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Intervenção Caso de cura gay (1)

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1 DESCRIÇÃO DO CASO
Com a decisão do juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal Waldemar Cláudio de Carvalho que concedeu uma liminar que autoriza psicólogos do Brasil a oferecerem aos seus pacientes formas de terapia de reversão sexual, procuramos por casos de pessoas que se submeteram a esse tipo de "tratamento". 
Esse tipo de procedimento era vedado no país pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999. A decisão do juiz, que causou polêmica, foi motivada por uma ação de uma psicóloga que queria oferecer serviços de “cura gay”.
 Há quase 30 anos, a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. Nos EUA, nove Estados e o Distrito Federal têm leis proibindo a “cura gay” – no restante do país, tais tratamentos são legais.
Mathew Shurka tinha 16 anos quando decidiu contar para o pai que era gay e assim que o fez, seu pai disse que o amava e que iria ajuda-lo. A “ajuda” veio em forma de terapias que prometiam “curá-lo” da homossexualidade. 
Em cinco anos, a partir de 2004, o americano passou por quatro terapeutas, um acampamento de “conversão”, foi obrigado a tomar Viagra para se relacionar com mulheres, ficou depressivo e pensou em se suicidar.
Criado em uma pequena cidade conservadora perto de Nova York, membro de uma família com tradição judaica, Mathew nunca havia conhecido uma pessoa abertamente gay ou casais gays. O discurso do seu pai era que ele tinha medo de todo o sofrimento que Mathew iria passar se a sociedade soubesse que ele era gay.
Mathew relata que seu primeiro terapeuta lhe disse que sua orientação sexual era fruto de um trauma de infância, e mesmo ele contradizendo tal afirmação, onde relata que sua infância foi normal e sem traumas, seu terapeuta o fez acreditar que de fato havia sido traumática, e com isso passou a odiar sua mãe por não o ter criado másculo suficiente. 
Como parte da terapia, o jovem foi orientado a não falar com mulheres – para não se tornar efeminado – e a conviver mais com homens, de modo a torná-lo mais “macho”. Por causa do tratamento, ficou três anos sem falar com a mãe e as irmãs.
Sem que o primeiro tratamento fizesse muito efeito, Mathew e seu pai procuraram outro profissional, em Los Angeles, do outro lado do país. Viajaram para a cidade só para conhecê-lo – o tratamento continuou por telefone. “No começo, uma vez por semana, mas depois quase todos os dias.”
“No começo, sentia que a terapia estava funcionando. Fiz muitos amigos homens e estava pronto para me relacionar com mulheres. Tinha inventado minha heterossexualidade”, conta ele. Mas, por baixo disso, ainda sentia atração por homens. Passou a se sair mal na escola, ter crises de ansiedade e ir ao hospital com frequência achando que estava sofrendo um infarto.
Ao confessar ao seu terapeuta que não estava conseguindo transar com mulheres, o profissional juntamente com seu pai, decidiram juntos, que Mathew devia começar a tomar Viagra.
Aos 19, Mathew se apaixonou por um homem e tentou namorá-lo. Seu terapeuta interferiu outra vez: ele e seu pai abordaram o rapaz e o mandaram embora. Oito meses depois, seu ex-namorado lhe contou o que o pai e o terapeuta tinham feito. Foi a motivação necessária para romper o relacionamento com o pai e abandonar o tratamento com o profissional, de quem já era dependente – “eu amava, acreditava e confiava nele”.
Mathew voltou a falar com a mãe, que lhe convenceu a fazer uma terapia normal. “Era bem melhor, mas não importava o quão bom era, eu sentia que não estava tentando o suficiente. Eu estava convencido de que ser gay era uma escolha e que era minha culpa.” Sozinho, entrou e saiu de mais dois tratamentos na linha da “cura gay”.
Aos 20 anos, Mathew conta que não conseguiu terminar a faculdade e entrou em uma depressão profunda. Ficava dias sem sair do seu apartamento, se cortava e tinha pensamentos suicidas. 
O jovem também chegou a passar um fim de semana em um acampamento de “cura gay”, onde cerca de 60 homens eram obrigados a reencenar casos de abuso sexual que supostamente os teriam levado à homossexualidade.
Aos 21, Mathew se mudou para Manhattan, em Nova York, onde trabalhou como garçom em um restaurante gerenciado por uma lésbica. “Ela era uma mulher forte, que me inspirou muito.” Também passou a ver muitos homens gays bem-sucedidos que frequentavam o restaurante onde diz que pela primeira vez passou a ver como aquilo tudo era normal, e decidiu voltar às terapias, mas dessa vez, as regulares, embora fosse muito difícil confiar novamente nos profissionais. 
Dois anos depois, em 2012, Mathew sai do armário, ainda muito inseguro e temeroso com a reação das pessoas. Naquele ano, frequentou um curso para desenvolvimento pessoal. Voltou convicto de que teria de fazer as pazes com o pai e com o terapeuta.
Ao se encontrar com seu primeiro terapeuta, Mathew relata que ele chorou, e diz ter se arrependido de te-lo submetido a tal procedimento. Já o segundo terapeuta, continuou com o discurso de Mathew era doente e que iria sofrer muito.
O pai de Mathew também se arrependeu e pede desculpas por submete-lo a todos esses procedimentos, e Mathew conta que hoje, seu pai é um dos seus melhores amigos, mantendo uma relação saudável.
Falando à BBC Brasil de seu escritório em Nova York, Mathew Shurka, hoje com 28 anos, tornou-se um ativista contra a terapia de “reversão sexual” nos Estados Unidos e no mundo à frente da campanha “Born Perfect” (“nascido perfeito”, em tradução literal).
Segundo ele, a maior parte das pessoas que acaba em tratamentos do tipo são adolescentes, filhos de pais assustados que veem na terapia uma solução. E o tratamento, afirma, multiplica as chances de suicídio entre a população gay.
2 INTERVENÇÃO
Segundo a Análise do Comportamento, o comportamento é qualquer coisa que uma pessoa diz ou faz, qualquer atividade de um organismo seja muscular, glandular ou elétrica. 
Anteriormente, identificamos os agentes coercitivos que agiam sobre Mathew que o levaram a ter certos comportamentos em relação a sua orientação sexual, além de observar as consequências decorrentes (produto do comportamento). 
Também observamos que, por trás dos agentes coercitivos sobre Mathew, como seu próprio pai, também haviam outros agentes coercitivos que iam cada vez mais além, formando uma grande teia de coerção, com seu início em fundamentos e constructos sociais pré estabelecidos a respeito de gênero e sexualidade.
Como foi possível estudar cada desdobramento do caso de Mathew, assim que se submeteu ao tratamento de cura gay, podemos pensar agora em uma maneira de intervenção nesse caso que trouxe tanto sofrimento à Mathew e sua família. 
Dentro da Análise do Comportamento, não só é possível estudar tão bem o próprio comportamento, suas contingências, seu reforçadores e possíveis agentes coercitivos, mas como também interferir neste comportamento e altera-lo em prol do indivíduo.
A modificação do comportamento envolve a aplicação sistemática de princípios e técnicas que podem ser usados para modificar e transformar comportamentos.
A avaliação comportamental consiste na coleta e análise de informações e dados, a fim de identificar e descrever comportamentos-alvo, identificar possíveis causas do comportamento, orientar a seleção de um tratamento comportamental adequado e por fim avaliar o resultado do tratamento.
Considerando o caso de Mathew, observamos que o primeiro passo que o levou a ser submetido aos tratamentos de 'cura gay', foi ter assumido sua orientação sexual para seu pai que então o coagiu a frequentar os terapeutas.
Os modificadores de comportamento, ao contrário dos terapeutas tradicionais da fala, não usam muito do seu tempo discutindo as experiências passadas dos clientes, ou seja, não focaria tanto voltando no passado de Mathew para entender sua infãncia, o modo de criação que teve, as influências religiosas de seus pais, enfim, pelo contrário, os modificadores de comportamento frequentemente se envolve ativamente na reestruturação do ambiente diário do cliente.
Mesmo que as experiênciaspassadas de Mathew de fato ajudem a compreender a situação atual e prover informações úteis, os modificadores do comportamento ainda assim, visam agir sobre o comportamento atual.
Podemos identificar que o comportamento alvo do caso de Mathew, foi ter sido coagido pelo seu pai a se submeter a tais tratamentos. Como poderíamos intervir para que Mathew não fosse levado a tal?
Para tanto, devemos pensar que, se Mathew acabou aceitando, mesmo que por meio de coerção, a passar pelos tratamentos, foi porque ele mesmo acreditava que sua orientação sexual era algo incomum e errado.
Por ter crescido em uma cidade muito pequena e com tradições fortemente religiosas, ele mesmo não se aceitava como gay, assim quando o pai lhe disse sobre os tratamentos, ele aceitou para que pudesse mudar quem ele era.
Uma intervenção nesse momento, seria a adição de reforçador positivo para Mathew entender o que era ser uma pessoa gay e finalmente se aceitar como tal.
 Em seu relato, ele diz que nunca havia tido contato com pessoas gays, tanto que, assim que conheceu uma lésbica quando se mudou para Manhatan, ele finalmente entendeu que uma pessoa homossexual era uma pessoa normal como as demais, com vida normal, o que foi um ponto crucial para o início de sua aceitação.
Se tal fato tivesse acontecido lá no início, antes de se assumir gay para seu pai, ou até mesmo pouco tempo depois disso, Mathew teria uma visão totalmenmente diferente de si mesmo, e conseguiria discernir que na verdade era seu pai quem estava errado, e não sua orientação sexual.
Vale ressaltar que um reforçador positivo é um evento que, quando apresentado imediatamente após um comportamento faz com que o comportamento aumente a probabilidade de ocorrer. 
Também é necessário identificar que tipos de reforçadores positivos serão eficazes para o caso em questão para obter o o resultado desejado de modificação do comportamento.
Sobre Mathew, podemos pensar em utilizar o reforçamento social, onde temos elogios, acenos, sorrisos e a atenção por parte dos outros, ou seja, ao se assumir uma pessoa homossexual, tanto o contato com uma pessoa também homossexual, quanto a atenção e carinho por parte principalmente do seu círculo familiar para posteriormente amigos e toda sociedade em si, seria imprescindível para Mathew aceitar quem ele é.
Porém é utópico esperar apenas reações positivas dos demais em relação ao caso de Mathew, ainda mais com tanto preconceito vigente. Caso que foi exatamente o que houve quando se assumiu para seu pai, que não aceitou, não o compreendeu e o coagiu ao tratamento.
Então podemos analisar aqui que, mesmo após ter se submetido a todos os tratamentos de 'cura gay', ainda assim seria possível modificar o comportamento adicionando reforçadores positivos sobre sua orientação sexual.
Mesmo ter sido proibido de falar com mulheres e tomar Viagra, se fosse apresentado a Mathew programas de educação sobre orientação sexual, uma terapia com um psicólogo de verdade que o orientasse a descobrir e aceitar quem ele era, e contato com pessoas homossexuais para ver na prática que apesar de toda a problemática ainda assim eram pessoas normais e podiam ser felizes como qualquer outra, teríamos então uma ruptura desses tratamentos de 'cura gay'.
A prova de que tudo isso de fato mudaria o comportamento de Mathew, se dá justamente que na descrição do caso, ele relata que ao conhecer pessoas gays e entrar em terapias regulares para compreender a si mesmo, finalmente se aceitou como era e abandonou a visão de que tinha algo errado com ele.
Claro que também poderíamos pensar ne retirada de estímulos que faziam com que Mathew acreditasse que ser gay era errado. 
A influência direta do modo de criação dos seus pais, imposição de dogmas religiosos que afirma a homossexualidade como pecado e toda coerção social a respeito de gênero e sexualidade, são influências que já haviam acontecido durante todo seu crescimento.
Sendo impossível mudar o passado, os modificadores de comportamento focam justamente no comportamento atual, que é acrescentar esses reforços positivos do que é ser uma pessoa gay para justapor os conceitos contraditórios formados por Mathew até então. 
Vale ressaltar que, mesmo superando os conceitos errôneos sobre o que é ser uma pessoa gay, ainda assim, Mathew contará com a coerção social pelo resto de sua vida, que ainda diz que ser gay é errado, anormal e atípico, sofrendo grande preconceito e discriminação. 
Assim, é importante que os reforçadores positivos sobre sua orientação sexual sejam mantidos, o que chamamos de dimensão do reforçador, onde o tamanho ou magnitude de um reforçador é um determinante importante para sua eficácia na modificação do comportamento.
Concluímos então que, mesmo Mathew finalmente entender o que é ser uma pessoa gay e se aceitar como tal, é imprescindível que ele mantenha contato com os reforçadores positivos que o levaram a tal e que mencionamos anteriormente, como continuar frequentando terapias regulares que o levem a cada vez mais compreender a si mesmo e desenvolver ferramentas pessoais para ter uma vida saudável e feliz consigo mesmo.

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