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INTERCONSULTA.doc �Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 Interconsulta Psicológica: Aspectos Metodológicos e Técnicos � Thaís de Castro Gazotti Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida thaisgazotti@puccampinas.edu.br Helena Bazaneli Prebianchi Atenção Psicológica Clínica em Instituições: Prevenção e Intervenção Centro de Ciências da Vida helenabp@puc-campinas.edu.br � � RESUMO: A interconsulta psicológica é uma das atividades mais frequentes do psicólogo hospitalar. Sua importância em favorecer o período de inter-nação do paciente, a relação entre a equipe de saúde e o paciente e seus familiares e, entre os próprios profissionais da equipe de saúde, tem sido reconhecida em vários estudos. O objetivo deste estudo foi conhecer aspectos metodológicos e técni-cos do serviço de interconsulta psicológica de um Hospital Universitário, a partir da vivência dos profissionais psicólogos que o efetivam. Foram rea-lizadas entrevistas com quatro psicólogas que realizam o serviço de interconsulta, as quais foram gravadas em áudio e, após transcrições, foram analisadas de acordo com o método de análise de conteúdo de Bardin. Os resultados indicaram a importância da interconsulta psicológica como ativi-dade interdisciplinar e também que, no Hospital em questão, a mesma ocorre sem qualquer sistema-tização, dificultando a avaliação dos efeitos e sua replicabilidade. Concluiu-se pela necessidade de pro-cedimentos padronizados, atendimento a protocolos de intervenção e novos estudos sobre o tema. Palavras-chave: interconsulta, psicologia hospitalar, hospital geral. Área do Conhecimento: Ciência Humanas – Psicologia 1. INTRODUÇÃO Como indicado por Angerami-Camom [1], a Psicologia Hospitalar, como área de atuação da Psicologia, tem assumido um modelo próprio de atuação, adaptado à realidade institucional hospitalar, a fim de atender as necessidades de pacientes, familiares e equipe. Uma das atividades principais do psicólogo hospitalar, principalmente nos hospitais-escolas, é a interconsulta [2]. A interconsulta psicológica é um instrumento utilizado pelo profissional para compreender e aprimorar a assistência ao paciente no hospital geral, por meio do diagnóstico e tratamento de problemas psicológicos, dificuldades interpessoais e dilemas institucionais envolvendo o paciente, a família e a equipe de saúde, compreendendo assim, uma atividade interdisciplinar [3;4]. Na maioria das vezes, o serviço de interconsulta é solicitado por outro profissional da equipe multidisciplinar, principalmente pelos médicos e enfermeiros, Geralmente, os pedi-dos de interconsulta tornam evidentes situações de conflitos não suficientemente explicitadas, envol-vendo o paciente, o médico, os membros da equipe de saúde e a instituição, sendo os mais comuns: dúvidas sobre o diagnóstico do paciente, colaborar com o diagnóstico diferencial entre patologias orgâ-nicas e psicológicas, persistência de reclamações do paciente, comportamento de paciente que perturba o funcionamento da enfermaria, a sensibilização da equipe pelas atitudes do paciente e a dificuldade em lidar com sentimentos e reações decorrentes [5,6]. Nogueira-Martins [7] descreve os passos da inter-consulta psicológica como sendo: coleta de informações com a equipe médica, paciente, fami-liares e outros; elaboração de diagnósticos situa-cionais; devolução e assessoramento; acom-panhamento diário da evolução da situação. No Brasil, a presença da atividade de interconsulta é mais forte em hospitais universitários e, a partir do maior desenvolvimento e reconhecimento da Psico-logia Hospitalar, nas últimas décadas, como área de atuação da Psicologia, com um modelo próprio de atuação, adaptado à realidade institucional hospi-talar, os psicólogos inseridos nesse contexto foram cada vez mais chamados à prestação desse serviço. Segundo Botega [5], a interconsulta, no Brasil, não é uma atividade prevista pelo SUS e por outros convênios, o que leva os profissionais a oferecerem uma “amostra grátis” de sua atuação, na tentativa de explicar as vantagens dessa modalidade de atendi-mento. Os profissionais que atuam na prática de interconsulta possuem motivação para a mesma ao notá-la como uma possibilidade de renovar e expandir seus conhecimentos e relações profissio-nais, contudo, algumas dificuldades também são apontadas. Além da irregularidade das solicitações de outros profissionais para a interconsulta, trazendo consigo a desvalorização deste campo de atuação profissional, destaca-se um conjunto de limitações que envolvem a forma de diagnóstico e a conduta dos profissionais interconsultores, prejudicando o potencial de tal atividade a partir da formação falha dos profissionais, como aponta Andreoli e Mari [8]. A literatura ressalta outros aspectos limitantes: a não padronização da avaliação e dos critérios para diag-nóstico [6], a falta de produções de evidências que comprovem a eficácia das intervenções dos serviços de interconsulta [3], de modo que a junção de tais fatores impede a verificação da eficácia presente na prática, e assim, nos resultados dos serviços ofere-cidos pela interconsulta, prejudicando seu aper-feiçoamento. Sendo a interconsulta psicológica uma das formas mais visíveis da aplicação do conceito de interdisciplinaridade e uma das formas mais freqüen-tes de inserção do psicólogo na equipe multipro-fissional, a importância de se conhecer e compre-ender seus aspectos processuais, metodológicos e técnicos é reconhecida. Assim, o presente estudo teve como objetivo, conhecer os aspectos metodoló-gicos e técnicos do serviço de interconsulta psicoló-gica de um Hospital Universitário, a partir da vivência dos profissionais psicólogos que o efetivam. 2. MÉTODO CONTEXTO: A pesquisa foi realizada num Hospital Universitário, que é uma das principais instituições hospitalares de atuação terciária da cidade do interior paulista e sua região metropolitana. Atual-mente, conta com 353 leitos ativos, sendo 243 destinados exclusivamente ao convênio do Sistema Único de Saúde (SUS). Participa no atendimento à população com uma média mensal de 20 mil consultas ambulatoriais, 15 mil atendimentos nas Unidades de Urgência e Emergência, 1.250 procedimentos cirúrgicos, além de 1.600 internações. Em relação à interconsulta psicológica, estas são, em média, 300 por ano. Em relação ao Serviço de Psicologia (atuando desde 1990), o Hospital Universitário possuía, por ocasião do estudo, duas psicólogas assistenciais contratadas, duas psicó-logas do Programa de Residência em Psicologia da Saúde/Hospitalar e três psicólogas do Programa de Aprimoramento Profissional em Psicologia da Saúde/Hospitalar. PARTICIPANTES: Participaram do estudo, duas psicólogas residentes e duas psicólogas assisten-ciais, que realizam interconsultas. Os demais Mem-bros do Serviço de Psicologia, não foram incluídos, pois suas atividades não incluíam a interconsulta psicológica. INSTRUMENTOS: Foi utilizada uma entrevista semi-estruturada, que, inicialmente, incluía itens relativos à identificação dos participantes. A segunda parte da entrevista foi composta por questões formuladas, considerando-se os objetivos da pesquisa, as quais visavam explorar os seguintes aspectos: como as psicólogas recebem as solicitações de interconsulta psicológica; com quem e como é feito o primeiro contato; quais as estratégias e aspectos abordados no atendimento psicológico ao paciente, durante a interconsulta; como é feita a devolutiva do atendi-mento psicológico ao solicitante da interconsulta; como é realizada a interconsulta psicológica quando há presença de acompanhante do paciente e, final-mente, quais as dificuldades encontradas e os aspectos serem cuidados para o bom funcionamento do Serviço de Interconsulta Psicológica. PROCEDIMENTO: Num primeiro momento, levando-se em consideração os objetivos da pesquisa, elaborou-se uma entrevista semi-estruturada para a coleta de dados junto aos participantes. Houve dois momentos de aplicação da entrevista: primeira-mente, foi realizado um estudo piloto, utilizando-se um roteiro previamente elaborado, para entrevistar uma das psicólogas do Hospital Universitário e, diante dos resultados satisfatórios obtidos, pros-seguiu-se com a realização das demais entrevistas. Todas as entrevistas foram previamente agendadas com as participantes. Para isso, a pesquisadora entrou em contato, via e-mail, com as psicólogas que atuavam no Hospital Universitário, a fim de apre-sentar a pesquisa e convidá-los a participar. Mediante o aceite do convite, agendaram-se as entrevistas, as quais ocorreram nas dependências do próprio Hospital Universitário, num período de cinco meses, desde setembro de 2012 até janeiro 2013. No início de cada um dos encontros, a pesquisadora apresentava ao participante o Termo de Consen-timento Livre e Esclarecido para ser lido e assinado. Em seguida, iniciava a entrevista com os aspectos definidos pelo roteiro. Todas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. Os dados coletados foram analisados através da análise de conteúdo temática. 3. RESULTADOS Todas as quatro participantes graduaram-se em Psicologia, sendo 3 em universidades particulares do Estado de São Paulo e 1 em universidade federal do Estado de Minas Gerais. Quanto à faixa etária das participantes, observou-se que as psicólogas resi-dentes encontravam-se na faixa de 25 a 27 anos, e, as psicólogas assistenciais encontravam-se na faixa de 30 a 35 anos. Constatou-se ainda que a atuação profissional das psicólogas residentes restringia-se ao hospital; enquanto que as psicólogas Assis-tenciais possuíam outra áreas de atuação profis-sional: docente universitário e consultório particular. Em relação às categorias temáticas, foi possível identificar seis: A demanda por interconsulta; O primeiro contato; Atendendo o paciente; Encerra-mento com o paciente; Finalizando o processo de interconsulta psicológica junto ao solicitante e Limitações da prática. A DEMANDA POR INTERCONSULTA: Essa cate-goria diz respeito a como se dá a demanda por interconsulta. Os relatos das participantes indicam que as solicitações de interconsulta psicológica ocorrem de duas maneiras: através de um Formu-lário de Solicitação de Interconsulta padronizado pelo Hospital e, mais frequentemente, de modo informal, mediante contato pessoal ou telefônico particular. O PRIMEIRO CONTATO: Essa categoria refere-se a quando e como é feito o primeiro contato com o paciente. Pelas normas hospitalares, após receber a solicitação de interconsulta psicológica, as psicólo-gas têm 48 horas para atender ao pedido. Os depoimentos das participantes revelam que as mesmas procuram conversar com o profissional solicitante para, só então, ir ao encontro do paciente. Contudo, devido à alta rotatividade do hospital, à dinâmica dos horários de trabalho e/ou plantão dos profissionais solicitantes e das psicólogas, nem sempre é possível que o primeiro contato com os pacientes seja precedido pela conversa com aquele que solicitou o serviço. No primeiro contato com o paciente, as participantes relatam que, antes de mais nada, oferecem ao paciente uma apresentação da profissão de psicólogo, ressaltando brevemente o motivo de sua presença, para, em seguida, co-meçarem a coletar dados a respeito do próprio paciente, sem que seja enfatizado o motivo descrito na solicitação da interconsulta. ATENDENDO O PACIENTE: Esta categoria diz res-peito aos procedimentos e estratégias utilizadas no atendimento de interconsulta psicológica. Aqui, as participantes revelam sua preocupação em estabe-lecer um vínculo com o paciente, respeitando o seu ritmo e, na medida em que ele permita, coletar os dados necessários para a compreensão total do pro-blema, não permanecendo focada apenas no motivo indicado pelo profissional solicitante. Quando o paciente para o qual foi solicitado o serviço de inter-consulta psicológica, possui um acompanhan-te/familiar, segundo as participantes, existem duas possibilidades de atendimento: na presença do acompanhante, quando o paciente assim o deseja ou está incapaz de se comunicar diretamente com a psicóloga; outra forma é solicitar ao acompanhante que aguarde do lado de fora (com o consentimento do paciente) e após o atendimento do paciente, proporcionar um atendimento ao acompanhan-te/familiar, ainda que não dispondo de lugar adequa-do para esse trabalho. ENCERRAMENTO COM O PACIENTE: Essa cate-goria se refere à forma como é feito o encerra-mento da interconsulta com o paciente. Segundo os relatos das participantes, o fechamento do atendi-mento psicológico junto ao paciente pode ocorrer de dois modos: para aqueles pacientes que continuarão internados, além de um resumo do que foi abordado no atendimento, combina-se encontros subseqüen-tes e a disponibilidade para ser chamada se o pa-ciente assim julgar necessário; já para os pacientes em vias de receber alta, além do resumo do que foi abordado, encaminha-se, quando necessário, para atendimento ambulatorial. FINALIZANDO O PROCESSO DE INTERCONSUL-TA PSICOLÓGICA JUNTO AO SOLICITANTE; Nes-sa categoria se inclui como é realizada a finali-zação do processo de interconsulta junto ao profis-sional solicitante. A procura pelo profissional soli-citante do serviço de interconsulta psicológica, ao final do atendimento à solicitação, é relatada como necessária e importante, pelas participantes, após o atendimento psicológico ao paciente. O retorno ao solicitante, na finalização do atendimento reassegura o tratamento do paciente e permite compreender se a solicitação feita pelo profissional foi atendida, além de procurar melhorar a relação paciente-equipe de saúde. LIMITAÇÕES DA PRÁTICA: Aqui, as participantes indicam as dificuldades decorrentes � da infraestrutura inadequada e as limitações impostas pelo número reduzido de profissionais de psicologia e pelas insuficientes possibilidades de integração com a equipe. DISCUSSÃO De modo geral, os resultados indicam que consonante com o afirmado por Nogueira-Martins [7], a interconsulta psicológica é responsável por auxiliar no diagnóstico e tratamento de pacientes com problemas psiquiátricos ou psicossociais; intermediar a relação entre paciente, equipe de saúde e familiares; facilitar a comunicação, cooperação e elaboração dos conflitos ao incluir um olhar para a subjetividade de modo a envolver todos os aspectos envolvidos no processo do adoecer. O papel da interconsulta vem reafirmar assim, o indicado por Chiattone [9], a saber, que a Psicologia pôde se inserir no contexto do hospital geral em decorrência às novas tendências que assinalavam a necessidade de expandir o saber biopsicossocial na compreensão da patologia, visando modificar as concepções habituais, baseadas no modelo biomédico. E ainda, os depoimentos das participantes indicam que como afirmado por Figueiredo [2], a interconsulta pode ser definida como um processo de acolhimento, esclarecimento e interpretação que busca desvendar conteúdos ao considerar a subjetividade como determinante das ações dos sujeitos. Porém, de maneira específica, excetuando-se pelo contato inicial com o paciente, não é possível, a partir dos resultados, caracterizar as etapas e respectivos procedimentos e instrumentos utilizados na interconsulta psicológica, pelas profissionais que a realizam no Hospital onde ocorreu o estudo. Acreditamos que esses achados sejam coerentes com o indicado por Ismael [10], ou seja, apesar de haver, hoje, um maior número de profissionais na área hospitalar, ainda persiste uma série de dificuldades, ainda persiste uma série de dificuldades, como a própria inserção do psicólogo na unidade institucional e a deficiência do instrumental teórico para atuação nesta área específica. Também Chiattone [9] já apontava a impossibilidade de contextualizar a psicologia hospitalar dentro de um paradigma científico, uma vez que seus pressupostos não se encontram firmemente estabelecidos. Angerami-Camom [1] afirma que desde a formação acadêmica do psicólogo faltam subsídios teóricos para uma prática no contexto hospitalar, sendo essa formação muito restrita para sedimentar a prática na realidade institucional. Além dos psicólogos não terem seu papel tão claramente definido quanto à maioria dos outros profissionais da saúde, a Psicologia trabalha com aspectos nem sempre fáceis de serem encarados. A atuação do psicólogo caracteriza-se por lidar com os aspectos escamoteados e pouco evidentes do processo de adoe-cer, da vida e da morte. Viera [11] sustenta que tal abstração dificulta a compreensão e aceitação do psicólogo por parte de alguns profissionais da instituição hospitalar, uma vez que, a efetividade e a importância desta atuação só são identificadas após serem apresentados os resultados advindos da prática do psicólogo junto aos pacientes, à família e mesmo à equipe. No âmbito da saúde, sabe-se que a Psicologia vem participando mais ativamente na definição de condutas e tratamentos. Uma primeira condição para o trabalho multidisciplinar efetivo do psicólogo é a clareza de suas atribuições e das expectativas concernentes a sua especificidade. Para a adequada inserção do psicólogo nos contextos hospitalar e da saúde mental, deve haver uma sistematização dos procedimentos realizados, onde a padronização das técnicas terapêuticas não só orientem, mas promovam credibilidade em uma área até então, vista por várias especialidades de saúde, como sendo vaga e subjetiva. Os resultados mostram que, no Hospital onde ocorreu o estudo, a interconsulta psicológica é efeti-vada sem sistematização ou atendimento a um protocolo. Um protocolo de intervenção é uma ferra-menta usada para viabilizar a prática profissional de forma sistematizada; envolve possibilidades de condutas técnicas, as quais devem nortear a atuação nas mais diversas situações. A utilização de um protocolo de intervenção e de análises idiográficas não se exclui, podendo ser vistos como complemen-tares nas práticas hospitalares; logo, um protocolo pode ser uma ferramenta útil para um psicólogo nesse ambiente de trabalho. Essa ferramenta mos-tra-se útil na rotina hospitalar, uma vez que sintetiza aspectos essenciais a serem avaliados e fornece dados importantes para a elaboração das hipóteses funcionais que subsidiarão as intervenções psicoló-gicas. Carvalho e Lustosa [4] destacam este ponto de análise ao ressaltarem a falha na formação e forma de diagnóstico e conduta dos profissionais da saúde, juntamente com a não-padronização do pro-cesso de avaliação e os critérios para diagnóstico psicológico e a importância das pesquisas para aperfeiçoar tal atividade. Somado a isso, a instituição hospitalar, condicionada pelas questões administra-tivas financeiras decorrentes das políticas públicas de saúde, não tem oferecido as condições neces-sárias para envolver diferentes profissionais que estejam preparados para intercambiar saberes de forma que se complementem, gerando alternativas e soluções pertinentes e eficazes para cada caso abordado. 4. CONCLUSÃO Ainda que limitados pela amostra reduzida, o que não nos permite a generalização dos resulta-dos,acreditamos que ao final deste estudo, podemos concluir que para além da importância da intercon-sulta psicológica como prática específica e legítima do psicólogo hospitalar, a formação insuficiente, sem uma uniformização de conduta e adequação para pesquisa, inviabilizam a verificação da efetividade das atuações e repercussões dos serviços prestados por interconsultores, prejudicando o aperfeiçoamento das intervenções realizadas. Nesse sentido, julgamos imprescindíveis novos estudos sobre o tema. REFERÊNCIAS Angerami-Camom, V.A. (2010). O psicólogo no hospital. In: Angerami-Camom. Psicologia Hospitalar: Teoria e Prática (p.1– 14). São Paulo: Cengage Learning Rossi, L. (2008) Gritos e Sussurros: a intercon-sulta psicológica nas unidades de emer-gências médicas do Instituto Central do Hospital das Clínicas – FMUSP. Dissertação de Mestrado, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo. Schmitt, R., Gomes, R. H. (2005). Aspectos da Interconsulta Psiquiátrica em Hospital do Trau-ma. Revista Psiquiátrica RS, 27 (1), 71-81 Carvalho, M. R., Lustosa, M. A. (2008). Inter-consulta Psicológica. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 11 (1), 31-47. Botega, N. J. (2002) Interconsulta Psiquiátrica: Natureza e Fatores de Encaminhamento. In: Botega, N. J (org.). Prática Psiquiátrica no Hos-pital Geral: interconsulta e emergência.(p.68-77). Porto Alegre: Artmed Editora. Smaira, R., Kerr-Corrêa & Contel, J. O. B. (2003). Psychiatric Disorders and Psychiatric Consultation in a General Hospital: A Case-control Study. Revista Brasileira de Psiquiatria, 25 (1), 18-25. Nogueira-Martins, L. A. (1995). Os Beneficiários da Interconsulta Psiquiátrica. Boletim de Psiquiatria, 28 (1), 22-23. Andreoli, P.B.A. & Mari, J.J. (2002). Assessment of a consultation-liaison psychiatry and psycho-logy health care program. Revista de Saúde Pública, 36 (2), 222-229. Chiattone, H. B. C. (2000). A significação da psicologia no contexto hospitalar. In V. A. Ange-rami (Org.), Psicologia da saúde: um novo signifi-cado para a prática clínica (p.73-158). São Paulo: Pioneira. Ismael, S.M.C.(2010) A inserção do psicólogo no contexto hospitalar. In: Ismael, S.M.C. A prática psicológica e sua interface com as doenças. São Paulo: Casa do Psicólogo. �PAGE � Grupos de sala de espera.pdf N O T A SN O T A SN O T A SN O T A SN O T A S Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./JuL. 2007 375 A sala de espera como local deA sala de espera como local deA sala de espera como local deA sala de espera como local deA sala de espera como local de acolhimento interdisciplinar a vítimas deacolhimento interdisciplinar a vítimas deacolhimento interdisciplinar a vítimas deacolhimento interdisciplinar a vítimas deacolhimento interdisciplinar a vítimas de violência conjugalviolência conjugalviolência conjugalviolência conjugalviolência conjugal Cláudia C. Guerra* Gabriella Jeremias Soares** Gercina Santana Novais*** Marcela Novais Medeiros* Resumo: Este artigo objetiva apresentar uma análise de práticas desenvolvidas na sala de espera da organização não- governamental SOS Ação Mulher/Família, relacionando-as com expectativas e necessidades apresentadas por vítimas de violência conjugal, e oferecer subsídios para implementação de novas práticas de acolhimento inicial. Para tanto, realizou- se um estudo de natureza qualitativa, cujos instrumentos de coleta de dados foram observações sistemáticas, com foco nas relações estabelecidas entre usuários(as)/usuários(as) e usuários(as)/profissionais e entrevistas com funcionários(as) * Cláudia C. Guerra, Mestre em História, voluntária, presidenta e coordenadora do Projeto de Formação Continuada da Equipe Multidisciplinar da ONG SOS Mulher/Família de Uberlândia- MG. ** Gabriella Jeremias Soares, Estudante de graduação do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Estagiária da ONG SOS Ação Mulher/Família de Uberlândia-MG. ***Gercina Santana Novais, Doutora em Educação, psicóloga e coordenadora do Projeto de Formação Continuada da Equipe Multidisciplinar da ONG SOS Ação Mulher/Família de Uberlândia-MG, cedida pela Universidade Federal de Uberlândia/ Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis/ Diretoria de Extensão. * Marcela Novais Medeiros, Estudante de graduação do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Estagiária da ONG SOS Ação Mulher/Família de Uberlândia-MG. A sala de espera como local de acolhimento interdisciplinar a vítimas de violência conjugal 376 Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 da instituição. Foram analisados os dados obtidos considerando formulações sobre sala de espera, atendimento em grupo e violência de gênero, especialmente as de Maldonato (1990), Zimerman (1993) e Soares (2005). Palavras-Chave: Violência de Gênero. Sala de Espera. Acolhimento. Abstract: This article objectify to analyse the practices that have been developing in the Waiting Room of Organization not governmental SOS Ação Mulher/Família. It is related with expectations and necessitions presented for victims of conjugal violence. Such analyses to aim at offer resources to a new model of attendence, with sights to development practise of initial shelter. For that, was realized a qualitative study, whose instruments of data collection had been systematic observations focused in relatin established between usuary/usuary and usuary/ professional. Were also realized interview with institution workers. The datas had been analyzed and had been discussed, considering the formularizations about wait room, group attendance and gender violence, especially, the Maldonato elaborations (1990), Zimerman (1993), Soares (2005). Keywords: Gender Violence. Waiting Room. Shelter. O presente texto apresenta o resultado de um estudo de caso sobre práticas de acolhimento desenvolvidas na organização não-governamental SOS Ação Mulher/Família de Uberlândia (MG), o qual teve como objetivos identificar e analisar as práticas desenvolvidas na sala de espera da instituição e obter subsídios para implementação de novas práticas de acolhimento inicial. Foram realizadas observações sistemáticas, de 27 de setembro a 18 de outubro de 2005, com foco nas relações entre usuários(as)/ usuários(as) e usuários(as)/profissionais, procurando identificar as características do funcionamento da Marcela Novais Medeiros, Gabriella Jeremias Soares, Gercina Santana Novais, Cláudia C. Guerra Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 377 instituição e as expectativas e necessidades apresentadas por vítimas de violência conjugal. A identificação e a análise dos dados foram realizadas à luz de formulações sobre sala de espera, atendimento em grupo e violência de gênero. Retratos da sala de esperaRetratos da sala de esperaRetratos da sala de esperaRetratos da sala de esperaRetratos da sala de espera A ONG SOS Ação Mulher/Família está localizada na Rua Johen Carneiro, número 1454, Uberlândia- MG1. É uma instituição que presta assistência a vítimas de violência doméstica, sendo as mulheres a maioria dos usuários(as) dos seus serviços, e é constituída por psicólogos(as), historiador(as), advogados(as), assistentes sociais, pedagogos(as) e uma assistente administrativa. Apenas esta última e uma assistente social são contratadas com recursos de subvenção Municipal; os demais profissionais são voluntários(as). Conforme o Guia de Orientação do SOS Ação Mulher/Família de 20062, a instituição é uma organização não-governamental, de utilidade Pública Municipal e Federal, constituída em 1997, e conta com trabalho interprofissional gratuito e predominan- temente voluntário de assistentes sociais, psicólogas(os), historiadores(as), advogados(as) e pedagogas(os), dentre outras áreas afins; com atuação e intervenção em casos de violência conjugal e intrafamiliar, seja física, sexual e/ou psicológica, emocional, moral e patrimonial. Na instituição, tais ocorrências são entendidas como um problema de saúde pública e de direitos humanos, uma vez que os índices de violência são assustadores e que a violência intrafamiliar é a raiz de outras violências. Tem também recebido e supervisionado estagiários(as) das áreas de formação acima citadas. Além disso, a equipe do SOS Ação Mulher/ família atua na PAM (Patrulha de Atendimento Multidisciplinar), uma parceria entre SOS Ação Mulher/Família, Universidade Federal de Uberlândia, Polícia Militar, Prefeitura Municipal de 1 Uberlândia está situada na região do Triângulo Minei- ro e completou, em 2006, 117 anos. Atualmente, vem sendo referência para cida- des vizinhas na implemen- tação de políticas públicas em prol da promoção da superação da cultura de violência contra mulheres as mulheres. 2 Este Guia apresenta defini- ção, objetivos e metodo- logia da PAM. A sala de espera como local de acolhimento interdisciplinar a vítimas de violência conjugal 378 Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 Uberlândia, para abordagens domiciliares, externas e em rede, em casos de violência intrafamiliar. A ONG SOS Mulher/Família funciona também como centro de referência para encaminhamento à Casa Abrigo Travessia de Uberlândia/Núcleo de Apoio à Mulher /SMDSHT (Secretaria de Desenvolvimento Social, Habitação e Trabalho), local sigiloso que abriga temporariamente mulheres e filhos(as) em situação de risco decorrente de violência familiar, desenvolve atividades sócio-educativas e preventivas junto à comunidade e orienta pesquisadores(as). A ONG SOS Ação Mulher/Família funciona em casa de três salas, uma garagem, uma varanda, um banheiro e uma cozinha. Em uma das salas há cadeiras e um sofá; sendo este o local onde acontecem bazares, reuniões e cursos de formação continuada para os(as) profissionais. Nas duas outras salas, onde há uma mesa e duas cadeiras, são feitos os atendimentos profissionais. Na sala principal, está a mesa utilizada pela assistente administrativa, cadeiras, um computador, armários e interfone. A garagem foi transformada em sala de espera. Para isso, foram instalados dois sofás, um filtro para água e um orelhão. Também foram instalados um interfone e um portão para evitar excesso de exposição das pessoas e oferecer-lhes maior segurança. Seguem abaixo fotos da sala de espera e da recepção: Marcela Novais Medeiros, Gabriella Jeremias Soares, Gercina Santana Novais, Cláudia C. Guerra Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 379 Figura 1: Foto dos cartazes afixados na parede da sala de espera, 2005.ura 1: Foto da porta de entrada da recepção e, ao fundo, da sala de espera, 2005. A sala de espera como local de acolhimento interdisciplinar a vítimas de violência conjugal 380 Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 Segundo dados obtidos de uma pesquisa realizada nos prontuários da instituição3, as mulheres são as que mais procuram os serviços do SOS Mulher/Família e que mais vivenciam a violência conjugal e intrafamiliar, totalizando 97,12% dos atendimentos realizados em 2005. A maioria das pessoas atendidas está na faixa etária de 21 a 50 anos. O agressor é na maioria companheiros (amasiados, namorados) e marido. O tempo de convivência entre o casal é, na maior parte dos casos, de 5 a 15 anos, tendo cada casal, em média, 2 a 3 filhos. A maioria das pessoas que procuram a Ong possui o 1º grau incompleto e renda mensal de 1 a 2 salários mínimos. Os encaminhamentos são realizados principalmente pela Delegacia da Mulher, demonstrando a importância do trabalho articulado em rede e da divulgação dos serviços, dando visibilidade, transparência e possibilidade de acesso aos mesmos. A referida pesquisa ainda mostra que o local de ocorrência dos delitos é principalmente na residência Figura2: Foto da recepção, 2005. 3 Pesquisa realizada de novembro a março de 2006, por Viviane de Souza Lemes (Especialista em História e Bacharel em Direito, voluntária do SOS Ação Mulher/Família), Cláudia Costa Guerra (Mestra em História, volun- tária e coordenadora do Projeto de Formação Conti- nuada da Equipe Multidis- ciplinar da Ong SOS Ação Mulher/Família), Núria Rosa Ramos e Silvania Naves (Graduandas em Pedagogia - Gestão e Tecnologia Edu- cacional pela UNIMINAS). Marcela Novais Medeiros, Gabriella Jeremias Soares, Gercina Santana Novais, Cláudia C. Guerra Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 381 da vítima: 49,42% dos casos. As situações mais comuns relatadas nos atendimentos às vítimas de violência conjugal ou intrafamiliar são violências psicológicas: ofensas, 75,87% dos casos; intimidação, 68,40%; e calúnia/difamação 55,17%. Em seqüência, situações de violência física, com 76,44% de ocorrência, e 60,92% de agressões com lesões. Por fim, as violências sexuais, com 22,99% de constrangimentos e assédio, e 7,47% de estupro. Cerca de 38,50% das pessoas agredidas/ vítimas de violência não registraram queixa, alegando ter vergonha, medo e esperança de que o companheiro melhore. A análise das observações desenvolvidas na sala de espera mostra que, quando as pessoas chegam à instituição pela primeira vez, elas estão confusas, amedrontadas; suas falas são repetitivas. Apresentam a necessidade de serem escutadas e compreendidas por alguém e não aguardam por um atendimento com um profissional de Psicologia ou Assistente Social, verbalizando seu histórico para a assistente administrativa do SOS Ação Mulher/Família. A título de ilustração, a seguir, trechos das observações: Episódio 1: “Uma mulher chegou, já havia outra esperando para falar com a assistente administrativa, mas ela sentou-se na cadeira perto desta e começou a falar. A assistente administrativa estava mexendo em alguns papéis e pediu para a mulher esperar um pouco, contudo, ela continuou falando da briga com o marido. Essa mexeu as mãos várias vezes e continuou falando mesmo quando a assistente administrativa pediu para ela esperar um pouco. A referida funcionária fez comentários breves, sendo muitas vezes interrompida pela mulher. Falou para ela ter calma, não brigar e não desesperar. A mulher disse que precisava da advogada. Queria saber o que fazer para pegar objetos pessoais que estavam na casa do casal. A assistente administrativa disse que ligaria para a advogada e marcaria um momento para que todas as dúvidas fossem sanadas. Mesmo assim, a mulher continuou perguntando e falando até mesmo quando a assistente administrativa estava falando ao telefone. Esta falou para a mulher acionar a viatura e pedir para a polícia acompanhá-la.”4 4 Trecho retirado do registro das observações sistemá- ticas, realizadas na institui- ção SOS Ação Mulher/ Família, no período do dia 27/09/2005 a 18/10/2005, pelas estagiárias Gabriella Jeremias Soares e Marcela Novais Medeiros. A sala de espera como local de acolhimento interdisciplinar a vítimas de violência conjugal 382 Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 Embora a função da assistente administrativa5 envolva o acolher a queixa e informar os procedimentos que poderão ser tomados, ela sente- se inúmeras vezes pressionada a lidar com situações que competem a outros profissionais especializados, como psicólogos(as), advogados(as) e assistentes sociais. Isso tumultua e/ou atrapalha o exercício das funções do seu cargo. Essa funcionária, em muitos casos, não encontra maneiras para evitar que o(a) usuário(a) se exponha e conte sua história para ela. A fala da assistente administrativa transcrita exemplifica tal situação: “Mas a gente acaba escutando, porque tem umas assim que chega com desespero, impossibilitada de tá freando ela. Mas eu acabo sabendo em partes o que é, que tá acontecendo com a pessoa que procura aqui”.6 Ainda sobre a assistente administrativa, deve-se acrescentar aqui que, como revelou a análise das observações, esta atende a todos com muita dedicação e paciência. Contudo, verbalizou o desejo de auxílio, demonstrando sentir-se sobrecarregada. Disse às pesquisadoras, durante as observações, que seria muito bom se as(os) psicólogas(os) pudessem ficar na instituição o dia todo para escutar as mulheres que chegassem ao local. Acrescentou ainda que fica desorientada com as pessoas falando e que seria bom se as estagiárias e pesquisadoras escutassem também os(as) usuários(as). Foi evidenciado também que os(as) usuários(as) do serviço, tanto os que chegam pela primeira vez quanto os que já são atendidos(as) pela instituição, trocam experiências entre si e conversam sobre assuntos cotidianos. Contudo, em muitos momentos, enquanto esperam atendimento, essas pessoas dormem ou interferem no atendimento da assistente administrativa. Os trechos extraídos das transcrições das observações realizadas na instituição ilustram essas declarações: Episódio 2: “Às 14:40 hs uma paciente chegou, tinha sessão às 15:00 hs. Sentou-se no sofá, leu e dormiu um pouco. Quando faltavam cinco minutos para a sessão, comentou que faltava pouco tempo”. 5 Essa funcionária foi contra- tada para o cargo de auxiliar administrativa. As tarefas do seu cargo consistem em re- cepcionar todo aquele que buscar o SOS Ação Mulher/ Família de Uberlândia, prestando os devidos servi- ços de informação, orienta- ção e encaminhamento aos mesmos, atuando também como suporte administrati- vo à Diretoria, aos diferen- tes Setores e à instituição como um todo. Oferecer o devido tratamento aos clientes que buscam atendi- mento na instituição. 6 Trecho transcrito da entre- vista feita no SOS Ação Mulher/Família, no dia 10/ 05/2006, com a assistente administrativa, pela esta- giária Marcela Novais Medeiros. Marcela Novais Medeiros, Gabriella Jeremias Soares, Gercina Santana Novais, Cláudia C. Guerra Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 383 Episódio 3: “Uma mulher que aguardava atendimento andou pela sala. A assistente administrativa estava atendendo telefone. Essa mulher falou com a funcionária. Fez perguntas sobre seu caso. A funcionária pediu para ela esperar. Ela continuou falando. A funcionária com o telefone no ouvido, olhava para a mulher. Fez sinal com as mãos para ela esperar”. Diante do que foi constatado sobre a sobrecarga da assistente administrativa, do estado de confusão, medo, fala repetitiva e necessidade de escuta dos(as) usuários(as) dos serviços da instituição, foi considerado necessário o planejamento e melhoramento do acolhimento às pessoas que chegam para o primeiro atendimento e de transformar o tempo de espera dos(as) usuários(as) em um momento e espaço de fala e escuta diferenciados de uma escuta não profissional. A sala de espera foi eleita por membros da equipe do SOS Ação Mulher/ família como local para a realização desse atendimento. É importante destacar que a proposta da implementação de um novo modelo de acolhimento na sala de espera consiste em um trabalho diferenciado dos outros já desenvolvidos na instituição por advogados(as), psicólogos(as), assistentes sociais e pedagogos(as) ou mesmo de outras iniciativas de projetos de sala de espera do órgão. A análise das práticas à luz das formulações sobre salaA análise das práticas à luz das formulações sobre salaA análise das práticas à luz das formulações sobre salaA análise das práticas à luz das formulações sobre salaA análise das práticas à luz das formulações sobre sala de espera - o atendimento em grupo e a violência dede espera - o atendimento em grupo e a violência dede espera - o atendimento em grupo e a violência dede espera - o atendimento em grupo e a violência dede espera - o atendimento em grupo e a violência de gênerogênerogênerogênerogênero Segundo Zimerman7, os indivíduos procuram suportes sociais em outras pessoas, grupos e instituições. A partir desses suportes, o indivíduo se sente cuidado, amado e valorizado, além de perceber sua responsabilidade e participação nos processos de comunicação interpessoal. Isso possibilita a promoção e estruturação de um sentimento de identidade individual, grupal e social no indivíduo. Assim sendo, 7 ZIMERMAN, D. E. Perfil e função do grupo terapeuta. In: Fundamentos Básicos dos Grupoterapias . Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p. 148-152. A sala de espera como local de acolhimento interdisciplinar a vítimas de violência conjugal 384 Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 o atendimento na sala de espera pode ser um espaço de convivência que atue como um suporte complementar aos demais serviços oferecidos pela organização não-governamental SOS Ação Mulher/ Família, na medida em que possibilitará uma escuta e troca de informações entre usuário(a)/usuário(a) e usuário(a)/profissional. A literatura sobre a temática do atendimento na sala de espera é reduzida. A maior parte dos escritos referentes à sala de espera está relacionada ao atendimento grupal nesse local. Maldonado8 define o grupo de sala de espera como um grupo cujo setting9 é formado pelos pacientes das salas de espera dos ambulatórios dos hospitais públicos ou postos de saúde. É considerado pela autora como uma forma de atendimento adequado para instituições como as públicas, nas quais o tempo de espera é relativamente longo. No geral, o grupo começa antes do início das consultas. Na medida em que chega a vez de cada paciente, estes vão para a consulta, e, quando esta termina, podem voltar para o grupo, caso desejem. De acordo com Maldonado10, o grupo de sala de espera é um grupo aberto, de uma sessão só, e formado pelas pessoas que esperam atendimento, sendo, portanto, sem história temporal. No caso de instituições que atendem a uma população específica e que atravessam uma mesma transição existencial, como no caso do SOS Ação Mulher/Família, que atende pessoas envolvidas em relações violentas, o grupo de sala de espera é considerado do tipo homogêneo11. O grupo de sala de espera é um importante espaço de complementação dos serviços prestados na instituição. “A carência assistencial é tão grande que, quando há alguém disponível para escutar e conversar, a mobilização é intensa, o material é significativo e é grande o aproveitamento.”12 Isso foi evidenciado na análise das observações feitas no SOS Ação Mulher/Família. As pessoas que chegavam em busca dos serviços da instituição tinham 8 MALDONADO, M. T. Maternidade e paterni- dade: assistência no con- sultório e no hospital. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 90-233. 9 S ett ing é o enquadre que somatiza todos procedi- mentos necessários para o processo terapêutico, sen- do assim, as regras e contra- tos estabelecidos no grupo como o número de partici- pantes, número de sessão, tempo de duração da ses- são, atitudes esperadas dos participantes e do coorde- nador(a). Ver ZIMERMAN, Op. Cit. 10 MALDONADO,Op.Cit. 11 Grupo homogêneo é aque- le no qual há características comuns entre os que o formam. Ver ZIMERMAN, Op. Cit, p. 68. 12 MALDONADO, Op. Cit, p. 211. Marcela Novais Medeiros, Gabriella Jeremias Soares, Gercina Santana Novais, Cláudia C. Guerra Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 385 necessidade de serem ouvidas e contavam detalhes da sua vida, revelando pensamentos, sentimentos e expressando seu funcionamento psíquico. A dinâmica da sessão de um grupo de sala de espera é a mesma de outros grupos que possuem a chamada estrutura vivencial. Esse tipo de estrutura caracteriza- se pelo foco nas vivências de cada membro do grupo. A partir da análise dessas experiências pessoais, o(a) coordenador(a) fornece informações pertinentes às necessidades e características dos(as) formadores(as) do grupo. Dessa forma, não há uma seqüência determinada pelo(a) coordenador(a) para apresentar as informações13. Embora o grupo tenha um formato que lembre uma conversa bastante informal, diferencia-se desta. É um lugar no qual pode ser aprofundado o pensamento e fala dos(as) usuários(as) sobre experiências pessoais. Maldonado14 enfatiza que, no decorrer do grupo na sala de espera, as pessoas podem identificar semelhanças entre os relatos e vivências como também as diferenças. O papel do(a) coordenador(a) é ligar as várias falas das pessoas e discutir semelhanças e diferenças, procurando atentar para os mitos subjacentes às escolhas pessoais. Isso torna mais fáceis a absorção e a integração de conhecimentos no plano cognitivo e emocional. É preciso que se respeite o momento de cada pessoa, ou seja, que não se pressione ninguém a pensar ou falar sobre algo para o qual não esteja preparado. No caso específico da instituição SOS Ação Mulher/Família, freqüentemente, as mulheres atendidas vão acompanhadas de filhos(as) e amigos(as). Muitas vezes, também estão presentes na instituição maridos ou companheiros considerados agressores. Tudo isso dificulta a escuta coletiva, na medida em que a mulher não deseja que os(as) filhos(as), um homem estranho ou até o mesmo próprio marido escutem a verbalização de sua queixa. Além disso, os sentimentos demonstrados por elas, 13 Idem, Ibidem. 14 MALDONADO, Op. Cit. A sala de espera como local de acolhimento interdisciplinar a vítimas de violência conjugal 386 Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 como indica a análise das observações, foram solidão e desamparo. Assim, é importante que o grupo seja orientado para aspectos específicos. Deve focalizar a diminuição dos sentimentos de desamparo e estimular a construção de novos projetos de vida, sem violência. Todavia é importante mencionar aqui que, devido ao fato de não haver uma constante, quanto à demanda com relação aos horários e dias da semana de maior fluxo na instituição SOS Ação Mulher/ Família, não será possível realizar o grupo de sala de espera de acordo com o modelo encontrado na literatura; já que não é possível prever horários em que haverão usuários(as) para o atendimento. Considerando a demanda e os serviços oferecidos pela instituição, uma possibilidade seria o uso do atendimento em grupo na sala de espera e o individual, de acordo com o número de usuários(as) presentes. Deve-se destacar que a instituição SOS Ação Mulher/Família conta com serviços de voluntários(as) que oferecem poucas horas semanais para o atendimento, não havendo um quadro fixo de voluntários diariamente na instituição. Quando há algum(a) profissional - pedagogo(a), historiador(a), assistente social, psicólogo(a), advogado(a) - na sala de espera ou recepção, foi observado que os(as) usuários(as) contam-lhe suas histórias. Isso mostra a necessidade de qualificar toda a equipe para que a escuta na sala de espera seja diferenciada de uma escuta não profissional. Para que a escuta de todos os profissionais que atendem no SOS Ação Mulher/Família seja diferenciada e profissional, independente da sua formação acadêmica, é preciso que tenham conhecimento da possibilidade de atendimento em grupo na sala de espera e sobre estratégias de acolhimento e escuta. Para tornar possíveis os processos de escuta, seja em atendimento em grupo ou individualmente, o(a) coordenador(a) da sala de espera deve estar atento Marcela Novais Medeiros, Gabriella Jeremias Soares, Gercina Santana Novais, Cláudia C. Guerra Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 387 para a comunicação. Segundo Zimerman15, a capacidade de comunicação é o elemento mais importante para um coordenador(a). Tal autor considera que essa habilidade envolve a capacidade de fazer com que o grupo fale a mesma linguagem. Também deve ter capacidade de síntese, integrando os aspectos importantes que foram apresentados durante a sessão grupal, bem como “construir a uniformidade de comunicação e uma continuidade de coesão grupal”.16 Maldonado17 também destaca a importância da comunicação na função de coordenar. Para a autora, o(a) coordenador(a) deve, além de facilitar a comunicação, estar disponível para prestar os esclarecimentos necessários aos(às) usuários(as). Além disso, o(a) coordenador(a) deve “diferenciar as vivências individuais” para que os(as) participantes não se sentirem coagidos a pensar, sentir e agir como os demais membros. Sobre o acolhimento, segundo Ferreira18, esta palavra significa: ato ou efeito de acolher, recepção, atenção, consideração, refúgio, abrigo e agasalho; compreende, pois, uma atitude que envolve respeito, afetividade e, ao mesmo tempo, contenção, estando intimamente vinculado a uma relação. As principais habilidades interpessoais do(a) coordenador(a) ou líder do processo de acolhimento são: 1) comunicar ao(a) ajudado(a) a disponibilidade e interesse de ajudá-lo(a); 2) demonstrar compreensão pelo(a) ajudado(a); 3) mostrar ao(à) ajudado(a) sua parcela de responsabilidade no seu problema, para que seja sujeito no processo; e 4) avaliar, juntamente com o(a) ajudado(a), as alternativas de ação possíveis e a escolha da mais adequada ao contexto19. Outra autora que contribui para as reflexões sobre comunicação, escuta e acolhimento é Soares20. Para esta, as mulheres que vivenciam relações violentas sentem-se envergonhadas, com medo e desrespeitadas. Por isto, quando procuram ajuda, necessitam encontrar um profissional que as escute de maneira respeitosa e 15 ZIMERMAN, Op.Cit.; p. 148-152 16 Idem, Ibidem, p. 152 17 MALDONADO, Op.Cit. 18 FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio básico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. 19 MIRANDA, C.F. & MIRANDA M.L. Construindo a relação de ajuda. 6ª ed. Belo Horizonte: Editora Crescer, 1990. 20 SOARES, B. M. Enfrentando a violência contra a mulher : orientações práticas para profissionais e voluntá- rios(as). Secretaria Especial de Políticas para as Mulhe- res. Nilcéa Freire, 2005. A sala de espera como local de acolhimento interdisciplinar a vítimas de violência conjugal 388 Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 interessada. Soares chama de “Escuta Ativa” este tipo de escuta, que é uma forma eficiente do profissional demonstrar interesse, aproximação, respeito e auxiliar na clarificação de idéias, fatos e sentimentos. Todos(as) os(as) profissionais podem ser formados(as) para realizar a “Escuta Ativa”. Segundo Soares21, alguns dos recursos dessa escuta que podem ser usados pelo(a) profissional no momento da conversa são: parafrasear o que a pessoa diz, ajudá-la a refletir sobre seus sentimentos, perguntar sobre o que está sendo dito, atentar para elementos da comunicação não verbal (postura, voz, olhos, mãos) e fazer resumos sobre o que ela diz. Percebe-se então que o(a) coordenador(a) de sala de espera deve ter conhecimentos e comportamentos específicos, de modo a facilitar o andamento do grupo e o processo de atendimento do(a) usuário(a). Esses podem ser aprendidos mediante estudo e formação continuada. Da pesquisa à prática do atendimento na sala de esperaDa pesquisa à prática do atendimento na sala de esperaDa pesquisa à prática do atendimento na sala de esperaDa pesquisa à prática do atendimento na sala de esperaDa pesquisa à prática do atendimento na sala de espera Os objetivos da implementação de uma sala de espera na Ong SOS Ação Mulher/Família consistem em proporcionar um ambiente de acolhimento inicial para as pessoas que estão chegando à instituição, reduzindo-se seus medos, ansiedade e o isolamento; bem como promover um ambiente educativo, que ofereça informações relativas à questão de gênero e violência intrafamiliar. Além disso, espera-se oferecer um ambiente diferenciado de fala e escuta para os(as) usuários(as) do sistema, que proporcione o desenvolvimento de novas estratégias de se relacionar. O público-alvo da sala de espera compreende todos(as) os(as) usuários(as) dos serviços da SOS Ação Mulher Família da cidade de Uberlândia que estão na instituição aguardando algum atendimento profissional ou que foram atendidos(as) pela primeira vez pela assistente administrativa. No caso dos primeiros, 21 Idem, Ibidem. Marcela Novais Medeiros, Gabriella Jeremias Soares, Gercina Santana Novais, Cláudia C. Guerra Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 389 poderão participar dos atendimentos da sala de espera antes ou após o atendimento profissional - psicólogo(a), assistente social e advogado(a). No segundo caso, após serem atendidos(as) pela assistente administrativa. Para a implementação do atendimento na sala de espera, será necessária a organização do espaço no qual será realizado o acolhimento inicial. Compreende- se que o espaço ideal seria a sala na qual funciona atualmente a sala de reunião da instituição. Primeiramente, os(as) usuários(as) dos serviços deverão ser atendidos(as) pela assistente administrativa e encaminhados(as) para a sala de espera. A sala de espera deverá ser organizada de modo a fornecer um espaço agradável e informativo, na medida em que deverá se tornar um lugar de acolhimento e fonte de referências e informações para os(as) usuários (as) dos serviços do SOS Ação Mulher/Família. Os materiais necessários são sofá, TV e vídeo, cartazes e folhetos explicativos, plantas, um mural/painel, revistas e jornais. A inclusão destes últimos faz-se com base no estudo de caso realizado, o qual mostrou que, quando há revistas e jornais, as(os) usuárias(as) os utilizam como entretenimento na espera para os atendimentos. Episódio 3: “Às 14:10 hs uma paciente chegou, tinha sessão às 15:00 hs. Sentou-se no sofá, leu uma revista sobre fofoca e dormiu um pouco .Disse que a revista era velha.” Cabe acrescentar que na literatura encontra-se menção à possibilidade da sala de espera, além de ser um espaço de divulgação de informação - com folders e vídeos -, também pode oferecer entretenimento a fim de contemplar as necessidades dos(as) usuários(as). Uma pesquisa22 sobre o comportamento de pacientes e seus acompanhantes em um centro de saúde universitário revela que, quando há material informativo, as pessoas passam grande parte do tempo 22 Tal pesquisa foi realizada no Centro de Estudos da Saúde (CEES) e Educação da UNESP. Os sujeitos foram os pais e acompa- nhantes dos usuários dos atendimentos multidisci- plinares oferecido pelo CEES. Ver OLIVEIRA, J. M., PAULA, R.; AKAMINE, G.A; BRAGA, T.M.S. A sala de espera 1: espaço com possibi- lidades que integrem a saúde e educação. Revista de Extensão e Pesquisa em Saúde e Educação, n 2, 2002. A sala de espera como local de acolhimento interdisciplinar a vítimas de violência conjugal 390 Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 de espera lendo-o. Mas, além do interesse por informações, os sujeitos demonstraram interesse por atividade de entretenimento. Além da organização do espaço físico e dos materiais, a implementação da modalidade de atendimento na sala de espera requer que o(a) coordenador(a) deste local enfatize aspectos específicos, relacionados com a violência, durante a realização do acolhimento. Faz-se importante a diminuição dos sentimentos de desamparo, e isso poderá ser feito por meio da apresentação dos serviços oferecidos pela instituição às vítimas de violência. Para isso, poderão ser utilizados documentário informativo e/ou folhetos institucionais, com informações sobre os serviços e atividades da instituição. Outra atividade que também deve ser central na sala de espera é o auxílio à construção de novos projetos de vida, sem violência, por meio de um vídeo com relatos de histórias de ex-usuários(as) do serviço acerca da violência familiar com final sem violência. Esse vídeo e o documentário informativo serão produzidos com o objetivo de responder expectativas e possíveis dúvidas de quem aguarda o atendimento, fazendo um acolhimento, informando e estimulando a busca por ajuda. Ainda será necessária a confecção de cartazes explicativos sobre violência de gênero, que devem ser colados nas paredes da sala de espera junto com os cartazes que a instituição já possui. Pode haver a inclusão, no curso de formação continuada em violência de gênero oferecido pela instituição para os(as) profissionais, de temáticas relativas a atendimento grupal, acolhimento, “escuta ativa” e sala de espera, com aprofundamento. Após tal estudo, podem ser selecionados(as) os(as) profissionais para atuarem como coordenadores(as) do atendimento na sala de espera, de acordo com interesse e aprendizado nas temáticas supracitadas. É necessário que haja um(a) profissional ou estagiário Marcela Novais Medeiros, Gabriella Jeremias Soares, Gercina Santana Novais, Cláudia C. Guerra Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007 391 disponível para coordenar o grupo a cada dia da semana, nos horários de funcionamento da instituição. Isso porque a quantidade de pessoas que procuram o local e o horário que isto é feito é imprevisível, sendo necessária a presença do(a) coordenador(a) para atender a demanda no momento em que surge. Considerando que pode haver horários sem que haja demanda, é importante vincular o(a) estagiário(a) com alguma outra atividade da instituição, por exemplo, pesquisas internas que visem ao o aperfeiçoamento do atendimento às vítimas de violência de gênero e intrafamiliar. Sabe-se que a implementação deste atendimento na sala de espera exigirá que o SOS Ação Mulher/ Família sofra alterações em sua estrutura física e funcionamento. Entretanto, considera-se que os possíveis transtornos decorrentes dessas adaptações serão menores do que os benefícios esperados em termos de acolhimento para os(as) usuários(as). Finalizando, cabe mencionar que, como mostrou o resultado do estudo de caso, a implementação de um novo modelo de sala de espera no SOS Ação Mulher família é uma estratégia adequada para criar um ambiente inicial de escuta não julgadora e relações propícias para desencadear novos vínculos e projetos de vida sem violência. Grupos de sala de espera I.pdf O QUE SE ESPERA NA SALA DE ESPERA? Patricia Marinho Gramacho Quando eu era pequena, minha mãe sempre me pedia que ficasse com as visitas na sala de estar, até o momento em que algum adulto pudesse vir atendê-las. Éramos três irmãs e sempre arrumávamos um jeito de nos livrar desta tarefa materna, tínhamos, portanto a opção de não estarmos lá – conseguíamos “não estar na sala de estar”, para grande insatisfação de minha mãe que não conseguia de forma nenhuma impor bons modos às suas meninas. Lembrei-me deste fato quando me dispus a escrever sobre a Sala de Espera – aqui designada com letra maiúscula - pois cada vez mais me surpreendo com sua vida própria. Ela respira e transpira todas as preocupações, alegrias, tristezas, adequações e inadequações de seus transeuntes. Diferentemente da sala de estar de antigamente não oferece a opção de não se estar lá. Principalmente em situações de saúde, temos mesmo que esperar. Para um bom psicólogo torna-se o lugar ideal para exercitar a capacidade de observação e posteriormente traçar seu instrumental de ajuda. Digo ajuda, pois não estou falando de qualquer Sala de Espera, mas especificamente da Sala de Espera de uma pediatria oncológica normalmente carregada de muitos questionamentos do tipo - “Meu cabelo vai cair?”; “Vou ter que tirar a perna”?; “Só fica aqui (se referindo ao hospital) quem tem câncer?”; “Apareceu um carocinho nela e eu trouxe pra cá, será que eu deveria ter ido para o Hospital da Criança?”; “Eu vou morrer?”; “Se Deus quiser, não vai ser nada”; “Me falaram que leucemia é muito grave, que não tem cura”; “Falei pra ele (se referindo ao filho) que tô chorando por causa de dinheiro, mas num é não”. Essas são algumas verbalizações de pacientes e acompanhantes enquanto aguardam na Sala de Espera pela primeira consulta e que parecem ilustrar as dúvidas e temores de estar pela primeira vez numa pediatria oncológica. Além dessas expressões, alguns comportamentos podem ser observados, como: ficar quietinho num canto; ficar em pé com cara de espanto mesmo quando há lugar para sentar; chorar... (Xavier e Gramacho, 2007). Para mim era visível a necessidade de um trabalho psicológico mais sistemático neste ambiente e isto se tornou possível a partir do trabalho conjunto com várias estagiárias de psicologia que passaram pelo Serviço. Sei que para muitas foi um trabalho de extrema dificuldade principalmente por estarem ainda se formando enquanto profissionais, mas com certeza o trabalho auxiliou-as a confiarem mais na capacidade de observação e escuta de cada uma e principalmente a acreditar no quanto a escuta ativa já funciona por si só como instrumento terapêutico, exercitando a capacidade de estabelecimento do comportamento empático, ou seja, a capacidade de “estar com”. Tínhamos assim a possibilidade de atender à demanda das crianças e adolescentes internados e ao mesmo tempo diminuir os desconfortos emocionais inerentes à situação de espera de pacientes e acompanhantes. Ao mesmo tempo, ensinava às futuras psicólogas a esperarem, a não serem invasivas, a abrirem o espaço para o outro comparecer e se dispor a falar. Desde então, o Serviço de psicologia da pediatria desenvolve atividades em Sala de Espera sempre que possível. Utiliza-se nestas atividades materiais lúdicos diversos como brinquedos, revistas, gibis; materiais plásticos como massas de modelar, papéis, lápis, giz de cera; materiais hospitalares como seringa, estetoscópio, palitos para exames de garganta, entre outros. Lembro aqui uma fala de uma estagiária de psicologia, que após algumas semanas de muita angústia no trabalho de Sala de Espera pode finalmente concluir – O que conta mais é muito mais o tipo de contato que temos com as crianças. A participação delas nas atividades depende muito do modo como “chegamos” nelas, como as tratamos. A atividade em si, muitas vezes parece que é o de menos, parece que o que importa para elas é muito mais - “tem alguém me ouvindo, me vendo”, do que - “tem alguém me dando um desenho”. As profissionais do serviço de psicologia se apresentam e convidam pacientes e acompanhantes para realização de alguma atividade, seja colorir algum desenho, desenhar quem conheceu no hospital, conversar sobre instrumentos médicos, desenhar o que quiser. As atividades são recursos para as profissionais darem suporte emocional àqueles que parecem demonstrar reações mais emergenciais. “O espaço sala de Espera é fundamental no sentido de dar um acolhimento geral, suporte, esclarecimento, amenizar a ansiedade, a depressão, o medo. E aliviar a espera” (Ivancko, 2004, p.81). Em trabalho feito na Sala de Espera da pediatria do hospital, verificou-se como a construção e fortalecimento das relações vinculares neste ambiente promoveu melhorias nos pacientes, familiares e na própria instituição. O espaço Sala de Espera tem se mostrado o melhor lugar para se fazer vínculos, além de ser o primeiro local em que tanto pacientes quanto acompanhantes têm contato com alguém da equipe de oncologia, seja a secretária, faxineira, psicóloga, musicoterapeuta, professoras, voluntariado ou enfermeiras. Espaço de escuta psicológica para que os pacientes otimizem o tempo de espera da consulta médica, transformando-o em um momento de reflexão sobre o processo saúde-doença (Carneiro e Gramacho ,2004). Essa ajuda na chegada ao hospital parece ser importante não só para aqueles que precisarão passar por um processo de hospitalização, mas por qualquer processo no hospital, como a primeira consulta, por exemplo, já que a experiência em atividade de sala de espera mostra que existe uma tensão em relação à primeira consulta por conta da possibilidade da confirmação do diagnóstico de câncer (Xavier e Gramacho, 2007). Enquanto psicólogas buscamos fazer uma investigação prévia da estrutura da criança e do familiar para o enfrentamento das situações de tratamento, mas também não deixamos de valorizar os serviços já existentes como o tão esperado “chazinho” servido pelos voluntários ou a recreação do Projeto Vitória, eles nos ajudam a acolher, “palavrinha mágica” em momentos de tensão e espera. A principal função da psicologia neste espaço é de observar a forma como a criança ali aguardando o seu horário de atendimento se posiciona como sujeito ou objeto na relação com o ambiente e principalmente com os pais. Colocar-se como sujeito significa, dentre outras coisas, posicionar-se em relação ao seu desejo e não apenas mostrar-se passiva durante toda a situação de tratamento. O uso de materiais plásticos tem apenas o intuito de oferecer-lhe uma possibilidade de expressão e ressignificação da demanda institucional: Obedeça ao tratamento! E da demanda desesperada dos pais: Não morra! Ambas imperativas. Neste meio nós temos uma criança espremida, despossuída do seu corpo e muitas vezes impossibilitada de falar sobre ele, esmagada pelo número excessivo de demandas que lhe são solicitadas. A psicóloga ali presente tenta introduzir o silêncio, uma não-demanda, uma espera, que confronta a criança com algo inédito - um adulto que não é imperativo; que mesmo que seja colocado por ela mesma na posição de mestre, não ensina, nada pede a não ser que a criança ocupe um lugar ali (Bernardino, 2008). Exemplo disto temos uma criança de oito anos de idade, que após a produção de um desenho específico no Grupo de Sala de Espera, adentra o consultório médico com um desenho totalmente em vermelho e diz: - “Doutora, eu já posso internar, o meu sangue subiu”.Esta conscientização pela fala daquilo que é sentido corporalmente funciona como elemento redutor de ansiedades, medos e “não-ditos” dentro da realidade hospitalar e a convivência em grupo permite a solidarização com o colega também hospitalizado, ao mesmo tempo em que reforça as características individuais. Sabe-se que é um trabalho difícil, pois lidamos com um grupo heterogêneo, rotativo, com crianças de diferentes idades, diferentes fases do processo de tratamento, de diferentes regiões do país e até do mundo. Ao mesmo tempo, é enriquecedor quando chegamos com um saco de fantoches e espontaneamente uma criança passa a falar de sua “cirurgia no ombro”, ressignificando sua experiência com o grupo ou simplesmente com um outro e se posicionando com relação às intempéries da vida. Concluo percebendo que apesar de quando criança não conseguir “estar na sala de estar”, consegui como adulta desenvolver algo bem estável na Sala de Espera. Como diria Fernando Pessoa (1986): “Se a vida [não] nos deu mais do que uma cela de reclusão, façamos por ornamentá-la, ainda que mais não seja como as sombras de nossos sonhos, (...)”. Acho que hoje minha mãe ficaria feliz com a mulher que ela me ajudou a ser. Referências Bernardino, L.M.F. (2004) - O desejo do psicanalista e a criança. In: Psicanalisar crianças: que desejo é esse? - Salvador; ÁGALMA. Carneiro, L.C. e Gramacho, P. M. (2004). Sala de espera em pediatria Hospitalar - Construção e fortalecimento de vínculos. Artigo de conclusão de curso de graduação em Psicologia, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. Ivancko, S.M .(2004).E o tratamento se inicia na sala de espera. Em: Camon, V.A.A (org), Atualidades em psicologia da saúde. Thomson, São Paulo. Pessoa, Fernando. (1986) Livro do desassossego de Bernardo Soares. Org. Seixo, Maria Alzira & Blanco, Jose. Lisboa: Editorial comunicações, 1986. Xavier, A. P. O e Gramacho, P.M. (2007). Aspectos emocionais e comportamentais relacionados à primeira consulta em pediatria oncológica. Projeto de pesquisa do estágio curricular do curso de graduação em Psicologia, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. INTERCONSULTA.pdf LUCIANE DE ROSSI Gritos e sussurros: a interconsulta psicológica nas unidades de emergências médicas do Instituto Central do Hospital das Clínicas – FMUSP Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, como exigência para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica, sob orientação da Profa. Dra. Elisa Maria Parahyba Campos. Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo Fevereiro de 2008 Banca examinadora _______________________________________________________ Profa. Dra. Elisa Maria Parahyba Campos – orientadora _______________________________________________________ Prof. (a) Dr. (a) _______________________________________________________ Prof. (a) Dr. (a) Aos meus pais, José Roberto e Lêda, que me permitiram sonhar e sustentaram os meus sonhos. Agradecimentos À querida orientadora Elisa, que mesmo antes de assumir esse posto, me acolheu carinhosamente e sempre acreditou em mim. À Mara Cristina Souza de Lúcia, pela confiança, pelas oportunidades, pelo exemplo e pelas contribuições significativas na banca de qualificação. Ao Avelino, pelo carinho, por acreditar que eu podia fazer melhor, por todos os ensinamentos e importantes contribuições para este trabalho. À minha amada avó Elisa, que me ajudou a permanecer na “cidade grande” quando atuar em hospitais era apenas um sonho. À minha prima Adriana, pelo amor incondicional e pelo bom humor, que fazem minha vida mais feliz. Ao meu irmão, pelo amor e pela cumplicidade na vida e na elaboração desta dissertação. A todos os meus amigos, em especial Valmari, Diana, Bianca, Fernando, Saulo e Rogerinho, por todas as contribuições, pelo trabalho de revisão, mas principalmente pelo suporte emocional e por fazerem parte da minha vida de uma forma muito especial. Á Maria de Lourdes H. Mazzini, minha primeira supervisora, por iniciar meu percurso na Psicologia Hospitalar e me ensinar a me olhar com mais amor. À equipe do Pronto-Socorro e das Unidades de Terapia Intensiva do Instituto Central do Hospital das Clínicas – FMUSP, pelo convívio diário e o enfrentamento conjunto de sofrimentos tão intensos. À todos os pacientes e familiares que já atendi, por dividirem comigo seu sofrimento e me ensinarem a ser melhor como pessoa e profissional. Resumo Situações críticas e emergenciais permeiam todos os setores do hospital, mas ocorrem prioritariamente no Pronto-Socorro e nas Unidades de Terapia Intensiva. Estes cenários são marcados por sofrimento físico e emocional intensos; limites de diversas ordens; imprevisibilidade; vivências de perdas e morte. Vivências que geram uma angústia que pode ultrapassa o limiar de contenção dos atores nesse cenário – pacientes, familiares e equipe de saúde – e implicam a necessidade de intervenção psicológica. A interconsulta psicológica é uma modalidade de intervenção que permite considerar a demanda institucional, que inclui a subjetividade nas relações da equipe, e a assistência psicológica aos pacientes e a seus familiares. O presente trabalho utilizou o método da pesquisa clínico-qualitativa para descrever o serviço de interconsulta psicológica nas unidades de emergências médicas do Instituto Central do Hospital das Clínicas – FMUSP. São apresentados cinco relatos de interconsulta, a partir das intervenções junto aos pacientes e junto aos profissionais envolvidos no caso (médicos, auxiliares de enfermagem, enfermeiros e assistentes sociais). Os casos foram analisados por meio do referencial psicanalítico freudiano e evidenciaram que nas unidades de emergência existem urgências físicas e subjetivas, cujo impacto atinge o paciente, seus familiares e os profissionais que se relacionam com ele. A relação paciente- profissional de saúde aparece repleta de conteúdos inconscientes e transferenciais A equipe vivencia sofrimentos psíquicos relacionados a identificações com o paciente e principalmente ao sentimento de impotência. Observa-se que esse sofrimento interfere na conduta do profissional e, conseqüentemente, na assistência que ele oferece. A intervenção da psicóloga interconsultora permitiu a explicitação de conflitos inconscientes e a intermediação das relações entre pacientes e equipe de saúde. Palavras-chave: Interconsulta Psicológica; Psicologia Hospitalar; Serviços Médicos de Emergência; Psicanálise. Abstract Critical situations and emergencies are present in all the areas of the hospital, however, they do occur at the emergency rooms and Intensive Care Units. The core traits of these pictures are physical and mental suffering, several ways of limitations, unpredictability as well as loss and death experiences. Such exposures engender anguish which can get out of control of the people involved in the situations – patients, their families, hospital staff – therefore psychological intervention is necessary. Psychological consultation-liaison is a way of intervention which takes into account the institutional demand, the subjectivity among the team relationships and the psychological assistance to the patients and their families. The present work makes use of a clinic-qualitative study describing the consultation-liaison psychology service in emergency medical units of the Central Institute of Hospital das Clínicas – FMUSP. There are five reports described resulting from the intervention in patient and other staff members involved in the case (doctors, nurses, nurse assistants and social workers).The cases were analyzed through the Freudian frames of reference and showed that there are subjective and physical urgencies which impacts the patients, theirs families and the staff in contact with them. The relationship hospital staff-patient presents itself to be full of unconscious and transferential contents. The team experiences mental suffering which is related to their identification with the patient and, mainly, to their feeling of impotence. It was noticed that this suffering influences the professional behavior and consequently the assistance he will offer. The intervention made by the interconsulting psychologist enabled the disclosure of unconscious conflicts and the intermediation of the relationship between the hospital staff and the patients. Keywords: Psychological Consultation-Liaison; Health Psychology; Emergency Medical Services; Psychoanalysis. Sumário 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 08 2. O CENÁRIO: UNIDADES DE URGÊNCIA/ EMERGÊNCIA................................. 13 2.1. O Pronto-Socorro ............................................................................................... 13 2.2. As Unidades de Terapia Intensiva ...................................................................... 14 3. OS ATORES NAS UNIDADES DE EMERGÊNCIA ............................................... 17 3.1. A Equipe de Saúde ............................................................................................ 17 3.2. O Paciente.......................................................................................................... 24 3.3. A Família ........................................................................................................... 26 3.4. O Psicólogo........................................................................................................ 27 4. OS ATORES EM CENA: A INTERCONSULTA PSICOLÓGICA .......................... 30 5. OBJETIVO ............................................................................................................... 35 6. CASUÍSTICA E MÉTODO ..................................................................................... 36 6.1. Sobre os sujeitos ................................................................................................ 36 6.2. Sobre o método .................................................................................................. 36 7. GRITOS E SUSSURROS: A INTERCONSULTA PSICOLÓGICA NAS UNIDADES DE EMERGÊNCIAS MÉDICAS DO ICHC – FMUSP................................................... 38 7.1. Sobre a morte… ................................................................................................. 38 7.1.1. A dor que não tem nome .......................................................................... 38 7.1.2. Quem tem medo do lobo mau?................................................................. 40 7.2. Emergência médica X Emergência subjetiva ...................................................... 41 7.2.1. A (im)potência frente ao paciente ............................................................ 41 7.2.2. A “batata quente” que alguém pôde segurar ............................................. 44 7.2.3. Quando a intervenção vira interferência ................................................... 45 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 55 8 1. INTRODUÇÃO Meu percurso no Pronto-Socorro do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (ICHC-FMUSP) teve início no segundo semestre de 2003, de forma inesperada. Embora já tivesse realizado alguns atendimentos em unidades de emergência de outros hospitais, nunca havia pensado em atuar exclusivamente nessa área. O primeiro contato, como estagiária de pesquisa da Divisão de Psicologia do ICHC-FMUSP, provocou espanto e sentimento de impotência. Fiquei completamente perdida naquele mundo de macas, pacientes chegando, familiares solicitando informações, médicos e enfermeiros correndo de um lado para o outro. Para abordar determinado paciente, precisava olhar as fichas de maca em maca até encontrá-lo. Conversar com alguém da equipe exigia outra estratégia: falar enquanto andava atrás da pessoa, que continuava com sua rotina apressada. Parecia complicado pensar nos atendimentos ali, com tantas interrupções e tão pouca privacidade para o paciente. Entretanto, ao ouvir as histórias dos pacientes, marcadas por um sofrimento intenso, pensei que
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