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LES SOUFFLEURS

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LES SOUFFLEURS
Les souffleurs, o sopro, o manifesto do sussurro, a revelação de um segredo. Em 2001, formou-se um comando, anatomicamente plural, poeticamente singular, cujo belo objetivo é desacelerar o nosso tempo. Curiosamente, estamos diante do TEMPO_FESTIVAL, e falar em tempo, no nosso tempo, é falar em velocidade, veloz cidade, veloz mundo. Como nos lembra bem Antonio Candido, “o tempo é o tecido da nossa vida”, não um obstáculo impalpável, como nos ensina o capitalismo. Pensar e agir sobre o tempo é uma posição política, mais que isso, é uma postura ética diante do que é o mundo.
 
Olivier Comte escreve em 2001 o Manifeste du Chuchotement, texto que dá origem ao Les Souffleurs; partindo do princípio de que a humanidade se reproduz através da palavra pronunciada – da boca ao ouvido –, suas ações caminham no sentido de uma retomada da tradição oral, de um sujeito para o outro. Da mesma maneira, Walter Benjamin, em seu ensaio “O narrador”, reivindicou a perda de capacidade da narração no pós-guerra, “uma reflexão sobre a desmoralização da experiência na modernidade cujo pano de fundo não declarado são as drásticas mudanças na temporalidade causadas pela predominância da técnica não apenas sobre outras formas de relação com a natureza, mas acima de tudo das relações entre os homens”. Aquilo para o que Benjamin atentou, em 1936, é retomado de maneira belíssima nas ações do Les Souffleurs – Commandos Poétiques. É claro que se trata de um outro contexto: se, antes, as novas experiências temporais eram assustadoramente velozes, hoje, só não o são, pois não há tempo sequer para senti-las.
 
O Commandos Poétiques é composto por atores, escritores, artistas plásticos, enfim, sujeitos interessados em criar novos territórios, momentos de ruptura e suspensões da vida cotidiana. Agem sempre vestidos de preto, organizados em número ímpar, e munidos de um cano de PVC – “Rossignols” – cujo comprimento equivale a altura média do homem contemporâneo. O “rossignol” (rouxinol) é o instrumento usado para sussurrar aos ouvidos dos espectadores, aquilo que faz a ponte entre a emissão e a recepção, entre a boca e o ouvido. As palavras são de poetas, são citações filosóficas, são segredos sobre a literatura e arte; são palavras carregadas de afeto, ouvi-las deve ser uma experiência sensível.
 
No Rio de Janeiro, o Les Souffleurs traz sua primeira experiência de desaceleração do mundo: Apparitions/Disparitions, ação que acontece em lugares e situações onde há convivência (ainda que arbitrária) entre pessoas, eles aparecem de uma hora para outra e sussurram. É importante dizer que na linguagem Souffleurs, os sussurros da Apparitions/Disparitions são sussurros éticos, giram em torno de temas como tolerância, amor, curiosidade, humor. Uma tentativa de fazer da temporalidade uma experiência, ou melhor, de devolver a experiência à temporalidade.
 
Ainda no século IV, Santo Agostinho alertava sobre o que é o tempo: “se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”. O tempo é o tecido, é aquilo que não se pode tocar, é aquilo que só se pode sentir. Les Souffleurs – Commandos Poétiques intervém no nosso tempo individual e propõe a experiência de um tempo coletivo, poético, infinito enquanto dure.
Poema de Carlos Drummond de Andrade
Poema de Sete Faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

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