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Caique Pablo Souza Santos A originalidade de Marco Túlio Cícero: um percurso na relação entre philía e areté do pensamento grego ao romano ciceroniano MONOGRAFIA Rio de Janeiro Dezembro de 2017 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO Curso de Filosofia A originalidade de Marco Túlio Cícero: um percurso na relação entre philía e areté do pensamento grego ao romano ciceroniano Caique Pablo Souza Santos Orientador: Prof. Dr. Carlos Federico Gurgel Calvet da Silveira Caique Pablo Souza Santos A originalidade de Marco Túlio Cícero: um percurso na relação entre philía e areté do pensamento grego ao romano ciceroniano Monografia apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Carlos Federico Gurgel Calvet da Silveira Rio de Janeiro Dezembro de 2017 5 Dedico esse trabalho monográfico a todos aqueles que se empenharam, ao longo da História, no estudo de Marco Túlio Cícero, os quais possibilitaram que eu pudesse conhecer sua vida e pensamento. Agradecimentos Primeira e de forma singela, pois não há palavras suficiente para agradecê-Lo, eu rendo graças a Deus por poder escrever esse trabalho monográfico, Ele que é Autor e Princípio sustentador da minha vida e da amizade virtuosa; aos meus familiares que me acompanharam ao longo da minha história; e, de modo especial, a todos aqueles a quem posso chamar de amigos, inspiração inicial deste trabalho, pois nos dizeres do Marechal Vauvenargues 1: “os grandes pensamentos vêm do coração 2”. Igual gratidão quero expressar a todos os meus professores de filosofia, tanto os da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, quanto os da Universidade Estadual de Santa Cruz, onde eu estudei durante um ano. Dentre esses, gostaria de agradecer de modo especial ao professor Carlos Federico, não apenas por me orientar nesse trabalho, mas principalmente pelos seus anos dedicados ao ensino filosófico aos seminaristas, agraciável também por ser uma das causas eficientes de podermos ter um diploma reconhecido. Agradeço também a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, na pessoa de seu atual arcebispo Dom Orani João Cardeal Tempesta, por ter acolhido a mim e a meus irmãos para que pudéssemos ser formados junto a essa porção do povo de Deus, estendendo assim este agradecimento a todas as paróquias por onde passei, seus párocos e fiéis, aos seminaristas e ao Seminário Arquidiocesano de São José do Rio de Janeiro, seus atuais e antigos formadores. Também agradeço a todos aqueles que me ajudaram durante o desenvolvimento deste trabalho, desde revisões a traduções. Por fim, agradeço a Sede da Sabedoria que sempre intercedeu pelas vocações sacerdotais, e que está representada em nossas salas de aula, a nos conduzir, em seu silêncio, a Cristo, centro de nossa fé, que me convocou a estar aqui e até aqui me sustentou, por misericórdia e eleição. A todos os citados, direta ou indiretamente, meu muito obrigado! 1 O Marquês de Vauvenargues, cujo nome era Luc de Clapiers, foi um filósofo francês do século XVIII, apreciador do Estoicismo. 2 TROISIEME, Tome. Œuvres Morales de Vauvenargues. Paris: E. Plon et Cia, 1874, p. 521. “Portanto, essa amizade, a qual agora admitimos existir entre poucos, será transmitida a todos, todos a retransmitirá a Deus, e Deus será tudo em todos (I Cor. 15, 28)”. Beato Aelredo de Rievaulx. “Para louvar Cícero como ele merece, deveríamos ter outro Cícero”. M. S. Slaughter Resumo Ao estudar Marco Túlio Cícero, percebemos a necessidade de resgatar o estudo de seu trabalho, portanto, temos por objetivo relembrar a figura do mesmo, a qual foi esquecida nos estudos filosóficos devido principalmente às críticas sobre sua originalidade, feitas por Theodor Mommsen, no século XIX. Para tanto, definiremos o conceito de originalidade filosófica, a originalidade de Cícero e como se percebe os traços de sua originalidade no seu trabalho de ressignificação do conceito de amicitia da República Romana Tardia, com base no conceito de φιλία da Filosofia Grega. Palavras-chave: Cícero. Originalidade. Amizade. Virtude. República Tardia. Summa In Marci Tullii Ciceronis studio vidēmus redemptionis necessitatem studii de opere suo, tenēmus ergo per propositum redigere in memoriam figura ipsius, quae in studio philosophico oblivivit fuit praecipue debitum iudiciis de novitate sua, factus abs Theodor Mommsen, in secula XIX. Definiremo itaque notionem novitatis philosophicam, novitatem Ciceronis et ut lineas novitatis suae sensi sunt in labore suo, qui postulavit novam significationem de notione amicitiae in Re Publica Romana Tarda cum fundamentum in notione de φιλία Philosophiae Graecae. Verba claves: Cicero. Novitas. Amicitia. Virtus. Res Publica Tarda. Sumário INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10 1 O CONCEITO DE PHILÍA E SUA RELAÇÃO COM A ARETÉ NO MUNDO GREGO ANTIGO ................................................................................................ 12 1.1 In Poetis .................................................................................................................................. 13 1.2 In cogitatione ante socratica ................................................................................................... 14 1.2.1 In Euripide, Herodoto, Thucydide et Empedocle ...................................................................... 15 1.3 In periodibus socraticus ........................................................................................................... 16 1.3.1 In Sophistis ............................................................................................................................... 16 1.3.2 In Xenophonte .......................................................................................................................... 16 1.3.3 In Platone ................................................................................................................................. 18 1.4 In cogitatione post socratica ................................................................................................... 21 1.4.1 In Aristotele.............................................................................................................................. 21 1.4.2 In Panætio ................................................................................................................................ 24 1.5 Summa capituli ........................................................................................................................ 25 2 SOBRE A ORIGINALIDADE DE MARCUS TULLIUS CICERO ........................ 27 2.1 Curriculum Vitæ ..............................................................................................................................27 2.2 De Notione Novitatis ...................................................................................................................... 30 2.3 De Iudiciis ....................................................................................................................................... 33 2.4 De Defensoribus Novitatis .............................................................................................................. 39 2.5 Summa Capituli...............................................................................................................................44 3 A RELAÇÃO ENTRE PHILÍA E ARETÉ NO PENSAMENTO ROMANO CICERONIANO......................................................................................................45 11 3.1 De contextu romanus Ciceronis ...................................................................................................... 45 3.2 De Notionibus amicitiæ et virtutis .................................................................................................. 48 3.3 De amicitia et virtute in societate romana ..................................................................................... 54 3.4 Summa Capituli .............................................................................................................................. 59 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 61 REFERÊNCIAS......................................................................................................63 10 INTRODUÇÃO O prazer que um homem sente em ler Cícero é o padrão pelo qual ele pode julgar sua própria cultura intelectual 3. Dessa maneira, achamos por bem resgatarmos a figura de Marco Túlio Cícero, a qual foi injustamente, como mostraremos, colocada à margem da História da Filosofia, até mesmo quando se estuda o período da Filosofia Antiga. Sendo assim, A originalidade de Cícero: um percurso na relação entre philía e areté do pensamento grego ao romano ciceroniano, será um meio de ressaltarmos as contribuições de Cícero, mostrando assim a sua importância para a filosofia greco-romana e relembrar a sua posição de elo entre a Filosofia Grega e a Filosofia Cristã 4. Por conseguinte, no primeiro capítulo, faremos uma apresentação do conceito de philía (amizade) e da sua relação com a areté (virtude). Esse caminho se fará necessário, pelo fato de philía e areté constituírem um material de amplo debate entre os gregos, sendo assim não um tema ético apenas dos filósofos, mas da Antiga Grécia como um todo. Para podermos escrever com maior propriedade, falaremos de Homero a Panécio de Rodes (este será o último por ser apontado como o principal elo ético entre os gregos e Cícero), ou seja, um apontamento do século IX a. C. ao século II a. C., que veremos as diferentes significações, usos e discursões que influenciaram as novas compreensões do conceito de philía, para assim entendermos como o termo φιλία chegou ao que chamamos hoje de amizade virtuosa. Desse modo, traçaremos um percurso pelos mais importantes pensadores do Mundo Grego Antigo, por meio das obras clássicas dos referidos pensadores que se encontram acessíveis, para tanto, não só utilizaremos comentadores, mas iremos direto aos textos traduzidos e, por vezes, fazendo a verificação de termos na língua original em que os textos foram escritos. Ademais, no segundo capítulo, faremos uma exposição da vida de Marco Túlio Cícero, principalmente por meio dos escritos de Plutarco, com a finalidade de mostrarmos a caminhada feita por Cícero por meio do estudo da retórica e da filosofia, suas rivalidades políticas e suas alianças, assim como o que o Arpinate representou para a vida filosófica e política na sociedade da República Romana Tardia. Além disso, iremos propor uma eficaz definição do que seria originalidade 3 Cf. SLAUGHTER, M. S. Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 1921, p.125. 4 Cf. Ibid., p.121. 11 filosófica, baseados em diversos materiais que tratam tanto da originalidade de escritos de modo geral, quanto da originalidade de escritos filosóficos, uma vez que o estabelecimento desse conceito se faz necessário por ele não ter sido encontrado em dicionários filosóficos e pelo fato de a principal crítica a Cícero ser fundamentada nessa questão. Por conseguinte, mostraremos as críticas sofridas por Marco Túlio Cícero, principalmente por parte do historiador alemão Theodor Mommsen, no século XIX, o qual é acusado de ser o principal responsável pelo desinteresse no estudo de Cícero, mas também as críticas de outros autores, como Sabine e Galiani; em contra partida, teremos a defesa dos especialistas do nosso filósofo, como Benedetto Croce, E. Douglas, W. Nicgorski, M. S. Slaughter, e principalmente Narducci, que mostraram a incongruência das críticas negativas direcionadas a Cícero e os traços de sua originalidade, e que se encaixa no que se pode pensar a respeito da originalidade filosófica, segundo o percebido e proposto. No terceiro capítulo, analisaremos o contexto romano em que Cícero estava inserido, assim como o percurso de crescimento e crise (política e moral) da sociedade romana, desde a monarquia no século VIII a. C. a República Tardia no século I a. C., contexto o qual será de crucial importância para o desenvolvimento dos trabalhos, tanto filosóficos, quanto de oratória e política de Marco Túlio Cícero. A seguir, neste mesmo capítulo, mostraremos como Cícero pensava sobre o conceito de philía e areté, a relação entre eles, em paralelo com o pensamento grego, o qual foi bastante estudado por ele e que o influenciara, principalmente os de origem aristotélica e estoica, como será perceptível. Além do mais, apresentaremos como essa relação moral fora vista por ele na sociedade romana e de que modo Cícero via a ressignificação do conceito de amicitia (philía) como a solução para os problemas morais e políticos que se encontravam em Roma, desde o período da Monarquia ao da República Tardia, que se perpetuaram e chegaram a ocasionar o fim do Império Romano. Em suma, mostraremos a vida e o pensamento de Marcus Tullius Cicero no que toca a questão sobre a philía e a areté, desde o Mundo Grego ao Mundo Romano da República Tardia: uma realidade filosófica, política, histórica e ideológica que por muitos fora esquecida durante o estudo da Filosofia, devido a questões que este trabalho convida a conhecer. 1 O conceito de philía e sua relação com a areté no mundo grego antigo 5 O interesse sobre a philía sempre esteve presente no mundo grego antigo. Por isso, neste primeiro capítulo, apresentaremos um esboço sobre o pensamento grego antigo, do período homérico ao pós-socrático, encerrando com Panécio, no tocante ao conceito de philía e a sua relação com a virtude. Para tanto, não poderemos excluir a carga histórica, pois “la amistad es un concepto en devenir” 6, e cultura que, segundo João Silva Lima, influenciou os discursos dos filósofos do período clássico e helenístico 7, como podemos ver nos seguintes trechos de sua dissertação de mestrado: Uma vez que suas análises [de Aristóteles] dessa questão [sobre a amizade] encontram-se permeadas tanto de opiniões populares quanto de concepções mais elaboradas de alguns pensadores que o antecedem ou foram seus contemporâneos 8. A philia não é um problema estritamente aristotélico, nem mesmo platônico da Academia: é, antes de tudo, um problema de amplo domínio entre os gregos, tanto ao nível da ‘sabedoria popular’, passando pelos poetas, trágicos,historiadores, oradores e sofistas, quando ao nível da ‘sabedoria filosófica’, daí sua importância enquanto elemento inerente à própria cultura grega 9. Começaremos, portanto, com uma brevíssima explanação sobre a philía nas obras de Homero e Hesíodo, por suas claras contribuições na cultura helenística vistas em suas poesias (Odisseia, Ilíada, Teogonia, Os trabalhos e os dias etc.), que atualmente são as principais fontes de conhecimento do mundo grego antigo. Em um segundo momento, temos a análise do conceito de amizade entre outros 5 “Il est souvent affirmé que l’amitié en Grèce ancienne se distingue de l’amitié en son sens moderne. La première se caractérise par l’absence du caractère intime de la relation, par un lien d’obligations réciproques et de devoirs l’un à l’égard de l’autre, qui fait de l’amitié un lien très légalisé et formel.”. COLLOBERT, Catherine. Plaisir et amitié: Homère et Aristote en dialogue. Anais de Filosofia Clássica, Rio de Janeiro, v. 4, n. 7, 2010, p. 1. 6 BOVIO, Rolando Picos. Marco Tulio Cicerón: apuntes para uma filosofia de la amistad. Tópicos, Revista de Filosofía, Nueva León, v. 1, n. 45, 2013, p. 52. 7 “Los primeros filósofos, y más concretamente a Empédocles y Anaxágoras, que presentan variaciones sobre el verso de Homero, y para los que el tema de lo semejante, como motor de unión, constituye una idea central”. LLEDÓ, Emilio. Platón: Apología, Cratón, Eutrifón Ion, Lisis, Cármenides, Hipias menor, Hipias Mayor, Laques, Protágoras, Introducción, Colección Clásica de Gregos. v.1. Madrid: Gredos, 1990, p. 12 (nota de rodapé 20). 8 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 27. 9 Ibid., p. 27. 13 expoentes, no campo do pensamento histórico e filosófico, não só poético e trágico: Eurípides, Heródoto, Tucídides, Platão (especialmente no diálogo Lísis), Aristóteles e outros filósofos posteriores a esses. 1.1 In Poetis 10 As relações de amizade se fazem presentes nas obras de Homero e Hesíodo, mas é preciso que façamos uma análise mais profunda de como o termo philía se apresenta em suas obras, pois pelo que parece tal conceito nesse período da história da Grécia Antiga não estava bem definido como o conhecemos na contemporaneidade. Lima nos mostra que o conceito φιλíα (philía) não era usado no sentido contemporaneamente conhecido até a terceira parte do século V a.C. 11. Isto nos conduz a compreender o sentido anterior de φιλíα. O termo philía parece ter sua origem no adjetivo grego φίλος (phílos), no verbo φιλεîν (phileîn) e no substantivo φιλότης (philótes). Todas essas palavras têm diversas significações, mas elas possuem em comum um sentido nobre, um sentido elevado. Sendo assim, apesar de philía ainda não possuir o sentido recebido posteriormente no séc. V a. C., o termo já possuía um sentido nobre, ou seja, um sentido de segurança e intimidade 12. No caso de φίλος, o termo é utilizado como amigo, em dois sentidos: no primeiro, possui um caráter afetivo quando se refere a pessoas que são próximas ao personagem que fala; depois, o adjetivo assume um caráter possessivo quando se refere a objetos que são preciosos. Aqui também se faz importante salientamos que φίλος, enquanto adjetivo possessivo, não possuía um valor moral, mas apenas uma marca de relação praticamente jurídica, como elemento constituinte da personalidade humana. Entretanto, esse mesmo termo, parece bem dissociado do conceito atual de amizade, que quando associado ao termo αιδώς (respeito, reverência) expressa um sentimento aos membros de um grupo específico, o que para nós se mostra como uma prefiguração do nosso conceito de φιλία, no qual 10 “Preguntemos a los poetas, pues éstos son para nosotros como padres y guías del saber”. PLATÃO. Lísis, 214a. 11 Cf. LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 29. 12 Cf. Ibid., p. 30. 14 todos (parentes, aliados, amigos e domésticos) que se unem por deveres recíprocos passam a serem chamados de φίλοι 13. O verbo grego φιλεΐν (phileîn) assume um sentido de “tratar como amigo”. Tal emprego era usado comumente ao referir-se ao gesto de proteção para com filhos, mulheres, parente e guerreiros escolhidos pelos deuses; como também era usado com o sentido do verbo beijar 14, portanto, phileîn possuía um caráter afetivo 15, próximo ao sentido atual de amizade. No que se refere ao substantivo φιλότης (philótes), ele não possuiria um sentido subjetivo, isto é, interno, mas externo. Com isso, philótes seria basicamente um tratado de paz, porém o mesmo é utilizado também na relação 16 entre phílos e xénos, (anfitrião e hospede) onde os xénos se tornam phíloi 17. Portanto, o substantivo φιλότης assume um valor afetivo, despojado das ideias de utilidade e segurança 18. Assim sendo, apesar de φιλία não possuir o sentido atual de amizade, podemos verificar que nos seus termos originantes (φίλος, φιλεΐν e φιλότης) marcas de relações humanas, que depois da terça parte do século V a. C. chegará a ser visto no sentido do conceito de amizade presentes nos discursos filosóficos gregos. 1.2 In cogitatione ante socratica Na história da Grécia Antiga, ocorreram muitas contribuições para a mudança da concepção do termo philía, especificamente no séc. V a. C. Como, dentre os principais contribuintes encontramos em um primeiro momento os poetas trágicos; depois, os historiadores; seguido por Empédocles; e em um quarto e último momento, os sofistas e os oradores 19. 13 Cf. LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 30-31. 14 Cf. Ibid., p. 32-33. 15 Vemos de forma mais elaborada a relação entre o beijo e a amizade no tratado sobre a Amizade Espiritual do Beato Aelredo Rievaulx, o qual teve a filosofia de Cícero como uma de suas bases, no século XII d. C., ao definir os três tipos de beijos entre amigos: corporal, espiritual e intelectual. 16 Relação amistosa observada até os tempos de Aristóteles, quando o mesmo diz: “entre essas amizades alguns classificam também a que se observa entre hospedeiro e hóspede”. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, VIII, 1156a30. 17 “O hóspede lhano que os receba amigo”. HOMERO. Ilíada, III. 18 LIMA, op. cit., p. 33. 19 Cf. Ibid., p. 40. 15 1.2.1 In Euripide, Herodoto, Thucydide et Empedocle Eurípedes rompe com a primeira ideia de φιλεΐν (phileîn) ao dizer que a philía se refere exclusivamente aos homens, pois quando os deuses são indiferentes se faz necessário φίλον (o amigo). Como cita João de Silva Lima: “aqueles que recebem benefícios dos deuses não têm necessidade de amigos 20”. Contudo, com a visão sobre philía de Eurípedes enquanto uma necessidade humana, ele passa a admitir que um “amigo é um bem, acima de todos os outros bens e a amizade um sentimento que se fortalece na vida comum 21”. Em Heródoto, philía teria não apenas o sentido de φιλότης (philótes), isto é, o sentido atribuído à relação de anfitrião e hóspede. Para Tucídides, philía possui um sentido de confiança total, generosidade e de valor devido a sua ligação com a virtude e a liberdade 22. Em Empédocles 23, philía não se desvincula do sentido do pensamento comum ou literário. A partir de então, o termo adquire um valor ontológico e cosmológico, no qual a philía unida a neikos (ódio) são considerados a lei da natureza,lei aplicada a todos os elementos: água, fogo, ar e terra, gerando assim todas as mudanças cósmicas. Portanto, amizade e ódio se tornam os elementos motores de toda a realidade, como nos diz Dion Davi Macedo: Em sua incessante mudança as raízes das coisas encontram sua medida na amizade, e sua dispersão no ódio, pois, sempre segundo Empédocles, ‘jamais... desses dois ficará vazio o interminável tempo’. Amizade e ódio são divindades responsáveis pela união e pela separação dos elementos 24. A amizade e o ódio serão sempre os extremos do movimento pendular que norteia toda a história da realidade e de cada ente, pois tudo que existe passa pela criação e corrupção, de forma a sempre se corromper e ressurgir, em um movimento eterno. Disso vem o uso do termo divindades: eles são princípios eternos, divindades, de modo análogo ao princípio do Motor imóvel 25 pensado por Aristóteles. 20 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 41. 21 Ibid., p. 41. 22 Cf. Ibid., p. 42. 23 “Empédocles, para muitos, ‘o filósofo da amizade e do ódio’, que os antigos não esquecem jamais de invoca-lo”. Ibid., p. 42. 24 MACEDO, Dion Davi. O primeiro amigo: sobre a noção de filia no Lisis de Platão. Caderno de atas da ANPOF, Rio de Janeiro, v.10, 2001, p. 14. 25 O princípio do Motor imóvel diz que deveria existir ao anterior a todo movimento e que seria a causa do movimento. 16 1.3 In periodibus socraticus Compomos o período socrático com aqueles pensadores contemporâneos do célebre Sócrates, tanto aqueles que participavam do seu discipulado, por meio dos quais temos acesso ao seu pensamento, quanto aqueles de quem o Ateniense possuía uma disparidade de ideias e da finalidade do que diz respeito ao agir em sociedade. 1.3.1 In Sophistis Com os Sofistas, o conceito de philía perdeu a tendência pré-socrática de ἀρχή (arché) enquanto princípio da realidade, e recebeu um uso nos discursos de teor antropológico, tanto do indivíduo com ele mesmo, quanto do indivíduo com a sociedade. A partir de então, o termo philía seria concebido como lei da natureza e invenção divina, e não é de se espantar que tenha consequência políticas, como nos afirma João Silva Lima: [Foi no] final do século V, que as ligações de parentesco, fundamento da velha aristocracia, se voltam mais e mais para as ligações de amizade, os partidários de um político são denominados ‘amigos’ e os partidos políticos recebem o nome de ‘hétairies’, que significa ‘amigável 26. É necessário salientarmos que nesse momento histórico do século V a. C., o conceito que se tinha sobre a relação de amizade não possui um caráter virtuoso, mas apenas um caráter utilitário, o que poderíamos definir como “a teoria da amizade útil”, que é um movimento próprio do pensamento utilitarista dos sofistas. 1.3.2 In Xenophonte Com Xenofonte, orador do final do séc. V a. C., vemos, especialmente no Memoráveis e no Banquete, uma análise sobre o que seria philía. Para Xenofonte, a philía era um princípio moral, um valor que vinha como atributo da alma humana, “uma virtude, muito embora vinculada, ainda, à noção de utilidade 27”. Entretanto, é de suma importância explicitarmos a ideia de utilidade nos textos de Xenofonte: útil seria aquilo ou aquele que levaria a pessoa a uma vida virtuosa, isto é, um amigo útil possui a faculdade de poder levar o outro amigo a uma vida moral mais elevada, dando conselhos justos, e o assistindo em suas dificuldades. Desta forma, 26 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 43. 27 Ibid., p. 43. 17 Xenofonte pertenceria a uma tradição que diz que o verdadeiro amigo é aquele que possui qualidades superiores, um homem virtuoso. Isso tem clareza quando o orador diz: E parecia-me também que estava certo quando ao modo como avaliar o tipo de amigos que valia a pena conquistar, quando fazia observações como estas: - Diz-me lá, Critobulo, se precisássemos de um bom amigo, onde é que tentaríamos procura-los? Não deveríamos, em primeiro lugar, procurar alguém que dominasse o estômago, a vontade de beber, a luxúria, o sono e a preguiça? É que aquele que é dominado por essas necessidades não pode acudir, no que é preciso, nem a si próprio, nem a um amigo 28. A máxima socrática γνῶθι σεαυτόν (conhece-te a ti mesmo) e suas consequências na visão do ideal ético no pensamento socrático é do nosso conhecimento. Esse caráter virtuoso expresso no possuir os predicados autárkeia e enkráteia 29, o amigo deveria ter autodomínio e bastar-se a si mesmo 30, e esses predicados vem do conhecimento de si, pois só aquele que conhece a si próprio pode dominar a si próprio e permanecer reto no seu agir, sem necessidade de outros. Xenofonte ainda adverte que “no tratamento com amigos, com estranhos ou em qualquer outra circunstância fica bem [a máxima] esse segundo as tuas forças farás sacrifícios 31”, pois ao ver no amigo algo valioso dever-se-ia fazer sacrifícios para conquistá-lo, ou seja, o homem deveria se tornar virtuoso para poder conquistar um amigo virtuoso e assim obter uma amizade verdadeira; o que sem sombra de dúvidas valia a pena, já que para Sócrates ter “um amigo virtuoso era a maior das recompensas 32”. Além do mais diz o Sócrates de Xenofonte: Aquele que procura a amizade parece-se mais com aquele que é dono de um campo: investe em tudo quanto possa melhorar e aumentar o valor daquele que é objecto do seu afecto 33. 28 XENOFONTE. Memoráveis, II, 6. 29 Cf. MACEDO, Dion Davi. O primeiro amigo: sobre a noção de filia no Lisis de Platão. Caderno de atas da ANPOF, Rio de Janeiro, v.10, 2001, p. 15. 30 Cf. Ibid., p. 15. 31 XENOFONTE, op. cit., II, 3. 32 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 47. 33 XENOFONTE. Banquete, VIII, 25. 18 Mostrando assim na obra Banquete o grande valor que possuía a amizade para o homem, uma vez que para a conquista de uma verdadeira amizade faz-se necessário tantos sacrifícios e empenhos, da parte do amante, do mestre, daquele que vendo o valor de um verdadeiro amigo se submete a conquistá-lo, e completa: O maior bem, para aquele que procura no rapaz que ama um bom amigo, é que forçosamente tem de exercitar a virtude, pois, com más acções, não tornará melhor o moço com quem convive e, com falta de vergonha e de domínio, não tornará o seu amado nem atinado nem decoroso 34. Portanto, para Xenofonte, philía possuía um valor moral. Sendo a amizade um elemento da moralidade, a qual é uma qualidade apenas dos virtuosos, o homem ao encontrar outro homem virtuoso deveria usar até de sacrifícios para garantir essa amizade, isto é, agir de forma a se tornar também ele um homem ainda mais virtuoso como citamos acima. Com isso, Xenofonte anula a possibilidade de haver amizade verdadeira entre os maus. 1.3.3 In Platone Em Platão, percebemos um grande interesse por definir o que seria a φιλία, sua natureza, o que constituiria um amigo e os critérios para a verdadeira amizade. Nele percebemos a íntima relação entre os três termos gregos que designam o sentimento de amor: φιλία, ερώς e αγαπή, que a tradição cristã aponta como sendo respectivamente o amor de amizade, amor erótico e amor de Deus, mas que não possuíam nos Diálogos Platônicos esses mesmossignificados e usos, como nos afirma Sabrina Scarpetta: Platone usava il verbo della stessa radice αγαπαν e talvolta lo affiancava a Φιλειν, ma non indicava un concetto diverso dall’ ερως e dalla Φιλια; d’altronde, amore nel significato di αγαπη resulterebbe incomprensibile a Platone e a qualunque greco del mondo pre-cristiano 35. No Banquete de Platão, vemos um longo diálogo sobre o amor, que na maioria das vezes era tratado no contexto da pederastia. Essa relação era muito comum no Mundo Grego Antigo e consistia na formação dos adolescentes feita pelo convívio com um homem mais velho e experiente, o que envolvia inclusive uma relação afetiva e sexual. 34 XENOFONTE. Banquete, VIII, 27. 35 SCARPETTA, Sabrina. Eros, Filia, Agape. Roma: Laboratorio Montessori, 2012, p. 8. 19 Nesta relação amorosa tinha-se a presença dos três termos relativos ao amor: ερώς, φιλία e αγαπή. O ερώς era aplicado ao amante, àquele que possuía o desejo de ensinar (elevar o outro), o que envolvia, portanto, um instinto pedagógico. O φιλία, por sua vez, aplicado ao amado, um sentimento mais passivo, próprio do discípulo. Porém, quando associado ao termo ἔρωτα 36, εροτική passaria a “expressar uma ‘afeição da qual o amor é o princípio’ 37”. Enquanto que αγαπή era, como acima citado, usado para ambos os casos. De qualquer modo, tanto φιλία, quanto αγαπή e ερώς têm em si um princípio comum, isto é, todos vêm de uma carência de um bem, o qual levaria a busca de um amado por um amante, seja ele mestre, discípulo, homem ou mulher: é o desejo do bem. Além do mais, percebemos que o amor é um gênio 38 que fica in médium, entre os extremos, o que nos remete ao conceito de virtude de Aristóteles 39. Para Platão, o amor era entendido como um meio que o homem tinha para provocar em outrem a vida virtuosa, como vemos no seguinte trecho da sua obra Banquete, que tratava sobre o amor: Οὕτω δὴ ἔγωγέ φημι Ἔρωτα θεῶν καὶ πρεσβύτατον καὶ τιμιώτατον καὶ κυριώτατον εἶναι εἰς ἀρετῆς καὶ εὐδαιμονίας κτῆσιν ἀνθρώποις καὶ ζῶσι καὶ τελευτήσασιν 40. O amor (ἔρωτα) é o dom mais poderoso para aquisição da virtude (ἀρετῆς) e da felicidade (εὐδαιμονίας). Nesse sentido, a virtude não seria apenas um pressuposto, mas também uma consequência desse “princípio do amor” (ἔρωτα), presente na relação entre ερωμένη καὶ φίλος, mestre e discípulo. Portanto, em Platão, amor e virtude possuíam uma íntima relação. Além disso, a relação pederasta começa pela carência de um bem; passa pela contemplação do belo, contemplação essa que em primeiro instante está em contemplar os corpos dos jovens, mas pretende atingir o puro belo, o que por sua vez também produz a virtude, como se ver em Platão no seu diálogo O Banquete: 36 Καὶ μητρός, οὓς ἐκείνη τοσοῦτον ὑπερεβάλετο τῇ φιλίᾳ διὰ τὸν ἔρωτα. PLATÃO. O Banquete, 179c. 37 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 70. 38 Cf. PLATÃO, op. cit., 202e-203a. 39 O conceito aristotélico de virtude diz que a virtude está no meio entre dois excessos, os quais seriam vícios. 40 “O Amor é dos deuses o mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da virtude e da felicidade entre os homens, tanto em sua vida como após sua morte”. PLATÃO, op. cit., 180b (tradução nossa; grifo nosso). 20 [...] quando então alguém, subindo a partir do que é belo, através do correto amor aos jovens, começa a contemplar aquele belo, quase que estaria a atingir o ponto final 41. [...] se alguém ocorresse contemplar o próprio belo, nítido, puro, simples, e não repleto de carnes, humanas, de cores e outras muitas ninharias mortais, mas o próprio divino belo [...] 42. [...] somente então, quando vir o elo com aquilo que este pode ser visto, ocorrer-lhe-á produzir não sombras de virtudes, porque não é em sombras que está tocando, mas reais virtudes [...] 43. Sendo assim, a prática do amor, mesmo que passe pelo carnal, tem por finalidade a contemplação, a produção da ἀρετή e a conquista da εὐδαιμονία. Νο Lísis, dialogo platônico que discute sobre a natureza da amizade, o conceito de πρώτον φίλον, o “primeiro amigo”, presente também no Banquete, é o princípio da relação de amizade: A verdadeira amizade exige como seu fundamento o Primeiro amigo, “em vista do qual dizemos que todas as coisas são amigas”. Todas as coisas amigas são imagens do Primeiro amigo, ‘aquele outro ao qual tendem’ as amizades humanas, causadas pela carência e pelo desejo que, por si mesmo, não é nem bom nem mau. O primeiro amigo é identificado ao Bem absoluto, e a verdadeira amizade é sempre procura, desejo e meio para se chegar ao Bem 44. Além de nos indicar o princípio da φιλία e nos revelar que na relação entre ερωμένη καὶ φίλος, o πρώτον φίλον, o Primeiro amigo (Sumo Bem) é a causa da relação, o discurso apresenta algumas características próprias da relação de φιλία que acho por bem salientar, apesar de o mesmo ser um diálogo aporético. A primeira diz que entre amigos deve haver reciprocidade: “así pues, no hay amigo para el amante, si no es correspondido 45”; a segunda complementa a primeira dizendo que se pode amar coisas sem ser amado por elas (como a filosofia e ginástica): “no es el amado que es amigo, sino el amante 46”. Em dado momento, Platão entra na questão que será muito discutida pelos filósofos posteriores: se a amizade pode existir entre diferentes. O primeiro argumento diz que não pode haver amizade entre os semelhantes, pois esses não 41 PLATÃO. O Banquete, 211b. 42 Ibid., 211e. 43 Ibid., 212a. 44 MACEDO, Dion Davi. O primeiro amigo: sobre a noção de filia no Lisis de Platão. Caderno de atas da ANPOF, Rio de Janeiro, v.10, 2001, p. 18. 45 Cf. PLATÃO. Lísis, 212d. 46 Ibid., 213a. 21 necessitam de nada: “¿cómo pueden tales cosas vincularse entre sí no prestándose mutuamente servicio alguno? ¿Es esto, de algún modo, posible? – No lo es 47”; o segundo argumento diz que não pode o bom ser amigo do bom, pois ambos não necessitam de nada, posição sustentada por outros filósofos 48, disto vem a necessidade da valoração mútua entre os amigos: “pero no serán amigos, si no llegan a valorarse mucho mutuamente 49”; logo mais, ele propõe que existe amizade entre um indivíduo bom e um indivíduo neutro 50, depois entre um neutro e um bom, se houver algo mal, por causa de um bem 51; em seguida levanta a tese de que os amigos são amigos pelo princípio de “conaturalidade 52”, mas o questiona, terminando o diálogo em aporia 53. Portanto, em Platão, vemos a amizade como um bem causado pelo Bem supremo, que é o πρώτον φίλον (o primeiro amigo), que gera no homem uma necessidade da virtude. Além disso, vermos os primeiros apontamentos de teses que serão mais desenvolvidas pelos filósofos posteriores, apesar do desfecho aporético do Lísis. 1.4 In cogitatione post socratica Após termos apresentado a relação entre philía e areté no pensamento pré- socrático e socrático, mostraremos como se deu essa relação no período pós- socrático. Do período pós-socrático, por nós serão expostos apenas os principais filósofos que fazem elo direto do pensamento grego ao romano de Marco Túlio Cícero. 1.4.1 In Aristotele No mestre de Alexandre o Grande, temos como principal fio condutor da reflexão sobre φιλία: “se a amizade pode nascer entre duas pessoas quaisquer, se podem ser amigos os maus, e se existe uma só espécie de amizade, ou mais 54”. 47 PLATÃO.Lísis, 215a. 48 “Não posso conceber que quem de nada precisa possa amar algo; não consigo conceber que quem nada ama possa ser feliz”. ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio ou da educação. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 301. 49 PLATÃO, op. cit., 215c. 50 Cf. Ibid., 216e. 51 Cf. Ibid., 217b. 52 Cf. Ibid., 221e-222a. 53 MERONNA, Helena Andrade. O percurso argumentativo do Lísis de Platão. Prometeus, São Paulo, v. 8, n. 17, 2015, p. 124. 54 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, VIII, 1155b10. 22 Com isso, percebemos que Aristóteles aprofunda as questões levantadas pelo seu mestre Platão. Aristóteles, já no começo do Livro XIII da Nicomaqueia 55, ressalta o fundamento e o valor de amizade e sua relação com a virtude: [A amizade] é uma virtude ou implica uma virtude, sendo, além disso, sumamente necessária à vida. Porque sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens 56. Destarte, o Filósofo estabelece uma relação entre φιλία e ἀρετή, em que os caracteres (indivíduos) são amigos por serem semelhantes, “bons e afins na virtude 57”. Mas, esta é uma forma de amizade, um grau da relação dito perfeito, já que “οs que desejam o bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais verdadeiramente amigos, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não acidentalmente 58”. Contudo, Aristóteles admite a existência de outros tipos de amizade, considerados de menor grau, que são entre os dessemelhantes, os quais fundamentam a sua relação de amizade no útil ou no aprazível. Sobre os caracteres que fundamentam sua amizade no útil se diz: “os que amam por causa de sua utilidade não se amam por si mesmos, mas em virtude de algum bem que recebem um do outro 59”. E, “os que são amigos por causa da utilidade separam-se quando cessa a vantagem, porque não amavam um ao outro, mas apenas o proveito 60”. Além disso, dos que fundamentam a sua amizade no interesse pelo prazer se diz: “idêntica coisa se pode dizer dos que se amam por causa do prazer; não é devido ao caráter que os homens amam as pessoas espirituosas, mas porque as acham agradáveis 61”. Deste modo, o Filósofo conclui que pode existir amizade entre caracteres que são dessemelhantes. Mas, que sobre essa relação de amizade não se poderia dizer que ela é de toda verdadeira, pois ao buscarem vantagens, assim que as conseguem, a amizade perde o seu sentido, torna-se passageira, uma vez que não tem seu alicerce na virtude: 55 Nicomaqueia é outro nome atribuído a Ética a Nicômaco de Aristóteles. 56 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, VIII, 1155a1-5. 57 Ibid., VIII, 1156b5. 58 Ibid., VIII, 1156b5. 59 Ibid., VIII, 1156a10. 60 Ibid., VIII, 1157a5-10. 61 Ibid., VIII, 1156a10. 23 Por conseguinte, quando o que se leva em mira é o prazer ou a utilidade, até os maus podem ser amigos uns dos outros, ou os bons podem ser amigos dos maus, ou aquele que não é bom nem mau pode ser amigo de qualquer espécie de pessoa; mas por si mesmos, só os homens bons podem ser amigos. Com efeito, os maus não se deleitam com o convívio uns dos outros, a não ser que essa relação lhes traga alguma vantagem 62. Deste modo, vemos que apenas os bons podem ser verdadeiramente amigos. Dessa igualdade entre os indivíduos da relação surge um importante conceito aristotélico que é o Έτερος εγώ, ο Alter ego, ou “Outro eu”, isto é, pessoas que essencialmente seriam iguais, no sentido de serem “boas” ou serem “virtuosas”: In a way, by introducing the concept, he is showing how someone who is not related by blood, heritage, or sometimes even totally different people, is willing to sacrifice and lose everything for the sake of another. Because what is certain is that a good person loves her own existence then maybe, through friendship, the other person becomes part of the self 63. Portanto, temos no Έτερος εγώ, no conceito filosófico de outro eu, a amizade considerada por Aristóteles como perfeita, pois este não se faz amigo puro e interessadamente pelo prazer ou pela utilidade, uma vez que “toda amizade tem em vista o bem ou o prazer 64”, mas pela natureza comum de ambos: Pois numa amizade desta espécie as outras qualidades também são semelhantes em ambos; e o que é irrestritamente bom também é agradável no sentido absoluto do termo, e essas são as qualidades mais estimáveis que existem 65. Portanto, a virtude e a amizade em Aristóteles se relacionam de forma mais plena na relação entre os bons, pois nestes existe uma relação de amizade na inteira acepção da palavra; e, partindo do princípio de “conaturalidade”, fundamento do Έτερος εγώ, podemos dizer que os virtuosos buscam os semelhantes, pois são iguais e “a companhia dos bons também nos oferecem um certo adestramento na virtude 66”, logo a amizade é fundada e fundamento da virtude no homem. 62 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, VIII, 1157a10. 63 ALVERIO, Efren A. Other selves. Kritike, Clemont, v. 4, n. 1, 2010, p. 212. 64 ARISTÓTELES. op. cit., VIII, 1156b15-20. 65 “Desta maneira, para introduzir o conceito, ele está mostrando como alguém que não tenha relação sanguínea com o outro, patrimônio, ou algumas vezes pessoas completamente diferentes, está disposto sacrificar e perder tudo pelo bem de outro. Porque o que é certo é o que uma boa pessoa ama por si mesma, até talvez, pela amizade, e a outra pessoa se torna parte da primeira pessoa”. Ibid., VIII, 1156b20 (tradução nossa). 66 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, IX, 1170a10. 24 1.4.2 In Panætio Panécio de Rodes está no que se classifica como médio estoicismo 67, um estoicismo mais maduro, no qual se valoriza a figura de Deus. O filósofo de Rodes desperta um peculiar interesse neste trabalho por ser o ponto de ligação entre Aristóteles e Cícero, uma vez que esse, apesar de ser um estoico, foi grandemente influenciado por Aristóteles, não sendo assim fechado na doutrina estoica; e, por ser o autor de “Sobre o conveniente”, obra que, no que diz respeito à obra Laelius, de amicitia 68 e a obra De Officiis, orienta o pensamento de Marco Túlio Cícero: Non è da escludere, quindi, che la scuola aristotelica abbia esercitato un qualche influsso non soltanto sulla Stoa antica, ma altresì su Panezio, che era particolarmente attento al pensiero aristotelico 69. Panezio fu grande ammiratore de Platone e Aristotele e che introdusse nel pensiero stico elementi peculiari della dottrina di quei due filosofi. L’importanza di questo giudizio, che trova conferma in alcuni passi di Cicerone, è stata, di recente, messa ingiusta luce da Glucker, Sandbach e Dorrie 70. Panécio, como muitos dos filósofos antigos, foi um grande admirador de Platão e Aristóteles, como nos mostrou Brill. Mas, no que diz respeito ao problema da amizade, interessantemente, parece ter sido mais influenciado pelo Aristotelismo até mesmo do que pelo Estoicismo, corrente à qual ele se associava: Le traité dans son entier a une nette consonance académicienne, et la référence est nettement plus aristotélicienne que stoïcienne, par exemple lorsqu'on lit : Έπεί δ η αληθινή φιλία τρία ζητει μαλιστα, την αρετην ως καλόν, και την συνήθειαν ώς ήδύ χρείαν ώς αναγκαιον « Car la véritable amitié recherche avant tout trois choses : la vertu comme bien, l'intimité comme agréable, et l'utilité comme nécessaire » 71. O filósofo de Rodes diz que a verdadeira amizade se dirige “à virtude como bem, à intimidade como agradável e à utilidade como necessária”, o que deixa clara 67 O Médio estoicismo é o período em que a corrente estoica foi sendo transmitida a Roma e no qual se podeverificar uma atenuação da ética estoica inicial. 68 Cf. NARDUCCI, Emanuele (Org.). Introdução. In: ____. Marco Tullio Cicerone: L’amicizia. 3. ed. Milano: BUR Classici greci e latini, 2015, p. 10. 69 VIMERCATI, Emmanuele. Il mediostoicismo di Panezio. Milano: Vita e Pensiero, 2004, p. 122. 70 BRILL, E. J. Filodemo, Storia dei filosofi, La stoà da Zenone a Panezio. New York: The Netherlands, 1994, p. 28. 71 LAURAND, Valéry. Les liens de la vertu: la doctrine stoïcienne de l’amitié. Vita Latina, França, v. 178, n. 1, 2008, p. 67-68. 25 a sua ligação com a filosofia aristotélica. Além do mais, Panécio, assim com Aristóteles, diz que a relação de amizade deve ser a normativa que guia toda vida social: L’amitié est pensée comme lien social par excellence, où la πολυφιλία constituerait la ‘norme’ de toute vie en société, la norme, c’est-à-dire cette lueur qui nous vient de l’exemple du sage 72. Tendo em mente a definição do sábio estoico como aquele que age conforme a sua φύσις, sua phýsis, sua natureza, Panécio não é contrário à visão estoica clássica sobre o ideal όμολογουμένως τῆ φύσει ζῆν, de viver de acordo com a própria natureza, apresentada por Zenão de Cítio (335 a. C.), o fundador do Estoicismo: Zenone esprime questi concetti con chiarezza: “Nel suo trattato La natura dell’uomo Zenone fu il primo sostenere che il fine è vivere in modo coerente con la natura, ossia vivere secondo virtù: e infatti la natura ci conduce alla virtù” 73 Com isso, em Panécio de Rodes, vemos que a virtude estabelece uma relação com a amizade, pois ambas são τέλος, finalidades alcançadas com o agir de acordo com a natureza, o que se assemelha à visão estoica de um lado, e de outro vemos a ligação entre amizade, o agradável e o útil, como na visão aristotélica, antecipando, ou sendo fonte de cópia dos escritos de Marco Túlio Cícero. 1.5 Summa capituli Sabemos, portanto, que no pensamento Grego Antigo de Homero à Panécio, o conceito de φιλία sofreu muitas alterações, pois no período anterior à terceira metade do século V a.C. ele não designava a amizade como se passou a pensar após esse período, isso é, a amizade não era a relação entre pessoas que visavam a virtude, o bom e o útil, por meio de uma “conaturalidade” entre indivíduos bons, em maior ou menor grau como nos mostra o Filósofo, que também foi influenciado pelos questionamentos platônicos. Percebemos que essa visão é o alicerce de apoio de tudo que Marco Túlio Cícero irá desenvolver em suas obras e trabalhos enquanto filósofo, político e escritor. Ademais, reconhecemos a vasta gama de sucessores dos socráticos que antecederam Marco Túlio Cícero, porém não trabalharemos mais autores, além dos 72 LAURAND, Valéry. Les liens de la vertu: la doctrine stoïcienne de l’amitié. Vita Latina, França, v. 178, n. 1, 2008, p. 64. 73 VIMERCATI, Emmanuele. Il mediostoicismo di Panezio. Milano: Vita e Pensiero, 2004, p. 148. 26 aqui já trabalhados, como dito anteriormente. De igual modo, não exporemos o citado “Sobre o conveniente” que influenciou algumas de suas obras. Pois, pouco mais se poderia e seria conveniente dizer sobre os sucessores dos socráticos, que antecedem o Arpinate: [os] sucessores dos grandes socráticos, retomam o problema da amizade; mas suas obras não chegaram até nós. Das escolas helenísticas podemos dizer que todas trataram, seguramente por sua vinculação ao problema ético, centro de especulação de tais correntes, dos pontos de vista destas, cujas obras estão reduzidas a um ou outro fragmento dificilmente acessível para nós 74. Portanto, para podermos fazer esse percurso na relação entre φιλία καὶ ἀρετή, foi necessário o estudo, ainda que superficial, dos filósofos citados acima, uma vez que, no tocante ao pensamento ciceroniano esses são os filósofos que desempenham uma influência filosófica, cujos textos se fazem, em parte, acessíveis a nós nos dias atuais. 74 CANALES, Adrían Torres. Sobre o conceito da amizade em Cícero e na antiguidade greco- romana. Revista Occidente, Santiago do Chile, 2014, p. 2. 2 Sobre a Originalidade de Marcus 75 Tullius Cicero Cícero foi vítima de graves críticas a respeito de sua originalidade, as quais o deixam opaco no estudo da filosofia. Portanto, neste capítulo conceituarei a noção de originalidade e exporei as críticas sofridas por Cícero que colocam a importância e a originalidade de seu trabalho em um estado depreciativo, assim como, em contrapartida, a resposta de especialistas em defesa dele, a fim de que se possa compreender a originalidade de suas obras em relação às obras dos filósofos do período helenístico. Para isso, exponho traços biográficos de Marcus Tullius Cicero, sua história como forma introdutória, para que se possa compreender as críticas e, de modo breve, as importantes contribuições que Cícero trouxe para os Padres da Igreja. 2.1 Curriculum Vitæ Marcus Tullius Cicero nasceu na região de Arpino, atualmente localizada no território italiano, em 106 a.C.; seus pais tinham uma condição social bem “discreta 76”, pois não pertenciam ao círculo do governo de Roma 77. Cícero iniciou seus estudos em sua cidade natal, mas os desenvolveu inicialmente em Roma, onde pôde ter acesso a estudos de retórica e oratória, junto ao seu irmão Quinto, quando Cícero possuía em torno de 10 anos. Nesses estudos de retórica e oratória, Cícero pôde receber ensinamentos que vinham da cultura grega, passando a dominar a partir de então a língua grega 78 e latina, o que lhe possibilitou viajar para a Grécia em busca de aprofundamentos na filosofia grega: em 79 a.C., Cícero deixou Roma por dois anos a fim de fortalecer sua saúde e contrair veemente estilo retórico, passando seus primeiros seis meses em Atenas com Antiochus 79, em cuja academia se procurava enfatizar os 75 “E imediatamente depois que ele [o imperador Cézar] tinha derrotado Antônio, sendo então cônsul, ele fez o filho de Cícero seu colega no oficio; e sob esse consulado o senado derrubou todas as estátuas de Antônio [assassino de Cícero] e aboliu todas as outras honras que tinham sido dadas a ele e decretou que ninguém daquela família daí em diante deveria carregar o nome de Marcus”. CICERO by Plutarch. (tradução nossa). Disponível em: <http://classics.mit.edu/Plutarch/cicero.html>. Acesso em: 18 jul. 2017. 76 Cf. NARDUCCI, Emanuele. Introduzione a Cicerone. Itália: Laterza, 2010, p. 9. 77 Cf. NICGORSKI, Walter. Cicero’s Practical Philosophy. Notre Dame: University of the Notre Dame, 2012, p. 65. 78 Cf. CICERO by Plutarch, op. cit. 79 Cícero o considerava o filósofo mais famoso e muito sábio da antiga academia. Cf. Ibid. 28 elementos positivos do ensino socrático, elementos compartilhados pelos estoicos, peripatéticos e seguidores de Platão. Como nos mostra a história, Cícero, o “estudioso do grego 80”, ao contrário dos romanos de modo geral 81, tornou-se muito inclinado à filosofia, tinha-a como uma paixão. Mas, via na vida política também outra paixão; com isso, depois de ter sido convidado por amigos a agir em defesa de Sylla, por verem nisso uma forma de apresentação justa e respeitável para vida pública, e tê-lo defendido e conquistado fama, Cícero começou a se dedicar à vida pública 82. Quando foi nomeado Questor na Sicília, a pedido do povo siciliano, agiu no caso de Verres 83, o que lhe trouxe renome assim como o caso da conspiração de Catilina 84, levando- o a uma ascensão política. Por fim, Cícero chegou a ser cônsul. Durante esse período, Cícero que era republicano, teve vários conflitoscom o futuro Imperador Júlio Cézar, um claro monarquista, o mesmo da celebre frase: “Até tu, Brutus 85, meu filho!”. Mas, um dos principais conflitos foi ter se juntado a Pompeu 86, seu amigo, durante a Guerra civil. Entretanto, com o fim da República, Cícero se volta 87 para a sua primeira paixão: a filosofia, como nos mostra Nicgorski: Such learning was his first love but was not, given the circumstances of his lifetime, perceived as his first duty. Only in the usually very brief interstices of an active public life did Cicero succumb to the attraction of literature and philosophy. In the last years of the Republic, however, and in those six years Cicero lived after its fall, the persuasive power of the orator in Roman life gave way to physical intimidation and violence. Cicero proclaimed himself silenced by the death of the Republic. In this time, he eagerly turned to philosophy, and in the last three years of his life, he wrote all but 80 Modo pejorativo com o qual era conhecido, segundo Plutarco. Cf. NICGORSKI, W. Cicero’s Practical Philosophy. Notre Dame: University of the Notre Dame, 2012, p. 76. 81. Cf. Ibid., p. 65. 82 Cf. CICERO by Plutarch. (tradução nossa). Disponível em: <http://classics.mit.edu/Plutarch/cicero.html>. Acesso em: 18 jul. 2017. 83 O pretor da Sicília, Caio Verres, foi acusado pelos sicilianos, em 70 a. C., de abuso de poder, extorsão e fraude. 84 Lucius Catiline foi acusado, além de outras grandes ofensas, de ter desflorando sua filha virgem e matar seu próprio irmão. 85 “Se bem que fosse [Cícero] um dos mais devotados amigos de Bruto”. PLUTARCO. Cícero. São Paulo: Atena Editora, 2001, XLII. 86 Pompeu Magno foi um grande e temido militar romano que chegou ao consulado. 87 He found in Plato and in the Greek poets the only consolation a pagan could know. “Ele encontrou em Platão e nos poetas gregos o único console que um pagão poderia conhecer”. SLAUGHTER, M. S. Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 1921, p.121 (tradução nossa). 29 three of his philosophical writings 88. Após esse período final de sua vida dedicado à filosofia, Cícero é morto, em 45 a. C., a mando de Antonius, e suas mãos e cabeça são arrancados e colocados na tribuna, principal espaço onde os oradores se apresentavam em Roma. Contudo, os textos de Cícero não morreram com sua decapitação e a dilaceração de suas mãos, o que foi produzido por esses alvejados membros, tornou-se: They are not without merit in themselves though they may count for little in the history of philosophy by the side of their greater Greek equivalents. To the Church Fathers of the fourth and succeeding the occasional layman, Cicero was one of those who quasi cursores vitae lampada tradunt (Lucr. II: 79) – like runners hand on the lamp of life 89. Sendo assim é considerado por Lucrécio como aquele que, análogo ao homem que passa a tocha olímpica à frente, passa a sua lâmpada da vida, de seu conhecimento, aos Padres da Igreja; de tal forma que certa vez São Jerônimo em visão 90 foi advertido que ele mesmo não seria um cristão, mas um ciceroniano 91, pois “onde está o teu tesouro aí estará também seu coração 92”. E estes estudos ciceronianos foram para além dos Padres da Igreja e tornaram-se conteúdo obrigatório durante grande parte da história. Mas, entorno do século XIX, o interesse sobre eles foi quase extinto. Retornando com maior vigor, apesar: Judged by the conventional standard of the number of monographs, scholarly articles, and dissertations on Cicero's philosophy, regard for Cicero as a serious thinker or even a serious political thinker is indeed low. The number of such items appearing in America in the last generation can be tallied on one hand, or perhaps two, 88 “Esse aprendizado foi seu primeiro amor, porém, dadas as circunstâncias de sua vida, não foi percebido como seu primeiro dever. Somente nos interstícios geralmente muito breves de uma vida pública ativa, Cícero sucumbiu à atração da literatura e da filosofia. Nos últimos anos da República, no entanto, e nesses seis anos, Cicero viveu, após a sua queda, o poder persuasivo do orador na vida romana dar lugar a intimidação física e a violência. Cícero proclamou-se silenciado pela morte da República. Neste momento, ele se dirigiu ansiosamente para a filosofia, e nos últimos três anos de sua vida, ele escreveu todos, seus escritos filosóficos, com exceção de três”. NICGORSKI, Walter. Cicero’s Practical Philosophy. Notre Dame: University of the Notre Dame, 2012, p. 69 (tradução nossa). 89 “Eles não estão sem mérito em si mesmos, embora possam contar pouco na história da filosofia ao lado de seus maiores equivalentes gregos. Para os Padres da Igreja do quarto século e sucessores, o leigo ocasional, Cicero era um daqueles que quase cursores vitai lampada tradunt (Lucr. II: 79) - como corredores que levam a luz da vida”. Ibid., p.121 (tradução nossa). 90 Cf. Ibid., p. 120. 91 Tamanha foi a influência dos escritos de Cícero na história europeia e cristã, que Dilthey chega a dizer que seus escritos ficavam ao lado da Bíblia. Cf. CROCE, Benedetto. Intorno al giudizio del Mommsen su Cicerone. Quaderni della “critica” diretto da B. Croce, Roma, n. 6, 1946, p. 69. 92 BÍBLIA, Mt. 6,21. 30 depending on how one would classify several marginal entries 93. No mesmo Estados Unidos e na Europa, onde se percebia uma desvalorização do interesse pelos estudos ciceronianos, houve uma nova valorização e um renascimento dos interesses em Cícero, tanto o valor de suas obras sobre a política, como seus poemas, suas mais de mil cartas e suas obras filosóficas. 2.2 De Notione Novitatis Com a finalidade de tratar sobre questões como a originalidade, é necessário primeiro tentar estabelecer o conceito do que se compreende como originalidade filosófica. Infelizmente, não foi possível encontrar isso em um dicionário ou um livro de algum brilhante filósofo. Portanto, dispus de materiais diversos que tratam desde a originalidade em determinado autor à concepção de originalidade em dissertações e teses. Propomos, desse modo, concepções do que se entende por originalidade e os critérios para a mesma, aplicando esses conceitos e critérios na questão da originalidade no meio filosófico. No que se diz sobre originalidade, de modo geral, temos a ideia de que ela seria a novidade própria de um pensamento ou teoria de um autor. Mas, não podemos deixar a questão no campo subjetivo, é necessário para melhor aprofundarmos isso vermos o conceito em outros autores. Vemos que em FornetBetancourt o original: É um pensamento novo porque brota do inédito, isto é, não é uma reorganização teórica, nem uma radicalização dos posicionamentos ocidentais, mas a criação a partir das potencialidades filosóficas que se vão historizando em um ponto de convergência comum, não dominado, nem colonizado culturalmente por qualquer tipo de tradição cultural 94. FornetBetancurt defende nesse trecho a originalidade de uma filosofia da cultura. Contudo, no tocante a sua compreensão sobre a originalidade, percebemos 93 “Julgados pelo padrão convencional do número de monografias, artigos acadêmicos e dissertações sobre a filosofia de Cícero, a consideração por Cícero como um pensador sério ou mesmo um pensador político sério é de fato baixa. O número desses itens que aparecem nos Estados Unidos na última geração pode colocado em uma mão, ou talvez duas, dependendo de como classificar as várias entradas secundárias”. NICGORSKI, Walter. Cicero’s Practical Philosophy. Notre Dame: University of the Notre Dame, 2012, p. 63 (traduçãonossa). 94 SOUZA, Rubin Assis da Silveira. Breves considerações críticas acerca do método para uma filosofia intercultura de Raúl FornetBetancourt. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 23., 2014, Florianópolis. Anais Florianópolis: UFSC, 2014, p. 3. 31 que para ele a originalidade deve brotar do inédito e não advir de uma reorganização teórica. Mas, para tanto, deve se compreender o que se entende por inédito no que se diz da publicação de trabalhos: O ineditismo, por exemplo, isoladamente, nada significa. O fato de um estudo não ter sido antes publicado, não é elemento justificativo a que, por isso, ele deva ser divulgado. Estritamente considerando, todo trabalho que não seja de republicação, ou cópia de outro, é inédito 95. Mostra-se interessante a definição de Bicas, pois também nos revela a ideia de que o fato de uma coisa ter sido publicada, não necessariamente seja de origem própria de quem a publicou, ou seja, há ideias que são de acesso comum ou de uma determinada pluralidade de pessoas, mas que se são publicadas por uma determinada pessoa, ela recebe a honra do ineditismo do pensamento. Portanto, o inédito não é simplesmente a novidade própria de um pensamento, ou teoria de um autor, mas se torna a novidade própria de um pensamento, ou teoria publicado por certo autor; o que nos faz questionar a ideia de autoria. Segundo Leclerc, “L'authorship est fait d'identification, c'est-à-dire qu'il est un lien symbolique à ce qui est propre et unique 96”, ou seja, a autoria passa a ser aquilo que serve de identificação, uma linha simbólica que unifica coisas diferentes a um sujeito ou grupo determinado, portanto, a autoria funcionaria como uma marca. Contudo, Harley Bicas nos apresenta, em seu trabalho sobre as características que orientam a produção de artigos científicos, o que seria o conceito de originalidade diante do conceito de ineditismo que por muitas vezes são equiparados ou simplesmente considerados como sinônimos pelo público em geral: Originalidade, por outro lado, implica desvendamento de dúvidas, apresentação de perspectivas à abordagem de problemas, revelação de resoluções, explicitação de correlações importantes, enfim, descrição de novidades que enriqueçam o conhecimento sobre um assunto. É, portanto, a condição nuclear pela qual os limites da ciência se expandem, devendo ser distinguida como característica de mérito para a publicação. Um artigo como o de um "relato de caso", por exemplo, é original (ou deixa de sê-lo) por conter elementos (ou não os ter) que contribuam para melhor 95 BICAS, Harley E. A. Ineditismo, originalidade, importância, publicidade, interesse e impacto de artigos científicos. Arq. Bras. Oftalmol., São Paulo, v. 71, n. 4, 2008, p. 473. 96 PONTILLE, David. Qu’est-ce qu’un auteur scientifique? Perspectives sur les activités de signature. Sciences de la Société, Toulosa, 2006, p. 3. 32 compreensão da entidade descrita, seu diagnóstico e tratamento, não havendo razão para que seja aprovado para aparecer se for, apenas, "mais um" entre os já antes publicados. Para um leitor experiente e bem informado, a originalidade é facilmente reconhecida, dependente de conhecimentos sobre os limites do conhecimento, no tema a que o trabalho se refere 97. Desse modo, vemos que a originalidade está vinculada a elementos que possam contribuir para uma ampliação do conhecimento que se tenha em determinado campo da ciência, de modo a se excluir o caráter inovador em todo o trabalho, assim passando a ser suficiente para se constituir original a obra, ou ideia ter elementos contribuintes para o tema; o que nos permite dizer que o fato de uma ideia ser aplicada em uma nova circunstância dá a ela um status de originalidade. Entretanto, houve momentos ao longo da história 98 em que existiram modelos de trabalho a serem imitados, que poderíamos chamar de “referenciais teóricos”, que serviram como critério para que algo fosse considerado como de boa qualidade, no que se diz de produção textual, disso nos vem à distinção de originalidade e imitação: Considerar a produção textual como imitação implica advogar a primazia de um modelo previamente determinado e considerá-la como original implica defender a produção escrita como produto de um sujeito original e criativo, caso em que o texto é tido como resultado apenas de uma intencionalidade do sujeito 99. Portanto, a imitação teria como base um modelo previamente determinado, e o original seria fruto da intencionalidade criativa de um sujeito. Mas essa mesma ideia não descarta o fato de que se um texto tem elementos inovadores ele pode ser considerado original; uma vez que teríamos textos que na perspectiva do referencial poderiam ser considerados imitações, mas se o sujeito põe conteúdos nesses textos, ou intencionalidades novas, os textos seriam considerados originais: É preciso reconhecer, no entanto, que a principal justificativa para a afirmação da originalidade de um trabalho filosófico não está na intenção do autor, mas deve estar nos resultados que ele apresentou direta e indiretamente por meio da obra 100. 97 BICAS, Harley E. A. Ineditismo, originalidade, importância, publicidade, interesse e impacto de artigos científicos. Arq. Bras. Oftalmol., São Paulo, v. 71, n. 4, 2008, p. 473. 98 Cf. BAPTISTA, Lívia Márcia Tiba Rádis. Autoria, discurso e sujeito: uma questão de singularidade ou originalidade?. Interfaces, Guarapuava, v. 2, n. 2, 2011, p. 27. 99 Ibid., p. 28. 100 GRISOTTO, A.; ALBERTUNI, C. A.; FELDHAUS, C. (Org.). In: ENCONTRO DE EGRESSOS E ESTUDANTES DE FILOSOFIA: a ética e o ensino de filosofia, 5., 2013, Londrina. Anais. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2012, p. 101. 33 Contudo, mesmo que outros autores durante a história não coloquem a intencionalidade como um meio suficiente para se verificar a originalidade de um trabalho, a intenção é admitida como um critério de originalidade, que é unido às consequências diretas ou indiretas da obra. Porém, essa realidade que exigia a imitação de modelos previamente estabelecidos que se fez presente em determinados momentos da história teve uma mudança, como nos afirma Lívia Baptista: Já nos séculos XIX e XX se desenvolveu a noção de originalidade, contraposta a de engenhosidade e cultivou-se uma literatura que se supunha originar-se de si mesma ou da realidade, ao modo romântico ou realista. Dessa ótica, não mais se tratava de uma dada tradição que se deveria cultuar ou imitar 101. Deste modo, independente do momento histórico em que se encontre o conceito de originalidade, especialmente no século XIX e XX, ele se volta para uma conceituação na qual se afirma que se o texto possui elementos inovadores, baseados no contexto ou realidade em que se são produzidos, mesmo que pressuponha um modelo determinado, o texto é considerado como original. Logo, a originalidade filosófica seria um pensamento ou teoria publicada por determinado autor que é possuidor de um caráter totalmente inovador ou parcialmente inovador. 2.3 De Iudiciis Cícero durante a história da filosofia sofreu diversas críticas, mas sem grande expressão, ou dano que comprometesse o interesse pelo estudo de suas obras filosóficas, diálogos políticos, poemas, cartas et al. Todavia, não podemos negar que as críticas de suas obras ganharam grande força em um passado próximo. Sobre os seus escritos, o que mais chamou a atenção dos críticos de Cícero foi a velocidade com que ele escreveu as suas obras, que segundo se diz foi cerca de 2 a 3 anos, como, segundo Slaughter, provoca-nos Theodor Mommsen: "with equalpeevishness and precipitation Cicero composed in a couple of months an entire philosophical library 102”. 101 GRISOTTO, A.; ALBERTUNI, C. A.; FELDHAUS, C. (Org.). In: ENCONTRO DE EGRESSOS E ESTUDANTES DE FILOSOFIA: a ética e o ensino de filosofia, 5., 2013, Londrina. Anais. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2012, p. 101. 102 “Com precipitação e impertinência Cícero compôs em alguns meses uma biblioteca filosófica inteira”. SLAUGHTER, M. S. Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 1921, p.120 (tradução nossa). 34 Esse historiador alemão, escritor de uma das mais importantes obras sobre a História da Roma Antiga 103, é considerado por especialistas como o mais severo crítico de Cícero 104, mas essas críticas, por vezes em tons descabidos, mais do que baseadas em fatos verídicos presentes nas obras de Cícero, parecem ter como base um posicionamento meramente político: As most of you know and many of you have said, the modern attitude towards Cicero of harsh criticism and deliberate undervaluation is largely due to the influence and wide circulation and acceptance of Mommsen's History of Rome. Men living under free institutions have accepted without question the judgment of an arch supporter of a benevolent despotism, who in making a demigod of Julius Caesar, the real founder of the Roman Empire, found it impossible to see any virtue in Cicero, the advocate of a free state, the believer in an ideal republic, and the author of a programme to establish such a state 105. Uma vez que Mommsen era contra o Sistema Republicano, ao qual Cícero tanto idealizou e trabalhou para defender, e por ser ele também um historiador da Roma Antiga, ele aderiu às ideias monárquicas de Júlio Cézar “divinizando-o” e menosprezando Marco Túlio Cícero, como nos mostra Slaughter em trecho de sua obra: Mommsen is quite incapable by birth, nature, and training of understanding the situation in Rome in Cicero’s day seen from any idealistic point of view. The idea of a free state enrages him. He worships Caesar and defends the despotism established by him, the revised divine right despotism brought into Europe from the Orient by Alexander of Macedon. The very name Caesar intrigues the mind of Mommsen and betrays him into making this self- revealing statement which fortunately now calls for a slight revision: "The peoples to whom the world belongs still at the present day 103 Obra publicada em alemão com o título Römische Geschichte. 104 Cf. SLAUGHTER, M. S. Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 1921, p.123. 105 “Como a maioria de vocês conhecem e muitos de vocês disseram, a atitude moderna em relação a Cícero de críticas severas e desvalorização deliberada deve-se em grande parte à influência e ampla circulação e aceitação da História romana de Mommsen. Os homens que vivem sob instituições livres aceitaram sem questionar o julgamento de um arco partidário de um despotismo benevolente, ao tratar como um semideus Júlio Cézar, o verdadeiro fundador do Império Romano, acharam impossível ver qualquer virtude em Cícero, o defensor de um estado livre, o crente em uma república ideal e o autor de um programa para estabelecer tal estado”. Ibid., p.120 (tradução nossa). 35 designate the highest of their rulers by the name of Caesar" 106. E, não foi apenas Slaughter a notar essa relação entre o posicionamento político de Mommsen e a sua veneração ao imperador Júlio Cézar e depreciação ao republicano Cícero. Outros autores notam essa mesma falha, ou até mesmo desonestidade na orientação dos escritos do historiador alemão, como o latinista e historiador francês Gaston Boisser: Boissier insisté sulla necessità di tenere distinto il giudizio storico a posteriori da quello dei contemporanei: i presunti ‘benefici’ che le future nazioni europee avrebbero tratto nei secoli successivi dalla vittoria di Cesare non rientravano affatto nel programma politico dello stesso Cesare, prevalentemente indirizzato alla personale conquista del potere; e Cicerone, opponendosi alla politica di Cesare, non intendeva contrastare il corso inesorabile della storia, ma semplicemente salvaguardare quella che era ai suoi occhi la legalità delle istituzioni repubblicane 107. Portanto, tendo em vista o que já foi dito sobre o conflito político na relação entre Cícero e o imperador Cézar, vemos que Theodor Mommsen, que era um comum difamador de personagens 108 fez uma cisão entre os personagens, ignorando até mesmo os reconhecimentos mútuos presente nas cartas e histórias desses dois ícones da antiguidade romana, em favor de suas ideias “antirrepublicanas”. Após termos exposto o plano de fundo político das críticas do alemão Theodor Mommsen, apresentaremos as principais críticas feitas por ele no final do terceiro volume de seu livro sobre a história romana antiga. Na primeira crítica vemos que Mommesen acusa Cícero de se utilizar do padrão dos Diálogos platônicos: Endlich entwickelt sich in der ästhetischen Literatur dieser Zeit die künstlerische Behandlung fachwissenschaftlicher Stoffe in der Form des stilisierten Dialogs, wie sie bei den Griechen sehr verbreitet und vereinzelt auch bereits früher bei den Römern vorgekommen war (II, 456). Namentlich Cicero versuchte sich vielfach in der Darstellung rhetorischer und philosophischer Stoffe in dieser Form 106 “Mommsen é bastante incapaz por nascimento, natureza e treinamento de entender a situação em Roma no dia de Cícero visto de qualquer ponto de vista idealista. A ideia de um estado livre o irrita. Ele venera César e defende o despotismo estabelecido por ele, o despotismo de direito divino corrigido trazido para a Europa a partir do oriente por Alexandre da Macedônia. O próprio nome César intriga a mente de Mommsen e o trai para fazer esta afirmação auto reveladora que, felizmente, agora exige uma pequena revisão: "Os povos a quem o mundo ainda pertence no presente designam o mais alto de seus governantes pelo nome de César”. SLAUGHTER, M. S. Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 1921, p.130 (tradução nossa). 107 NARDUCCI, Emanuele. Introduzione a Cicerone. Itália: Laterza, 2010, p. 4. 108 Cf. SLAUGHTER, op. cit., p.126. 36 und in der Verschmelzung des Lehrbuchs mit dem Lesebuche. Seine Hauptschriften sind die, vom Redner‘ (geschrieben 699), wozu die Geschichte der römischen Beredsamkeit (der Dialog, Brutus‘, geschrieben 708) und andere kleinere rhetorische Aufsätze ergänzend hinzutreten, und die Schrift, vom Staat‘ (geschrieben 700), womit die Schrift, von den Gesetzen‘ (geschrieben 702?) nach Platonischem Muster in Verbindung gesetzt ist 109. De igual modo, na segunda crítica, vemos que as ideias políticas de cunho filosófico propostas por Cícero para o governo da Antiga Roma, também foram criticadas por Theodor Mommsen como ideias pertencentes aos filósofos gregos. Além disso, outras acusações lhe são feitas de modo velado pelo historiador alemão: Die Schrift vom Staat führt in einem wunderlichen geschichtlich- philosophischen Zwittergebilde den Grundgedanken durch, daß die bestehende Verfassung Roms wesentlich die von den Philosophen gesuchte ideale Staatsordnung sei; eine freilich ehen so unphilosophische wie unhistorische, übrigens auch nicht einmal dem Verfasser eigentümliche Idee, die aber begreiflicherweise populär ward und blieb. Das wissenschaftliche Grundwerk dieser rhetorischen und politischen Schriften Ciceros gehört natürlich durchaus den Griechen und auch vieles einzelne, zum Beispiel der große Schlußeffekt
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