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A transexualidade é

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A transexualidade é, segundo Maria Berenice Dias:
 “A falta de coincidência entre o sexo anatômico e o psicológico (...). É uma realidade que está a reclamar regulamentação, pois reflete na identidade do indivíduo e na sua inserção no contexto social. Situa-se no âmbito do direito da personalidade e do direito à intimidade, direitos que merecem destacada atenção constitucional” (DIAS, Maria Berenice. Manual das famílias. Editora RT.São Paulo, 2010, p.142)
Portanto, visando regularizar a sua situação fática, o autor buscou o reconhecimento perante o Poder Judiciário. Sobre a alteração do nome, a lei nº 6015/1973 possibilita nos arts. 55 e 58 a modificação quando os prenomes forem suscetíveis a expor ao ridículo, bem como a substituição por apelidos públicos notórios. Trata-se do que ocorre nesse cenário, vez que o autor, ao apresentar os documentos perante terceiros, passa por situações vexatórias e discriminatórias constantemente, sendo desnecessária até mesmo comprovação disso nos autos, vez que tais situações são fatos notórios que ocorrem diariamente na sociedade, relatados com frequência por veículos de notícia.
Vê-se, então, que o benefício da retificação do registro civil terá múltiplas funções, todas resguardadas pela Lei Maior: garantir a dignidade humana (art. 1º, III, CF), proteger a liberdade (art. 5º, caput), garantir a intimidade (art. 5º, X), vedar o preconceito (art. 3º, IV, CF), bem como assegurar a integridade física e moral do autor. Nesse sentido, tal alteração já é reconhecida pelos tribunais pátrios: Registro civil. Transexualidade. Prenome. Alteração. Possibilidade. Apelido público e notório. O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a pretensão já que o nome registral é compatível com o sexo masculino. Diante das condições peculiares, nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário à situação vexatória ou de ridículo. Ademais, tratando-se de um apelido público e notório justificada está a alteração. Inteligência dos arts. 56 e 58 da Lei n. 6015/73 e da Lei n. 9708/98. Recurso provido." (TJRS, AC 70001010784, 7ª C. Cív., Rel. Des. Luis Felipe Brasil Santos, j. 14/06/2000).
O segundo ponto alegado no caso e apontado pelo promotor nos autos, é a possibilidade do reconhecimento do gênero sem o procedimento da intervenção cirúrgica. No entanto, primeiro se faz necessário entender a distinção entre identidade de gênero e o sexo biológico. O sexo de um indivíduo, segundo a ciência biológica, pode ser definido, na maioria dos casos, desde o nascimento, com base em seus cromossomos e sua genitália. A identidade de gênero, por outro lado, atua no campo psicológico, sendo a maneira como a pessoa se enxerga perante o grupo social ao qual ela pertence, dentro dos padrões de gênero impostos pela sociedade, quais sejam, masculino e feminino.
Destarte, se adentrarmos em uma concepção de matriz biológica, tais comportamentos classificados como “masculinos” e “femininos” não são parte integrante do ser desde o seu nascimento, mas sim construções sociais e culturais de uma sociedade. A partir disso, quando há compatibilidade com sexo biológico e psíquico, os indivíduos são denominados cisgêneros e, quando não, transgêneros, como no caso em debate.
Nota-se, assim, que a definição do gênero de um indivíduo independe de um órgão sexual ou reprodutivo, sendo de suma importância a sua percepção psíquica para tal definição, que será validada a partir de seu convívio social e cultural, uma vez que sexo biológico e identidade de gênero são conceitos distintos, apesar de muitas vezes coincidirem. Portanto, num caso como esse, denota-se que o requerente se identifica como sendo do gênero masculino, expressa-se como homem e quer ser reconhecido como tal, sem a obrigatoriedade da intervenção cirúrgica, o que deve ser acolhido pelo Poder Judiciário, pois, como se viu, o sexo biológico e a identidade de gênero não se confundem. Nessa linha, decidiram os tribunais por todo o país:
APELAÇÃO CÍVEL. RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALISMO. ALTERAÇÃO DO GÊNERO. AUSÊNCIA DE CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL OU TRANSGENITALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. O sexo é físico-biológico, caracterizado pela presença de aparelho genital e outras características que diferenciam os seres humanos entre machos e fêmeas, além da presença do código genético que, igualmente, determina a constituição do sexo – cromossomas XX e XY. O gênero, por sua vez, refere-se ao aspecto psicossocial, ou seja, como o indivíduo se sente e se comporta frente aos padrões estabelecidos como femininos e masculinos a partir do substrato físico-biológico. É um modo de organização de modelos que são transmitidos tendo em vista as estruturas sociais e as relações que se estabelecem entre os sexos. Considerando que o gênero prepondera sobre o sexo, identificando-se o indivíduo transexual com o gênero oposto ao seu sexo biológico e cromossômico, impõe-se a retificação do registro civil, independentemente da realização de cirurgia de redesignação sexual ou transgenitalização, porquanto deve espelhar a forma como o indivíduo se vê, se comporta e é visto socialmente.APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA. (TJ-RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Data de Julgamento: 27/05/2015, Sétima Câmara Cível) 
Retificação de assento de nascimento. Alteração do nome e do sexo. Transexual. Interessado não submetido à cirurgia de transgenitalização. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Condições da ação. Presença. Instrução probatória. Ausência. Sentença cassada. O reconhecimento judicial do direito dos transexuais à alteração de seu prenome conforme o sentimento que eles têm de si mesmos, ainda que não tenham se submetido à cirurgia de transgenitalização, é medida que se revela em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Presentes as condições da ação e afigurando-se indispensável o regular processamento do feito, com instrução probatória exauriente, para a correta solução da presente controvérsia, impõe-se a cassação da sentença. (TJMG, AC 1.0521.13.010479-2/001, 6ª C. Cív., Rel. Des. Edilson Fernandes, j. 22/04/2014). REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DE PRENOME E SEXO DA REQUERENTE EM VIRTUDE DE SUA CONDIÇÃO DE TRANSEXUAL. ADMISSIBILIDADE. HIPÓTESE EM QUE PROVADA, PELA PERÍCIA MULTIDISCIPLINAR, A DESCONFORMIDADE ENTRE O SEXO BIOLÓGICO E O SEXO PSICOLÓGICO DA REQUERENTE. REGISTRO CIVIL QUE DEVE, NOS CASOS EM QUE PRESENTE PROVA DEFINITIVA DO TRANSEXUALISMO, DAR PREVALÊNCIA AO SEXO PSICOLÓGICO, VEZ QUE DETERMINANTE DO COMPORTAMENTO SOCIAL DO INDIVÍDUO. ASPECTO SECUNDÁRIO, ADEMAIS, DA CONFORMAÇÃO BIOLÓGICA SEXUAL, QUE TORNA DESPICIENDA A PRÉVIA TRANSGENITALIZAÇÃO. OBSERVAÇÃO, CONTUDO, QUANTO À FORMA DAS ALTERAÇÕES QUE DEVEM SER FEITAS MEDIANTE ATO DE AVERBAÇÃO COM MENÇÃO À ORIGEM DA RETIFICAÇÃO EM SENTENÇA JUDICIAL. RESSALVA QUE NÃO SÓ GARANTE EVENTUAIS DIREITOS DE TERCEIROS QUE MANTIVERAM RELACIONAMENTO COM A REQUERENTE ANTES DA MUDANÇA, MAS TAMBÉM PRESERVA A DIGNIDADE DA AUTORA, NA MEDIDA EM QUE OS DOCUMENTOS USUAIS A ISSO NÃO FARÃO QUALQUER REFERÊNCIA.DECISÃO DE IMPROCEDÊNCIA AFASTADA.RECURSOS PROVIDOS, COM OBSERVAÇÃO (Apelação n. 0008539-56.2004.8.26.0505, 6ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Desembargador Vito Guglielmi, j. em 18-10-2012). Ademais, cumpre salientar que cirurgias de adequação de gênero, em especial as FtM (feminino para masculino), não possuem técnicas tão avançadas quanto as MtF (masculino para feminino), sendo abusiva a obrigatoriedade pelo Poder Judiciário da cirurgia ao indivíduo que busca o reconhecimento de seu gênero perante a Justiça, uma vez que a faloplastia, neofaloplastia, metoidioplastia e outros procedimentos, não são tão avançados tecnicamente, possuindo elevados custos. Ainda, é importante lembrar que cirurgias custeadas pelo Sistema Único de Saúde possuemuma fila de espera que pode levar mais de uma década para serem realizadas3 . Em casos como esse, a pretensão do autor com a demanda é meramente o reconhecimento do seu gênero de acordo com sua identidade psicológica, bem como a retificação do gênero em seus documentos e de seu prenome, a fim de reconhecê-lo como indivíduo do gênero masculino e evitar situações vexatórias. Visando comprovar a situação fática, deve-se trazer à inicial documentos comprobatórios, como parecer psicológico, fotos, cartões em que já use o nome social, bem como certidões para demonstrar que não se trata de uma tentativa de fraude. Cabe ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, lutarem juntos sem medirem esforços para que situações assim sejam cada vez mais raras perante o seio do Judiciário, e que tais populações marginalizadas tenham o acesso aos seus direitos de forma plena e facilitada, auxiliando esses cidadãos no exercício pleno de sua cidadania com orgulho e dignidade.

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