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29/05/2008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. AYRES BRITTO REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA REQDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO REQDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL INTDO.(A/S) : CONECTAS DIREITOS HUMANOS INTDO.(A/S) : CENTRO DE DIREITO HUMANOS - CDH ADV.(A/S) : ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTROS INTDO.(A/S) : MOVIMENTO EM PROL DA VIDA - MOVITAE ADV.(A/S) : LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO INTDO.(A/S) : ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADV.(A/S) : DONNE PISCO E OUTROS ADV.(A/S) : JOELSON DIAS INTDO.(A/S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB ADV.(A/S) : IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5a DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA) . PESQUISAS COM CÉLULAS- TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. I - O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE *jp ADI 3.510 / DF CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA. As "células-tronco embrionárias" são células contidas num agrupamento de outras, encontradiças em cada embrião humano de até 14 dias (outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de blastocisto, ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino). Embriões a que se chega por efeito de manipulação humana em ambiente extracorpóreo, porquanto produzidos laboratorialmente ou "in vitro", e não espontaneamente ou "in vida". Não cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa com células-tronco adultas e aquela incidente sobre células-tronco embrionárias. A certeza científico-tecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalida o outro, pois ambos são mutuamente complementares. II - LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS E O CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. A pesquisa científica com células-tronco embrionárias, autorizada pela Lei n° 11.105/2005, objetiva o enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que severamente limitam, atormentam, infelicitam, desesperam e não raras vezes degradam a vida de expressivo contingente populacional {ilustrativamente, atrofias espinhais progressivas, distrofias musculares, a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica, as neuropatías e as doenças do neurônio motor). A escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião "in vitro", porém a mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio. Isto no âmbito de um ordenamento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica "a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça" como valores supremos de uma sociedade mais que tudo "fraterna". O que já ADI 3.510 / DF significa incorporar o advento do constitucionalismo fraternal às relações humanas, a traduzir verdadeira comunhão de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade em benefício da saúde e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria natureza. Contexto de solidária, compassiva ou fraternal legalidade que, longe de traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões "in vitro", significa apreço e reverência a criaturas humanas que sofrem e se desesperam. Inexistência de ofensas ao direito à vida e da dignidade da pessoa humana, pois a pesquisa com células-tronco embrionárias (inviáveis biologicamente ou para os fins a que se destinam) significa a celebração solidária da vida e alento aos que se acham à margem do exercício concreto e inalienável dos direitos à felicidade e do viver com dignidade (Ministro Celso de Mello). III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional"). E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para ADI 3.510 / DF se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança ( "in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição. IV - AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO NÃO CARACTERIZAM ABORTO. MATÉRIA ESTRANHA À PRESENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. É constitucional a proposição de que toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano, claro, mas nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana, em se tratando de experimento "in vitro". Situação em que deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino. O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado "in vitro" é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva. Isto sem prejuízo do reconhecimento de que o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra-corporalmente cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano. Não, porém, ser humano em estado de embrião. A Lei de Biossegurança não veicula autorização para ADI 3.510 / DF extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião. Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não se cuida de interromper gravidez humana, pois dela aqui não se pode cogitar. A "controvérsia constitucional em exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto." (Ministro Celso de Mello). V - OS DIREITOSFUNDAMENTAIS À AUTONOMIA DA VONTADE, AO PLANEJAMENTO FAMILIAR E À MATERNIDADE. A decisão por uma descendência ou filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição rotula como "direito ao planejamento familiar", fundamentado este nos princípios igualmente constitucionais da "dignidade da pessoa humana" e da "paternidade responsável". A conjugação constitucional da laicidade do Estado e do primado da autonomia da vontade privada, nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa. A opção do casal por um processo "in vitro" de fecundação artificial de óvulos é implícito direito de idêntica matriz constitucional, sem acarretar para esse casal o dever jurídico do aproveitamento reprodutivo de todos os embriões eventualmente formados e que se revelem geneticamente viáveis. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana opera por modo binário, o que propicia a base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou "in vitro". De uma parte, para aquinhoar o casal com o direito público subjetivo à "liberdade" (preâmbulo da Constituição e seu art. 5º) , aqui entendida como autonomia de vontade. De outra banda, para contemplar os porvindouros componentes da unidade familiar, se por eles optar o casal, com planejadas condições de bem-estar e assistência físico-afetiva (art. 226 da CF) . Mais exatamente, planejamento familiar que, "fruto da livre decisão do casal", é "fundado nos princípios da dignidade da pessoa ADI 3.510 / DF humana e da paternidade responsável" (§ 7º desse emblemático artigo constitucional de nº 226). 0 recurso a processos de fertilização artificial não implica o dever da tentativa de nidação no corpo da mulher de todos os óvulos afinal fecundados. Não existe tal dever (inciso II do art. 5a da CF), porque incompatível com o próprio instituto do "planejamento familiar" na citada perspectiva da "paternidade responsável". Imposição, além do mais, que implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante, em contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art. 5a da Constituição. Para que ao embrião "in vitro" fosse reconhecido o pleno direito à vida, necessário seria reconhecer a ele o direito a um útero. Proposição não autorizada pela Constituição. VI - DIREITO À SAÚDE COMO COROLÁRIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA. O § 4º do art. 199 da Constituição, versante sobre pesquisas com substâncias humanas para fins terapêuticos, faz parte da seção normativa dedicada à "SAÚDE" (Seção II do Capítulo II do Título VIII). Direito à saúde, positivado como um dos primeiros dos direitos sociais de natureza fundamental (art. 6º da CF) e também como o primeiro dos direitos constitutivos da seguridade social (cabeça do artigo constitucional de nº 194). Saúde que é "direito de todos e dever do Estado" (caput do art. 196 da Constituição), garantida mediante ações e serviços de pronto qualificados como "de relevância pública" (parte inicial do art. 197). A Lei de Biossegurança como instrumento de encontro do direito à saúde com a própria Ciência. No caso, ciências médicas, biológicas e correlatas, diretamente postas pela Constituição a serviço desse bem inestimável do indivíduo que é a sua própria higidez físico-mental. VII - O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO CIENTÍFICA E A LEI DE BIOSSEGURANÇA COMO DENSIFICARÃO DESSA ADI 3.510 / DF LIBERDADE. O termo "ciência", enquanto atividade individual, faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana (inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade de expressão que se afigura como clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de personalidade. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica, até como signo de vida coletiva civilizada. Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado capítulo para prestigiá-la por modo superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra de que "O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas" (art. 218, caput) é de logo complementada com o preceito (§ 1º do mesmo art. 218) que autoriza a edição de normas como a constante do art. 5º da Lei de Biossegurança. A compatibilização da liberdade de expressão científica com os deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida para todos os indivíduos. Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal dota o bloco normativo posto no art. 5º da Lei 11.105/2005 do necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica (Ministra Cármen Lúcia). VIII - SUFICIÊNCIA DAS CAUTELAS E RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI DE BIOSSEGURANÇA NA CONDUÇÃO DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. A Lei de Biossegurança caracteriza-se como regração legal a salvo da mácula do açodamento, da insuficiência protetiva ou do vício da arbitrariedade em matéria tão religiosa, filosófica e eticamente sensível como a da biotecnologia na área da medicina e da genética humana. Trata-se de um conjunto normativo que parte do pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana, ou que tenha potencialidade para tanto. A Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas a que se ADI 3.510 / DF refere, mas nem por isso impede a facilitada exegese dos seus textos, pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas com o significado que elas portam no âmbito das ciências médicas e biológicas. IX - IMPROCEDENCIA DA AÇÃO. Afasta-se o uso da técnica de "interpretação conforme" para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de Biossegurança exuberância regratória, ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas com células-tronco embrionárias. Inexistência dos pressupostos para a aplicação da técnica da "interpretação conforme a Constituição", porquanto a norma impugnada não padece de polissemia ou de plurissignificatidade. Ação direta de inconstitucionalidade julgada totalmente improcedente. A C Ó R D à O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar improcedente a ação direta, o que fazem nos termos do voto do relator e por maioria de votos, em sessão presidida pelo Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas. Vencidos, parcialmente, em diferentes extensões, os Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e o Presidente. Brasília, 29 de maio de 2008. 05/03/2008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510 DISTRITO FEDERAL RELATOR : HIN. AYRES BRITTO REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA REQDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO REQDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL INTDO.(A/S) : CONECTAS DIREITOS HUMANOS INTDO.(A/S) : CENTRO DE DIREITO HUMANOS - CDH ADV. (A/S) : ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTROS INTDO. (A/S) : MOVIMENTO EM PROL DA VIDA - MOVITAE ADV.(A/S) : LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO INTDO.(A/S) : ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADV.(A/S) : DONNE PISCO E OUTROS ADV.(A/S) : JOELSON DIAS INTDO.(A/S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB ADV. (A/S) : IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS R E L A T Ó R I O O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (RELATOR) Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, tendo por alvo o artigo 5a da Lei Federal nº 11.105 ("Lei da Biossegurança") , de 24 de março de 2005. Artigo assim integralmente redigido:"Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis ; ou ADI 3.510 / DF II - sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997." 2. O a u t o r da ação argumenta que os d i s p o s i t i v o s impugnados c o n t r a r i a m "a inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana, e faz ruir fundamento maior do Estado democrático de direito, que radica na preservação da dignidade da pessoa humana" ( f l . 1 2 ) . 3 . Em seqüênc ia , o s u b s c r i t o r da p e t i ç ã o i n i c i a l s u s t e n t a que: a) "a v ida humana a c o n t e c e na, e a p a r t i r da, f ecundação" , desenvolvendo-se cont inuamente ; b) o z i g o t o , c o n s t i t u í d o po r uma ún ica c é l u l a , é um "ser humano embrionário"; c) é no momento da fecundação que a mulher engrav ida , acolhendo o z i g o t o e l h e ADI 3.510 / DF propiciando um ambiente próprio para o seu desenvolvimento; d) a pesquisa com células-tronco adultas é, objetiva e certamente, mais promissora do que a pesquisa com células-tronco embrionárias. 4. De sua parte, e em sede de informações (fls. 82/115), o Presidente da República defende a constitucionalidade do texto impugnado. Para tanto, acata, por inteiro, peça jurídica da autoria do professor e advogado público Rafaelo Abritta. Peça que também mereceu a irrestrita adesão do ministro Álvaro Augusto Ribeiro Costa, então Advogado Geral da União, e da qual extraio o seguinte e conclusivo trecho: "com fulcro no direito à saúde e no direito de livre expressão da atividade cientifica, a permissão para utilização de material embrionário, em vias de descarte, para fins de pesquisa e terapia, consubstancia-se em valores amparados constitucionalmente'' (fl. 115). A mesma conclusão, registre-se, a que chegou o Congresso Nacional em suas informações de fls. 221/245. 5. Não é, todavia, como pensa o atual Chefe do Ministério Público Federal, Dr. Antônio Fernando de Souza, que, atuando na condição de fiscal do Direito (custos juris), concluiu pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais sob a alça de mira da presente ação direta. Assim procedeu mediante aprovação de parecer da lavra do mesmo professor Cláudio Fonteles. ADI 3.510 / DF 6. Prossigo para anotar que admiti no processo, na posição de "amigos da Corte" (amici curiae), as seguintes entidades da sociedade civil brasileira: CONECTAS DIREITOS HUMANOS; CENTRO DE DIREITO HUMANOS - CDH; MOVIMENTO EM PROL DA VIDA - MOVITAE; INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO - ANIS, além da CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB. Entidades de saliente representatividade social e por isso mesmo postadas como subjetivação dos princípios constitucionais do pluralismo genericamente cultural (preâmbulo da Constituição) e especificamente político (inciso V do art. 1º da nossa Lei Maior). O que certamente contribuirá para o adensamento do teor de legitimidade da decisão a ser proferida na presente ADIN. Estou a dizer: decisão colegiada tão mais legítima quanto precedida da coleta de opiniões dos mais respeitáveis membros da comunidade científica brasileira, no tema. 7. Não é tudo. Convencido de que a matéria centralmente versada nesta ação direta de inconstitucionalidade é de tal relevância social que passa a dizer respeito a toda a humanidade, determinei a realização de audiência pública, esse notável mecanismo constitucional de democracia direta ou participativa. O que fiz por provocação do mesmíssimo professor Cláudio FonteLes e com base no § 1o do artigo 9º da Lei nº 9.868/99, mesmo sabendo que se tratava de ADI 3.510 / DF experiência i néd i t a em toda a t r a j e t ó r i a des te Supremo Tribunal Federal1 . Dando-se que, no dia e local adrede marcados, 22 (vinte e duas) das mais acatadas autoridades c i e n t í f i c a s b r a s i l e i r a s subiram à t r ibuna para d i scor re r sobre os temas agitados nas peças j u r í d i c a s de origem e desenvolvimento da ação cons t i tuc iona l que nos cabe j u lga r . Do que foi lavrada a extensa a ta de f l s . , devidamente reproduzida para o conhecimento dos senhores minis t ros desta nossa Corte Const i tucional e Suprema Ins tância J u d i c i á r i a . Reprodução que se fez acompanhar da gravação de sons e imagens de todo o desenrolar da audiência, cuja duração foi em torno de 8 horas . 8. Pois bem, da reprodução gráf ica , audi t iva e v i sua l dessa tão alongada quanto substanciosa audiência públ ica , o que a f ina l se percebe é a configuração de duas n í t i d a s cor ren tes de opinião. Correntes que assim me parecem del ineadas: I - uma, deixando de reconhecer às cé lu las - t ronco embrionárias v i r tua l idades , ao menos para f ins de t e r ap i a humana, superiores às das cé lu las- t ronco adu l t a s . Mesma corrente que a t r i b u i ao embrião uma progressiva função de 1 Ar t . 9 º , § 1º da Lei nº 9.868/99 - "Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria". ADI 3.510 / DF auto-constitutividade que o torna protagonista central do seu processo de hominização, se comparado com o útero feminino (cujo papel é de coadjuvante, na condição de habitat, ninho ou ambiente daquele, além de fonte supridora de alimento). Argumentando, sobremais, que a retirada das células-tronco de um determinado embrião in vitro destrói a unidade, o personalizado conjunto celular em que ele consiste. O que já corresponde à prática de um mal disfarçado aborto, pois até mesmo no produto da concepção em laboratório já existe uma criatura ou organismo humano que é de ser visto como se fosse aquele que surge e se desenvolve no corpo da mulher gestante. Criatura ou organismo, ressalte-se, que não irrompe como um simples projeto ou u'a mera promessa de pessoa humana, somente existente de fato quando ultimados, com êxito, os trabalho de parto. Não! Para esse bloco de pensamento (estou a interpretá-lo), a pessoa humana é mais que individualidade protraída ou adiada para o marco factual do parto feminino. A pessoa humana em sua individualidade genética e especificidade ôntica já existe no próprio instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino. Coincidindo, então, concepção e personalidade (qualidade de quem é pessoa), pouco importando o processo ADI 3.510 / DF em que tal concepção ocorra: se artificial ou in vitro, se natural ou in vida. 0 que se diferencia em tema de configuração da pessoa humana é tão-somenteuma quadra existencial da outra. Isto porque a primeira quadra se inicia com a concepção e dura enquanto durar a gestação feminina, compreendida esta como um processo contínuo, porque abrangente de todas as fases de vida humana pré- natal. A segunda quadra, a começar quando termina o parto (desde que realizado com êxito, já dissemos, porque aí já se tem um ser humano nativivo) . Mas em ambos os estádios ou etapas do processo a pessoa humana já existe e é merecedora da mesma atenção, da mesma reverência, da mesma proteção jurídica. Numa síntese, a idéia do zigoto ou óvulo feminino já fecundado como simples embrião de uma pessoa humana é reducionista, porque o certo mesmo é vê-lo como um ser humano embrionário. Uma pessoa no seu estádio de embrião, portanto, e não um embrião a caminho de ser pessoa. II - a outra corrente de opinião é a que investe, entusiasticamente, nos experimentos científicos com células-tronco extraídas ou retiradas de embriões humanos. Células tidas como de maior plasticidade ou superior versatilidade para se transformar em todos ou quase todos ADI 3.510 / DF os tecidos humanos, substituindo-os ou regenerando-os nos respectivos órgãos e sistemas. Espécie de apogeu da investigação biológica e da terapia humana, descortinando um futuro de intenso brilho para os justos anseios de qualidade e duração da vida humana. Bloco de pensamento que não padece de dores morais ou de incômodos de consciência, porque, para ele, o embrião in vitro é uma realidade do mundo do ser, algo vivo, sim, que se põe como o lógico início da vida humana, mas nem em tudo e por tudo igual ao embrião que irrompe e evolui nas entranhas de u'a mulher. Sendo que mesmo a evolução desse último tipo de embrião ou zigoto para o estado de feto somente alcança a dimensão das incipientes características físicas e neurais da pessoa humana com a meticulosa colaboração do útero e do tempo. Não no instante puro e simples da concepção, abruptamente, mas por uma engenhosa metamorfose ou laboriosa parceria do embrião, do útero e do correr dos dias. O útero passando a liderar todo o complexo processo de gradual conformação de urna nova individualidade antropomórfica, com seus desdobramentos ético-espirituais; valendo-se ele, útero feminino (é a leitura que faço nas entrelinhas das explanações em foco), de sua tão mais antiga quanto insondável experiência afetivo-racional com o cérebro da ADI 3.510 / DF gestante. Quiçá com o próprio cosmo, que subjacente à cientificidade das observações acerca do papel de liderança do útero materno transparece como que uma aura de exaltação da mulher - e principalmente da mulher-mãe ou em vias de sê-lo - como portadora de um sexto sentido existencial já situado nos domínios do inefável ou do indizível. Domínios que a própria Ciência parece condenada a nem confirmar nem desconfirmar, porque já pertencentes àquela esfera ôntica de que o gênio de William Shakespeare procurou dar conta com a célebre sentença de que "Entre o céu e a terra há muito mais coisa do que supõe a nossa vã filosofia" (Hamlet, anos de 1600/1601, Ato I, Cena V). 9. Para ilustrar melhor essa dicotomia de visão dos temas que nos cabe examinar à luz do Direito, especialmente do Direito Constitucional brasileiro, transcrevo parte da explanação de duas das referidas autoridades que pessoalmente assomaram à tribuna por ocasião da sobredita audiência pública: a Drª Mayana Zatz, professora de genética da Universidade de São Paulo, e a Drª Lenise Aparecida Martins Garcia, professora do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília. Disse a primeira cientista: "Pesquisar células embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto. É muito importante ADI 3.510 / DF que isso fique bem claro. No aborto, temos uma vida no útero que só será interrompida por intervenção humana, enquanto que, no embrião congelado, não há vida se não houver intervenção humana. É preciso haver intervenção humana para a formação do embrião, porque aquele casal não conseguiu ter um embrião por fertilização natural e também para inserir no útero. E esses embriões nunca serão inseridos no útero. É muito importante que se entenda a d i f e r e n ç a " . 10. J á a Drª Lenise Garc ia , são de Sua Exce lênc ia as s e g u i n t e s p a l a v r a s : "Nosso grupo traz o embasamento científico para afirmarmos gue a vida humana começa na fecundação, tal como está colocado na solicitação da Procuradoria. (...) Já estão definidas, aí, as características genéticas desse indivíduo; já está definido se é homem ou mulher nesse primeiro momento (...). Tudo já está definido, neste primeiro momento da fecundação. Já estão definidas eventuais doenças genéticas (...). Também já estarão aí as tendências herdadas: o dom para a música, pintura, poesia. Tudo já está ali na primeira célula formada. O zigoto de Mozart já tinha dom para a música e Drummond, para a poesia. Tudo já está lá. É um ser humano irrepetível". 1 1 . À d e r r a d e i r a , confirmo o que j á e s t a v a supos to na marcação da aud iênc ia em que e s t e Supremo Tr ibuna l Federa l a b r i u suas p o r t a s para d i a l o g a r com c i e n t i s t a s não p e r t e n c e n t e s à á r ea j u r í d i c a : o ADI 3.510 / DF tema central da presente ADIN é salientemente multidisciplinar, na medida em que objeto de estudo de numerosos setores do saber humano formal, como o Direito, a filosofia, a religião, a ética, a antropologia e as ciências médicas e biológicas, notadamente a genética e a embriologia; suscitando, vimos, debates tão subjetivamente empenhados quanto objetivamente valiosos, porém de conclusões descoincidentes não só de um para outro ramo de conhecimento como no próprio interior de cada um deles. Mas debates vocalizados, registre-se, em arejada atmosfera de urbanidade e uníssono reconhecimento da intrínseca dignidade da vida em qualquer dos seus estádios. Inequívoca demonstração da unidade de formação humanitária de todos quantos acorreram ao chamamento deste Supremo Tribunal Federal para colaborar na prolação de um julgado que, seja qual for o seu conteúdo, se revestirá de caráter histórico. Isto pela envergadura multiplamente constitucional do tema e seu mais vivo interesse pelos meios científicos de todo o mundo, desde 1998, ano em que a equipe do biólogo norte-americano James Thomson isolou pela primeira vez células- tronco embrionárias, conseguindo cultivá-las em laboratório. 12. É o relatório. 05/03/2008 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (Relator) De partida, assento a legitimidade do Procurador Geral da República para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade, porque tal legitimidade processual ativa procede da melhor fonte de positividade: a Constituição Federal, pelo inciso VI do seu art. 103. Como também consigno a adequação da via eleita, por se tratar de pedido que põe em suposta situação de incompatibilidade vertical com a Magna Carta dispositivos genéricos, impessoais e abstratos de lei federal. O que provoca a incidência da parte inicial da alínea a do inciso I do art. 102 da Constituição. 14. No mérito, e conforme relatado, a presente ação direta de inconstitucionalidade é manejada para se contrapor a todos os dispositivos do art. 5ª Lei Federal nº. 11.105, de 24 de março de 2005, popularizada como "Lei de Biossegurança". Dispositivos que torno a transcrever para um mais demorado passar de olhos sobre as suas questionadas inovações. Ei-los: "Art. 5º É permitida, para fins de pesquisae terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis; ou II - sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997" ("Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano: pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa"). " 15 . Vê-se , e n t ã o , que os t e x t o s normat ivos em causa se d i s t r i b u e m por q u a t r o i n d i v i d u a l i z a d o s r e l a t o s ou núc leos d e ô n t i c o s , a s a b e r : I - a parte inicial do artigo, autorizando, para fins de pesquisa científica e tratamento médico, o uso de uma tipologia de células humanas: as "células-tronco embrionárias"; que são células contidas num agrupamento de outras, encontradiças em cada embrião humano de até 14 dias (opinião que não é unânime, porque outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de blastocito, ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino ) . Mas embriões a que se chega por efeito de manipulação humana, porquanto produzidos laboratorialmente ou in vitro, e não espontaneamente ou in vida. Noutro falar, embriões que resultam do processo tecnológico de retirada de óvulos do corpo feminino (assim multiplamente produzidos por efeito de injeção de hormônios) para, já em ambiente extra- corpóreo, submetê-los a penetração por espermatozóides masculinos. Mais ainda, pesquisa científica e terapia humana em paralelo àquelas que se vêm fazendo com células- tronco adultas, na perspectiva da descoberta de mais eficazes meios de cura de graves doenças e traumas do ser humano. Meios que a literatura especializada estuda e comenta por esta forma: "0 principal foco atual de interesse da terapia celular é a medicina regenerativa, em que se busca a substituição de células ou tecidos lesados, senescentes ou perdidos, para restaurar sua função. Isso explica a atenção que desperta, porque as moléstias que são alvos desses tratamentos constituem causas de morte e de morbidade das sociedades modernas, como as doenças cardíacas, diabete melito, câncer, pneumopatias e doenças genéticas"1; II - a parte final do mesmo artigo 5º, mais os seus incisos de I a II e § 1º, estabelecendo as seguintes e cumulativas condições para o efetivo desencadear das citadas pesquisas com células-tronco embrionárias: a) o não-aproveitamento para fim reprodutivo (por livre decisão do casal, óbvio) de qualquer dos embriões empiricamente viáveis; b) a empírica não-viabilidade desse ou daquele embrião enquanto matéria-prima da reprodução humana (como explica a antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, "0 diagnóstico de inviabilidade do embrião constitui procedimento médico seguro e atesta a impossibilidade de o embrião se desenvolver. Mesmo que um embrião inviável venha a ser transferido para um útero, não se desenvolverá em uma futura criança. 0 único destino possível para eles 1 Texto de Marco Antonio Zago, inserido na coletânea "Células-tronco, a nova é o congelamento permanente, o descarte ou a pesquisa científica"²) ; c) que se trate de embriões congelados há pelo menos 3 anos da data da publicação da lei, ou que, já efetivamente congelados nessa data, venham a complementar aquele mesmo tempo de 3 anos. Marco temporal em que se dá por finda - interpreto - quer a disposição do casal para o aproveitamento reprodutivo do material biológico até então mantido in vitro, quer a obrigação do respectivo armazenamento pelas clínicas de fertilização artificial, quer, enfim, a certeza da íntegra permanência das qualidades biológico-reprodutivas dos embriões em estado de congelamento; d) o consentimento do casal-doador para que o material genético dele advindo seja deslocado da sua originária destinação procriadora para as investigações de natureza científica e finalidade terapêutico-humana; III - o obrigatório encaminhamento de todos os projetos do gênero para exame de mérito por parte dos competentes comitês de ética e pesquisa, medida que se revela como um nítido compromisso da lei com exigências de caráter bioético. Mas encaminhamento a ser feito pelos serviços de saúde e instituições de pesquisas, justamente, com fronteira da medicina", Atheneu editora, p. 110, ano de 2006. 2 Em "O STF e as células-tronco", jornal "Correio Braziliense", coluna "Opinião", edição de 29 de fevereiro de 2008). células-tronco embrionárias, o que redunda na formação também obrigatória de um tão específico quanto controlado banco de dados. Banco, esse, inibidor do aleatório descarte do material biológico não utilizado nem reclamado pelos respectivos doadores; IV - por último, a proibição de toda espécie de comercialização do material coletado, cujo desrespeito é equiparado ao crime de "Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano" (art. 15, caput, da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997). Vedação que também ostenta uma clara finalidade ética ou de submissão da própria Ciência a imperativos dessa nova ramificação da filosofia, que é a bioética, e dessa mais recente disciplina jurídica em que se constitui o chamado "biodireito" (ver, no particular, o livro "Reprodução Assistida - Aspectos do Biodireito e da Bioética", da autoria de Roberto Wider, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Lúmen Júris Editora, ano de 2007). 16. Daqui se infere - é a minha leitura - cuidar-se de regração legal a salvo da mácula do açodamento ou dos vícios da esdruxularia e da arbitrariedade em matéria tão religiosa, filosófica e eticamente sensível como a da biotecnologia na área da medicina e da genét ica humana. Ao inverso, penso t r a t a r - s e de um conjunto normativo que pa r t e do pressuposto da i n t r í n s e c a dignidade de toda forma de vida humana, ou que tenha potenc ia l idade para t an to , ainda que assumida ou configurada do lado de fora do corpo feminino (caso do embrião in v i t ro ) . Noutro d izer , o que se tem no a r t . 5º da Lei de Biossegurança é todo um bem concatenado bloco normativo que, debaixo de e x p l í c i t a s , cumulativas e razoáveis condições de incidência , favorece a propulsão de l inhas de pesquisa c i e n t í f i c a das supostas propriedades t e rapêu t i cas de cé lu las ex t ra ídas dessa heterodoxa rea l idade que é o embrião humano ín vitro3. 17. Com mais c lareza , t a lvez : o que temos sob exame de val idade cons t i tuc iona l é todo um necessár io , adequado e proporcional conjunto de normas sobre a rea l ização de pesquisas no campo da medicina ce lu l a r ou regenerat iva , em p a r a l e l o àquelas que se vêm desenvolvendo com outras fontes de cé lu las - t ronco humanas (porém a d u l t a s ) , de queservem de amostra as s i tuadas no cordão umbi l ica l , no l íquido amniótico, na medula óssea, no sangue da menstruação, em cé lu las de gordura e a té mesmo na pe le ou epiderme ³ Lê-se em Luís Roberto Barroso que "A fe r t i l i zação in vitro é um método de reprodução a s s i s t i d a , destinado a superar a i n fe r t i l i dade conjugal. A fecundação é f e i t a em labora tór io , u t i l izando-se o sêmen doado e os óvulos obtidos mediante aspiração fo l i cu la r . A prá t ica médica consolidada é ret i rarem diversos óvulos para serem fecundados simultaneamente. Implantam-se de dois a t r ê s embriões fecundados no útero da mãe e o remanescente é congelado" (nota de rodapé da p . 2 do memorial assinado em data de 3 de março de 2008. ( a mais nova das descobertas, com potencialidades que se anuncia como próximas daquelas que são inerentes às células-tronco embrionárias, conforme se vê de ampla matéria que a Editora Três fez publicar na revista semanal "ISTO É" de nº 1987, ano 30, em data de 28 de novembro de 2007, pp. 90/94). Por conseguinte, linhas de pesquisa que não invalidam outras, porque a essas outras vêm se somar em prol do mesmo objetivo de enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que severamente limitam, atormentam, infelicitam, desesperam e não raras vezes degradam a vida de expressivo contingente populacional (ilustrativamente, atrofias espinhais progressivas, distrofias musculares, a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica, as reuropatias e as doenças do neurônio motor, além das precedentemente indicadas). Contingente em torno de 5 milhões, somente para contabilizar os "brasileiros que sofrem de algumas doenças genéticas graves", segundo dados levantados pela Revista Época, edição de 29 de abril de 2007, pp. 13/17. E quanto aos portadores de diabetes, em nosso País, a projeção do seu número varia de 10 a 15 milhões, segundo elementos que Luis Roberto Barroso (p. 9 de sua petição em nome da "MOVITAE - Movimento em Prol da Vida") aponta como oriundos da seguinte fonte: "Nardi, Doenças Genéticas: gênicas, cromossômicas, complexas, p. 209-226". 18. Ainda assim ponderadamente posto (a meu juízo), é todo esse bloco normativo do art. 5a da Lei de Biossegurança que se vê tachado de contrariar por modo frontal o Magno Texto Republicano. Entendimento que vai ao ponto de contrabater a própria abertura ou receptividade da lei para a tese de que as células-tronco embrionárias são dotadas de maior versatilidade para, orientadamente, em laboratório, "se converter em qualquer dos 216 tipos de célula do corpo humano" (revista Veja, Editora Abril, edição 2050 - ano 41 - nº9, p. 11), de sorte a mais eficazmente recompor a higidez da função de órgãos e sistemas da pessoa humana. Equivale a dizer: a presente ADIN consubstancia expressa reação até mesmo à abertura da Lei de Biossegurança para a idéia de que células-tronco embrionárias constituem tipologia celular que acena com melhores possibilidades de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais, em situações de anomalias ou graves incômodos genéticos, adquiridos, ou em conseqüência de acidentes. 19. Falo "pessoas físicas ou naturais", devo explicar, para abranger tão-somente aquelas que sobrevivem ao parto feminino e por isso mesmo contempladas com o atributo a que o art .2º do Código Civil Brasileiro chama de "personalidade civil", li t e r i s : "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Donde a interpretação de que é preciso vida pós-parto para o ganho de uma personalidade perante o Direito (teoria "natalista", portanto, em oposição às teorias da "personalidade condicional" e da "concepcionista"). Mas personalidade como predicado ou apanágio de quem é pessoa numa dimensão biográfica, mais que simplesmente biológica, segundo este preciso testemunho intelectual do publicista José Afonso da Silva: "Vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva (. . . ) "4. 20. Se é assim, ou seja, cogitando-se de personalidade numa dimensão biográfica, penso que se está a falar do indivíduo já empírica ou numericamente agregado à espécie animal-humana; isto é, já contabilizável como efetiva unidade ou exteriorizada parcela do gênero humano. Indivíduo, então, perceptível a olho nu e que tem sua história de vida incontornavelmente interativa. Múltipla e incessantemente relacional. Por isso que definido como membro dessa ou daquela sociedade civil e nominalizado sujeito perante o Direito. Sujeito que não precisa mais do que de sua própria faticidade como nativivo para instantaneamente se tornar um rematado centro de imputação jurídica. Logo, sujeito capaz de adquirir direitos em seu próprio nome, além de, preenchidas certas condições de tempo e de sanidade mental, também em nome próprio contrair voluntariamente obrigações e se pôr como endereçado de normas que já signifiquem imposição de "deveres", propriamente. 0 que só pode acontecer a partir do nascimento com vida, renove-se a proposição. 21. Com efeito, é para o indivíduo assim biograficamente qualificado que as leis dispõem sobre o seu nominalizado registro em cartório (cartório de registro civil das pessoas naturais) e lhe conferem uma nacionalidade. Indivíduo-pessoa, conseguintemente, a se dotar de toda uma gradativa formação moral e espiritual, esta última segundo uma cosmovisão não exatamente darwiniana ou evolutiva do ser humano, porém criacionista ou divina (prisma em que Deus é tido como a nascente e ao mesmo tempo a embocadura de toda a corrente de vida de qualquer dos personalizados seres humanos). Com o que se tem a seguinte e ainda provisória definição jurídica: vida humana já revestida do atributo da personal idade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte. 22. Avanço no raciocínio para assentar que essa reserva de personalidade civil ou biográfica para o nativivo em nada se contrapõe aos comandos da Constituição. É que a nossa Magna Carta não diz quando começa a vida humana. Não dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana pré-natal. Quando fala da "dignidade da pessoa 4 Em "Curso de Direito Constitucional Positivo", 20ª edição, p. 196, Malheiros humana" (inciso III do art. 1º), é da pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notarial, biográfico, moral e espiritual (o Estado é confessionalmente leigo, sem dúvida, mas há referência textual à figura de Deus no preâmbulo dela mesma, Constituição) . E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" (alínea b do inciso VII do art. 34), "livre exercício dos direitos (...) individuais" (inciso III do art. 85) e até dos "direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea (inciso IV do § 4a do art. 60), está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Gente. Alguém. De nacionalidade brasileira ou então estrangeira, mas sempre um ser humano já nascido e que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (art. 5º). Tanto é assim que ela mesma. Constituição, faz expresso uso do adjetivo "residentes" no País (não em útero materno e menos ainda em tubo de ensaio ou em "placa de Petri"), além de complementar a referência do seu art. 5º "aos brasileiros" para dizer que eles se alocam em duas categorias: a dos brasileiros natos(na explícita acepção de "nascidos", conforme as alíneas a, b e c do inciso I do art .12) e brasileiros naturalizados (a pressupor formal manifestação de vontade, a teor das alíneas a b do inciso II do mesmo art. 12). Editores, 2001. 23. Isto mesmo é de se dizer das vezes tantas em que o Magno Texto Republicano fala da "criança", como no art. 227 e seus §§ lº, 3º (inciso VII), 4º e 7º, porque o faz na invariável significação de indivíduo ou criatura humana que já conseguiu ultrapassar a fronteira da vida tão-somente intra-uterina. Assim como faz o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990), conforme este elucidativo texto: "Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade". Pelo que somente é tido como criança quem ainda não alcançou 12 anos de idade, a contar do primeiro dia de vida extra-uterina. Desconsiderado que fica todo o tempo em que se viveu em estado de embrião e feto. 24. Numa primeira síntese, então, é de se concluir que a Constituição Federal não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva e, nessa condição, dotada de compostura física ou natural. É como dizer: a inviolabilidade de que trata o artigo 5° é exclusivamente reportante a um já personalizado indivíduo (o inviolável é, para o Direito, o que o sagrado é para a religião). E como se trata de uma Constituição que sobre o início da vida humana é de um silêncio de morte (permito-me o trocadilho) , a questão não reside exatamente em se determinar o início da vida do homo sapiens, mas em saber que aspectos ou momentos dessa vida estão validamente protegidos pelo Direito infraconstitucional e em que medida. Precisamente como esclareceu Débora Diniz, na mencionada audiência pública, verbis: "Quando a vida humana tem início? O que é vida humana? Essas perguntas contêm um enunciado que remete à regressão infinita: as células humanas no óvulo antes da fecundação, assim como em um óvulo fecundado em um embrião, em um feto, em uma criança ou em um adulto. 0 ciclo interminável de geração da vida humana envolve células humanas e não humanas, a tal ponto que descrevemos o fenômeno biológico como reprodução, e não simplesmente como produção da vida humana, I s s o não impede que nosso ordenamento jurídico e moral possa reconhecer alguns estágios da Biologia humana como passíveis de maior proteção do que outros. É o caso, por exemplo, de um cadáver humano, protegido por nosso ordenamento. No entanto, não há como comparar as proteções jurídicas e éticas oferecidas a uma pessoa adulta com as de um cadáver. Portanto, considerar o marco da fecundação como suficiente para o reconhecimento do embrião como detentor de todas as proteções jurídicas e éticas disponíveis a alguém, após o nascimento, implica assumir que: primeiro, a fecundação expressaria não apenas um marco simbólico na reprodução humana, mas a r e s u m i r i a e u r i s t i c a m e n t e ; uma tese de cunho essencialmente metafísico. Segundo, haveria uma continuidade entre óvulo fecundado e futura pessoa, mas não entre óvulo não fecundado e outras formas de vida celular humana. Terceiro, na ausência de úteros artificiais, a potencialidade embrionária de vir a se desenvolver intra-útero pressuporia o dever de uma mulher à gestação, como forma a garantir a potencialidade da implantação. Quarto, a potencialidade embrionária de vir a se desenvolver intra-útero deveria ser garantida por um princípio constitucional do direito à vida". ( f l s . 1.118/1.119) 25. Convergentemente, essa constatação de que o Direito protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano é o próprio fio condutor de todo o pensamento de Ronald Dworkin, constitucionalista norte-americano, exposto ao longo das 347 páginas do seu livro "Domínio da Vida" (Editora Martins Fontes, São Paulo, 2003). Proteção que vai aumentando à medida que a tais etapas do evolver da criatura humana vai-se adensando a carga de investimento nela: investimento natural ou da própria natureza, investimento pessoal dos genitores e familiares. É o que se poderia chamar de tutela jurídica proporcional ao tamanho desse investimento simultaneamente natural e pessoal, dado que também se faz proporcionalmente maior a cada etapa de vida humana a carga de f r u s t r a ç ã o com a f a l ê n c i a ou b a n c a r r o t a do r e s p e c t i v o p r o c e s s o (a curva a scenden te de e x p e c t a t i v a s somente se t r ansmuta em descenden te com a chegada da v e l h i c e ) . C o n f i r a - s e e s t a e l u c i d a t i v a passagem: "Como afirmei, acreditamos que uma vida humana bem-sucedida segue um certo curso natural. Começa com o simples desenvolvimento biológico - a concepção, o desenvolvimento do feto e a primeira infância - e depois prossegue pela educação e pelas escolhas sociais e individuais e culminando na capacidade de estabelecer relações e alcançar os mais variados objetivos. Depois de um período de vida normal, termina com a morte natural. O desperdício dos investimentos criativos naturais e humanos que constituem a história de uma vida normal ocorre quando essa progressão normal se vê frustrada pela morte, prematura ou não. Quanto lamentável isso é, porém - o tamanho da frustração -, depende da fase da vida em que ocorre, pois a frustração é maior se a morte ocorrer depois que a pessoa tiver feito um investimento pessoal significativo em sua própria vida, e menor se ocorrer depois que algum investimento tiver sido substancialmente concretizado, ou tão substancialmente concretizado quanto poderia ter sido". (p . 122) 26. Sucede que - este o fiat lux da controvérsia - a dignidade da pessoa humana é princípio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento, Transcendência ou irradiação para alcançar, já no plano das leis infraconstitucionais, a proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que deságüe, justamente, no individuo- pessoa. Caso do embrião e do feto, segundo a humanitária diretriz de que a eminência da embocadura ou apogeu do ciclo biológico justifica a tutela das respectivas etapas. Razão porque o nosso Código Civil se reporta à lei para colocar a salvo, "desde a concepção, os direitos do nascituro" (do latim "nasciturus") ; que são direitos de quem se encontre a caminho do nascimento. Se se prefere considerado o fato de que o fenômeno da concepção já não é exclusivamente intra-corpóreo -, direitos para cujo desfrute se faz necessário um vínculo operacional entre a fertilização do óvulo feminino e a virtualidade para avançar na trilha do nascimento. Pois essa aptidão para avançar, concretamente, na trilha do nascimento é que vai corresponder ao conceito legal de "nascituro". Categoria exclusivamente jurídica, porquanto não-versada pelas ciências médicas e biológicas, e assim conceituada pelo civilista Sílvio Rodrigues (in Direito Civil, ano de 2001, p. 36): "Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno". 27. Igual proteção jurídica se encontra no relato do § 3º do art. 9º da Lei 9.434/97, segundo o qual "É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à saúde do feto (negritos à parte). Além, é claro, da norma penal de criminalização do aborto(arts. 123 a 127 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), com as exceções dos incisos I e II do art. 128, a saber: "se não há outro meio de salvar a vida da gestante" (aborto terapêutico); se "a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal" (aborto sentimental ou compassivo). Dupla referência legal ao vocábulo "gestante" para evidenciar que o bem jurídico a tutelar contra o aborto é um organismo ou entidade pré-natal, quer em estado embrionário, quer em estado fetal, mas sempre no interior do corpo feminino. Não em placa de Petri, cilindro metálico ou qualquer outro recipiente mecânico de embriões que não precisaram de intercurso sexual para eclodir. 28. Não que a vedação do aborto signifique o reconhecimento legal de que em toda gravidez humana já esteja pressuposta a presença de pelo menos duas pessoas: a da mulher grávida e a do ser em gestação. Se a interpretação fosse essa, então as duas exceções dos incisos I e II do art. 128 do Código Penal seriam inconstitucionais, sabido que a alínea a do inciso XLVII do art.5º da Magna Carta Federal proíbe a pena de morte (salvo "em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX"). 0 que traduz essa vedação do aborto não é outra coisa senão o Direito Penal brasileiro a reconhecer que, apesar de nenhuma realidade ou forma de vida pré- natal ser uma pessoa física ou natural, ainda assim faz-se portadora de uma dignidade que importa reconhecer e proteger. Reconhecer e proteger, aclare-se, nas condições e limites da legislação ordinária mesma, devido ao mutismo da Constituição quanto ao início da vida humana. Mas um mutismo hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária ou usual, até porque, segundo recorda Sérgio da Silva Mendes, houve tentativa de se embutir na Lei Maior da República a proteção ao ser humano desde a sua concepção. É o que o que noticiam os anais da Assembléia Nacional Constituinte de 1986/1987, assim invocados por ele, Sérgio da Silva Mendes (mestre em Direito e doutorando em filosofia pela Universidade Gama Filho - RJ) : "0 positivismo-lógico apela para os métodos tradicionais de interpretação, entre eles o da vontade do legislador. A averiguação, se não vinculante, ao menos conduz a hermenêutica sobre caminhos objetiváveis. A primeira sugestão na Constituinte acerca da matéria foi feita no capítulo DA FAMÍLIA, com a seguinte preocupação: 'sugere normas de proteção à vida desde sua concepção'"5. Sugestão de nº 421, de 7 de abril de 1987, feita pelo 5 Refiro-me ao texto, ainda inédito, que Sérgio da Silva Mendes escreveu sob o então parlamentar Carlos Virgílio, porém avaliada como não convincente o bastante para figurar no corpo normativo da Constituição. 29. Não estou a ajuizar senão isto: a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-lo, infraconstitucionalmente, contra tentativas esdrúxulas, levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos. É o produto final dessa metamorfose. 0 sufixo grego "meta" a significar, aqui, u'a mudança tal de estado que implica um ir além de si mesmo para se tornar um outro ser. Tal como se dá entre a planta e a semente, a chuva e a nuvem, a borboleta e a crisálida, a crisálida e a lagarta (e ninguém afirma que a semente já seja a planta, a nuvem, a chuva, a lagarta, a crisálida, a crisálida, a borboleta). O elemento anterior como que tendo de se imolar para o nascimento do posterior. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana, passando necessariamente por essa entidade a que chamamos "feto". Este e o embrião a merecer tutela infraconstitucional, por derivação da tutela que a própria Constituição dispensa à pessoa título de "0 CONSTITUINTE, A CONSTITUIÇÃO E A INVIABILIDADE GENÉTICA DO POSITIVISMO LÓGICO", elaborado com base no banco de dados da nossa última Assembléia Nacional Constituinte, disponível no site do Senado Federal. humana propriamente dita. Essa pessoa humana, agora sim, que tanto é parte do todo social quanto um todo à parte. Parte de algo e um algo à parte. Um microcosmo, então, a se pôr como "a medida de todas as coisas", na sempre atual proposição filosófica de Protágoras (485/410 a.C.) e a servir de inspiração para os compositores brasileiros Tom-Zé e Ana Carolina afirmarem que "O homem é sozinho a casa da humanidade". E Fernando Pessoa dizer, no imortal poema "TABACARIA": "Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo". 30. Por este visual das coisas, não se nega que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino. Um gameta masculino (com seus 23 cromossomos) a se fundir com um gameta feminino (também portador de igual número de cromossomos) para a formação da unitária célula em que o zigoto consiste. Tal como se dá com a desconcertante aritmética do amor: um mais um, igual a um, segundo figuração que se atribui à inspirada pena de Jean Paul Sartre. 31. Não pode ser diferente. Não há outra matéria-prima da vida humana ou diverso modo pelo qual esse tipo de vida animal possa começar, já em virtude de um intercurso sexual, já em virtude de um ensaio ou cultura em laboratório. Afinal, o zigoto enquanto primeira fase do embrião humano é isso mesmo: o germe de todas as demais células do hominídeo (por isso que na sua fase de partida é chamado de "célula-ovo" ou "célula-mãe", em português, e de "célula-madre", em castelhano). Realidade seminal que encerra o nosso mais rudimentar ou originário ponto de partida. Sem embargo, esse insubstituível início de vida é uma realidade distinta daquela constitutiva da pessoa física ou natural; não por efeito de uma unânime ou sequer majoritária convicção metafísica (esfera cognitiva em que o assunto parece condenado à aporia ou indecidibilidade), mas porque assim é que preceitua o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Convenhamos : Deus fecunda a madrugada para o parto diário do sol, mas nem a madrugada é o sol, nem o sol é a madrugada. Não há processo judicial contencioso sem um pedido inicial de prolação de sentença ou acórdão, mas nenhum acórdão ou sentença judicial se confunde com aquele originário pedido. Cada coisa tem o seu momento ou a sua etapa de ser exclusivamente ela, no âmbito de um processo que o Direito pode valorar por um modo tal que o respectivo clímax (no caso, a pessoa humana) apareça como substante em si mesmo. Espécie de efeito sem causa, normativamente falando, ou positivação de uma fundamental dicotomia entre dois planos de realidade: o da vida humana intra-uterina e o da vida para além dos escaninhos do útero materno, tudo perfeitamente de acordo com a festejada proposição kelseniana de que o Direito tem a propriedade de construir suas próprias realidades6. 32. Verdade que a Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas a que se refere. Nem por isso impede a facilitada exegese dos seus textos, pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas com o significado que elas portam no âmbito, justamente, das ciências médicas e biológicas. Significado que desponta no glossário que se lê às pp. 18/19 da coletânea que a editora Atheneufez publicar, no recente ano de 2006, com o nome de "Células-Tronco, A Nova Fronteira de Medicina" (já o dissemos em nota de rodapé) , sob a coordenação dos professores Marco Antonio Zago e Dimas Tadeu Covas7. Glossário que reproduzo nos seguintes verbetes: "Célula-tronco embrionária: Tipo de célula tronco pluripotente (capaz de originar todos os tecidos 6 Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª edição, págs. 269/273. 7 Marco Antonio Zago, membro titular da Academia Brasileira de Ciências, é professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de São Paulo e coordenador do Centro de Terapia Celular de Ribeirão Preto, além de diretor científico do Hemocentro de Ribeirão Preto. Já o segundo coordenador, Dimas Tadeu Covas, é professor-associado de Clínica médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, além de de um indivíduo adulto) que cresce in vitro na forma de linhagens celulares derivadas de embriões humanos"; "Célula-tronco adulta: Tipo de célula-tronco obtida de tecidos após a fase embrionária (feto, recém- nascido, adulto). As células-tronco adultas até agora isoladas em humanos são tecido-específicas, ou seja, têm capacidade de diferenciação limitada a um único tipo de tecido ou a alguns poucos tecidos relacionados"; "Embrião: O ser humano nas primeiras fases de desenvolvimento, isto é, do fim da segunda até o final da oitava semana, quando termina a morfogênese geral"; "Feto: Organismo humano em desenvolvimento, no período que vai da nona semana de gestação ao nascimento". 33 . Retomo a t a r e f a de d i s s e c a r a l e i p a r a d e i x a r a inda mais e x p l i c i t a d o que os embriões a que e l a s e r e f e r e são a q u e l e s de r ivados de uma f e r t i l i z a ç ã o que se obtém sem o conúbio ou acasa lamento humano. Fora da r e l a ç ã o s e x u a l . Do lado e x t e r n o do corpo da mulher, en t ão , e do lado de d e n t r o de p r o v e t a s ou tubos de e n s a i o . " F e r t i l i z a ç ã o in vitro", t a n t o na expressão vocabu la r do pesquisador do Centro de Terapia Celular de Ribeirão Preto e d i re tor -pres idente do diploma legal quanto das ciências médicas e biológicas, no curso de procedimentos de procriação humana assistida. Numa frase, concepção artificial ou em laboratório, ainda numa quadra em que deixam de coincidir os fenômenos da fecundação de um determinado óvulo e a respectiva gravidez humana. A primeira, já existente (a fecundação), mas não a segunda (a gravidez) . Logo, particularizado caso de um embrião que, além de produzido sem cópula humana, não se faz acompanhar de uma concreta gestação feminina. Donde a proposição de que, se toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano, nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana. Situação em que também deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino. 34. Acontece - insistimos na anotação - que o emprego de tais células-tronco embrionárias para os fins da Lei de Biossegurança tem entre os seus requisitos a expressa autorização do casal produtor do espermatozóide e do óvulo afinal fecundado. Fecundado em laboratório ou por um modo artificial - também já foi ressaltado -, mas sem que os respectivos doadores se disponham a assumi-los como experimento de procriação própria, ou alheia. Pelo que não se cuida de interromper gravidez humana, pois assim como nenhuma mulher se acha "mais ou menos grávida" (a gravidez é Hemocentro de Ribeiro Preto. radical, no sentido de que, ou já é fato consumado, ou dela não se pode cogitar), também assim nenhum espécime feminino engravida à distância. Por controle remoto: o embrião do lado de lá do corpo, em tubo de ensaio ou coisa que o valha, e a gravidez do lado de cá da mulher. Com o que deixa de haver o pressuposto de incidência das normas penais criminalizadoras do aborto (até porque positivadas em época (1940) muito anterior às teorias e técnicas de fertilização humana in vitro) . 35. Nesse ritmo argumentativo, diga-se bem mais : não se trata sequer de interrromper uma producente trajetória extra-uterina do material constituído e acondicionado em tubo de ensaio, simplesmente porque esse modo de irromper em laboratório e permanecer confinado in vitro é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva. Impossível de um reprodutivo "desenvolvimento contínuo", ao contrário, data venia, da afirmação textualmente feita na petição inicial da presente ação. Equivale a dizer, o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra- corporalmente cultivado e armazenado é entidade embrionária que, em termos de uma hipotética gestação humana, corresponde ao ditado popular de que "uma andorinha só não faz verão". Pois o certo é que, à falta do húmus ou da constitutiva ambiência orgânica do corpo feminino, o óvulo já fecundado, mas em estado de congelamento, estaca na sua própria linha de partida genética. Não tem como a l c a n ç a r a f a se que, na mulher g ráv ida , corresponde àque la "n idação" que j á é a ante-sala do f e t o . Mas é embrião que conserva , p e l o menos du ran t e algum tempo, a t o t i p o t ê n c i a pa ra se d i f e r e n c i a r em o u t r o t e c i d o ( i n c l u s i v e neurônios) que nenhuma c é l u l a - t r o n c o a d u l t a p a r e c e d e t e r . Daí o s e n t i d o i r r ecusave lmen te i n s t r u m e n t a l ou u t i l i t á r i o da Lei de Biossegurança em sede c i e n t í f i c o - t e r a p ê u t i c a , melhor compreendido a p a r t i r das s e g u i n t e s lucubrações de Marco Antonio Zago (a inda uma vez c i t a d o ) 8 : "Apesar da grande diversidade de células que podem ser reconhecidas em tecidos adultos, todas derivam de uma única célula-ovo, após a fecundação de um óvulo por um espermatozóide. Essa única célula tem, pois, a propriedade de formar todos os tecidos do indivíduo adulto. Inicialmente, essa célula totipotente divide-se formando células idênticas, mas, muito precocemente na formação do embrião, os diferentes grupos celulares vão adquirindo características especializadas e, ao mesmo tempo, vão restringindo sua capacidade de diferenciação''. (ob. c i t . , pp. 3 e 4, sem destaque no or ig ina l ) 6 Lê-se em Cláudio Fonteies ("A vida humana é dinamismo essencial inesgotável", p . 1) : "A vida humana é dinamismo essencia l . Na fecundação - união do espermatozói de com o óvulo - e a p a r t i r da fecundação a célula autônoma - zigoto - que assim surge, por movimento de dinamismo próprio, independente de qualquer in terferência da mãe, ou do pai, rea l iza a sua própria const i tuição, b ipar t indo-se , quadripartindo-se, no segundo dia, no terce i ro dia, e assim por diante . 36. Convém repetir, com ligeiro acréscimo de idéias. 0 embrião viável (viável para reprodução humana, lógico), desde que obtido por manipulação humana e depois aprisionado in vitro, empaca nos primeiros degraus do que seria sua evolução genética. Isto por se achar impossibilitado de experimentar as metamorfoses de nominização que adviriam de sua eventual nidação. Nidação, como sabido, que já é a fase de implantação do zigoto no endométrio ou parede do útero, na perspectiva de sua mutação em feto. Dando-se que, no materno e criativo aconchego do útero, o processo reprodutivo é da espécie evolutiva ou de progressivo fazimento de uma nova pessoa humana; ao passo que, lá, na gélida solidão do confinamento in vitro, o que se tem é um quadro geneticamente contido do embrião, ou, pior ainda, um processo quetende a ser estacionário-degenerativo, se considerada uma das possibilidades biológicas com que a própria lei trabalhou: o risco da gradativa perda da capacidade reprodutiva e quiçá da potipotência do embrião que ultrapassa um certo período de congelamento (congelamento que se faz entre três e cinco dias da fecundação). Donde, em boa medida, as seguintes declarações dos doutores Ricardo Ribeiro dos Santos e Patrícia Helena Lucas Pranke, respectivamente (fls. 963 e 929); "A técnica do congelamento degrada os embriões, diminui a viabilidade desses embriões para o implante; para dar um ser vivo completo (...). A viabilidade de embriões congelados há mais de três anos é muito baixa. Praticamente nula"; "Teoricamente, podemos dizer que, em alguns casos, como na categoria D, o próprio congelamento acaba por destruir o embrião, do ponto de vista da viabilidade de ele se transformar em embrião. Para pesquisa, as células estão vivas; então, para pesquisa, esses embriões são viáveis, mas não para a fecundação". 37. Afirme-se, pois, e de uma vez por todas, que a Lei de Biossegurança não veicula autorização para extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião. Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não é isso. O que autoriza a lei é um procedimento externa-corporis: pinçar de embrião ou embriões humanos, obtidos artificialmente e acondicionados in vitro, células que, presumivelmente dotadas de potência máxima para se diferenciar em outras células e até produzir cópias idênticas a si mesmas (fenômeno da "auto-replicação"), poderiam experimentar com o tempo o risco de u ' a mutação redutora dessa capacidade ímpar. Com o que transitariam do não-aproveitamento reprodutivo para a sua relativa descaracterização como tecido potipotente e daí para o descarte puro e simples como dejeto clínico ou hospitalar. Dejeto tanto mais numericamente incontrolável quanto inexistentes os referidos bancos de dados sobre as atividades de reprodução humana assistida e seus produtos finais9. 38. Se a realidade é essa, ou seja, se o tipo de embrião a que se refere a lei não precisa da cópula humana nem do corpo feminino para acontecer como entidade biológica ou material genético (embrião que nem saiu de dentro da mulher nem no corpo feminino vai ser introduzido), penso que uma pergunta se impõe ao equacionamento jurídico da controvérsia nodular que permeia o presente feito. Ei- la: há base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou in vitro? Casal que não consegue procriar pelo método convencional do coito? Respondo que sim, e é sem nenhuma hesitação que o faço. 39. Deveras, os artigos 226 e seguintes da Constituição brasileira dispõem que o homem e a mulher, seja pelo casamento civil, seja pela união estável, são as células formadoras dessa fundamental instituição que atende pelo nome de "família". Família de pronto qualificada como "base da sociedade" e merecedora da "proteção especial do Estado" (caput do artigo 226). Família, ainda, que se expande com a chegada dos filhos, referidos 12 vezes, ora por 9 De se registrar que a presente ação direta não impugna o descarte puro e simples de embriões não aproveitados "no respectivo procedimento". A impugnação é quanto ao emprego de células em pesquisa científica e terapia humana. forma direta, ora por forma indireta, nos artigos constitucionais de nºs. 226, 227 e 229. Mas que não deixa de existir quando formada apenas por um dos pais e seus descendentes (§ 4º do art. 226), situação em que passa a receber a alcunha de monoparental. Sucedendo que, nesse mesmo conjunto normativo, o Magno Texto Federal passa a dispor sobre a figura do "planejamento familiar". Mais exatamente, planejamento familiar que, "fruto da livre decisão do casal", é " fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável" (§ 7º desse emblemático artigo 226, negritos à parte). Donde a intelecção de que: I - dispor sobre o tamanho de sua família e possibilidade de sustentá-la materialmente, tanto quanto de assisti-la física e amorosamente, é modalidade de decisão a ser tomada pelo casal. Mas decisão tão voluntária quanto responsavelmente tomada, tendo como primeiro e explícito suporte o princípio fundamental da "dignidade da pessoa humana" (inciso III do art. 5º); II - princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, esse, que opera por modo binário ou dual. De uma parte, para aquinhoar o casal com o direito público subjetivo à "liberdade" (preâmbulo da Constituição e seu art. 5º), aqui entendida como autonomia de vontade ou esfera de privacidade decisória. De outra banda, para contemplar os porvindouros componentes da unidade familiar, se por eles optar o casal, com planejadas condições de bem-estar e assistência físico-afetiva. 40. Dá-se que essa figura jurídico-constitucional do planejamento familiar para o exercício de uma paternidade responsável é ainda servida pela parte final do dispositivo sob comento (inciso 7º do artigo 226), que impõe ao Estado o dever de "propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito" (direito ao planejamento familiar com paternidade responsável, repise-se), "vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais e privadas" (original sem destaque). 41. O que agora se tem, por conseguinte, já é o Poder Público tão proibido de se contrapor à autonomia de vontade decisória do casal quanto obrigado a se postar como aparelho de suprimento dos meios educacionais e científicos para o mais desembaraçado e eficaz desfrute daquela situação jurídica ativa ou direito público subjetivo a um planejamento familiar que se volte para a concreta assunção da mais responsável paternidade. Sendo certo que: I - a fertilização in vitro é peculiarizado meio ou recurso científico a serviço da ampliação da família como entidade digna da "especial proteção do Estado" (base que é de toda a sociedade); II - não importa, para o Direito, o processo pelo qual se viabilize a fertilização do óvulo feminino (se natural o processo, se artificial). O que importa é possibilitar ao casal superar os percalços de sua concreta infertilidade, e, assim, contribuir para a perpetuação da espécie humana. Experimentando, de conseguinte, o êxtase do amor-a-dois na paternidade responsável. 42. Uma segunda pergunta ainda me parece imprescindível para a formatação do equacionamento jurídico-constitucional da presente ação. Formula-a nos seguintes termos: se é legítimo o apelo do casal a processos de assistida procriação humana in vitro, fica ele obrigado ao aproveitamento reprodutivo de todos os óvulos eventualmente fecundados? Mais claramente falando: o recurso a processos de fertilização artificial implica o dever da tentativa de nidação no corpo da mulher produtora dos óvulos afinal fecundados? Todos eles? Mesmo que sejam 5, 6, 10? Pergunta que se impõe, já se vê, pela consideração de que os procedimentos de procriação assistida não têm como deixar de experimentar todos os óvulos eventualmente produzidos pela doadora e delas retirados no curso de um mesmo período mensal, após indução por injeções de hormônios. Coleta e experimento que se impõem para evitar novas práticas invasivas (incômodas, custosas, arriscadas) do corpo da mulher em curto espaço de tempo. 43. Minha resposta, no ponto, é rotundamente negativa. Não existe esse dever do casal, seja porque não imposto por nenhuma lei brasileira ( "ninguém será obrigado
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