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O Direito Penal e as sociedades da antiguidade

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O Direito Penal e as sociedades da antiguidade
por: Thais Antunes
RESUMO
O presente trabalho busca apresentar os aspectos mais relevantes do Direito Penal na antiguidade a partir de sucinta análise da organização estrutural das sociedades, suas crenças, modos de viver e relação entre os indivíduos.
Inicialmente, estabelece um panorama geral do Direito Primitivo, enumerando suas fases e tendências quanto à aplicação da pena. Em seguida, passa a analisar o Direito nas mais relevantes codificações das sociedades da época.
Palavras-chave: Direito Penal. Aplicação da pena. Sociedades primitivas. Codificações relevantes.
1 Direito Primitivo
Durante este período, não existia o Direito efetivamente, organizado e sistematizado como hoje o conhecemos. Existia uma verdadeira abundância de penas cruéis que visavam castigar não somente os culpados, como também sua família.[1]
Esta área do conhecimento era intrinsecamente ligada à religião, influenciada pelo estilo social dos povos primitivos. A doutrina denominou este período como “Fase da Vingança Penal” que, por sua vez, possui uma tríplice divisão, qual seja, Vingança Divina, Vingança Privada e Vingança Pública.
1.1 Vingança Divina
Dotada de uma sociedade com pouco desenvolvimento cultural, os misticismos e crenças sobrenaturais regiam a percepção do mundo para o homem primitivo. Não possuíam consciência dos fenômenos naturais da natureza, tais como ventos, chuvas, trovoes, raios e secas, atribuindo-os exclusivamente às divindades.
As divindades responsáveis pela direta influência na vida das pessoas eram os Totens e, portanto, a Justiça Totenica era a que prevalecia, em uma relação vertical. “Tabu” era o nome atribuído às infrações cometidas pelos homens na época.
Através de uma delegação do poder de justiça, quando um dos integrantes do grupo social praticava alguma conduta proibida, eram os sacerdotes e o próprio grupo os responsáveis por decidir a punição adequada ao agente. Isso se dava pois a sociedade da época acreditava que ao punir o infrator estariam acalmando e agradando a divindade, amenizando sua ira e evitando seus efeitos. [2]
A pena aplicada pelos sacerdotes, cruel, desproporcional e degradante, tinha como finalidade intimar os demais membros do grupo. O rigor dos castigos era entendido como proporcional à grandeza dos ofendidos, vez que os Totens eram objeto de grande respeito e admiração.
Como principais exemplos de codificações desse período temos: O Código de Manu (Índia), Cinco Livros (Egito), Livro das 5 penas (China), Avesta (Pércia) e o Pentateuco (Hebreus).
1.2 Vingança Privada
Inserida em um contexto no qual as divindades perderam influência, a vingança passa a ser uma forma de reação de um indivíduo contra o outro, sendo um direito da vítima. A relação passa a ser horizontal, imputando à vingança um caráter pessoal.
As principais penas desse período são as de “Perda da Paz” e a “Vingança de Sangue”. A primeira delas se justificava pela necessidade de cooperação entre os indivíduos e era aplicada contra um membro do próprio grupo. Ao infringir uma das normas, o indivíduo era banido do grupo social, deixando-o sem proteção e à mercê dos grupos inimigos, condenando-o assim à morte. A pena da “Vingança de Sangue” era aplicada quando a vítima pertencia a um determinado grupo social que, para se vingar do crime cometido, lutava contra o grupo agressor, iniciando-se assim verdadeira guerra grupal.
Nesse último tipo de pena é possível observar um esboço de racionalização da pena que, no entanto, ainda era pautada na crueldade e desproporcionalidade, baseada quase que integralmente no sofrimento físico.
Surge então, no Direito Penal, a Lei do Talião, representado pelo brocardo “olho por olho, dente por dente”. Referido instituto consagrou o princípio da proporcionalidade e equivalência entre o crime cometido e a reação da pena. Todavia, esta ainda não era a solução adequada para o direito de punir, já que, com o passar do tempo, notória parte da população passou a sofrer as consequências da violência empregada, com perda de membros, sentido, função e invalidez.
Desta forma, a Lei do Talião evoluiu para o sistema da Composição, no qual a vítima possui a liberdade de vender o seu direito de vingança. Surge o costume de substituir o ofensor por um escravo, a fim de poupar a integridade física do verdadeiro ofensor.[3]
O valor referente à composição era proporcional à “dignidade” da família da vítima.
Inicialmente, apenas a vítima e sua família recebiam o valor devido, restando à comunidade receber o valor apenas na falta de parentes que a pudessem reclamar. Posteriormente, surge a figura do Fredum, consistente em parte da Composição destinado à comunidade, podendo ser em metade ou um terço do valor total.[4]
As principais codificações desse período foram: Código de Hammurabi (Babilônia), Exôdo (Hebreus) Pentateuco, Lei das XII Tábuas (Roma) e outras.
Podemos observar a Composição no ordenamento jurídico brasileiro atual na Lei 9.099 de 1995, na audiência de composição.
1.3 Vingança Pública
No momento em que surgem as primeiras noções de Estado, ainda que primitivas, comprova-se que a vingança privada, a de sangue e as demais formas de punição anteriores perturbam a paz a sociedade ocasionam em desordem, fato que legitima a intervenção do Estado nos conflitos.
A repressão penal passa a ser aplicada para manter a paz pública, utilizando-se do terror e da intimidação na execução das penas. A fim de se proteger o Estado e o Soberano, surgem os delitos de lesa-majestade, apenados com leis mais severas e cruéis. Também buscava-se punir duramente os crimes de homicídio, lesões corporais, contra a honra, propriedade e fatos como magia e feitiçaria.
A pena, em alguns casos, transcendia a pessoa do acusado e atingia sua família, fazendo com que deus descendentes já nascessem sem diversos direitos. A desigualdade na aplicação da pena era evidente, pois os nobres recebiam as penas mais brandas, enquanto os plebeus e servos eram punidos mais severamente.
No mesmo sentido, existia total arbitrariedade na aplicação da pena, visto que os juízes e tribunais podiam impor penas não previstas em lei e considerar fatos não apenados como criminosos.
2 ORIENTE MÉDIO
2.1 CHINA
O Direito, nesta localidade, possuía um caráter sagrado e as penas terrestres eram consideras como além da vida, ou seja, ultratumba.
O livro das Cinco Penas consagrava o talião e a vingança divina e apena de morte era executada em público, a fim de servir de exemplo e purificação.
2.2 ÍNDIA
O Código de Manu era um dos códigos mais detalhados e completos da antiguidade, especialmente no que diz respeito à aplicação da pena.
Para esta cultura, todos os indivíduos descendem do deus Brahma, e, como consequência, cada casta se origina de uma parte do seu corpo. O rei era tipo como delegado do deus Brahma e o procedimento criminal era, portanto, um rito religioso.
Em que pese as penas serem cruéis, o talião era desconhecido.
2.3 ASSÍRIA
O Código de Hamurabi, contrariando a tendência da época, é uma legislação que se afasta de preceitos sagrados e religiosos, assim como pouco menciona a vingança.
Em contrapartida, possui imenso envolvimento com o Talião.[5] Um dos aspectos nos quais se demonstra mais detalhado em tecnicidade é na distinção entre delitos voluntários, negligentes e de caso fortuito. Os delitos voluntários seriam aqueles dolosos, enquanto os negligentes são os culposos. Os delitos de caso fortuito, por fim, são aqueles que independem da vontade humana.
Essa distinção é um avanço considerável para a época, pois reveste de importância a intencionalidade do agente.
2.4 ISRAEL
Destacam-se no Direito Penal antigo israelense o Pentateuco e os primeiros cinco livros do Antigo Testamento. As normas penais encontram-se principalmente no Êxodo, Levítico e Deuteronômio.
A legislação é pautada por intenso clamor religioso, sendo o poder de castigar uma delegação do poder divino, cabendo aos sacerdotes exercer esse papel. Os crimes são equiparados ao pecadoe dividiam-se em cinco grupos: contra a divindade; contra seus semelhantes; contra a honestidade; contra o patrimônio; contra a honra.[6]
2.5 EGITO
As leis egípcias, resguardadas em monumentos, papiros e esteiras, encontravam-se em documentos chamados de Livros Sagrados ou Livro dos Profetas. Sua legislação contava com enorme carga teológica, de modo que acreditava-se que o direito de castigar era fornecido ao sacerdote por delegação de Deus. A sociedade era politeísta e atribuía teor sagrado a determinados animais.
As penas eram extremamente cruéis e recaiam sobre a parte do corpo utilizada para cometer o delito. A medida da pena era o talião simbólico. Os crimes contra o Faraó e seus familiares eram considerados crimes de lesa-divindade.
Existiam diversos tribunais, o que propiciou um notório desenvolvimento da organização judicial. No entanto, diante da existência de classes distintas e da imobilidade social, os critérios de justiça eram aplicados de forma diferenciada, o que resultava no privilégio de determinadas classes sociais.[7]
2.6 PÉRSIA
O Direito Penal Persa apresenta duas fases distintas entre si. A primeira fase, remota, tem como base a vingança e o talião, e estende-se até o surgimento do islamismo no século XI. A segunda fase compreendia toda infração contra o soberano e, por ser ele mesmo o aplicador da pena, estas eram extremamente vingativas e cruéis. Exemplo deste tipo de pena é o escaffismo, no qual o infrator ficava preso entre duas canoas e era jogado mel em seu rosto, que, exposto ao sol, ficava coberto de moscas e formigas. No meio de seus próprios excrementos surgiam vermes que iam devorando o corpo do malfeitor.
3 CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, é possível verificar que o direito encontra, desde os tempos primórdios, relação intrínseca com a sociedade na qual está inserido, incorporando e refletindo suas crenças, costumes e culturas.
Ainda que sem um ordenamento jurídico positivado e sistematizado, a relação entre os indivíduos e grupos sociais sempre baseou-se nas normas estabelecidas pela sociedade a qual pertenciam.

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