Baixe o app para aproveitar ainda mais
Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
ARTIGO 3 – COMPLIANCE Com as constantes crises de corrupções e os escândalos envolvendo grandes corporações e órgãos das diversas esferas dos Governos, surge a necessidade de se estabelecer formas e procedimentos para se evitar ou “prevenir” os mais diversos golpes, desvios e outras práticas de fraudes. Entre as novidades, verificou-se que a palavra de ordem é, agora, “prevenção”, isto é, prevenção dos riscos, e não mais, apenas, repressão. Nesse contexto, surge o compliance, que, no sentido a ser trabalhado neste estudo, diz respeito ao cumprimento prévio das normas, pelas empresas, a fim de evitar a sanção. Na recente Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, há previsão expressa referente à existência do compliance, na empresa, enquanto parâmetro a ser considerado na aplicação das sanções previstas. Em face do quadro sumariamente desenhado, conforme se apresentará na sequência, o artigo tem como objetivo geral, justamente, analisar a importância do compliance, na perspectiva do Direito Penal Econômico e no contexto da sociedade de risco, para a efetivação de medidas anticorrupção. Entre os objetivos específicos, busca-se conceituar a sociedade de risco e estudar os seus principais elementos característicos; localizar o compliance no contexto dessa sociedade e da expansão do Direito Penal, abordando seu conceito, características e problemáticas pertinentes; e apresentar a Lei n. 12.846/2013, tratando dos seus principais elementos e verificando os aspectos mais relevantes sobre o compliance no bojo do referido diploma normativo. O método de abordagem utilizado neste artigo é o dedutivo, uma vez que parte de premissas maiores – o estudo da sociedade do risco, da expansão do Direito Penal e do compliance – e chega ao estudo do caso concreto na terceira parte – a aplicação dos conhecimentos teóricos em face de um diploma legal: a Lei n. 12.846/2013. Cabe salientar que a escolha e o estudo do tema se justificam por sua evidente atualidade e relevância dos assuntos tratados, especialmente do conteúdo normativo da Lei n. 12.846/2013, bem como por conta da pouca exploração da temática, nos termos aqui definidos, pela literatura especializada. Acredita-se que, com o desenvolvimento do tema, será possível contribuir para o aperfeiçoamento do papel do Direito Penal, no sentido de não apenas reprimir condutas e ressocializar indivíduos, como tradicionalmente foi compreendido, mas também de prevenir e diminuir o risco contra violações de bens jurídicos. Cada vez mais frequente na mídia, observam-se escândalos envolvendo fraudes e corrupção em organizações públicas e privadas. Além de motivos éticos e culturais, pode-se dizer que tais situações normalmente acontecem devido à fraqueza nos controles internos, que cria uma atmosfera na qual o fraudador acredita ter êxito sem ser descoberto. O que pode contribuir para essa situação é a velocidade das mudanças no ambiente organizacional e o fato de os controles internos não conseguirem acompanhar com a mesma velocidade, o que aumenta o potencial das práticas de atos ilícitos. Por outro lado, o avanço da tecnologia também contribuiu para a informatização, possibilitando benefícios e facilidades na detecção das fraudes. Nesse contexto, se fraudes podem gerar perdas na organização, estas devem enfrentar o risco, isto é, qualquer ameaça que um evento ou ação, interna ou externa, dificulte ou impeça a organização de atingir seus objetivos. Desse modo, uma das tentativas de atenuar este risco é a utilização de ferramentas de compliance, cujo sentido geral é agir de acordo com uma regra, um pedido, um comando, ou seja, é o dever de cumprir, estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e externos impostos às atividades da organização (SANTOS, 2011). Este conceito surgiu inicialmente em instituições financeiras, que sentiram a necessidade de alinhar seus processos, assegurar o cumprimento de normas e procedimentos e, principalmente, preservar sua imagem perante o mercado. A partir da Resolução nº 2.554/98 emitida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), elas passaram a ter o dever de colaborar com as investigações de lavagem de dinheiro e de criar sistemas de controles internos para prevenir condutas que possam colocar em risco a integridade do sistema financeiro. Depois, surgiu também a necessidade pelos empresários, que passaram a ser investigados e processados criminalmente, de realizar a prevenção criminal de suas atividades. O interesse pelo tema no Brasil ainda é incipiente e tem sido compreendido apenas como parte da implementação das boas práticas da governança corporativa. Neste caso, compliance é entendido como um “mandamento ético”, o qual deveria melhorar o comportamento da organização com os stakeholders e com o mercado. Em termos gerais, o compliance pode ser confundido com auditoria interna, jurídico e controles internos das organizações. Assim como a área de compliance, a auditoria é um importante pilar da governança corporativa, promovendo o fortalecimento o sistema de controles internos da instituição. Com relação à área jurídica, sua atuação é mais voltada para verificar quais leis são aplicáveis para as condutas e atividades da organização. Já os controles internos, são resumidamente formados pelas políticas, procedimentos e normas que fazem parte do ambiente organizacional. Nesse contexto, a partir do entendimento da missão atribuída à função do compliance, as organizações poderão determinar o seu escopo e o seu âmbito de atuação de forma mais eficiente. Sendo assim, este trabalho justifica-se principalmente pelo fato de poder esclarecer esses conceitos e evitar conflitos de interesse e sobreposições indevidas sobre o termo, com outras áreas que são aliadas e semelhantes ao compliance, como por exemplo, o jurídico, controles internos e gestão de riscos. Além disso, partindo da premissa que o profissional de compliance possui uma função determinante e influente para a prevenção de prejuízos organizacionais, fraudes e escândalos financeiros, entre outros, justifica-se a realização deste estudo, para incrementar discussões e debates e disseminar o assunto não só no campo organizacional, mas também acadêmico. Portanto, as reflexões deste trabalho poderão despertar interesse a outros pesquisadores e incentivar pesquisas futuras, tanto na área de Administração como de Secretariado Executivo. SURGIMENTO DO COMPLIANCE NO BRASIL No Brasil, desde 09/1998, com a publicação da Resolução no 2.554 do Banco Central do Brasil (Bacen), incorporaram-se aqui as regras trazidas da Europa (Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária, 1975), e dos Estados Unidos da América (SEC – Securities and Exchange Commission, 1934), onde já existia a filosofia compliance. Pouco antes, em 1997 o Comitê da Basiléia, do qual o Brasil participa, havia lançado princıṕios para uma “supervisão bancária eficaz” (Core Principles for Effective Banking Supervision), os quais deveriam ser aplicados por todos os integrantes daquele órgão de cooperação e supervisão bancária internacional. E em 03/1998 fora publicada no Brasil a Lei no 9.613/98, conhecida como a Lei de Combate aos Crimes de “Lavagem” de Dinheiro. Além da sua importância penal, a nova lei cuidou de criar entre nós o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – órgão da administração pública federal, no âmbito do Ministério da Fazenda, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilıćitas. Na Lei no 9.613/98 e nos princıṕios do Comitê da Basiléia podemos encontrar, portanto, a gênese da Resolução no 2.554/98, que obrigou os bancos brasileiros a criar estruturas e mecanismos efetivos de controles internos e de riscos. No campo prático, o cumprimento das obrigações impostas na resolução mostrou-se uma tarefa desafiadora. Num primeiro momento (anos 1999/2000), as instituições financeiras foram obrigadas a criar em seus organogramas áreas especı́ficas de compliance, capacitando os responsáveis por referidas áreas. Foram elaborados então códigos de ética, cartilhas de conduta no atendimento aos clientes, treinamentos em agências, análise matricial de riscos operacionais e de mercado, entre outras tarefas. Sem falar na inauguração de uma nova era cultural sempre voltada para a ética e para a completa atenção à conformidade de todos os atos e contratos às leis e demais normas aplicáveis ao ramo de atividade financeira. Tem-se, pois, que o conceito, a noção e mesmo a existência da área especıf́ica de compliance no sistema financeiro brasileiro ocorreu 14 anos antes da entrada em vigor da Lei Anticorrupção. Portanto, nada de novo no conceito de compliance hoje se observa, ainda que agora aplicado a um leque muito mais vasto atividades e com técnicas mais novas. Também outras empresas, fora do segmento financeiro, foram paulatinamente incorporando em suas estruturas pessoas responsáveis pelo compliance, mesmo antes da Lei no 12.846/13. O que não havia antes de 2014 em relação ao compliance, e isto sim vem com razão despertando o interesse do empresariado brasileiro, são os benefıćios que podem ser obtidos com a implementação daquela cultura ética e de controles internos (pois as sanções poderão ser menores se a empresa estiver cumprindo aquele novo paradigma de comportamento). Está prevista na Lei Anticorrupção uma espécie de análise da conduta social e da “personalidade” da empresa, método que o legislador de 2013 optou em quase simetria ao sistema de aplicação de sanções do art. 59 do Código Penal. Dito de outra forma, quanto mais ética e em conformidade às leis e regulamentos estiver de fato a empresa, menor poderá ser a sanção a ela imposta. Ademais, aliado ao fator legislativo, contribuıŕam para a expansão do compliance, infelizmente, os escândalos ético/polıt́icos pelos quais o Brasil vem atravessando. Leia- se aqui, sobretudo, operação Lava-jato, dentre outras conduzidas pela Polıćia Federal e pelo Ministério Público Federal, sob o crivo do Judiciário. Assim, estamos experimentando o bem-vindo aumento em progressão geométrica da implantação das áreas de compliance nas empresas brasileiras, surgindo então grandes oportunidades para profissionais capacitados.
Compartilhar