul Vaz e Frederico Hermann Junior, cuja luta foi registrada em manifestações por meio de discursos e pronunciamentos. Apresenta-se a seguir um resumo sobre a personalidade que empreendeu os maiores esforços para a regulamentação da profissão, e que viria a ser o patrono da classe: o Senador João Lyra Tavares, nascido em 23 de novembro de 1871, em Goiana, Pernambuco, e falecido em 1939, cujo “curriculum vitae” foi publicado no Boletim do CRC-SP, no. 116, do primeiro trimestre de 1997, à página 20: Foi guarda-livros e chefe de escritório da firma em que trabalhava. Como comerciante, teve uma atuação destacada em Pernambuco. Fundou em seu Estado uma Associação de Guarda-livros e foi membro da Associação Comercial de Recife. Atuou na política, foi historiador e economista, autor de obras didáticas e estudioso de geografia. Em 1.914, a convite do então Ministro Rivadavia Corrêa, esteve pela primeira vez na cidade do Rio de Janeiro, Capital da República, onde tomou parte da comissão escolhida para estudar a reorganização da contabilidade do Tesouro nacional. No ano seguinte, João Lyra Tavares foi eleito Senador pelo Rio Grande do Norte, cargo que ocupou até o fim de sua vida. No Senado foi membro eminente da Comissão de Finanças e, sempre ressaltou os benefícios que a sociedade brasileira teria com o reconhecimento de uma classe de contadores públicos. Lyra foi convidado para assumir a Presidência do Conselho Perpétuo de Contadores, eleito em 27 de dezembro de 1925. Foi homenageado em cerimônia realizada no Hotel Terminus, em São Paulo, em 25 de abril de 1926, como prova do reconhecimento da classe contábil paulista ao seu trabalho junto ao Senado em prol da profissão contábil. Em certo momento de seu discurso, no qual mencionou Carlos de Carvalho, afirmou: Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 46 Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: Os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade trabalhemos, pois, bem unidos, tão convencidos de nosso triunfo, que desde já consideramos 25 de abril o dia dos Contabilistas Brasileiros. 3. 3 – As primeiras discussões sobre padronização contábil – 1926 A padronização e a harmonização contábeis são preocupações mundiais, que buscam dentro do contexto da economia global um entendimento único dos termos, princípios, normas e formas de apresentação das Demonstrações Contábeis, para que os diversos usuários possam realmente entendê-las e interpretá-las, em um contexto de transparência, mensuração e “disclosure15” comum a todos. Segundo Castro Neto (1998:58): A Harmonização Contábil pode ser conceituada como o processo de padrões contábeis internacionais para algum tipo de acordo tal que as Demonstrações Contábeis de diferentes países sejam preparadas segundo um conjunto comum de princípios de mensuração e disclosure. No Brasil estas ações são empreendidas pelos órgãos de classe e entidades contábeis: Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON), juntamente com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em sintonia com órgãos internacionais. A primeira exigência legal brasileira sobre padronização veio com a Lei no. 1083 e o Decreto no. 2679, ambos de 1860 e já abordados neste trabalho. Entretanto, a primeira discussão sobre harmonização e padronização contábil no Brasil com a participação da classe contábil ocorreu em 1926, e as primeiras alterações na regulamentação ocorreram em 1940, com os Decretos- Leis nos. 2.416/40 e 2627/4016, com inovações significativas: o primeiro com normas sobre a Contabilidade Pública dos Estados e Municípios, e segundo tratando das sociedades anônimas. Os benefícios desta padronização foram fundamentais na análise comparativa das demonstrações contábeis das empresas, pois permitiriam a construção de séries históricas, evidenciando os resultados da atividade empresarial ao longo do tempo. Outro benefício importante seria com relação ao estudo da Contabilidade, contribuindo para que as instituições de ensino superior pudessem oferecer à sociedade profissionais com maiores qualificações técnicas. 3.4 – As décadas de 30 e de 40 do século XX – a exigência da assinatura dos livros e documentos contábeis por profissional da Contabilidade, a equiparação de direitos e a criação do sistema CFC/CRC’s As décadas de 30 e 40 do século XX foram palco de ações relativas à exigência da assinatura do profissional contábil em livros e documentos das empresas, de novas ações governamentais que buscassem a padronização contábil, da equiparação de direitos em função da regulamentação exigida pelo novo cenário e da criação dos principais órgãos de classe da profissão contábil no País. O Decreto Lei no. 21.033/32 estabeleceu as novas condições para o registro de contadores e guarda-livros e tornou obrigatória a assinatura dos livros comerciais, cumprindo determinações do Código Comercial e da Lei de Falências vigentes à época. Determinou ainda outras regalias e exigências para o exercício da profissão contábil. Este diploma legal proporcionou o reconhecimento dos mesmos direitos e títulos concedidos pelo Decreto no. 20.158,17 de 30 de junho de 1931, aos que: • prestaram exames de habilitação nos moldes deste decreto: Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 47 Ivam Ricardo Peleias - João Bacci • foram professores de contabilidade em ensino comercial, oficial ou oficializado, que publicaram obras de contabilidade julgadas de mérito pelo ConselhoConsultivo do Ensino Comercial, e que exerceram antes de 09/07/31 o cargo de guarda-livros, ou contadores em repartições públicas, tendo assinado antes da mesma data balanços de bancos, companhias, empresas, sociedades, cooperativas ou instituições de caridade, e outras, publicados em órgãos oficiais de imprensa da União ou dos Estados; • tenham assinado laudos periciais, que sejam possuidores de atestado de idoneidade profissional, ou exercido, por no mínimo cinco anos, a profissão em estabelecimentos organizados e registrados na Junta Comercial dos Estados e outras equiparações. As ações citadas, regulamentadas e equiparadas pelo Decreto Lei no. 21.033/32, permitiram a diversos profissionais atuantes antes de sua promulgação o direito de exercerem a profissão regulamentada de Contador. O ano de 1940 teve duas ações governamentais, que contribuíram para a padronização contábil no País: • O Decreto-Lei no. 2416, de 17 de julho, que estabeleceu as normas sobre a Contabilidade para os Estados e Municípios, definiu o modelo padrão de balanço orçamentário, e as normas financeiras aplicáveis à gestão dos recursos públicos; • O Decreto-Lei no. 2627, de 01 de outubro, que tratou das empresas de capital aberto, cujas ações eram negociadas na Bolsa de Valores da então capital federal, a Cidade do Rio de Janeiro. Dentre outros aspectos, este diploma legal apresentou os critérios de avaliação do ativo, do uso do custo histórico, da amortização, da constituição de fundos para a desvalorização do imobilizado, de forma pioneira os critérios aplicáveis ao ativo diferido, e também da formação da reserva legal, como forma de preservação do capital das empresas. De acordo com a pesquisa realizada por Iudícibus e Ricardino Filho, mencionada nas referências bibliográficas, esta foi a segunda Lei das Sociedades Anônimas no Brasil. Em 27 de maio de 1946 é promulgado o Decreto Lei no. 9295/46, criando o CFC – Conselho Federal de Contabilidade, e os CRC’s – Conselhos Regionais de Contabilidade. Estes órgãos, operando sob a coordenação do CFC, atuam na fiscalização do exercício da profissão contábil, colaboram na definição de normas e procedimentos contábeis, por meio da promulgação das Normas Brasileiras de Contabilidade, funcionam como tribunais de ética e definem, regulamentam e baixam normas e padrões de interesse da profissão contábil, além de definirem e efetuarem o recolhimento das taxas relativas ao registro e exercício profissional. 4 – Os primeiros congressos brasileiros de contabilidade e sua colaboração no desenvolvimento da profissão Serão a seguir destacadas as principais ações ocorridas nestes eventos da classe contábil brasileira18, ocorridos na primeira metade do século XX, que contribuíram para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da profissão, e para a valorização dos profissionais de contabilidade. 4.1 - I congresso brasileiro de contabilidade O Primeiro Congresso Brasileiro de Contabilidade ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, de 16 a 24 de agosto de 1924, liderado pelo Senador João de Lyra Tavares, presidente do evento, tendo como Secretário do Congresso Carlos Setúbal e Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 48 Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: Os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade Presidente de Honra Raphael de Abreu Sampaio Vidal, foi organizado pelo Instituto Brasileiro de Contabilidade. O objetivo deste evento foi estudar todos os assuntos atinentes à Contabilidade e à profissão, para aperfeiçoamento técnico e evolução da classe, procurando definir a Contabilidade e sua forma de escrituração.Foi dividido em quatro temários e quatro comissões: 1ª. Comissão: Contabilidade; 2ª. Comissão: Ensino Técnico; 3ª. Comissão: Exercício Profissional e 4ª. Comissão: Comércio e Legislação. Os temas foram discutidos em sete sessões ordinárias, assim distribuídos: • 1a Sessão Ordinária: discutiu a tese: “Definição de Contabilidade”, de João Luiz dos Santos, e foi relatada por Francisco D’Auria; • 2ª. Sessão Ordinária: proposta de Ubaldo Lobo de reestruturação do tribunal de Contas com o trabalho “Código de Contabilidade, o empenho de despesa e a eficiência dos órgãos de Contabilidade”; • 3ª. Sessão Ordinária: discutiu a utilidade do Razão, do Diário e do Copiador; • 4ª. Sessão Ordinária: discutiu teses sobre as cinco contas gerais19; • 5ª. Sessão Ordinária: apresentou e discutiu trabalhos voltados ao ensino da Contabilidade, da regulamentação da profissão, dos temas voltados ao comércio e a legislação cujas teses eram: o O ensino e sua discriminação; Introdução do esperanto na Contabilidade; Regularização da Profissão do Guarda-livros; Exercício profissional; Deveres do negociante em relação à sua escrita; Cálculos dos direitos da Importação; Reforma do Sistema Monetário Brasileiro; Reforma do Código Comercial e Contabilidade das Falências. • 6ª. Sessão Ordinária: palestra proferida por Horácio Berlinck sobre os pontos principais que se relacionam com o seguro social, com o título Da Acturia; • 7ª. Sessão Ordinária: aprovou proposta para que o Instituto Brasileiro de Contabilidade organizasse os anais do congresso e a Federação Brasileira de Contabilidade. Durante o evento foi desenvolvida grande campanha para a regulamentação da atividade contábil, capitaneada pelo Senador João Lyra, e pela reforma do ensino comercial, que viria a ocorrer por meio do Decreto no. 20.158, de 30 de junho de 193120, já mencionado neste trabalho. Ainda durante o Congresso foram formuladas algumas definições que enriqueceram e valorizaram o evento, a seguir apresentadas: • ESCRITURACÃO: o registro metódico dos fatos administrativos de ordem econômica; • CONTABILIDADE: é a ciência que estuda e pratica as funções de orientação, de controle e de registro, relativos aos atos e fatos de administração econômica; • CONTABILISTA: versado nos estudos de Contabilidade; o que executa trabalhos de Contabilidade; • CONTABILIZAR: organizar de acordo com os princípios de Contabilidade; • UNIGRAFIA: escrituração por partidas simples; • DIGRAFIA: escrituração por partidas dobradas; • DIGRAFISTA: o que faz lançamentos por partidas dobradas. Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 49 Ivam Ricardo Peleias - João Bacci 4.2 – Os congressos subseqüentes O sucesso alcançado com o I Congresso Brasileiro de Contabilidade motivou a realização de outros eventos, nos quais continuaram a discussão e os esforços para o aperfeiçoamento da profissão, para a valorização dos profissionais da área, e para a consolidação da regulamentação aplicável à profissão e à prática contábil. Um breve resumo dos eventos ocorridos até o final da década de 50 do século XX21 é apresentado a seguir: • II congresso - 1932: realizado novamente na cidade do Rio de Janeiro, com discussões em torno de uma maior unidade da classe em prol de um crescimento e evolução da atividade e na busca de novas conquistas; • III congresso - 1934: ocorreu em São Paulo, e se notabilizou pela organização, importância das teses apresentadas na busca da especialização, na luta pela regulamentação e pela elevação do ensino da Contabilidade ao nível superior, foi liderado por Frederico Hermann Junior; • IV congresso - 1937: foi realizado na cidade do Rio de Janeiro, e buscou estudar as modernas aplicações da Contabilidade, reforçar a luta pela melhoria do ensino técnico, a reivindicação de direitos considerados inerentes à profissão Contábil, e contribuir para elevar e melhorar a Legislação Comercial, a Contabilidade e a profissão. Seu temário foi o seguinte: 1. Definição de Contabilidade como Ciência, estudar a padronização dos Balanços;2. Ensino Técnico: Integração do curso de Contador nas Universidades Brasileiras e criação de Faculdades de Contabilidade; 3. Exercício Profissional, Regulamentação Profissional; 4. Comércio e Legislação: criadas quatro comissões a saber: • 1ª Comissão: Contabilidade; • 2ª Comissão: Ensino Técnico; • 3ª Comissão: Exercício Profissional; • 4ª Comissão: Comércio e Legislação. • V congresso - 1950: realizado em Belo Horizonte – MG, objetivou votar o código de ética, instalar a Academia Brasileira de Ciências Contábeis, perpetuando a memória de grandes vultos da Contabilidade; promover o estudo de problemas ligados à Doutrina Contábil, ao exercício profissional, ao ensino técnico e superior, à legislação fiscal e fazendária. Pela primeira vez, o evento contou com trabalhos de origem estrangeira, entre eles de Portugal, pela Sociedade Portuguesa de Contabilidade e pela França pelo Dr. Henri Dubuisson. Neste Congresso pela primeira vez foi concedido o título de Contador Emérito, ao professor Ubaldo Lobo, pelos relevantes trabalhos em favor da Contabilidade e pela excepcional cultura. Durante o evento foi apresentada Moção pelo Sindicato dos Contabilistas do Rio de Janeiro, aprovada pelos congressistas, indicando o Senador João Lyra como “Patrono dos Contabilistas Brasileiros”, cujas justificativas foram os relevantes serviços prestados à classe, seu prestígio profissional e pessoal, moral e saber. Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 50 Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: Os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade Outro fator que tornou este evento dos mais importantes da década de 50 do século XX foi a aprovação do Código de Ética Profissional cuja matéria a respeito e o próprio código foram publicados no Jornal Tribuna Contábil nº 2 de agosto de 1950, cuja notícia é a seguir apresentada: O ponto alto do certame contábil foi, sem dúvida, a elaboração do Código de Ética Profissional dos Contabilistas do Brasil, considerado pela classe como conquista de suma importância e que, de há longos anos, desde o III Congresso de Contabilidade vem sendo ventilado em todas as reuniões de Contabilistas, sem nunca ter chegado a uma solução. Finalmente, no Congresso de Belo Horizonte, chegou-se a um resultado, concluindo-se pela aprovação definitiva do mesmo. Foram apresentadas ainda algumas moções reivindicando: • a promoção de Convenções Nacionais de Contabilistas; • a criação de Associações Profissionais, Sindicatos e Federações Regionais; • recomendação de que os Conselhos Regionais limitem sua ação ao campo da Fiscalização do Exercício Profissional; • de que os Conselhos suprimam o Registro e a Fiscalização dos escritórios de Contabilidade, passando a registrar e fiscalizar unicamente os profissionais (esta moção foi rejeitada pelo plenário) e • recomendações e pleno acolhimento a respeito da participação dos Contabilistas na vida nacional. • VI congresso - 1953: ocorreu em Porto Alegre – RS, tinha como objetivo normalizar os Balanços das empresas, para dotar os estudos e a sociedade de instrumentos adequados à medição da venda e da fortuna nacional. O tema principal foi a Padronização de Balanços. Outros temas relevantes debatidos durante o evento foram: Composição dos Conselhos Consultivos das entidades públicas e privadas e a obrigatoriedade de Contadores nos Conselhos Fiscais das entidades. O Relatório final da Comissão Especial de Padronização de Balanços definiu os princípios básicos de padronização, com validade até a instituição da Lei nº 6404/76 – atual Lei das S/As.. Houve outras edições deste evento, sem uma regularidade cronológica definida. A partir de 1988, o Congresso Brasileiro de Contabilidade passou a ocorrer a cada quatro anos, em cidades de diferentes Estados brasileiros. Considerações finais A evolução da contabilidade sempre esteve atrelada ao desenvolvimento da humanidade, e tal fato histórico também ocorreu no Brasil, com maior vigor a partir do século XIX, como este trabalho pretendeu demonstrar. A pesquisa identificou obras que mencionam o uso de rudimentos contábeis na então colônia durante o século XVIII. Entretanto, ainda não foram encontrados registros históricos que indiquem grande desenvolvimento contábil no País até o início do século XIX. A partir da mudança econômica, política e social desencadeada com a vinda da Família Real para o Brasil, e a conseqüente evolução da então Colônia, que depois se tornou Reino Unido, Império e finalmente República, à Contabilidade foram apresentados vários Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 51 Ivam Ricardo Peleias - João Bacci desafios, superados de acordo com os fatos relatados. É possível identificar que as primeiras regulamentações criaram as necessidades iniciais para o ensino comercial, e a demanda por profissionais melhor qualificados foi o ponto de partida para as primeiras ações rumo à organização da profissão e criação dos órgãos de classe. Observou-se que, à medida que o desenvolvimento se intensificou com os passar dos anos e, principalmente, a partir do século XX, novas situações se apresentaram, exigindo respostas mais rápidas e consistentes da Contabilidade e de seus profissionais. Este processo continua nos dias atuais, cuja intensidade é ainda maior, em função da velocidade e do impacto que as mudanças atualmente causam. Na verdade, o desafio de adaptação à realidade é permanente e cada vez maior, e o sucesso da Contabilidade e de seus profissionais em grande parte está ligado à capacidade de percepção e de oferecimento de respostas aos desafios que lhes forem apresentados. Este dinamismo marca o desenvolvimento da sociedade, e por conseqüência da Contabilidade e de seus profissionais. Referências bibliográficas BACCI, J. Estudo exploratório sobre o desenvolvimento da contábil brasileiro – uma contribuição ao registro de sua evolução histórica, São Paulo, 2002, Dissertação de Mestrado - Centro Universitário Álvares Penteado. CASTRO NETO, J. L. Contribuição ao estudo da prática harmonizada de contabilidade na União Européia, São Paulo, 1998, Tese de Doutorado – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO. Boletim do CRC-SP, São Paulo, no. 116 – janeiro-fevereiro-março/1997. D’ÁURIA, F. Primeiros princípios de contabilidade pura. manuscritos originais. São Paulo – Centro Universitário Álvares Penteado – 1949 ERICEIRA, F.J. O estado da arte da contabilidade no Estado do Maranhão, vis-a-vis seu desenvolvimento econômico, São Paulo, 2003, Dissertação de Mestrado – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. FUNDAÇÃO BRASILEIRA DE CONTABILIDADE. 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Porto Alegre: Bookman , 2000 Revista AdministraçãoOn Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 52 Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: Os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade MELIS, F. Storia della ragioneria – contributo alla conoscenza e interpretazione delle fonti piú significative della storia econômica. Dott. Cesare Zuffi – Editore. Bologna: Itália, 1950 PINHEIRO, J. C. P., PINHEIRO, A. V. Sebastião Ferreira Soares: um contador no Império, Brasília, Conselho Federal de Contabilidade – ano XXVII – no. 112 – maio- junho/1998 – pp. 19-31 REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE. Periódico de Contabilidade, Finanças, Industria e Commercio – anno I, num 1, São Paulo, 01/01/1912 SÁ, A. L. de. Aspectos contábeis no período da inconfidência mineira. Escola de Administração Fazendária – Centro de Pesquisa – Casa dos Contos – Centro de Estudos do Ciclo do Ouro, Ouro Preto: MG, 1980 SÁ, A. L. de. 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Entretanto, o material coletado, analisado e usado para este trabalho aponta para um maior vigor no desenvolvimento da Contabilidade no Brasil a partir do século XIX. 3 Este artigo não aborda o desenvolvimento do ensino comercial e de Contabilidade no País, apesar de este aspecto ser uma das primeiras manifestações no início do século XIX, que serviu como ponto de partida para outros fatos históricos no desenvolvimento da Contabilidade brasileira. 4 Os eventos e sua cronologia foram colhidos em diversas obras, cuja referência bibliográfica ao longo do texto comprometeria a descrição da seqüência dos acontecimentos. Por isto, optou-se por mencionar todos os trabalhos consultados nas referências bibliográficas, e usar no texto apenas as citações indispensáveis. Durante a pesquisa foram identificadas outras obras que realizaram levantamentos semelhantes; entretanto, para este trabalho foram considerados relevantes os eventos apresentados ao longo do texto 5 Uma análise mais minuciosa de alguns trechos de “A Metafísica da Contabilidade Comercial” pode ser encontrada nas páginas 53 a 62 da dissertação de mestrado de Ericeira, citada nas referências bibliográficas. 6 O trabalho de Iudícibus e Ricardino Filho, citado nas referências bibliográficas, traz pesquisa completa sobre a Lei no. 1083, de 22 de agosto de 1860. 7 Mais informações sobre a Logismografia e os trabalhos de Giuseppe Cerboni e Giovanni Rossi podem ser obtidos nas obras de Melis, Vlaemminck, Sá e Schmidt, citadas nas referências bibliográficas. 8 Apesar de os trabalhos de Sebastião Ferreira Soares serem anteriores aos esforços de Estanislau Kruszynski e de Carlos de Carvalho, é de supor que o trabalho desenvolvido em São Carlos tenha sido o primeiro sistema de Contabilidade pública implantado no Brasil. Esta hipótese pode ser levantada pela leitura da obra de Pinheiro e Pinheiro, na qual há a transcrição de diversos trechos dos trabalhos realizados por Ferreira, identificando a desordem no controle das contas públicas durante o século XIX. 9 O trabalho de Pinheiro e Pinheiro, citado nas referências bibliográficas, traz um resumo sobre a vida e obra deste pioneiro da prática e da literatura contábil no Brasil. 10 Frederico Herrmann Jr. foi o fundador da Editora Atlas S/A. 11 Esta proposição está na obra “Contabilidade Superior”, 8a. Edição, p. 28, citada nas referências bibliográficas. 12 O original desta obra, escrito à mão, e consultado para esta pesquisa, encontra-se na biblioteca do Centro Universitário Álvares Penteado – UNIFECAP – São Paulo - SP. Esta biblioteca possui outros originais escritos por D’Áuria. Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 53 Ivam Ricardo Peleias - João Bacci 13 O exemplar original da primeira edição, consultado para esta pesquisa, encontra-se na biblioteca do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo, e foi doado por Francisco D´Áuria, conforme dedicatória anotada na capa, datada de 1922. 14 O primeiro exemplar da Revista Brasileira de Contabilidade foi publicado em 1912, e sua publicação foi suspensa em 1920. Vou a ser publicada em 1929, e foi novamente suspensa em 1932. Era editada pelo Sindicato dos Contabilistas de São Paulo, e a partir de 1971 passou a ser editada pelo Conselho Federal de Contabilidade. 15 O disclosure refere-se à evidenciação das demonstrações contábeis. Este assunto pode ser mais bem estudado nas obras de IUDÍCIBUS e HENFRIKSEN & VAN BREDA, citadas nas referências bibliográficas. 16 Segundo Iudícibus & Ricardino Filho, o Decreto Lei no. 2627/40 foi a segunda lei das Sociedades Anônimas no Brasil. 17 Este decreto objetivou reorganizar o ensino Comercial, criando o título de Bacharel em Ciências Econômicas, e regulamentou a profissão de Contador, ainda em nível técnico. 18 Exemplares de anais do I, II e III Congressos Brasileiros de Contabilidade podem ser encontrados na biblioteca do Centro Universitário Álvares Penteado – UNIFECAP – São Paulo – SP. 19 A discussão desta tese foi baseada na Teoria Contista de Edmond Degranges (pai). Mais informações sobre Degranges e sua obra podem ser obtidas nas obras de Melis, Vlaemminck, Sá e Schmidt, citados nas referências bibliográficas. 20 O trabalho de Saes e Cytrinowicz, citado nas referências bibliográficas, faz uma análise mais detalhada do Decreto no. 20.158/31, e do desenvolvimento do ensino comercial no Brasil. 21 A obra “A História dos Congressos Brasileiros de Contabilidade”, citado nas referências bibliográficas, contém o resumo de todos os Congressos Brasileiros de Contabilidade realizados. Revista Administração On Line – FECAP - Volume 5 Nº 3, p 39-54 jul/ago/set 2004 54
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