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Capítulo 1 Introdução ao Desenho Urbano Vicente Del Rio.compressed (3)

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P a rte I
Origens e definição
do desenho urbano
C ap ítu lo 1
O s an o s 60 : c o n te x to p a ra m ud an ças d is c ip lin a re s
A década de 60 via surgir as primeiras críticas e protestos
generalizados sobre a qualidade do ambiente urbano que
vinha sendo produzido, tanto pelo poder público quanto pela
iniciativa privada. Criticava-se tanto o impacto dos empreendi-
mentos sobre o meio ambiente e a vida das comunidades,
quanto a própria qualidade dos espaços urbanos e da arquite-
tura. Essas críticas surgiram, principalmente, da população
afetada, além de pesquisadores e acadêmicos de ponta e
da imprensa em geral.
Vamos destacar as cinco questões básicas na origem dos
debates e que, no nosso entender, passariam a caracterizar
a produção de conhecimento dos anos 60 e 70, como um
repensar das formas de como o próprio desenvolvimento
vinha ocorrendo até então, num primeiro momento, nos paí-
ses do chamado Primeiro Mundo. Claro está que este "repen-
sar humanístico" deu-se, podemos dizer, em paralelo e inde-
pendente ao desenvolvimento normal de campos de conheci-
mento ditos "científicos", como a própria informática. Isto
levaria a novas ideologias, novas posturas e valores, fortale-
cendo, inclusive, as Ciências Sociais com enfoques mais hu-
manísticos, e outras disciplinas com enfoques mais "pé no
chão", como a microeconomia e a educação básica. Até mes-
mo novas disciplinas e campos de conhecimento viriam a
ser abertos, facilitando o aparecimento de novas profissões.
Foi a partir destas atitudes críticas, dos novos valores surgidos
e da necessidade de novas categorias de análise e de novos
instrumentos para o controle do desenvolvimento urbano,
que o Desenho Urbano se consolidaria enquanto campo de
conhecimento e, para muitos, profissão específica.
A seguir, sem a pretensão de esgotar o assunto, destaca-
remos os fatos e trabalhos mais significativos e influentes
para a consolidação do Desenho Urbano e seu desenvol-
vimento acadêmico nos diversos centros de pesquisa e cur-
sos de pós-graduação. Organizamos esta discussão em torno
das cinco questões básicas na origem dos debates sobre
a qualidade do meio ambiente.
Foi nos anos 60 que, pela primeira vez, intensas e violentas
ondas de protesto enfrentavam as intervenções urbanísticas
e os programas de renovação urbana das grandes cidades
(fig. 1). Essas políticas públicas haviam sido iniciadas, ou
tomado corpo, a partir da 1 I Grande Guerra Mundial e visavam
a reposição completa de grandes áreas do tecido urbano
consolidado, principalmente aquelas dos antigos centros que,
se não haviam sido bombardeados, eram considerados "dete-
riorados" ou em decadência.
Em muitos casos, aqueles de áreas grandemente afetadas
pela guerra, como nas cidades de Coventry (Inglaterra). Rot-
terdam (Holanda) e Berlin (Alemanha). para citar apenas os
casos mais famosos, esta atitude se justificava face à escala
da destruição. Os novos planos e projetos seriam sempre
desenvolvidos segundo os novos paradigmas e preceitos dos
Congressos de Arquitetura Moderna e da Carta de Atenas.
É muito demonstrativa a observação do famoso urbanista
britânico Sir Percy JOHNSON-MARSHALL, responsável por
inúmeros esforços de reconstrução e um dos mais famosos
urbanistas na Grã-Bretanha, quanto à área de entorno da
histórica Catedral Saint Paul, em Londres. A área havia sofrido
intenso bombardeio e, segundo o urbanista, " .. apesar da
devastação, se mantiveram de pé um número suficiente de
edificações como que para criar problemas na hora de reorga-
nizar a estrutura urbana" (JOHNSON-MARSHALL 1986:
124) Para ele, talvez fosse melhor se as bombas tivessem
conseguido acabar com tudo para possibilitar o livre exercício
do urbanismo modernista (fig. 2).
Nos países do Primeiro Mundo, principalmente nos EUA,
este tipo de ideologia e de modo de atuação se aplicaria
às políticas públicas para com as áreas centrais, tanto habita-
cionais quanto comerciais, que se encontrassem em situação
de esvaziamento populacional e econõmico. Esvaziamento
este que, na maioria das vezes, não era causado pelas caracte-
rísticas físico-ambientais das áreas mas, de um lado, pelas
próprias políticas regionais vigentes e de outro, pelos novos
modos de vida e paradigmas buscados pela classe média,
insuflados pela sociedade de consumo. Seriam as novas con-
dições "dignas" de moradia ofertadas pelo subúrbio, as cida-
des-novas onde tudo era "corretamente planejado para nosso
conforto", as migrações das grandes empresas para maior
eficácia de sua atuação e de sua imagem, a nova forma
de comprar dos" shopping-eenters", entre outros fatores (fig.
3). Como consequência, as áreas centrais se deterioraram
física, econômica e socialmente; os grupos mais abastados
se instalariam em suas novas casas de subúrbiO, o comércio
e as atividades culturais perseguiram seu mercado, mudando
para os subúrbios, os imóveis das áreas centrais passariam
a apresentar alto índice de deterioro e abandono, os grupos
menos favorecidos herdariam estas condições e os cortiços
e guetos se formariam.
Grandes intervenções do Poder Público, ou por ele apoiadas,
buscariam adequar estas áreas centrais às novas funções
pr conizadas pelos planos diretores e políticas de renovação,
Figura 2 -As linhas modernistas de projeto modelo de renovação
nos esforços do pós-guerra; centro multiuso Barbican, Londres,
Chamberlain-Powell & Bon, 1954
Figura 3 - O shopping-center regional e novos padrões de
ocupação nos subúrbios norte-americanos; incompatibilidade
morfológica com o urbano tradicional em Stonestown, San
Francisco
de forma a viabilizar os mercados imobiliário e financeiro.
Impunham-se CBDs ("Central Business Districts", distritos
centrais de negócios). imponentes e grandiosos sistemas
viários, espia nadas monumentais, grandes conjuntos habita-
cionais em periferias mas com condições mais "dignas",
shopping-centers etc. (figs. 4 e 5). As cidades eram então
vistas como simples problemas de funcionamento, maximi-
zação de investimentos e viabilização da reprodução e acumu-
lação do capital.
Importantes aspectos seriam ignorados nestes processos,
tais como os valores da população e os intensos e lonÇ)os
: .;1
Figura 4 - Conjuntos residenclals para programas de renovação'
urbana e o paradigma corbusiano; Stuvvesant Town e Peter
Cooper Village, Nova lorque, 1943
.:- :~ .~
\ ,I '" ..,~ ~
• 10
Figura 5 . Os projetos de renovação e suas vias expressas como
barreiras e o abandono do potencial de lazer da margem do
rio, hoje uma prioridade; Cincinati, EUA
investimentos sociais e econômicos das comunidades e do
indivíduo no seu ambiente habitacional. As características
simplistas e, não raro, desumanas dos ambientes então gera-
dos desconsideravam a complexidade da vida urbana, de
patrimônio histórico, da integração e inter-relaçã<J entre as
funções e atividades humanas, a importância das redes so-
ciais estabelecidas, dos valores afetivos e de tantos outros
fatores vitais para o cidadão.
Nos EUA. por exemplo, nos anos 50 aprovou-se legislação
passando a permitir que os governos locais adquirissem com-
pulsoriamente, ou por outros meios convincentes, os imóveis
considerados em condições de abandono, revendendo-os no
estado ou após reurbanizações e melhorias no entorno, a
empreendedores que se dispusessem a construir algo de
acordo com o que o Poder Público achasse "desejável" para
a cidade. Seus objetivos sempre implicariam em prioridade
para a dinamização da economia formal. o incremento dos
impostos, e os lucros financeiros imediatistas Estas políticas
seriam conhecidas como do "bulldozer" (trator) ou "urban
removal" (remoção urbana). ou até "negro removal" (remo-
ção de negros), por seu viés preconceituoso e elitista (CAS-
TELLS 1971, GOODMAN 1971)
Por todo mundo iriam implementar-se políticas e programas
do tipo "arrasa quarteirão", inclusive no Brasil. O Rio foipalco de diversos deles, inaugurados por Pereira Passos na
virada do século, para serem retomados depois, na época
do milagre. Ainda hoje sentem-se os efeitos de intervenções
modernistas traumatizantes, como as da esplanada de Santo
Antônio (Av. Chile e adjacências). do Catumbi, do Estácio
e da Cidade Nova, além das violentas remoções de favelas
(figs. 6 e 7) Alguns destes casos estão bem cobertos por
literatura existente no Brasil (PERLMAN 1976, VALLADARES
1978, SANtOS 1981). Hoje ainda ronda o fantasma desta
ideologia, que se utiliza do discurso de ser o "remédio para
as doenças patológicas dos centros decadentes", como no
caso recente de São Paulo e o prefeito Jânio Quadros.
Fazendo frente a esta situação e às violentas remoções de
grupos de baixa-renda e minorias étnicas, surgiram ondas
de protesto que, não raro, acabavam em "lutas urbanas"
(riots) de violentas proporções e base racial. São conhecidos
os casos das cidades americanas de Baltimore, Newark e
Detroit, em meados dos anos 60 (GOODMAN 1971, scon
1971) Os estudos acadêmicos, a opinião pública, as campa-
nhas da imprensa e o apoio dos próprios técnicos mais cons-
cientes terminaram por obter apoio político suficiente para
alterações nos programas de renovação irrestrita e nas inter-
venções urbanísticas de cunho meramente funcionalista.
Poderíamos, sem dúvida, destacar como pioneiro nesta cons-
cientização o livro da jornalista americana Jane JACOBS
(1961) em que critica profundamente as ideologias dos plane-
jadores de então, seu distanciamento do mundo real e o
produto de seus trabalhos. Ela destacava fatores e qualidades
urbanas totalmente ignorados pelos planos modernos, como
a variedade de funções e suas inter-relações, a importãncia
de haver intensas atividades nos espaços públicos para maior
segurança, e as limitações da ordem visual. Segundo ela,
"a pseudociência do planejamento urbano e sua companhei-
ra, a arte do city design, ainda não romperam o conforto
superficial de desejos, superstições familiares, supersimplifi-
cações e símbolos, e não iniciaram a aventura de provar
o mundo real" (JACOBS 1961. 23).
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t?, Iç--'nnr-'\l,' './., ~
J~ ,.., ~. e _" _ \\ I I \ \ ':~ r~ l!)~ :I :~:':~~~::. . -
Figura 6 - Projeto de reurbanização da área resultante do desmonte do Morro de Santo Ant6nio, centro do Rio; Affonso E. Reidy, 1948
Também foram de grande importância os trabalhos gerados
pelas Ciências Sociais, como os dos sociólogos Herbert
GANS (1968) e Suzanne KELLER (1968), e da antropóloga
Lisa PEATTIE (1972). O primeiro levantava a incompatibilidade
entre os planos urbanísticos e os interesses das populações
diretamente atingidas, enquanto as duas últimas desenvol-
veram pesquisas comprovando a importância dos valores e
das relações sociais para os bairros de baixa renda. No caso
brasileiro foram fundamentais as pesquisas pioneiras de
PERLMAN (1976), que estudou a inadequação das políticas
de remoção de favelas no Rio, e de VAL.LADARES (1978),
que demonstrou a falência dos programas de financiamento
e dos conjuntos habitacionais, com a maioria dos mutuários
repassando seu imóvel para outra família e retornando às
favelas.
Novas posturas profissionais também viriam a ser assumidas,
gerando novas formas de atuação, como a do citado Robert
GOODMAN e sua postura anárquica, e de Paul DAVIDOFF
(1965). Este lançou o conceito de "advocacy planning" (plane-
jamento advocatício ou advocacional) que se tornaria muito
popular nos EUA, onde até hoje técnicos perfilam-se ao lado
ou são contratados por comunidades atingidas por um projeto
ou plano para que advoguem soluções alternativas.
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Figura 7 - Ambiente gerado pela legislação urbanística na Esplanada (ex-morro) de Santo Ant6nio, Rio, inspirada no
projeto de Reidy: monofuncionalidade, conflitos morfológicos e grandes dist/1ncias para o pedestre
Na década de 60 o mundo despertou para a Questão do
patrimônio histórico, para os valores tradicionais, a produção
vernacular, as culturas alternativas e uma maior consciência
dos excessos do consumismo. Talvez seja possível afirmar
Que se tratou de um ressurgimento do Humanismo, tomando
o termo em suas conotações mais amplas e positivas. Para
as áreas da Arquitetura e do Urbanismo destacaríamos algu-
mas vertentes de pensamento na produção de conhecimento
e de influência no desenvolvimento destas disciplinas.
Nesta Questão, foram muito influentes os trabalhos de Gor-
don CULLEN (1961) e Ivor DE WOLFE (1963l. representativos
do renascimento do interesse público e profissional pelo am-
biente construido vernacular. O vernacular define-se como
a linguagem, técnicas e valores transmitidos tradicionalmente
na cultura de um determinado grupo social, sem sofrer maio-
res influências externas. Os dois autores se inspiram nas
pitorescas cidades antigas e nas belezas geradas pelo Urba-
nismo "espontãneo" vernacular (fig. 8). Ainda nesta linha,
mas tomando outra dimensão de análise, menos visual e
mais "objetiva", encontram-se os trabalhos Que tratam da
"morfologia urbana", Que estuda o tecido urbano e seus
elementos formadores, através de sua evolução, transfor-
mações, inter-relações e dos processos sociais Que os gera-
ram. Estas teorias serão tratadas com maiores detalhes no
capitulo sobre metodologias.
Pelo lado norte-americano também pesQuisava-se e publica-
va-se sobre o vernacular, a dimensão cultural e a antropo-
lógica do ambiente construído. Obteve grande popularidade,
em meados dos anos 60, a exposição (lIVro de mesmo nome)
"Arquitetura Sem Arquitetos", com fotos de exemplos de
todo o mundo, organizada por Bernard RUDOWSKY (1964)
no Museu de Arte Moderna de Nova 10rQue (de 9/11/64 a
7/2165). Esta temática seria retomada em dois trabalhos fun-
damentais do arquiteto e antropólogo Amos RAPOPORT
(1967, 1969l. ao estudar as relações entre o ambiente cons-
truído e a cultura, chamando a atenção para valores como
a complexidade de significados, as mensagens visuais experi-
mentadas pelo cidadão e a importãncia das ricas conotações
dos elementos arQuitetônicos vernaculares e indígenas. Mais
tarde, o mesmo pesquisador publicaria um dos trabalhos mais
influentes e citados em Desenho Urbano, ainda sobre os
aspectos humanos e antropológicos da forma urbana (RAPO-
PORT 1977) (fig. 9).
Figura 8 - San Gigminiano, a cidade das torres na Itália, retrata
a redescoberta das qualidades e belezas da arquitetura
vernacular e das cidades "não-planejadas"
O interesse nas mensagens arQuitetônicas e suas diferentes
leituras fomentou o desenvolvimento dos estudos de semio-
logia, ou semiótica, aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo.
A semiologia estuda todos os fenômenos de comunicação
como se fossem um sistema de símbolos, ou seja, uma
linguagem. Um grande modismo do fim dos anos 60 e início
dos 70, na Itália e França, revelou-se depois limitado enquanto
maiores desenvolvimentos de sua praticidade. Quanto à sua
aplicação em nossa área de estudos e suas obras mais impor-
tantes, comentaremos durante nossa proposta de procedi-
mentos metodológicos.
Nesta dimensão analítica do simbólico, destacamos os con-
trovertidos e influentes livros do arquiteto americano Robert
VENTURI e colaboradores (1966, 1977). Eles lidam com os
aspectos contraditórios e complexos das mensagens arQuite-
tônicas, colocando em evidência seus significados mais popu-
lares ditos "cafonas" ou "bregas", utilizando-se do termo
contemporâneo Seus livros e seus projetos tornar-se-iam
referências obrigatórias para a Arquitetura Pós-Moderna. Em
um de seus escritos, por exemplo, em Que defende a validade
de edificações como o estande em forma de "pato", VEN-
TURI (1966: 166/167) diz Que "as Justaposiçôes de elementos
de má-reputação, Que parecem caóticos, expressam um tipo
intrigante de vitalidade e validez, alcançando também uma
aproximação inesperada da unidade. ( ) ... no edifício ou
na paisagem urbana validamentecomplexos, a visão não Quer
Figura 9 - A "arquitetura sem arquitetos" e as possibilidades
de soluções mais apropriadas e adaptação ao meio. Há centenas
de anos, o melhor uso das possibilidades das formações
vulcânicas na Capadocia, Turquia
ser satisfeita rápida ou facilmente em sua busca pela unidade
no conjunto" (fig. 10) Ainda segundo VENTU RI (1977). a
arquitetura depende da experiência passada e da associação
emotiva para a sua percepção e criação. I
Todas estas discussões e pesquisas terminaram por influen-
ciar decisivamente no desenvolvimento de nova corrente de
pensamento arquitetõnico que veio a contrapor-se ao Movi-
Figura 10 - O pato, estande de "fast food" referido por VENTURI
como das principais manifestações da arquitetura simbólica,
a que toma a forma do próprio símbolo; Long Island, Nova
lorque
mento Moderno. A arquitetura Pós-Moderna que, em seu
estado mais válido e original, tenta uma recuperação e reinter-
pretação de símbolos e linguagens tradicionais ou populares,
ignorados pelo modernismo do International Style (fig. 10).
Busca-se, para tanto, uma arquitetura mais rica em suas di-
mensões simbólica e lúdica, como deixa claro o importante
trabalho de Charles JENCKS, o responsável pela colocação
feliz da expressão "Arquitetura Pós-Moderna" (JENCKS
1977) Isto é verdadeiro se analisarmos as obras pioneiras
desta corrente, como as dos arquitetos americanos Charles
MOORE, Robert VENTURI e Robert STERN, dentre outros.
Um bom exemplo é a Piazza d'ltalia, projeto de Charles MOO-
RE e associados, de 1977, uma praça símbolo para a comuni-
dade italiana onde o arquiteto manipulou decorativamente
diversos símbolos típicos daquela cultura, como uma fonte
em forma de mapa da Itália ou colunas e capitéis de ordem
romanas, só que em aço escovado, tudo com intenção ceno-
gráfica e lúdico-irõnica (fig 11) Talvez pela característica con-
sumista do Pós-Moderno, utilizando-se de símbolos arquite-
tõnicos de fácil comunicação e apelo popular, foi justamente
nos EUA onde mais prosperou.
Também podemos identificar projetos urbanísticos Pós-Mo-
dernos, tendo por base principal a Europa. Isto porque a
a
Figura 11 (a, b) - D Pós-moderno lúdico e cenográfico da Piazza
d'ltalia, praça sfmbolo para a comunidade italiana de Nova
Drleans; coordenação de Charles MDDRE, 1977 . No medalhão,
o rosto do arquiteto
·; ;"1
• • • 1
nu
Figura 12 - D Pós-moderno no neo-racionalismo de A Ido RDSSI
e seu projeto para a sede do governo local de Trieste, Itália,
1974
corrente gerou fone contextualismo, por isto muitos os classi-
ficam como "neo-racionalistas", e larga utilização de técnicas
de análise de Morfologia Urbana, que serão comentadas no
Capitulo 5. São exemplos os trabalhos dos irmãos Leo e
Rob KRIER, de Aldo ROSSI e do escritório de James STIR-
L1NG e Michael WILFORD (figs 12 e 13)
o público em geral consumiu facilmente o Pós-Modernismo,
talvez por seu fácil apelo a símbolos já aceitos pela classe
média. Como no sucesso dos projetos do catalão Ricardo
BOFI LL. No complexo habitacional Les Arcades du Lac, nos
arredores de Paris, construido no fim dos anos 70, o arquiteto
utilizou-se de uma linguagem arquitetônica e de organização
espacial neo-clássica, embora os métodos construtivos te-
nham sido de moderna pré-fabricação. A idéia foi muito bem
aceita e o empreendimento é hoje um sucesso para os grupos
de classe média ascendente (fig. 14). Mais tarde, BOFILL
foi vencedor de concurso internacional para renovação da
área conhecida por Quartier Les Halles, em Paris, e, desde
', ,~ (c r;) G 'O "O U "" 'l'b 'b 'b ••••••• • • • .- :
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Figura 13 - Uma linguagem mais contextual e expressionista
representada pelo projeto para o Centro Regional da Toscana,
Florença, de James STlRLlNG e Associados, 1977. Elementos
organizados sobre quadrfcula romana e remanescentes do
século 1 AC
a concepção original do projeto. em 1974. até a controvertida
anulação dos resultados e demolição do pouco que havia
sido construido em 1978. inspirou-se profundamente no neo-
c1assicismo elitizante.
Este sucesso também se refletiu junto ao público em geral.
tanto em termos arquitetõnicos quanto urbanísticos, com
a Bienal Mundial de Veneza (1980), a Bienal Internacional
de Arquitetura (1980) e o Salão de Outuno (1981). ambos
em Paris, que exaltaram o Pós-Moderno. popularizando-o ain-
da mais, assim como um Urbanismo mais consciente do
passado e do patrimõnio instalado. culminando os esforços
iniciados nos meados dos anos 60.
Por seu lado, a corrente Neo-Vernacular também se popula-
rizou, pela mesma razão de fácil consumo de símbolos. só
que estes apelando para o "rudimentar" ou o "rústico". Bom
exemplo disto é Port Grimaud. proj to d François SPOERRY.
um luxuoso complexo de re idências d veraneio na co ta
da França mediterrãnea. construído em 1977. que explorou
as imagens de vernacular franc's c mo produto "chiqu "
de consumo (fig. 15). Um fenõm no de consumo sem Ihant
ao que hoje observamos. por x mplo. no litor I Rio-Santos
e em Búzios. cidade de praia no Estado do Rio. com uas
"casas de pescadores".
Em segundo lugar. apontamo a importância das pesquisas
das transformações urbanas: o r0 ultados fí ico- spaciai
de processos de apropriação pela população dos elementos
urbanos e arquitetõnicos ao longo dos séculos. como os anfi-
teatros romanos. Servindo como "estruturas-suporte" para
as transformações. são elementos que acabaram transmu-
tados em praças. residências etc .. perfeitamente incorpo-
rados ao tecido urbano mas cuja lógica conformadora e estru-
turas básicas ainda são distinguíveis (fig. 17)
Uma grande alteração nas políticas urbanas e nas profissões
ocorrida neste período foi relativa à ampliação da democracia
A partir do crescente descontentamento dos habitantes sub-
metidos a ambientes modernistas e dos movimentos de pro-
testo e resistência aos programas de intervenção urbana,
fato comentado anteriormente, as populações das grandes
cidades dos países desenvolvidos foram conquistando impor-
tantes reivindicações. Assim como nos EUA. as principais
cidades européias seriam palco de movimentos sociais seme-
lhantes e suas administrações se veriam pressionadas a inse-
rir maior participação comunitária em seus processos de pla-
nejamento e, principalmente, nos programas habitacionais
(fig. 18).
na gestão urbana e na própria produção arquitetõnica, através
da participação das comunidades e dos usuários dos projetos
! 'I .•
Figura 14 - Conjunto residencial de média-renda Les Arcades du Lac; pós-moderno classicista de Ricardo BDFFIL em subúrbio
de Paris; final dos anos 70. Sucesso nas classes burguesas com a linguagem simbólica associada ao clássico e seu rígido formalismo
Ao mesmo tempo, verificava-se um forte questionamento
da própria noção de progresso e de desenvolvimento. Sur-
giam os grupos de defesa do meio ambiente, a ecologia
se impunha como ciência necessária à própria sobrevivência
da nossa espécie. levantava-se a questão de utilizar os recur-
sos não-renovàveis, e a noção de produtividade econômica
acabaria por ser contestada pela de produtividade social
(SCHUMACHER 1973, BRASilEIRO 1981) Surgiram, nestn
época, estudos e movimentos que advogavam a utilizaçã()
de tecnologias mais apropriadas aos contextos daprodução,
tomados como partes de um todo profundamente inter-rela-
cionado, e de processos alternativos que, em Arquitetur
e em Desenho Urbano, maximizassem a utilização dos recul-
sos disponíveis, da mão-de-obra, e a participação dos próprios
~'.~~"~:~
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. ,"No';'.;;
"i"''/ ~ ',t ,to'
'},
Figura 15 - Port Grimaud, costa francesa mediterr/Jnea, luxuoso empreendimento de veraneio projetado por François SPOERRY,
1977. Sucesso na reprodução de padrões vernaculares locais; os corretores desafiavam o comprador a tentar achar duas casas
iguais!
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Figura 17 (a, b) - A contfnua apropriação de antigas estruturas pela população, como os anfiteatros romanos: em Florença ele
foi absorvido pelo tecido e em Lucca sua arena conforma uma praça e sua estrutura incorporou-se às casas
Figura 18 - As cidades tornadas palco de movimentos sociais
por melhor qualidade ambienta! e as comunidades
conquistando mais peso na "balança" polftica
usuários no seu meio ambiente construído. Evidentemente,
pela sua natural importância na reprodução da força de traba-
lho, as alternativas habitacionais tomaram lugar primordial
nestas preocupações (TURNER & FICHTER 1972, WARD C
1974, HARMS 1982)
A sociedade, principalmente através da nova geração e seus
movimentos estudantis, buscava novas ideologias alterna-
tivas e forma comunitária de vida, como os movimentos "Flo-
wer Power" e "Hippie", ou as comunidades "drop out",
ao som do rock de protesto ou de baladas romântico-lisér-
gicas. Bom exemplo desta nova maneira de pensar o desen-
volvimento encontra-se no famoso livro de E. F. SCHUMA-
CHER (1973), um "best-seller" até hoje, que se inspirou na
obra de Gandhi para tratar de "economia como se fossem
as pessoas o que importasse". Também foi sintomática a
p netração do livro de Richard SENNET (1970), onde defende
os "usos da desordem" e a necessidade de contexto urbano
d ord nado e diversificado com in trumento de liberação
p I lib rd d de ação para H m m.
Nos p r d r I ncia dos siste-
m s Ir dicion i ntaç O polítiCt, r Ila de susten-
tação omunit ri p r S tivid d do Pod r Público e a
provisão dos serviç urbanos (CA I LI 1 72, AUNDERS
1979). Era crescente o distanciam nt d p Iíti os das reais
necessidades da população. Os gov rn viram-se, então,
obrigados a lidar com a participação popul r nos processos
de planejamento, mesmo porque se consci ntizaram que
esta seria uma solução mais populista e econômica do que
o enfrentamento direto. Evidentemente, esta participação vi-
ria tomar várias formas, desde a co-optação até a utilização
de mão-de-obra comunitária barata para as obras, não sendo
"per se", garantia de influência nos processos de tomada
de decisões (GOODEY 1980) (fig 19).
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FIgú7a 19 - Os nfveis da participação comunitária nos projetos
e processos decisórios como degraus de uma escada, desde
a manipulação dos participantes pelos técnicos (participação
zero) até o controle decisório (participação máxima)
Não se pode negar. entretanto. que a partir disto os processos
de planejamento se tornariam um pouco mais transparentes
para a população e mais permeáveis a suas reivindicações:
mais em alguns países e cidades do que em outros. Os
movimentos de bairro e de grupos de cidadãos com interes-
ses especiais. como os grupos de defesa do meio ambiente.
se institucionalizariam e passariam a ser consultados e a
ter voz ativa na administração e no desenho das cidades.
Na Grã-Bretanha. por exemplo. foi aprovada legislação. em
1965. que tornaria obrigatória a participação popular na elabo-
ração de planos diretores locais. Nos EUA. em 1969. nova
legislação federal instituiu a obrigatoriedade de relatórios de
impacto ambiental e participação das comunidades onde se-
riam aplicados os recursos federais. Logo. em 1974. também
passaria a exigir-se a participação das comunidades de áreas
atingidas por programas federais de urbanização para defini-
ção de prioridades de investimentos (fig. 20).
Estas novas instâncias políticas e movimentos sociais urba-
nos levariam as Universidades e os técnicos a uma redefi-
nição de seus papéis no processo de desenvolvimento urbano
(SIMMIE 1974). As disciplinas sociais se veriam obrigadas
a incorporar a dimensão participativa em seus programas.
e a produzir novas metodologias. Surgiram novas atividades
profissionais e até mesmo novos cursos superiores. como
foi o caso dos cursos de graduação em Planejamento Comu-
nitário ("community planning''), nos EUA.
Inúmeros exemplos poderiam ser citados para ilustrar o cres-
cimento da participação popular e sua incorporação à gestão
das cidades nos países do Primeiro Mundo. As experiências
proliferaram nos anos 70 e foram de enorme influência no
desenvolvimento do Desenho Urbano.
Em Nova lorque instituiu-se 59 Comissões Comunitárias de
Planejamento para participar do processo decisório da gestão
sobre alguns serviços urbanos. Em Baltimore. também nos
EUA. implantou-se o planejamento comunitário distrital (com-
munity district planning). um sistema de planejamento coinci-
dente com os distritos políticos oficiais a nível local. Em Ams-
terdam. na Holanda. o governo viu-se obrigado a ceder aos
protestos. implantando um sistema de repasse de verbas
a fim de que as comunidades contratassem seus próprios
escritórios de projeto para elaboração de planos locais. pois
verificou-se ser muito mais barato do que se o governo proce-
desse à produção e aprovação do plano frente à participação
dos moradores.
Figura 20 - D desenho participativo através da televisão e de
telefonemas dos espectadores; projeto de reurbanização em
Dayton, Dhio, EUA, coordenado por Charles MDDRE em 1976.
Hoje o baixo custo relativo da TVa cabo aumentou o potencial
de uso deste veiculo para programas comunitários .
Na Inglaterra. vale mencionar uma experiência participatlva
no projeto e implantação de conjunto habitacional que obteria
grande sucesso popular. Trata-se de Byker, na cidade de
Newcastle. onde o arquiteto Ralph ERSKINE e sua equipe
montaram um escritório de campo onde os nove mil mora-
dores podiam participar da decisão de diversos elementos
do projeto arquitetônico e urbanístico. num processo que
demorou de 1969 até 1982. quando complementou-se a obra
final (BERNFELD et ai. 1980. BUCHANAN 1981. TRANCIK
1986 (fig. 21)
Por toda Europa e EUA repetiam-se os casos bem-sucedidos,
evidenciando a importância da participaçâo direta. Revela-
va-se, entretanto, a sua viabilidade relativa pois verificavam-se
fortes determinantes na escala do projeto e no próprio con-
texto sócio-eultural em que se trabalha. A participação legíti-
ma revelava-se muito dependente da capacidade organiza-
cional das próprias comunidades participantes do plano ou
projeto, como demonstraram vários estudos.
Foi também no fim dos anos 60 que teóricos e técnicos
começaram a se concientizar da escala do problema habita-
cional e a importância da autoconstrução, auto-ajuda e muti-
rão no Terceiro Mundo (fig. 22). Importância esta que se
refletia não apenas a níveis psicológico e cultural, e evidente
maior satisfação dos usuários com o produto de projeto, mas
também a nível econômico. Se, por um lado, o Estado veria
possibilidades amplas de maximização de seus investimentos
Figura 21 - Conjunto residencial de Byker, Newcastle, Inglaterra,
1969/1982, arquiteto Ralph ERSKINE.Participação dos futuros
moradores em decisões relativas a suas unidades e ao conjunto
Figura 22 - A intensidade do problema habitacional mostrou
a importtJncia dos investimentos já feitos pelos moradores e
de programas mais participatívos; favela de Jacarezinho, Rio,
população oficial 31.405 moradores (1980)
nos programas habitacionais de baixa-renda, por outro as
famílias teriam a possibilidade de melhor investir conforme
suas próprias capacidades de desembolso a longo prazo, ad-
ministrando seus próprios gastos a partir da segurança gerada
por um título de propriedade de um lote urbanizado ou casa-
embrião (DEL RIO 1982, WARD 1982).
Neste sentido, destacamos o trabalho de HABRAKEN (1962).
que apresentava estudos para programas habitacionais com
"estruturas-suporte", edificações com interiores e fachadas
flexíveis à participação dos moradores, enquanto que alguns
elementos seriam fixos, como os núcleos de cozinha e ba-
nheiro e o sistema estrutural. Esta alternativa ao alojamento
de massa, de concepção racionalizada, tem uma grande pene-
tração acadêmica até hoje (fig. 23). .
Por seu lado Charles ABRAMS (1964). que foi assessor do
governo norte-americano em questões de habitação e urbani-
zação para países em desenvolvimento, informava em seus
relatórios, publicados em forma de livro posteriormente, da
importãncia e viabilidade da autoconstrução, da capacidade
de progresso sócio-econâmico da população, dos assenta-
mentos ilegais, e das desvantagens de sua remoção indiscri-
minada.
Uma extensa experiência junto ao governo do Peru possibi-
litou que William MANGIN e John TURNER compreendes-
sem amplamente o problema da habitação de baixa-renda
nos países do Terceiro Mundo e os levou a publicarem traba-
lhos importantíssimos para o desenvolvimento da questão.
Os trabalhos e a atuação dos profissionais, divulgando seus
resultados, vieram a ser instrumentais para as alterações das
políticas governamentais e das instituições internacionais de
crédito, como o Banco Mundial, no estabelecimento de suas
políticas e programas habitacionais (PAYNE 197-6, WARD
1982).
Contestando alguns conceitos aceitos na época, MANGIN
(1967) negava que as favelas eram caóticas e desorganizadas,
marcadas por "patologias sociais", como o crime, e defendia
que se constituíam, na verdade, em solução eficiente dos
pobres e dos migrantes para o problema da falta de habitação.
Junto com TURNER publicaria alguns artigos em revistas
de penetração, sempre sobre suas experiências com as "bar-
riadas" (assentamentos ilegais) de Lima, demonstrando as
reais possibilidades da participação popular (MANGIN & TUR-
NER 1968).
Figura 23 - Estruturas-suporte; elementos prefixados e
participação dos moradores: processos flexfveis às
necessidades e com potencial para interessantes resultados
plásticos. Esqueleto de prédio invadido no Rio Comprido, Rio
de Janeiro
Porém, foi TURNER o mais influente nesta questão, tanto
por seus trabalhos publicados quanto por sua atuação acadê·
mica e como ativo consultor internacional (TURNER & FICH-
TER 1972, TURNER 1976, 1982). Ele defendia o potencial
da autoconstrução e dos processos por mutirão se dirigidos
e apoiados pelo Estado. A idéia básica seria a instituciona-
lização de processos participativos em habitação, maior auto-
nomia local e o Estado agindo como provedor de condições
não-passíveis de serem conquistadas pelas comunidades.
como programas de financiamento, transporte coletivo, assis-
tência técnica, acesso à terra etc. (fig. 24)
No Brasil destacou-se a atuação pioneira de grupo de arqui-
tetos à frente da CODESCO (Companhia de Desenvolvimento
de Comunidades). antigo órgão estadual criado em meados
dos anos 60 e que, embora de curta existência, provou a
víabilidade de trabalhos participativos de urbanização de fave-
las. A literatura existente já se dedicou à experiência da favela
de Brás de Pina: urbanização participativa de forma progres-
siva por setores e com resultados físico-espaciais e sócio-eco-
nômicos significativos. principalmente se analisados numa
perspectiva histórica, embora sofrendo diversas limitações
como a não-regularização da propriedade do solo (BLANK
1977 e 1979, SANTOS 1981)
Algumas outras experiências recentes brasileiras demons-
tram a viabilidade da participação comunitária na produção
habitacional. a nível de projeto e de construção. como as
de Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo. e Favela do Gato.
em Niterói. O conjunto Vila Nova Cachoeirinha abrigou. em
terreno originalmente ocupado por uma favela com 105 famí-
lias, mais 333 novas famílias que. num processo de partici-
pação e ajuda mútua. conseguiram implantar o conjunto em
15 meses, sob coordenação de equipe da prefeitura de São
Paulo Apesar de diversos percalços, principalmente a nível
institucional, a experiência foi bem-sucedida e encontra-se
detalhada em REINACH (1985). Já no caso da Favela do
Gato. originalmente um assentamento de pescadores às mar-
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)t.TO~p P ; iV A D O e
/
r.. / '\O I1 -.~ ])O fl..E .~ • • "Figura 24 - Matriz baseada em TURNER para maior autonomia
local sobre habitação e ambiente: como é e como deveria ser;
o Estado como provedor e a população como decisora e
realizadora
gens da Baía de Guanabara, os moradores obtiveram asses-
soria técnica de uma equipe do Departamento de Arquitetura
da Universidade Federal Fluminense para lutar contra sua
remoção. quando da construção de uma nova rodovia federal.
Através de pressões junto ao DNER, CEHAB e BNH, conse-
guiu-se a manutenção da comunidade e um projeto partici-
pativo definiu a urbanização da favela e a construção de um
novo conjunto, em área próxima. para as famílias removidas
(CANEDO & BIENENSTEIN 1984).
O trabalho dos pioneiros nos anos 60/70, corroborado por
pesquisas em outras disciplinas, influenciou toda uma com-
preensão mundial para a importância da participação dos mo-
radores na produção de seu ambiente habitacional. Organis-
mos como as Nações Unidas, principalmente após sua confe-
rência internacional HABITAT de 1976, o Banco Mundial e,
mais tarde. a partir do final dos anos 70 o próprio BNH.
alteraram suas políticas e programas de forma a incluir o
público-alvo através da autoconstrução dirigida. Elas acaba-
riam incentivando algum tipo de participação dos grupos afe-
tados em quase todos os programas para os quais ofereciam
financiamento. Isto manifestava-se até nos programas cultu-
rais e educativos. como as experiências pioneiras do Conse-
lho da Europa dos anos 70 (GOODEY 1981).
A institucionalização da autoconstrução e do mutirão tem
sido bastante criticada; ela estaria legitimizando formas de
espoliação das famílias de poucos recursos, através da sobre-
exploração de sua mão-De-obra e seu tempo livre (WARD
1982. DEL RIO 1982). Sem dúvida, seria completamente equi-
vocado advogar-se estas alternativas como os únicos progra-
mas habitacionais a serem oferecidos à baixa-renda. Entre-
tanto. eles se apresentam como das opções a serem oferta-
das amplamente, e não se pode negar que vieram a contribuir
com o despertar de uma nova atitude para projetos mais
democráticos. ao menos no que diz respeito às opções do
morador em sua capacidade de investimento e na flexibilidade
do produto final para suas necessidades.
Também foi nos anos 60 que apareceram as primeiras críticas
ao que era preconizado pelo Movimento Moderno para a
Arquitetura e o Urbanismo. Os moradores e os usuários dos
ambientes e edificações modernas. projetados com as tão
conhecidas premissas modernistas. manifestavam-se des-
contentes, tanto em termos estéticos quanto de conforto
ambienta!. ou mesmo quanto aos aspectos econômicos e
funcionais.A crítica a este último aspecto era a própria ironia
do destino. uma vez que era a funcionalidade um dos precei-
tos do Modernismo.
Quanto à Arquitetura, as críticas principais reportavam ao
chamado International Style. um submovimento do Moder-
nismo. e à própria postura ideológica e conceitual dos arquite-
tos, cUIOSprotestos ignoravam as condições específicas do
contexto onde se inseriam, fosse em termos físico-ambien-
tais ou sócio-culturais. Esta corrente levaria às últimas conse-
quências o conceito da "máquina de morar" de Le Corbusier
e, com o aval do capital especulativo imobiliário, que via nela
imensas economias. faria surgir a mesma tipologia seja em
Nova lorque. Londres. Tóquio ou São Paulo. Suas fachadas
em "curtain wall" (cortinas de vidro). seus pilotis. sua ocupa-
ção em centro de terreno, suas grandes alturas, seu despoja-
mento e formas simples, sua economia de acabamento, eram
os valores universais teorizados e vendidos (fig. 25).
A outra corrente popular dos modernistas promovia edificações
muito mais personalistas. de dotes escultóricos e, muitas vezes,
de inegável beleza pláslica. Entretanto. pecariam por excesso
e cairiam nos mesmos equívocos decorrentes por incompatibi-
lidade ao contexto. fraco desempenho climático e de conforto
ambienta I, desrespeito às condições do terreno, linguagem em
choque com culturas locais e pobre inserção ao seu entorno
(fig 26). Isto tudo sem mencionar os graves problemas constru-
tivos de detalhamento e funcionamento interno. sacrificados pela
estética externa.
Profissionais de renome e inegável importância incutiram nes-
tes erros. nestas duas correntes arquitetônicas. influenciando
várias geraçôes. Atualmente muitos ainda praticam a mesma
Arquitetura. com os mesmos equívocos de antes. Trabalhos
acadêmicos e da crítica especializada têm sido publicados
sobre esta questão e nas palavras do crítico inglês, atual-
mente diretor da escola de arquitetura de Columbia (EUA).
Kennet FRAMPTON
a Arquitetura teve, evidentemente, um certo papel no
empobrecimento do Meio Ambiente. particularmente onde
foi instrumental na racionalização das tlpologias e métodos
construtivos, e onde tanto o material do acabamento quanto
a forma da planta foram reduzidos a.o seu denominador co-
mum mais básico, para tornar a produção m8ls barata e otimi-
zarouso"(FRAMPTON 1981. 9)
As críticas mais consistentes foram publicadas pela primeira
vez a partir da segunda metade dos anos 60 e diversos auto-
Figura 25 (a, b) - Dois paradigmas modernistas para o mundo:
o modelo sobre pilotis de Le Corbusier para o Ministério da
Educação, Rio, e a l/imina sobre embasamento do prédio da
Seagram's de Mies Van der Rohe
Figura 26 - O Memorial da América Latina, projeto de Oscar
NIEMEYER, São Paulo, 1988. A linha modernista "escultórica"
e sua fraca resposta às atividades humanas e às condições do
sitio. Os espaços entre as edificações como "Espaços
Negativos", as "Sobras" ...
res e pesquisadores poderiam ser citados. Fundamental pe-
netração teve a obra de Robert VENTU RI em que. num primei-
ro livro. chamava atenção para a importãncia da contradição
e da complexidade nas mensagens arquitetônicas e. no se-
gundo. fazia elogios ao simbolismo arquitetônico de Las Ve-
gas e à função de suas ricas mensagens (VENTURI. IZENOUR
& SCOTT-BROWN 1977)
Cabe lembrar. também, o livro intitulado "A Forma egue
o Fiasco". parodiando a máxima modernista "a form egue
a função". onde o autor expunha diversas experi ncias mal-
sucedidas da Arquitetura e do Urbanismo Modernos (BLAKE
1974) (fig. 27). De importância semelhante foi o livro de Char-
les JENCKS (1973), que analisava os movimentos modernos
da Arquitetura. suas origens. influências e conflitos. Mais
recentemente o jornalista autor do "best-seller" "A Fogueira
das Vaidades" publicou um livro sobre as desventuras da
arquitetura moderna que. com seu estilo cínico. cômico e
altamente personalista. teve ampla penetração (WOLFE
1981). Sobre a reação dos operários à habitação projetada
por Le Corbusier para Pessac. em 1925 (fig. 28), WOLFE
comenta:
Figura 27 - Pessoas idosas sofrendo os efeitos do vento
acelerado através situação espacial gerada pela aplicação
inconsequente dos paradigmas modernistas: prédios altos em
lâmina e amplas plazas; Boston, EUA
"Se os operários gostaram de sua habitação? Oh, eles recla-
maram, o que era próprio de sua natureza neste momento
histórico. Em Pessac as pobres criaturas estavam desespera-
damente virando os frios cubos de Corbu de dentro para
fora. tentando torná-Ias aconchegantes e coloridos. Mas isto
era compreensível. Como o próprio Corbu disse, eles tinham
de ser reeducados para entender a beleza da Cidade Radio-
sa ... não havia porque consultá-Ias diretamente pois. como
Gropius havia dito. eles eram intelectualmente subdesen-
volvidos "(WOLFE 1981: 32)
Estas obras críticas foram vitais para a formação teórica e
ideológica que nutre quase todos os trabalhos de Desenho
Urbano atual. Mas este criticismo teórico ou. algumas vezes
empírico (NEWMAN 1972), viria a ser corroborado com meto-
dologias mais científicas a partir do final dos anos 70 com
o desenvolvimento de pesquisas de avaliação pós-ocupação.
atualmente indispensáveis para grandes projetos, como vere-
mos ao tratar de procedimentos metodológicos para o Dese-
nho Urbano (RABINOWITZ 1979, DEL RIO 1989). Os conflitos
verificáveis entre os usá rios e seus ambientes modernistas
vão desde insatisfação com a rigidez de edifícios de "desenho
total", onde o arquiteto controlava até os cinzeiros a serem
utilizados, como no caso do edifício da CBS em Nova lorque,
estudado por RAPOPORT (1967). até falhas técnicas e estru-
turais.
Em relação ao Urbanismo ditado pelo Movimento Moderno,
algo similar aconteceu pois evidenciou-se a falácia de assu-
mir-se um modelo de Homem universal e reduzir a vida urbana
a quatro variáveis: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo
e espírito. Que os seres humanos não são máquinas de com-
portamento amoldável e totalmente previsível foi compro-
vado a duras penas pela população usuária dos ambiente"
modernistas. Os urbanistas inspiravam-se em visões simplis-
tas do urbano, colhendo seus paradigmas de Le Corbusier
e suas Cite, Contemporaine (1922) e Ville Radieuse (1930)
(fig.29)
Dos textos críticos, resultantes de pesquisas mais "cientí-
ficas" sobre os impactos negativos do Movimento Moderno
no ambiente construído que influenciaram o desenvolvimento
acadêmico do Desenho Urbano, alguns devem ser mencio-
nados para situar nossa argumentação. Muitos deles, como
não poderia deixar de ser, abarcam mais especificamente
o campo da Arquitetura que o do Urbanismo.
Em artigo que se tornaria um clássico, Christopher ALEXAN-
DER (1965) criticava a visão simplória com que o Modernismo
interpretava o urbano e seu conhecido paradigma da cidade
como uma estrutura em árvore. O pesquisador observava
que esta visão ignorava a complexidade do fato urbano e
a superposição de subsistemas da vida na cidade (fig. 30).
A partir desta hipótese básica, nos anos 70, ele desenvolveria
sua teoria da "pattern language" (linguagem de padrões) que
se propunha a identificar diretrizes para projetos urbanos e
arquitetõnicos intimamente ligadas à qualidade do ambiente
e a uma "maneira intemporal de construir"; estágio do pro-
cesso que garantiria permanência da qualidade no tempo,
conferindo-lhe certa universalidade.
Parte da argumentação de JACOBS (1961). já anteriormente
comentada, seria retomada mais tarde por Oscar NEWMAN
(1972). em um estudo clássico sobre as inter-relações entre
a violência urbana e as características dos projetos urbanos,
onde demonstrava a importância de usos diversificados e
atividades constantes ao redor dos espaços livres públicos
como garantia da segurança de seus usuários. Seguindo outra
linha, MARTIN & MARCH (1972) demonstraram através de
estudos geométricose matemáticos que a escala e o padrão
da malha viária afetam diretamente a eficiência dos arranjos
edificados, comprovando a ilimitada capacidade de adaptação
da malha em xadrez. Os prédios altos do modernismo nem
sempre se apresentam eficientes, como mostrou MARTIN
para trecho de Manhattan (fig. 31); o mesmo volume cons-
truído, obtido com uma ocupação total semelhante a prédios
Figura 30 - A estrutura em árvore, paradigma do urbanismo
modernista, permite apenas associações simples dois a dois,
enquanto a estrutura em semi-retícula representa melhor a
complexidade das múltiplas associações encontradas em uma
cidade
tipo Seagram de 36 pavimentos, seria possível em edifica-
ções lineares de apenas oito pavimentos se a malha viária
fosse ligeiramente alterada, resultando em 28 áreas equiva-
lentes a Washington Square, que por sua vez poderiam ser
destinadas ao lazer ou, ainda, a escolas ou equipamentos
comuns,
As atenções principais no sentido de novas posturas e méto-
dos em Desenho Urbano concentraram-se, no inicio dos anos
60, na obra de Kevin LYNCH, talvez o pesquisador mais in-
fluente para seu desenvolvimento, em todo o mundo, LYNCH
não exatamente criticava o Modernismo, mas chamaria a
atenção para novas categorias de análise e atuação sobre
a forma urbana ao introduzir a participação maior do usuário
através da investigação no campo da psicologia, mais especi-
ficamente na percepção do meio ambiente (LYNCH 1960,
1972, 1976 e 1981), Sempre desenvolvia suas idéias a partir
da análise de comportamento, valores e imagens públicas,
Em sua última obra, antes de seu precoce falecimento em
1984, LYNCH desenvolveu uma teoria para a promoção de
"boas formas urbanas" através de dimensões de perfoman-
ce. Suas teorias e métodos de atuação serão objeto de análise
em nossa proposição metodológica.
Incluiríamos também nesta categoria de influências, quatro
importantes autores: Amos RAPOPORT, Christian NOR-
BERG-SCHULZ, Aldo ROSSI e Rob KRIER. Já nos referimos
ao primeiro, e sua obra mais influente para o nosso campo
de estudo trata das dimensões culturais e antropológicas
da cidade, o seu espaço perceptivo e cognitivo. Ele entende
o Desenho Urbano como a organização das variáveis espaço,
tempo significado e comunicação, criticando, assim, indireta-
mente, as posturas do Movimento Moderno (RAPOPORT
1977) Tampouco NORBERG-SCHULZ (1971,1980) foi crítico
direto mas seus trabalhos, de elevado valor teórico, destacam
a noção de "espaço existencial" e a fenomenologia da Arqui-
tetura em busca da produção do "Lugar", com toda sua
carga de significados através dos tempos, produzindo uma
qualidade e uma dimensão impalpáveis.
Já os trabalhos de ROSSI (1966) e KRIER (1975) criticam
diretamente o Modernismo e seus produtos. Eles estão entre
os arquitetos e autores mais publicados da nova arquitetura,
um representando a "nuova tendenza" itàliana, outro o pós-
modernismo. Ambos defenderiam em suas obras o contex-
tualismo nas intervenções urbanas, como já mencionamos
e desenvolveremos com maior profundidade no capítulo dedi-
cado à morfologia urbana.
575 '~ 575 'a _
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R o c k e fe l le r U n io n
C a n ta r C a rb id e
Figura 31 - Se uma área de Manhattan totalmente ocupada por
prédios de 21 pavimentos tivesse sua malha viária e tipologia
arquitetónica alteradas, o mesmo volume construido poderia
ser obtido com apenas sete pavimentos
Igualmente importante foi a noção de "collage city" (cida-
de colagem) em um livro onde seus autores afirmam que
" a cidade da arquitetura moderna, tanto como produto
psicológico quanto como modelo físico, tornou-se tragíca-
mente ridícula" (ROWE & KOETTER 1978: 4). Baseiam seu
argumento no que acreditam ser objetivos divergentes do
arquiteto moderno, como atender ao mesmo tempo à "ciên-
cia" e ao "povo", ao "despotismo da ciência" e à "tirania
da maioria". Apresentam a noção da cidade moderna corno
depositária da "desilusão construtiva" e buscam no urbano
a valorização de contrastes corno entre simples e complexo,
ordem e desordem, inovação e tradição.
Para ilustrar estes argumentos, alguns casos podem ser cita-
dos; eles já foram objeto de diversos estudos que ajudaram
a demonstrar os problemas causados pela rigidez do urba-
nismo Modernista. Primeiro, está o premiado projeto de
1925/1955 do arquiteto Minoru YAMASAKI, para o conjunto
habitacional Pruitt-Igoe, em Saint Louis, EUA. Tratava-se de
imenso complexo com 33 edifícios rigorosamente idênticos,
com 11 pavimentos e abrigando 2.764 famílias. Em 1972
ele teve de ser totalmente implodido, como derradeira atitu-
de, pois todas as medidas do governo foram incapazes de
superar o estigma social, o abandono das unidades, o vanda-
lismo instalado e a insegurança, gerados pela insatisfação
dos moradores com o seu ambiente estéril, impessoal e dife-
rente do resto da cidade "normal" (NEWMAN 1972, ROWE
& KOETTER 1978, JENCKS 1977). O crítico Charles JENCKS,
inclusive, chega a tomar a demolição deste conjunto como
o momento morte simbólica da Arquitetura Modernista.
Já no caso de Chandigarh, capital do Punjab. em 1951 Le
Corbusier tratou de viabilizar toda a sua série de "ensina-
mentos" urbanísticos modernistas e aplicar seus paradig-
mas: forte hierarquia viária e unidades celulares definidas
por setores retangulares de 800 x 1.200 metros. Os elemen-
tos mais importantes da estrutura são os prédios da Assem-
bléia. o Secretariado e a Corte Suprema. tratados de forma
isolada e monumental. Entretanto, nos dizeres de GALANTA Y
(1975: 17), a cidade foi mais projetada do que planeja-
da; é um monumento ao gênio artístico de Le Corbusier.
..... uma miragem que não combina direito com a realidade
da índia e é duvidoso se poderá moldar a índia do futuro".
DE ARCE (1978) possui interessante estudo de redesenho
e transformação de Chandigarh. através de seu adensamento
e recuperação de um tecido mais tradicional (fig. 32l.
Outro exemplo bastante estudado, a cidade de Brasília, espe-
lha muito bem o urbanismo Modernista e possui fortes seme-
lhanças com Chandigarh; também uma cidade tratada como
um projeto de arquitetura, mais que planejada (EPSTEIN
1973. FEFERMAN 1976). De indiscutível importãncia histó-
rica. Brasília também pode ser elogiada em diversas de suas
soluções urbanísticas e seu desenho global. altamente coe-
rente e de forte imageabilidade. As críticas maiores, no entan-
to. referem-se à sua pouca eficiência na utilização do solo.
encarecendo a infra-estrutura e todos os serviços e dimi-
nuindo a acessibilidade (fig. 33)
O Plano Piloto é reconhecidamente rígido na distribuição com-
partimentada de funções e atividades. reproduzindo uma es-
trutura em árvore tão criticada por ALEXANDER (1965). Em
busca de sua utopia nacional-<Jesenvolvimentista. a ótica de
Lucio COSTA privilegiou o formalista como síntese e refe-
rência de uma conciliação entre tradição e modernidade (CAR-
DOSO 1989). Nesta nova cidade, rompendo com as tradições
que o urbanista não considerou dignas de permanecerem
reproduzidas, não existe a possibilidade para ambientes urba-
nos mais semelhantes ao que a população espera de vanta-
joso em uma cidade normal: variedade. flexibilidade, oportuni-
dades múltiplas, distãncias fáceis para o pedestre, tipologias
Figura 32 - Redesenho de DE ARCE para o centro monumental de Chandigarh (Le Corbusier, 1951 ); a superposição de malha
50 x 50 m permitiria utilização mais intensa do solo, recuperando padrões tradicionais e revalorizando os prédios monumentais
com novas relações espaciais
arquitetônicas variadas e elementos sácio-eulturalmente vi-
tais, como esquinas, botequins, praças e ruas com usos mis-
tos e bastante animação urbana (HOLLANDA 1975, PAVIANI
1985)
Dentro desta temática,cabe citar as palavras de Jonathan
BARNETI, arquiteto durante muito tempo responsável pelo
processo de Desenho Urbano na prefeitura de Nova lorque,
sobre o Movimento Moderno:
"O que começou com uma visão romântica da tecnologia
moderna, libertando o indivíduo das limitações da tradição,
revelou-se admiravelmente adaptável à repetição burocrática
inconsciente e aos cortes de despesas de empresários ganan·
ciosos" (BARNETI 1982: 8)
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Figura 33 - A comparação simples de plantas figura-fundo de
mesma escala de Brasília, Londrina (bairro central) e Rio
(lpanema), permite uma avaliação da efici~ncia de seus padrões
de ocupação espacial e uso do solo
Foi também no final dos anos 60 e início dos 70 que se
veriam expostos os resultados e limitações dos processos
e práticas do Planejamento Urbano. Nos países do Primeiro
Mundo, onde a institucionalização destes processos está alia-
da a economias capitalistas avançadas, poderíamos identificar
duas razões principais por trás destas dificuldades do Planeja-
mento enquanto meio de implementar ambientes satisfa-
tórios, tanto social quanto economicamente.
A primeira razão estaria no plano político e, consequente-
mente, nos próprios objetivos do Planejamento. Explica-se
com o distanciamento dos políticos e seus programas de
partido das reais necessidades e interesses imediatos das
comunidades. Três são as causas principais apontadas por
GOODEY (1981 : 17/18) para explicar o declínio do entusiasmo
e esperança em assuntos políticos nos países europeus: des-
facelamento da base comunitária das sociedades, controle
centralizado dos serviços públicos e a submissão dos assun·
tos locais aos interesses dos partidos políticos (fig. 34)
o mesmo autor observa, ainda, que a situação de ineficiência
dos governos de democracia representativa parecia ser a
raiz do aumento do interesse do público em sistemas repre-
sentativos e grupos de pressão fora do sistema polftico for-
Proposta do orgao
financiador
Especificações do
relatório
Concepção do chefe
coordenador da análise
Projeto dos técnicos O que foi O que a comunidade
e urbanistas implantado havia reivindicado
Figura 35 - Diferentes interpretações de um problema e modelos de soluções conflitivo!: entre os técnicos e a população
mal. Este fOI o caso da consolidação do Partido Verde, na
Alemanha, que nasceu de um movimento de protesto. A
situação era a mesma em outros países desenvolvidos, certa-
mente nos EUA, e encontra paralelo também em nosso País.
A segunda razão das dificuldades encontradas pelo Planeja-
mento Urbano está no excessivo tecnocracismo que permea-
va suas teorias e métodos de análise e implantação. Por
um lado, a realidade viria a provar a dificuldade, se não a
1mpossi bi Iidade, do verdadei 1'0 "planejamento integ rado",
com sua ambição de análise de absolutamente todos os as-
pectos da realidade e de controle total do seu funcionamento.
Por outro, a realidade sismava em não se amoldar aos mode-
los rígidos idealizados pelos planejadores, nem era tão sim-
pllsta quanto as suas visões profissionais idealistas faziam
crer (fig. 35)
Seguidamente verifica-se o dlstanciamento do planejado, fru-
to de trabalhos tecnocráticos de gabinete, da realidade, princi-
palmente quando da implantação dos planos, geralmente pre-
vista a médio e longo prazos (GANS 1968, CASTELLS 1972,
PRESSMAN & WILDAVSKY 1973 ) A dimensão política tam-
bém ajudava a complicar a implantação, seus objetivos e
programas, que ficavam, na verdade, a mercê dos interesses
imediatistas ou eleitoreiros pois "planejadores e outros asses-
sores técnicos têm influência apenas na medida em que
puderem persuadir seus supenores políticos; o seu poder
é o poder da idéia" (BECKMAN 1964 262)
Além disto, na falta de um processo institucionalizado de
participação real dos cidadãos na tomada de decisões, o pla-
nejador estará sempre mergulhado no que SIMMIE (1974.
148) chama de um "paradoxo": por um lado, ele tem de
justificar seu papel social e ser altruísta e neutro, por outro,
ele possui dificuldades em assumir uma posição quanto à
sua visão de eqüidade urbana.
Ainda hOJe, em diversas situações e certamente no Brasil,
quando o destino dos planos não é a gaveta dos políticos
responsáveis por sua aprovação e implantação, suas partes
aproveitadas são apenas aquelas que os interessam pessoal-
mente ou para fins político-partidários. Nos anos 60 a avalia-
ção do planejamento ja evidenciava a realidade da implan-
tação e verificava-se que os resultados eram destoantes das
reais necessidades das comunidades, que simplesmente não
serviam aos objetivos propostos, ou que a devida integração
entre os agentes nunca ( I'a alcançada.
Evidentemente, a falta de processos de participação comu-
nitária efetiva seria uma das maiores causas destes deman-
dos, assim como a falta de sensibilidade quanto à dimensão
temporal dos planos, tanto a política, relativa à continuidade
administrativa, quanto a percebida pela população atingida,
que espera resultados concretos em curtos espaços de tem-
po.
Assim, concordamos com CAULI (1982), quando afirma que
contra as características típicas do Planejamento Urbano dos
anos 60, tais como o formalismo, os modelos estáticos, a
tecnocracia, a rigidez e a pretendida amplitude, víeram opor-
se características do Desenho Urbano, como a informalidade,
os modelos dinâmicos, a participação comunitária, a flexibili-
dade e a especificidade. Indubitavelmente, uma das caracte-
rísticas que mais minou a prática do Planejamento Urbano
às vistas do público foi a sua falta de pragmatismo e de .
resultados a curto prazo, ao que os processos de Desenho
Urbano respondem com mais prontidão e consequência.

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