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A originalidade de Marco Túlio Cícero um percurso na relação entre philía e areté do pensamento grego ao romano ciceroniano

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Caique Pablo Souza Santos 
 
 
 
 
 
 
A originalidade de Marco Túlio Cícero: 
um percurso na relação entre philía e areté 
do pensamento grego ao romano ciceroniano 
 
 
 
MONOGRAFIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
Dezembro de 2017 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO 
Curso de Filosofia 
 
 
 
 
 
 
 
A originalidade de Marco Túlio Cícero: 
um percurso na relação entre philía e areté 
do pensamento grego ao romano ciceroniano 
 
 
 
 
Caique Pablo Souza Santos 
Orientador: Prof. Dr. Carlos Federico Gurgel Calvet da Silveira 
 
 
Caique Pablo Souza Santos 
 
 
 
 
A originalidade de Marco Túlio Cícero: 
um percurso na relação entre philía e areté 
do pensamento grego ao romano ciceroniano 
 
 
 
Monografia apresentada à Pontifícia Universidade 
Católica do Rio de Janeiro, como requisito parcial 
para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia. 
 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Carlos Federico Gurgel Calvet da Silveira 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
Dezembro de 2017
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Dedico esse trabalho monográfico a todos aqueles que se empenharam, 
ao longo da História, no estudo de Marco Túlio Cícero, os quais 
possibilitaram que eu pudesse conhecer sua vida e pensamento. 
 
Agradecimentos 
Primeira e de forma singela, pois não há palavras suficiente para agradecê-Lo, eu 
rendo graças a Deus por poder escrever esse trabalho monográfico, Ele que é Autor 
e Princípio sustentador da minha vida e da amizade virtuosa; aos meus familiares 
que me acompanharam ao longo da minha história; e, de modo especial, a todos 
aqueles a quem posso chamar de amigos, inspiração inicial deste trabalho, pois 
nos dizeres do Marechal Vauvenargues 1: “os grandes pensamentos vêm do 
coração 2”. 
Igual gratidão quero expressar a todos os meus professores de filosofia, tanto os 
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, quanto os da Universidade 
Estadual de Santa Cruz, onde eu estudei durante um ano. Dentre esses, gostaria 
de agradecer de modo especial ao professor Carlos Federico, não apenas por me 
orientar nesse trabalho, mas principalmente pelos seus anos dedicados ao ensino 
filosófico aos seminaristas, agraciável também por ser uma das causas eficientes 
de podermos ter um diploma reconhecido. 
Agradeço também a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, na pessoa 
de seu atual arcebispo Dom Orani João Cardeal Tempesta, por ter acolhido a mim 
e a meus irmãos para que pudéssemos ser formados junto a essa porção do povo 
de Deus, estendendo assim este agradecimento a todas as paróquias por onde 
passei, seus párocos e fiéis, aos seminaristas e ao Seminário Arquidiocesano de 
São José do Rio de Janeiro, seus atuais e antigos formadores. Também agradeço 
a todos aqueles que me ajudaram durante o desenvolvimento deste trabalho, desde 
revisões a traduções. 
Por fim, agradeço a Sede da Sabedoria que sempre intercedeu pelas vocações 
sacerdotais, e que está representada em nossas salas de aula, a nos conduzir, em 
seu silêncio, a Cristo, centro de nossa fé, que me convocou a estar aqui e até aqui 
me sustentou, por misericórdia e eleição. A todos os citados, direta ou 
indiretamente, meu muito obrigado! 
 
1 O Marquês de Vauvenargues, cujo nome era Luc de Clapiers, foi um filósofo francês do século 
XVIII, apreciador do Estoicismo. 
2 TROISIEME, Tome. Œuvres Morales de Vauvenargues. Paris: E. Plon et Cia, 1874, p. 521. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Portanto, essa amizade, a qual agora admitimos existir 
entre poucos, será transmitida a todos, todos a retransmitirá 
a Deus, e Deus será tudo em todos (I Cor. 15, 28)”. 
Beato Aelredo de Rievaulx. 
 
 
“Para louvar Cícero como ele merece, deveríamos ter outro 
Cícero”. 
M. S. Slaughter 
Resumo 
 
Ao estudar Marco Túlio Cícero, percebemos a necessidade de resgatar o estudo de seu 
trabalho, portanto, temos por objetivo relembrar a figura do mesmo, a qual foi esquecida 
nos estudos filosóficos devido principalmente às críticas sobre sua originalidade, feitas por 
Theodor Mommsen, no século XIX. Para tanto, definiremos o conceito de originalidade 
filosófica, a originalidade de Cícero e como se percebe os traços de sua originalidade no 
seu trabalho de ressignificação do conceito de amicitia da República Romana Tardia, com 
base no conceito de φιλία da Filosofia Grega. 
 
Palavras-chave: Cícero. Originalidade. Amizade. Virtude. República Tardia. 
Summa 
 
In Marci Tullii Ciceronis studio vidēmus redemptionis necessitatem studii de opere suo, 
tenēmus ergo per propositum redigere in memoriam figura ipsius, quae in studio 
philosophico oblivivit fuit praecipue debitum iudiciis de novitate sua, factus abs Theodor 
Mommsen, in secula XIX. Definiremo itaque notionem novitatis philosophicam, novitatem 
Ciceronis et ut lineas novitatis suae sensi sunt in labore suo, qui postulavit novam 
significationem de notione amicitiae in Re Publica Romana Tarda cum fundamentum in 
notione de φιλία Philosophiae Graecae. 
 
Verba claves: Cicero. Novitas. Amicitia. Virtus. Res Publica Tarda.
Sumário 
 
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10 
1 O CONCEITO DE PHILÍA E SUA RELAÇÃO COM A ARETÉ NO MUNDO 
GREGO ANTIGO ................................................................................................ 12 
1.1 In Poetis .................................................................................................................................. 13 
1.2 In cogitatione ante socratica ................................................................................................... 14 
1.2.1 In Euripide, Herodoto, Thucydide et Empedocle ...................................................................... 15 
1.3 In periodibus socraticus ........................................................................................................... 16 
1.3.1 In Sophistis ............................................................................................................................... 16 
1.3.2 In Xenophonte .......................................................................................................................... 16 
1.3.3 In Platone ................................................................................................................................. 18 
1.4 In cogitatione post socratica ................................................................................................... 21 
1.4.1 In Aristotele.............................................................................................................................. 21 
1.4.2 In Panætio ................................................................................................................................ 24 
1.5 Summa capituli ........................................................................................................................ 25 
2 SOBRE A ORIGINALIDADE DE MARCUS TULLIUS CICERO ........................ 27 
2.1 Curriculum Vitæ ..............................................................................................................................27 
2.2 De Notione Novitatis ...................................................................................................................... 30 
2.3 De Iudiciis ....................................................................................................................................... 33 
2.4 De Defensoribus Novitatis .............................................................................................................. 39 
2.5 Summa Capituli...............................................................................................................................44 
3 A RELAÇÃO ENTRE PHILÍA E ARETÉ NO PENSAMENTO ROMANO 
CICERONIANO......................................................................................................45 
11 
 
 
3.1 De contextu romanus Ciceronis ...................................................................................................... 45 
3.2 De Notionibus amicitiæ et virtutis .................................................................................................. 48 
3.3 De amicitia et virtute in societate romana ..................................................................................... 54 
3.4 Summa Capituli .............................................................................................................................. 59 
CONCLUSÃO ....................................................................................................... 61 
REFERÊNCIAS......................................................................................................63 
 
 
 
10 
 
 
INTRODUÇÃO 
O prazer que um homem sente em ler Cícero é o padrão pelo qual ele pode 
julgar sua própria cultura intelectual 3. Dessa maneira, achamos por bem 
resgatarmos a figura de Marco Túlio Cícero, a qual foi injustamente, como 
mostraremos, colocada à margem da História da Filosofia, até mesmo quando se 
estuda o período da Filosofia Antiga. Sendo assim, A originalidade de Cícero: um 
percurso na relação entre philía e areté do pensamento grego ao romano 
ciceroniano, será um meio de ressaltarmos as contribuições de Cícero, mostrando 
assim a sua importância para a filosofia greco-romana e relembrar a sua posição 
de elo entre a Filosofia Grega e a Filosofia Cristã 4. 
Por conseguinte, no primeiro capítulo, faremos uma apresentação do conceito 
de philía (amizade) e da sua relação com a areté (virtude). Esse caminho se fará 
necessário, pelo fato de philía e areté constituírem um material de amplo debate 
entre os gregos, sendo assim não um tema ético apenas dos filósofos, mas da 
Antiga Grécia como um todo. Para podermos escrever com maior propriedade, 
falaremos de Homero a Panécio de Rodes (este será o último por ser apontado 
como o principal elo ético entre os gregos e Cícero), ou seja, um apontamento do 
século IX a. C. ao século II a. C., que veremos as diferentes significações, usos e 
discursões que influenciaram as novas compreensões do conceito de philía, para 
assim entendermos como o termo φιλία chegou ao que chamamos hoje de amizade 
virtuosa. Desse modo, traçaremos um percurso pelos mais importantes pensadores 
do Mundo Grego Antigo, por meio das obras clássicas dos referidos pensadores 
que se encontram acessíveis, para tanto, não só utilizaremos comentadores, mas 
iremos direto aos textos traduzidos e, por vezes, fazendo a verificação de termos 
na língua original em que os textos foram escritos. 
Ademais, no segundo capítulo, faremos uma exposição da vida de Marco 
Túlio Cícero, principalmente por meio dos escritos de Plutarco, com a finalidade de 
mostrarmos a caminhada feita por Cícero por meio do estudo da retórica e da 
filosofia, suas rivalidades políticas e suas alianças, assim como o que o Arpinate 
representou para a vida filosófica e política na sociedade da República Romana 
Tardia. Além disso, iremos propor uma eficaz definição do que seria originalidade 
 
3 Cf. SLAUGHTER, M. S. Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 1921, 
p.125. 
4 Cf. Ibid., p.121. 
 
11 
 
 
filosófica, baseados em diversos materiais que tratam tanto da originalidade de 
escritos de modo geral, quanto da originalidade de escritos filosóficos, uma vez que 
o estabelecimento desse conceito se faz necessário por ele não ter sido encontrado 
em dicionários filosóficos e pelo fato de a principal crítica a Cícero ser 
fundamentada nessa questão. Por conseguinte, mostraremos as críticas sofridas 
por Marco Túlio Cícero, principalmente por parte do historiador alemão Theodor 
Mommsen, no século XIX, o qual é acusado de ser o principal responsável pelo 
desinteresse no estudo de Cícero, mas também as críticas de outros autores, como 
Sabine e Galiani; em contra partida, teremos a defesa dos especialistas do nosso 
filósofo, como Benedetto Croce, E. Douglas, W. Nicgorski, M. S. Slaughter, e 
principalmente Narducci, que mostraram a incongruência das críticas negativas 
direcionadas a Cícero e os traços de sua originalidade, e que se encaixa no que se 
pode pensar a respeito da originalidade filosófica, segundo o percebido e proposto. 
No terceiro capítulo, analisaremos o contexto romano em que Cícero estava 
inserido, assim como o percurso de crescimento e crise (política e moral) da 
sociedade romana, desde a monarquia no século VIII a. C. a República Tardia no 
século I a. C., contexto o qual será de crucial importância para o desenvolvimento 
dos trabalhos, tanto filosóficos, quanto de oratória e política de Marco Túlio Cícero. 
A seguir, neste mesmo capítulo, mostraremos como Cícero pensava sobre o 
conceito de philía e areté, a relação entre eles, em paralelo com o pensamento 
grego, o qual foi bastante estudado por ele e que o influenciara, principalmente os 
de origem aristotélica e estoica, como será perceptível. Além do mais, 
apresentaremos como essa relação moral fora vista por ele na sociedade romana 
e de que modo Cícero via a ressignificação do conceito de amicitia (philía) como a 
solução para os problemas morais e políticos que se encontravam em Roma, desde 
o período da Monarquia ao da República Tardia, que se perpetuaram e chegaram 
a ocasionar o fim do Império Romano. 
Em suma, mostraremos a vida e o pensamento de Marcus Tullius Cicero no 
que toca a questão sobre a philía e a areté, desde o Mundo Grego ao Mundo 
Romano da República Tardia: uma realidade filosófica, política, histórica e 
ideológica que por muitos fora esquecida durante o estudo da Filosofia, devido a 
questões que este trabalho convida a conhecer. 
1 O conceito de philía e sua relação com a areté no mundo grego 
antigo 5 
O interesse sobre a philía sempre esteve presente no mundo grego antigo. 
Por isso, neste primeiro capítulo, apresentaremos um esboço sobre o pensamento 
grego antigo, do período homérico ao pós-socrático, encerrando com Panécio, no 
tocante ao conceito de philía e a sua relação com a virtude. Para tanto, não 
poderemos excluir a carga histórica, pois “la amistad es un concepto en devenir” 6, 
e cultura que, segundo João Silva Lima, influenciou os discursos dos filósofos do 
período clássico e helenístico 7, como podemos ver nos seguintes trechos de sua 
dissertação de mestrado: 
Uma vez que suas análises [de Aristóteles] dessa questão [sobre a 
amizade] encontram-se permeadas tanto de opiniões populares 
quanto de concepções mais elaboradas de alguns pensadores que 
o antecedem ou foram seus contemporâneos 8. 
 
 A philia não é um problema estritamente aristotélico, nem mesmo 
platônico da Academia: é, antes de tudo, um problema de amplo 
domínio entre os gregos, tanto ao nível da ‘sabedoria popular’, 
passando pelos poetas, trágicos,historiadores, oradores e sofistas, 
quando ao nível da ‘sabedoria filosófica’, daí sua importância 
enquanto elemento inerente à própria cultura grega 9. 
 
Começaremos, portanto, com uma brevíssima explanação sobre a philía nas 
obras de Homero e Hesíodo, por suas claras contribuições na cultura helenística 
vistas em suas poesias (Odisseia, Ilíada, Teogonia, Os trabalhos e os dias etc.), 
que atualmente são as principais fontes de conhecimento do mundo grego antigo. 
Em um segundo momento, temos a análise do conceito de amizade entre outros 
 
5 “Il est souvent affirmé que l’amitié en Grèce ancienne se distingue de l’amitié en son sens moderne. 
La première se caractérise par l’absence du caractère intime de la relation, par un lien d’obligations 
réciproques et de devoirs l’un à l’égard de l’autre, qui fait de l’amitié un lien très légalisé et formel.”. 
COLLOBERT, Catherine. Plaisir et amitié: Homère et Aristote en dialogue. Anais de Filosofia 
Clássica, Rio de Janeiro, v. 4, n. 7, 2010, p. 1. 
6 BOVIO, Rolando Picos. Marco Tulio Cicerón: apuntes para uma filosofia de la amistad. Tópicos, 
Revista de Filosofía, Nueva León, v. 1, n. 45, 2013, p. 52. 
7 “Los primeros filósofos, y más concretamente a Empédocles y Anaxágoras, que presentan 
variaciones sobre el verso de Homero, y para los que el tema de lo semejante, como motor de unión, 
constituye una idea central”. LLEDÓ, Emilio. Platón: Apología, Cratón, Eutrifón Ion, Lisis, 
Cármenides, Hipias menor, Hipias Mayor, Laques, Protágoras, Introducción, Colección Clásica de 
Gregos. v.1. Madrid: Gredos, 1990, p. 12 (nota de rodapé 20). 
8 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) 
- Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 27. 
9 Ibid., p. 27. 
 
13 
 
 
expoentes, no campo do pensamento histórico e filosófico, não só poético e trágico: 
Eurípides, Heródoto, Tucídides, Platão (especialmente no diálogo Lísis), Aristóteles 
e outros filósofos posteriores a esses. 
1.1 In Poetis 10 
As relações de amizade se fazem presentes nas obras de Homero e Hesíodo, 
mas é preciso que façamos uma análise mais profunda de como o termo philía se 
apresenta em suas obras, pois pelo que parece tal conceito nesse período da 
história da Grécia Antiga não estava bem definido como o conhecemos na 
contemporaneidade. 
Lima nos mostra que o conceito φιλíα (philía) não era usado no sentido 
contemporaneamente conhecido até a terceira parte do século V a.C. 11. Isto nos 
conduz a compreender o sentido anterior de φιλíα. O termo philía parece ter sua 
origem no adjetivo grego φίλος (phílos), no verbo φιλεîν (phileîn) e no substantivo 
φιλότης (philótes). Todas essas palavras têm diversas significações, mas elas 
possuem em comum um sentido nobre, um sentido elevado. Sendo assim, apesar 
de philía ainda não possuir o sentido recebido posteriormente no séc. V a. C., o 
termo já possuía um sentido nobre, ou seja, um sentido de segurança e intimidade 
12. 
No caso de φίλος, o termo é utilizado como amigo, em dois sentidos: no 
primeiro, possui um caráter afetivo quando se refere a pessoas que são próximas 
ao personagem que fala; depois, o adjetivo assume um caráter possessivo quando 
se refere a objetos que são preciosos. Aqui também se faz importante salientamos 
que φίλος, enquanto adjetivo possessivo, não possuía um valor moral, mas apenas 
uma marca de relação praticamente jurídica, como elemento constituinte da 
personalidade humana. Entretanto, esse mesmo termo, parece bem dissociado do 
conceito atual de amizade, que quando associado ao termo αιδώς (respeito, 
reverência) expressa um sentimento aos membros de um grupo específico, o que 
para nós se mostra como uma prefiguração do nosso conceito de φιλία, no qual 
 
10 “Preguntemos a los poetas, pues éstos son para nosotros como padres y guías del saber”. 
PLATÃO. Lísis, 214a. 
11 Cf. LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em 
Filosofia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 29. 
12 Cf. Ibid., p. 30. 
 
14 
 
 
todos (parentes, aliados, amigos e domésticos) que se unem por deveres 
recíprocos passam a serem chamados de φίλοι 13. 
O verbo grego φιλεΐν (phileîn) assume um sentido de “tratar como amigo”. Tal 
emprego era usado comumente ao referir-se ao gesto de proteção para com filhos, 
mulheres, parente e guerreiros escolhidos pelos deuses; como também era usado 
com o sentido do verbo beijar 14, portanto, phileîn possuía um caráter afetivo 15, 
próximo ao sentido atual de amizade. 
No que se refere ao substantivo φιλότης (philótes), ele não possuiria um 
sentido subjetivo, isto é, interno, mas externo. Com isso, philótes seria basicamente 
um tratado de paz, porém o mesmo é utilizado também na relação 16 entre phílos e 
xénos, (anfitrião e hospede) onde os xénos se tornam phíloi 17. Portanto, o 
substantivo φιλότης assume um valor afetivo, despojado das ideias de utilidade e 
segurança 18. 
Assim sendo, apesar de φιλία não possuir o sentido atual de amizade, 
podemos verificar que nos seus termos originantes (φίλος, φιλεΐν e φιλότης) marcas 
de relações humanas, que depois da terça parte do século V a. C. chegará a ser 
visto no sentido do conceito de amizade presentes nos discursos filosóficos gregos. 
1.2 In cogitatione ante socratica 
Na história da Grécia Antiga, ocorreram muitas contribuições para a mudança 
da concepção do termo philía, especificamente no séc. V a. C. Como, dentre os 
principais contribuintes encontramos em um primeiro momento os poetas trágicos; 
depois, os historiadores; seguido por Empédocles; e em um quarto e último 
momento, os sofistas e os oradores 19. 
 
13 Cf. LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em 
Filosofia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 30-31. 
14 Cf. Ibid., p. 32-33. 
15 Vemos de forma mais elaborada a relação entre o beijo e a amizade no tratado sobre a Amizade 
Espiritual do Beato Aelredo Rievaulx, o qual teve a filosofia de Cícero como uma de suas bases, no 
século XII d. C., ao definir os três tipos de beijos entre amigos: corporal, espiritual e intelectual. 
16 Relação amistosa observada até os tempos de Aristóteles, quando o mesmo diz: “entre essas 
amizades alguns classificam também a que se observa entre hospedeiro e hóspede”. 
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, VIII, 1156a30. 
17 “O hóspede lhano que os receba amigo”. HOMERO. Ilíada, III. 
18 LIMA, op. cit., p. 33. 
19 Cf. Ibid., p. 40. 
 
15 
 
 
1.2.1 In Euripide, Herodoto, Thucydide et Empedocle 
Eurípedes rompe com a primeira ideia de φιλεΐν (phileîn) ao dizer que a philía 
se refere exclusivamente aos homens, pois quando os deuses são indiferentes se 
faz necessário φίλον (o amigo). Como cita João de Silva Lima: “aqueles que 
recebem benefícios dos deuses não têm necessidade de amigos 20”. Contudo, com 
a visão sobre philía de Eurípedes enquanto uma necessidade humana, ele passa 
a admitir que um “amigo é um bem, acima de todos os outros bens e a amizade um 
sentimento que se fortalece na vida comum 21”. Em Heródoto, philía teria não 
apenas o sentido de φιλότης (philótes), isto é, o sentido atribuído à relação de 
anfitrião e hóspede. Para Tucídides, philía possui um sentido de confiança total, 
generosidade e de valor devido a sua ligação com a virtude e a liberdade 22. Em 
Empédocles 23, philía não se desvincula do sentido do pensamento comum ou 
literário. A partir de então, o termo adquire um valor ontológico e cosmológico, no 
qual a philía unida a neikos (ódio) são considerados a lei da natureza,lei aplicada 
a todos os elementos: água, fogo, ar e terra, gerando assim todas as mudanças 
cósmicas. Portanto, amizade e ódio se tornam os elementos motores de toda a 
realidade, como nos diz Dion Davi Macedo: 
Em sua incessante mudança as raízes das coisas encontram sua 
medida na amizade, e sua dispersão no ódio, pois, sempre segundo 
Empédocles, ‘jamais... desses dois ficará vazio o interminável 
tempo’. Amizade e ódio são divindades responsáveis pela união e 
pela separação dos elementos 24. 
 
A amizade e o ódio serão sempre os extremos do movimento pendular que 
norteia toda a história da realidade e de cada ente, pois tudo que existe passa pela 
criação e corrupção, de forma a sempre se corromper e ressurgir, em um 
movimento eterno. Disso vem o uso do termo divindades: eles são princípios 
eternos, divindades, de modo análogo ao princípio do Motor imóvel 25 pensado por 
Aristóteles. 
 
20 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) 
- Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 41. 
21 Ibid., p. 41. 
22 Cf. Ibid., p. 42. 
23 “Empédocles, para muitos, ‘o filósofo da amizade e do ódio’, que os antigos não esquecem jamais 
de invoca-lo”. Ibid., p. 42. 
24 MACEDO, Dion Davi. O primeiro amigo: sobre a noção de filia no Lisis de Platão. Caderno de 
atas da ANPOF, Rio de Janeiro, v.10, 2001, p. 14. 
25 O princípio do Motor imóvel diz que deveria existir ao anterior a todo movimento e que seria a 
causa do movimento. 
16 
 
 
1.3 In periodibus socraticus 
Compomos o período socrático com aqueles pensadores contemporâneos do 
célebre Sócrates, tanto aqueles que participavam do seu discipulado, por meio dos 
quais temos acesso ao seu pensamento, quanto aqueles de quem o Ateniense 
possuía uma disparidade de ideias e da finalidade do que diz respeito ao agir em 
sociedade. 
1.3.1 In Sophistis 
Com os Sofistas, o conceito de philía perdeu a tendência pré-socrática de 
ἀρχή (arché) enquanto princípio da realidade, e recebeu um uso nos discursos de 
teor antropológico, tanto do indivíduo com ele mesmo, quanto do indivíduo com a 
sociedade. A partir de então, o termo philía seria concebido como lei da natureza e 
invenção divina, e não é de se espantar que tenha consequência políticas, como 
nos afirma João Silva Lima: 
[Foi no] final do século V, que as ligações de parentesco, 
fundamento da velha aristocracia, se voltam mais e mais para as 
ligações de amizade, os partidários de um político são 
denominados ‘amigos’ e os partidos políticos recebem o nome de 
‘hétairies’, que significa ‘amigável 26. 
 
 É necessário salientarmos que nesse momento histórico do século V a. C., o 
conceito que se tinha sobre a relação de amizade não possui um caráter virtuoso, 
mas apenas um caráter utilitário, o que poderíamos definir como “a teoria da 
amizade útil”, que é um movimento próprio do pensamento utilitarista dos sofistas. 
1.3.2 In Xenophonte 
Com Xenofonte, orador do final do séc. V a. C., vemos, especialmente no 
Memoráveis e no Banquete, uma análise sobre o que seria philía. Para Xenofonte, 
a philía era um princípio moral, um valor que vinha como atributo da alma humana, 
“uma virtude, muito embora vinculada, ainda, à noção de utilidade 27”. Entretanto, é 
de suma importância explicitarmos a ideia de utilidade nos textos de Xenofonte: útil 
seria aquilo ou aquele que levaria a pessoa a uma vida virtuosa, isto é, um amigo 
útil possui a faculdade de poder levar o outro amigo a uma vida moral mais elevada, 
dando conselhos justos, e o assistindo em suas dificuldades. Desta forma, 
 
26 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) 
- Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 43. 
27 Ibid., p. 43. 
17 
 
 
Xenofonte pertenceria a uma tradição que diz que o verdadeiro amigo é aquele que 
possui qualidades superiores, um homem virtuoso. Isso tem clareza quando o 
orador diz: 
E parecia-me também que estava certo quando ao modo como 
avaliar o tipo de amigos que valia a pena conquistar, quando fazia 
observações como estas: 
- Diz-me lá, Critobulo, se precisássemos de um bom amigo, onde é 
que tentaríamos procura-los? Não deveríamos, em primeiro lugar, 
procurar alguém que dominasse o estômago, a vontade de beber, 
a luxúria, o sono e a preguiça? É que aquele que é dominado por 
essas necessidades não pode acudir, no que é preciso, nem a si 
próprio, nem a um amigo 28. 
 
A máxima socrática γνῶθι σεαυτόν (conhece-te a ti mesmo) e suas 
consequências na visão do ideal ético no pensamento socrático é do nosso 
conhecimento. Esse caráter virtuoso expresso no possuir os predicados autárkeia 
e enkráteia 29, o amigo deveria ter autodomínio e bastar-se a si mesmo 30, e esses 
predicados vem do conhecimento de si, pois só aquele que conhece a si próprio 
pode dominar a si próprio e permanecer reto no seu agir, sem necessidade de 
outros. 
Xenofonte ainda adverte que “no tratamento com amigos, com estranhos ou 
em qualquer outra circunstância fica bem [a máxima] esse segundo as tuas forças 
farás sacrifícios 31”, pois ao ver no amigo algo valioso dever-se-ia fazer sacrifícios 
para conquistá-lo, ou seja, o homem deveria se tornar virtuoso para poder 
conquistar um amigo virtuoso e assim obter uma amizade verdadeira; o que sem 
sombra de dúvidas valia a pena, já que para Sócrates ter “um amigo virtuoso era a 
maior das recompensas 32”. Além do mais diz o Sócrates de Xenofonte: 
Aquele que procura a amizade parece-se mais com aquele que é 
dono de um campo: investe em tudo quanto possa melhorar e 
aumentar o valor daquele que é objecto do seu afecto 33. 
 
 
28 XENOFONTE. Memoráveis, II, 6. 
29 Cf. MACEDO, Dion Davi. O primeiro amigo: sobre a noção de filia no Lisis de Platão. Caderno de 
atas da ANPOF, Rio de Janeiro, v.10, 2001, p. 15. 
30 Cf. Ibid., p. 15. 
31 XENOFONTE, op. cit., II, 3. 
32 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) 
- Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 47. 
33 XENOFONTE. Banquete, VIII, 25. 
 
18 
 
 
Mostrando assim na obra Banquete o grande valor que possuía a amizade 
para o homem, uma vez que para a conquista de uma verdadeira amizade faz-se 
necessário tantos sacrifícios e empenhos, da parte do amante, do mestre, daquele 
que vendo o valor de um verdadeiro amigo se submete a conquistá-lo, e completa: 
O maior bem, para aquele que procura no rapaz que ama um bom 
amigo, é que forçosamente tem de exercitar a virtude, pois, com 
más acções, não tornará melhor o moço com quem convive e, com 
falta de vergonha e de domínio, não tornará o seu amado nem 
atinado nem decoroso 34. 
 
Portanto, para Xenofonte, philía possuía um valor moral. Sendo a amizade um 
elemento da moralidade, a qual é uma qualidade apenas dos virtuosos, o homem 
ao encontrar outro homem virtuoso deveria usar até de sacrifícios para garantir 
essa amizade, isto é, agir de forma a se tornar também ele um homem ainda mais 
virtuoso como citamos acima. Com isso, Xenofonte anula a possibilidade de haver 
amizade verdadeira entre os maus. 
1.3.3 In Platone 
Em Platão, percebemos um grande interesse por definir o que seria a φιλία, 
sua natureza, o que constituiria um amigo e os critérios para a verdadeira amizade. 
Nele percebemos a íntima relação entre os três termos gregos que designam o 
sentimento de amor: φιλία, ερώς e αγαπή, que a tradição cristã aponta como sendo 
respectivamente o amor de amizade, amor erótico e amor de Deus, mas que não 
possuíam nos Diálogos Platônicos esses mesmossignificados e usos, como nos 
afirma Sabrina Scarpetta: 
Platone usava il verbo della stessa radice αγαπαν e talvolta lo 
affiancava a Φιλειν, ma non indicava un concetto diverso dall’ ερως 
e dalla Φιλια; d’altronde, amore nel significato di αγαπη 
resulterebbe incomprensibile a Platone e a qualunque greco del 
mondo pre-cristiano 35. 
 
No Banquete de Platão, vemos um longo diálogo sobre o amor, que na maioria 
das vezes era tratado no contexto da pederastia. Essa relação era muito comum 
no Mundo Grego Antigo e consistia na formação dos adolescentes feita pelo 
convívio com um homem mais velho e experiente, o que envolvia inclusive uma 
relação afetiva e sexual. 
 
34 XENOFONTE. Banquete, VIII, 27. 
35 SCARPETTA, Sabrina. Eros, Filia, Agape. Roma: Laboratorio Montessori, 2012, p. 8. 
19 
 
 
Nesta relação amorosa tinha-se a presença dos três termos relativos ao amor: 
ερώς, φιλία e αγαπή. O ερώς era aplicado ao amante, àquele que possuía o desejo 
de ensinar (elevar o outro), o que envolvia, portanto, um instinto pedagógico. O 
φιλία, por sua vez, aplicado ao amado, um sentimento mais passivo, próprio do 
discípulo. Porém, quando associado ao termo ἔρωτα 36, εροτική passaria a 
“expressar uma ‘afeição da qual o amor é o princípio’ 37”. Enquanto que αγαπή era, 
como acima citado, usado para ambos os casos. De qualquer modo, tanto φιλία, 
quanto αγαπή e ερώς têm em si um princípio comum, isto é, todos vêm de uma 
carência de um bem, o qual levaria a busca de um amado por um amante, seja ele 
mestre, discípulo, homem ou mulher: é o desejo do bem. 
Além do mais, percebemos que o amor é um gênio 38 que fica in médium, 
entre os extremos, o que nos remete ao conceito de virtude de Aristóteles 39. Para 
Platão, o amor era entendido como um meio que o homem tinha para provocar em 
outrem a vida virtuosa, como vemos no seguinte trecho da sua obra Banquete, que 
tratava sobre o amor: 
Οὕτω δὴ ἔγωγέ φημι Ἔρωτα θεῶν καὶ πρεσβύτατον καὶ τιμιώτατον 
καὶ κυριώτατον εἶναι εἰς ἀρετῆς καὶ εὐδαιμονίας κτῆσιν ἀνθρώποις 
καὶ ζῶσι καὶ τελευτήσασιν 40. 
 
O amor (ἔρωτα) é o dom mais poderoso para aquisição da virtude (ἀρετῆς) e 
da felicidade (εὐδαιμονίας). Nesse sentido, a virtude não seria apenas um 
pressuposto, mas também uma consequência desse “princípio do amor” (ἔρωτα), 
presente na relação entre ερωμένη καὶ φίλος, mestre e discípulo. Portanto, em 
Platão, amor e virtude possuíam uma íntima relação. 
Além disso, a relação pederasta começa pela carência de um bem; passa pela 
contemplação do belo, contemplação essa que em primeiro instante está em 
contemplar os corpos dos jovens, mas pretende atingir o puro belo, o que por sua 
vez também produz a virtude, como se ver em Platão no seu diálogo O Banquete: 
 
36 Καὶ μητρός, οὓς ἐκείνη τοσοῦτον ὑπερεβάλετο τῇ φιλίᾳ διὰ τὸν ἔρωτα. PLATÃO. O Banquete, 179c. 
37 LIMA, João Silva. O problema da philia em Aristóteles. 217f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) 
- Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997, p. 70. 
38 Cf. PLATÃO, op. cit., 202e-203a. 
39 O conceito aristotélico de virtude diz que a virtude está no meio entre dois excessos, os quais 
seriam vícios. 
40 “O Amor é dos deuses o mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da 
virtude e da felicidade entre os homens, tanto em sua vida como após sua morte”. PLATÃO, op. cit., 
180b (tradução nossa; grifo nosso). 
 
20 
 
 
[...] quando então alguém, subindo a partir do que é belo, através 
do correto amor aos jovens, começa a contemplar aquele belo, 
quase que estaria a atingir o ponto final 41. [...] se alguém ocorresse 
contemplar o próprio belo, nítido, puro, simples, e não repleto de 
carnes, humanas, de cores e outras muitas ninharias mortais, mas 
o próprio divino belo [...] 42. [...] somente então, quando vir o elo com 
aquilo que este pode ser visto, ocorrer-lhe-á produzir não sombras 
de virtudes, porque não é em sombras que está tocando, mas reais 
virtudes [...] 43. 
 
Sendo assim, a prática do amor, mesmo que passe pelo carnal, tem por 
finalidade a contemplação, a produção da ἀρετή e a conquista da εὐδαιμονία. Νο 
Lísis, dialogo platônico que discute sobre a natureza da amizade, o conceito de 
πρώτον φίλον, o “primeiro amigo”, presente também no Banquete, é o princípio da 
relação de amizade: 
A verdadeira amizade exige como seu fundamento o Primeiro 
amigo, “em vista do qual dizemos que todas as coisas são amigas”. 
Todas as coisas amigas são imagens do Primeiro amigo, ‘aquele 
outro ao qual tendem’ as amizades humanas, causadas pela 
carência e pelo desejo que, por si mesmo, não é nem bom nem 
mau. O primeiro amigo é identificado ao Bem absoluto, e a 
verdadeira amizade é sempre procura, desejo e meio para se 
chegar ao Bem 44. 
 
Além de nos indicar o princípio da φιλία e nos revelar que na relação entre 
ερωμένη καὶ φίλος, o πρώτον φίλον, o Primeiro amigo (Sumo Bem) é a causa da 
relação, o discurso apresenta algumas características próprias da relação de φιλία 
que acho por bem salientar, apesar de o mesmo ser um diálogo aporético. A 
primeira diz que entre amigos deve haver reciprocidade: “así pues, no hay amigo 
para el amante, si no es correspondido 45”; a segunda complementa a primeira 
dizendo que se pode amar coisas sem ser amado por elas (como a filosofia e 
ginástica): “no es el amado que es amigo, sino el amante 46”. 
Em dado momento, Platão entra na questão que será muito discutida pelos 
filósofos posteriores: se a amizade pode existir entre diferentes. O primeiro 
argumento diz que não pode haver amizade entre os semelhantes, pois esses não 
 
41 PLATÃO. O Banquete, 211b. 
42 Ibid., 211e. 
43 Ibid., 212a. 
44 MACEDO, Dion Davi. O primeiro amigo: sobre a noção de filia no Lisis de Platão. Caderno de 
atas da ANPOF, Rio de Janeiro, v.10, 2001, p. 18. 
45 Cf. PLATÃO. Lísis, 212d. 
46 Ibid., 213a. 
 
21 
 
 
necessitam de nada: “¿cómo pueden tales cosas vincularse entre sí no prestándose 
mutuamente servicio alguno? ¿Es esto, de algún modo, posible? – No lo es 47”; o 
segundo argumento diz que não pode o bom ser amigo do bom, pois ambos não 
necessitam de nada, posição sustentada por outros filósofos 48, disto vem a 
necessidade da valoração mútua entre os amigos: “pero no serán amigos, si no 
llegan a valorarse mucho mutuamente 49”; logo mais, ele propõe que existe amizade 
entre um indivíduo bom e um indivíduo neutro 50, depois entre um neutro e um bom, 
se houver algo mal, por causa de um bem 51; em seguida levanta a tese de que os 
amigos são amigos pelo princípio de “conaturalidade 52”, mas o questiona, 
terminando o diálogo em aporia 53. 
Portanto, em Platão, vemos a amizade como um bem causado pelo Bem 
supremo, que é o πρώτον φίλον (o primeiro amigo), que gera no homem uma 
necessidade da virtude. Além disso, vermos os primeiros apontamentos de teses 
que serão mais desenvolvidas pelos filósofos posteriores, apesar do desfecho 
aporético do Lísis. 
1.4 In cogitatione post socratica 
Após termos apresentado a relação entre philía e areté no pensamento pré-
socrático e socrático, mostraremos como se deu essa relação no período pós-
socrático. Do período pós-socrático, por nós serão expostos apenas os principais 
filósofos que fazem elo direto do pensamento grego ao romano de Marco Túlio 
Cícero. 
1.4.1 In Aristotele 
No mestre de Alexandre o Grande, temos como principal fio condutor da 
reflexão sobre φιλία: “se a amizade pode nascer entre duas pessoas quaisquer, se 
podem ser amigos os maus, e se existe uma só espécie de amizade, ou mais 54”. 
 
47 PLATÃO.Lísis, 215a. 
48 “Não posso conceber que quem de nada precisa possa amar algo; não consigo conceber que 
quem nada ama possa ser feliz”. ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio ou da educação. 3. ed. São 
Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 301. 
49 PLATÃO, op. cit., 215c. 
50 Cf. Ibid., 216e. 
51 Cf. Ibid., 217b. 
52 Cf. Ibid., 221e-222a. 
53 MERONNA, Helena Andrade. O percurso argumentativo do Lísis de Platão. Prometeus, São 
Paulo, v. 8, n. 17, 2015, p. 124. 
54 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, VIII, 1155b10. 
 
22 
 
 
Com isso, percebemos que Aristóteles aprofunda as questões levantadas pelo seu 
mestre Platão. Aristóteles, já no começo do Livro XIII da Nicomaqueia 55, ressalta 
o fundamento e o valor de amizade e sua relação com a virtude: 
[A amizade] é uma virtude ou implica uma virtude, sendo, além 
disso, sumamente necessária à vida. Porque sem amigos ninguém 
escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens 56. 
 
Destarte, o Filósofo estabelece uma relação entre φιλία e ἀρετή, em que os 
caracteres (indivíduos) são amigos por serem semelhantes, “bons e afins na virtude 
57”. Mas, esta é uma forma de amizade, um grau da relação dito perfeito, já que “οs 
que desejam o bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais 
verdadeiramente amigos, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não 
acidentalmente 58”. 
Contudo, Aristóteles admite a existência de outros tipos de amizade, 
considerados de menor grau, que são entre os dessemelhantes, os quais 
fundamentam a sua relação de amizade no útil ou no aprazível. Sobre os caracteres 
que fundamentam sua amizade no útil se diz: “os que amam por causa de sua 
utilidade não se amam por si mesmos, mas em virtude de algum bem que recebem 
um do outro 59”. E, “os que são amigos por causa da utilidade separam-se quando 
cessa a vantagem, porque não amavam um ao outro, mas apenas o proveito 60”. 
Além disso, dos que fundamentam a sua amizade no interesse pelo prazer se diz: 
“idêntica coisa se pode dizer dos que se amam por causa do prazer; não é devido 
ao caráter que os homens amam as pessoas espirituosas, mas porque as acham 
agradáveis 61”. 
Deste modo, o Filósofo conclui que pode existir amizade entre caracteres que 
são dessemelhantes. Mas, que sobre essa relação de amizade não se poderia dizer 
que ela é de toda verdadeira, pois ao buscarem vantagens, assim que as 
conseguem, a amizade perde o seu sentido, torna-se passageira, uma vez que não 
tem seu alicerce na virtude: 
 
55 Nicomaqueia é outro nome atribuído a Ética a Nicômaco de Aristóteles. 
56 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, VIII, 1155a1-5. 
57 Ibid., VIII, 1156b5. 
58 Ibid., VIII, 1156b5. 
59 Ibid., VIII, 1156a10. 
60 Ibid., VIII, 1157a5-10. 
61 Ibid., VIII, 1156a10. 
 
23 
 
 
Por conseguinte, quando o que se leva em mira é o prazer ou a 
utilidade, até os maus podem ser amigos uns dos outros, ou os 
bons podem ser amigos dos maus, ou aquele que não é bom nem 
mau pode ser amigo de qualquer espécie de pessoa; mas por si 
mesmos, só os homens bons podem ser amigos. Com efeito, os 
maus não se deleitam com o convívio uns dos outros, a não ser que 
essa relação lhes traga alguma vantagem 62. 
 
Deste modo, vemos que apenas os bons podem ser verdadeiramente amigos. 
Dessa igualdade entre os indivíduos da relação surge um importante conceito 
aristotélico que é o Έτερος εγώ, ο Alter ego, ou “Outro eu”, isto é, pessoas que 
essencialmente seriam iguais, no sentido de serem “boas” ou serem “virtuosas”: 
In a way, by introducing the concept, he is showing how someone 
who is not related by blood, heritage, or sometimes even totally 
different people, is willing to sacrifice and lose everything for the 
sake of another. Because what is certain is that a good person loves 
her own existence then maybe, through friendship, the other person 
becomes part of the self 63. 
 
Portanto, temos no Έτερος εγώ, no conceito filosófico de outro eu, a amizade 
considerada por Aristóteles como perfeita, pois este não se faz amigo puro e 
interessadamente pelo prazer ou pela utilidade, uma vez que “toda amizade tem 
em vista o bem ou o prazer 64”, mas pela natureza comum de ambos: 
Pois numa amizade desta espécie as outras qualidades também 
são semelhantes em ambos; e o que é irrestritamente bom também 
é agradável no sentido absoluto do termo, e essas são as 
qualidades mais estimáveis que existem 65. 
 
Portanto, a virtude e a amizade em Aristóteles se relacionam de forma mais 
plena na relação entre os bons, pois nestes existe uma relação de amizade na 
inteira acepção da palavra; e, partindo do princípio de “conaturalidade”, fundamento 
do Έτερος εγώ, podemos dizer que os virtuosos buscam os semelhantes, pois são 
iguais e “a companhia dos bons também nos oferecem um certo adestramento na 
virtude 66”, logo a amizade é fundada e fundamento da virtude no homem. 
 
62 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, VIII, 1157a10. 
63 ALVERIO, Efren A. Other selves. Kritike, Clemont, v. 4, n. 1, 2010, p. 212. 
64 ARISTÓTELES. op. cit., VIII, 1156b15-20. 
65 “Desta maneira, para introduzir o conceito, ele está mostrando como alguém que não tenha 
relação sanguínea com o outro, patrimônio, ou algumas vezes pessoas completamente diferentes, 
está disposto sacrificar e perder tudo pelo bem de outro. Porque o que é certo é o que uma boa 
pessoa ama por si mesma, até talvez, pela amizade, e a outra pessoa se torna parte da primeira 
pessoa”. Ibid., VIII, 1156b20 (tradução nossa). 
66 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, IX, 1170a10. 
 
24 
 
 
1.4.2 In Panætio 
Panécio de Rodes está no que se classifica como médio estoicismo 67, um 
estoicismo mais maduro, no qual se valoriza a figura de Deus. O filósofo de Rodes 
desperta um peculiar interesse neste trabalho por ser o ponto de ligação entre 
Aristóteles e Cícero, uma vez que esse, apesar de ser um estoico, foi grandemente 
influenciado por Aristóteles, não sendo assim fechado na doutrina estoica; e, por 
ser o autor de “Sobre o conveniente”, obra que, no que diz respeito à obra Laelius, 
de amicitia 68 e a obra De Officiis, orienta o pensamento de Marco Túlio Cícero: 
Non è da escludere, quindi, che la scuola aristotelica abbia 
esercitato un qualche influsso non soltanto sulla Stoa antica, ma 
altresì su Panezio, che era particolarmente attento al pensiero 
aristotelico 69. 
 
Panezio fu grande ammiratore de Platone e Aristotele e che 
introdusse nel pensiero stico elementi peculiari della dottrina di quei 
due filosofi. L’importanza di questo giudizio, che trova conferma in 
alcuni passi di Cicerone, è stata, di recente, messa ingiusta luce da 
Glucker, Sandbach e Dorrie 70. 
 
Panécio, como muitos dos filósofos antigos, foi um grande admirador de 
Platão e Aristóteles, como nos mostrou Brill. Mas, no que diz respeito ao problema 
da amizade, interessantemente, parece ter sido mais influenciado pelo 
Aristotelismo até mesmo do que pelo Estoicismo, corrente à qual ele se associava: 
Le traité dans son entier a une nette consonance académicienne, 
et la référence est nettement plus aristotélicienne que stoïcienne, 
par exemple lorsqu'on lit : 
Έπεί δ η αληθινή φιλία τρία ζητει μαλιστα, την αρετην ως καλόν, και 
την συνήθειαν ώς ήδύ χρείαν ώς αναγκαιον 
« Car la véritable amitié recherche avant tout trois choses : la vertu 
comme bien, l'intimité comme agréable, et l'utilité comme 
nécessaire » 71. 
 
O filósofo de Rodes diz que a verdadeira amizade se dirige “à virtude como 
bem, à intimidade como agradável e à utilidade como necessária”, o que deixa clara 
 
67 O Médio estoicismo é o período em que a corrente estoica foi sendo transmitida a Roma e no qual 
se podeverificar uma atenuação da ética estoica inicial. 
68 Cf. NARDUCCI, Emanuele (Org.). Introdução. In: ____. Marco Tullio Cicerone: L’amicizia. 3. ed. 
Milano: BUR Classici greci e latini, 2015, p. 10. 
69 VIMERCATI, Emmanuele. Il mediostoicismo di Panezio. Milano: Vita e Pensiero, 2004, p. 122. 
70 BRILL, E. J. Filodemo, Storia dei filosofi, La stoà da Zenone a Panezio. New York: The 
Netherlands, 1994, p. 28. 
71 LAURAND, Valéry. Les liens de la vertu: la doctrine stoïcienne de l’amitié. Vita Latina, França, v. 
178, n. 1, 2008, p. 67-68. 
 
25 
 
 
a sua ligação com a filosofia aristotélica. Além do mais, Panécio, assim com 
Aristóteles, diz que a relação de amizade deve ser a normativa que guia toda vida 
social: 
L’amitié est pensée comme lien social par excellence, où la 
πολυφιλία constituerait la ‘norme’ de toute vie en société, la norme, 
c’est-à-dire cette lueur qui nous vient de l’exemple du sage 72. 
 
Tendo em mente a definição do sábio estoico como aquele que age conforme 
a sua φύσις, sua phýsis, sua natureza, Panécio não é contrário à visão estoica 
clássica sobre o ideal όμολογουμένως τῆ φύσει ζῆν, de viver de acordo com a 
própria natureza, apresentada por Zenão de Cítio (335 a. C.), o fundador do 
Estoicismo: 
Zenone esprime questi concetti con chiarezza: 
“Nel suo trattato La natura dell’uomo Zenone fu il primo sostenere 
che il fine è vivere in modo coerente con la natura, ossia vivere 
secondo virtù: e infatti la natura ci conduce alla virtù” 73 
 
Com isso, em Panécio de Rodes, vemos que a virtude estabelece uma relação 
com a amizade, pois ambas são τέλος, finalidades alcançadas com o agir de acordo 
com a natureza, o que se assemelha à visão estoica de um lado, e de outro vemos 
a ligação entre amizade, o agradável e o útil, como na visão aristotélica, 
antecipando, ou sendo fonte de cópia dos escritos de Marco Túlio Cícero. 
1.5 Summa capituli 
Sabemos, portanto, que no pensamento Grego Antigo de Homero à Panécio, 
o conceito de φιλία sofreu muitas alterações, pois no período anterior à terceira 
metade do século V a.C. ele não designava a amizade como se passou a pensar 
após esse período, isso é, a amizade não era a relação entre pessoas que visavam 
a virtude, o bom e o útil, por meio de uma “conaturalidade” entre indivíduos bons, 
em maior ou menor grau como nos mostra o Filósofo, que também foi influenciado 
pelos questionamentos platônicos. Percebemos que essa visão é o alicerce de 
apoio de tudo que Marco Túlio Cícero irá desenvolver em suas obras e trabalhos 
enquanto filósofo, político e escritor. 
 Ademais, reconhecemos a vasta gama de sucessores dos socráticos que 
antecederam Marco Túlio Cícero, porém não trabalharemos mais autores, além dos 
 
72 LAURAND, Valéry. Les liens de la vertu: la doctrine stoïcienne de l’amitié. Vita Latina, França, v. 
178, n. 1, 2008, p. 64. 
73 VIMERCATI, Emmanuele. Il mediostoicismo di Panezio. Milano: Vita e Pensiero, 2004, p. 148. 
26 
 
 
aqui já trabalhados, como dito anteriormente. De igual modo, não exporemos o 
citado “Sobre o conveniente” que influenciou algumas de suas obras. Pois, pouco 
mais se poderia e seria conveniente dizer sobre os sucessores dos socráticos, que 
antecedem o Arpinate: 
[os] sucessores dos grandes socráticos, retomam o problema da 
amizade; mas suas obras não chegaram até nós. Das escolas 
helenísticas podemos dizer que todas trataram, seguramente por 
sua vinculação ao problema ético, centro de especulação de tais 
correntes, dos pontos de vista destas, cujas obras estão reduzidas 
a um ou outro fragmento dificilmente acessível para nós 74. 
 
Portanto, para podermos fazer esse percurso na relação entre φιλία καὶ ἀρετή, 
foi necessário o estudo, ainda que superficial, dos filósofos citados acima, uma vez 
que, no tocante ao pensamento ciceroniano esses são os filósofos que 
desempenham uma influência filosófica, cujos textos se fazem, em parte, 
acessíveis a nós nos dias atuais. 
 
74 CANALES, Adrían Torres. Sobre o conceito da amizade em Cícero e na antiguidade greco-
romana. Revista Occidente, Santiago do Chile, 2014, p. 2. 
2 Sobre a Originalidade de Marcus 75 Tullius Cicero 
Cícero foi vítima de graves críticas a respeito de sua originalidade, as quais o 
deixam opaco no estudo da filosofia. Portanto, neste capítulo conceituarei a noção 
de originalidade e exporei as críticas sofridas por Cícero que colocam a importância 
e a originalidade de seu trabalho em um estado depreciativo, assim como, em 
contrapartida, a resposta de especialistas em defesa dele, a fim de que se possa 
compreender a originalidade de suas obras em relação às obras dos filósofos do 
período helenístico. Para isso, exponho traços biográficos de Marcus Tullius Cicero, 
sua história como forma introdutória, para que se possa compreender as críticas e, 
de modo breve, as importantes contribuições que Cícero trouxe para os Padres da 
Igreja. 
2.1 Curriculum Vitæ 
Marcus Tullius Cicero nasceu na região de Arpino, atualmente localizada no 
território italiano, em 106 a.C.; seus pais tinham uma condição social bem “discreta 
76”, pois não pertenciam ao círculo do governo de Roma 77. Cícero iniciou seus 
estudos em sua cidade natal, mas os desenvolveu inicialmente em Roma, onde 
pôde ter acesso a estudos de retórica e oratória, junto ao seu irmão Quinto, quando 
Cícero possuía em torno de 10 anos. 
Nesses estudos de retórica e oratória, Cícero pôde receber ensinamentos que 
vinham da cultura grega, passando a dominar a partir de então a língua grega 78 e 
latina, o que lhe possibilitou viajar para a Grécia em busca de aprofundamentos na 
filosofia grega: em 79 a.C., Cícero deixou Roma por dois anos a fim de fortalecer 
sua saúde e contrair veemente estilo retórico, passando seus primeiros seis meses 
em Atenas com Antiochus 79, em cuja academia se procurava enfatizar os 
 
75 “E imediatamente depois que ele [o imperador Cézar] tinha derrotado Antônio, sendo então 
cônsul, ele fez o filho de Cícero seu colega no oficio; e sob esse consulado o senado derrubou todas 
as estátuas de Antônio [assassino de Cícero] e aboliu todas as outras honras que tinham sido dadas 
a ele e decretou que ninguém daquela família daí em diante deveria carregar o nome de Marcus”. 
CICERO by Plutarch. (tradução nossa). Disponível em: 
<http://classics.mit.edu/Plutarch/cicero.html>. Acesso em: 18 jul. 2017. 
76 Cf. NARDUCCI, Emanuele. Introduzione a Cicerone. Itália: Laterza, 2010, p. 9. 
77 Cf. NICGORSKI, Walter. Cicero’s Practical Philosophy. Notre Dame: University of the Notre Dame, 
2012, p. 65. 
78 Cf. CICERO by Plutarch, op. cit. 
79 Cícero o considerava o filósofo mais famoso e muito sábio da antiga academia. Cf. Ibid. 
 
28 
 
 
elementos positivos do ensino socrático, elementos compartilhados pelos estoicos, 
peripatéticos e seguidores de Platão. 
Como nos mostra a história, Cícero, o “estudioso do grego 80”, ao contrário 
dos romanos de modo geral 81, tornou-se muito inclinado à filosofia, tinha-a como 
uma paixão. Mas, via na vida política também outra paixão; com isso, depois de ter 
sido convidado por amigos a agir em defesa de Sylla, por verem nisso uma forma 
de apresentação justa e respeitável para vida pública, e tê-lo defendido e 
conquistado fama, Cícero começou a se dedicar à vida pública 82. Quando foi 
nomeado Questor na Sicília, a pedido do povo siciliano, agiu no caso de Verres 83, 
o que lhe trouxe renome assim como o caso da conspiração de Catilina 84, levando-
o a uma ascensão política. Por fim, Cícero chegou a ser cônsul. 
Durante esse período, Cícero que era republicano, teve vários conflitoscom 
o futuro Imperador Júlio Cézar, um claro monarquista, o mesmo da celebre frase: 
“Até tu, Brutus 85, meu filho!”. Mas, um dos principais conflitos foi ter se juntado a 
Pompeu 86, seu amigo, durante a Guerra civil. Entretanto, com o fim da República, 
Cícero se volta 87 para a sua primeira paixão: a filosofia, como nos mostra Nicgorski: 
Such learning was his first love but was not, given the 
circumstances of his lifetime, perceived as his first duty. Only in the 
usually very brief interstices of an active public life did Cicero 
succumb to the attraction of literature and philosophy. In the last 
years of the Republic, however, and in those six years Cicero lived 
after its fall, the persuasive power of the orator in Roman life gave 
way to physical intimidation and violence. Cicero proclaimed himself 
silenced by the death of the Republic. In this time, he eagerly turned 
to philosophy, and in the last three years of his life, he wrote all but 
 
80 Modo pejorativo com o qual era conhecido, segundo Plutarco. Cf. NICGORSKI, W. Cicero’s 
Practical Philosophy. Notre Dame: University of the Notre Dame, 2012, p. 76. 
81. Cf. Ibid., p. 65. 
82 Cf. CICERO by Plutarch. (tradução nossa). Disponível em: 
<http://classics.mit.edu/Plutarch/cicero.html>. Acesso em: 18 jul. 2017. 
83 O pretor da Sicília, Caio Verres, foi acusado pelos sicilianos, em 70 a. C., de abuso de poder, 
extorsão e fraude. 
84 Lucius Catiline foi acusado, além de outras grandes ofensas, de ter desflorando sua filha virgem 
e matar seu próprio irmão. 
85 “Se bem que fosse [Cícero] um dos mais devotados amigos de Bruto”. PLUTARCO. Cícero. São 
Paulo: Atena Editora, 2001, XLII. 
86 Pompeu Magno foi um grande e temido militar romano que chegou ao consulado. 
87 He found in Plato and in the Greek poets the only consolation a pagan could know. “Ele encontrou 
em Platão e nos poetas gregos o único console que um pagão poderia conhecer”. SLAUGHTER, M. 
S. Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 1921, p.121 (tradução nossa). 
 
29 
 
 
three of his philosophical writings 88. 
 
Após esse período final de sua vida dedicado à filosofia, Cícero é morto, em 
45 a. C., a mando de Antonius, e suas mãos e cabeça são arrancados e colocados 
na tribuna, principal espaço onde os oradores se apresentavam em Roma. 
Contudo, os textos de Cícero não morreram com sua decapitação e a dilaceração 
de suas mãos, o que foi produzido por esses alvejados membros, tornou-se: 
They are not without merit in themselves though they may count for 
little in the history of philosophy by the side of their greater Greek 
equivalents. To the Church Fathers of the fourth and succeeding the 
occasional layman, Cicero was one of those who quasi cursores 
vitae lampada tradunt (Lucr. II: 79) – like runners hand on the lamp 
of life 89. 
 
Sendo assim é considerado por Lucrécio como aquele que, análogo ao 
homem que passa a tocha olímpica à frente, passa a sua lâmpada da vida, de seu 
conhecimento, aos Padres da Igreja; de tal forma que certa vez São Jerônimo em 
visão 90 foi advertido que ele mesmo não seria um cristão, mas um ciceroniano 91, 
pois “onde está o teu tesouro aí estará também seu coração 92”. E estes estudos 
ciceronianos foram para além dos Padres da Igreja e tornaram-se conteúdo 
obrigatório durante grande parte da história. Mas, entorno do século XIX, o 
interesse sobre eles foi quase extinto. Retornando com maior vigor, apesar: 
Judged by the conventional standard of the number of monographs, 
scholarly articles, and dissertations on Cicero's philosophy, regard 
for Cicero as a serious thinker or even a serious political thinker is 
indeed low. The number of such items appearing in America in the 
last generation can be tallied on one hand, or perhaps two, 
 
88 “Esse aprendizado foi seu primeiro amor, porém, dadas as circunstâncias de sua vida, não foi 
percebido como seu primeiro dever. Somente nos interstícios geralmente muito breves de uma vida 
pública ativa, Cícero sucumbiu à atração da literatura e da filosofia. Nos últimos anos da República, 
no entanto, e nesses seis anos, Cicero viveu, após a sua queda, o poder persuasivo do orador na 
vida romana dar lugar a intimidação física e a violência. Cícero proclamou-se silenciado pela morte 
da República. Neste momento, ele se dirigiu ansiosamente para a filosofia, e nos últimos três anos 
de sua vida, ele escreveu todos, seus escritos filosóficos, com exceção de três”. NICGORSKI, 
Walter. Cicero’s Practical Philosophy. Notre Dame: University of the Notre Dame, 2012, p. 69 
(tradução nossa). 
89 “Eles não estão sem mérito em si mesmos, embora possam contar pouco na história da filosofia 
ao lado de seus maiores equivalentes gregos. Para os Padres da Igreja do quarto século e 
sucessores, o leigo ocasional, Cicero era um daqueles que quase cursores vitai lampada tradunt 
(Lucr. II: 79) - como corredores que levam a luz da vida”. Ibid., p.121 (tradução nossa). 
90 Cf. Ibid., p. 120. 
91 Tamanha foi a influência dos escritos de Cícero na história europeia e cristã, que Dilthey chega a 
dizer que seus escritos ficavam ao lado da Bíblia. Cf. CROCE, Benedetto. Intorno al giudizio del 
Mommsen su Cicerone. Quaderni della “critica” diretto da B. Croce, Roma, n. 6, 1946, p. 69. 
92 BÍBLIA, Mt. 6,21. 
 
30 
 
 
depending on how one would classify several marginal entries 93. 
 
No mesmo Estados Unidos e na Europa, onde se percebia uma 
desvalorização do interesse pelos estudos ciceronianos, houve uma nova 
valorização e um renascimento dos interesses em Cícero, tanto o valor de suas 
obras sobre a política, como seus poemas, suas mais de mil cartas e suas obras 
filosóficas. 
2.2 De Notione Novitatis 
Com a finalidade de tratar sobre questões como a originalidade, é necessário 
primeiro tentar estabelecer o conceito do que se compreende como originalidade 
filosófica. Infelizmente, não foi possível encontrar isso em um dicionário ou um livro 
de algum brilhante filósofo. Portanto, dispus de materiais diversos que tratam desde 
a originalidade em determinado autor à concepção de originalidade em 
dissertações e teses. Propomos, desse modo, concepções do que se entende por 
originalidade e os critérios para a mesma, aplicando esses conceitos e critérios na 
questão da originalidade no meio filosófico. 
No que se diz sobre originalidade, de modo geral, temos a ideia de que ela 
seria a novidade própria de um pensamento ou teoria de um autor. Mas, não 
podemos deixar a questão no campo subjetivo, é necessário para melhor 
aprofundarmos isso vermos o conceito em outros autores. Vemos que em 
FornetBetancourt o original: 
É um pensamento novo porque brota do inédito, isto é, não é uma 
reorganização teórica, nem uma radicalização dos 
posicionamentos ocidentais, mas a criação a partir das 
potencialidades filosóficas que se vão historizando em um ponto de 
convergência comum, não dominado, nem colonizado 
culturalmente por qualquer tipo de tradição cultural 94. 
 
FornetBetancurt defende nesse trecho a originalidade de uma filosofia da 
cultura. Contudo, no tocante a sua compreensão sobre a originalidade, percebemos 
 
93 “Julgados pelo padrão convencional do número de monografias, artigos acadêmicos e 
dissertações sobre a filosofia de Cícero, a consideração por Cícero como um pensador sério ou 
mesmo um pensador político sério é de fato baixa. O número desses itens que aparecem nos 
Estados Unidos na última geração pode colocado em uma mão, ou talvez duas, dependendo de 
como classificar as várias entradas secundárias”. NICGORSKI, Walter. Cicero’s Practical 
Philosophy. Notre Dame: University of the Notre Dame, 2012, p. 63 (traduçãonossa). 
94 SOUZA, Rubin Assis da Silveira. Breves considerações críticas acerca do método para uma 
filosofia intercultura de Raúl FornetBetancourt. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 23., 
2014, Florianópolis. Anais Florianópolis: UFSC, 2014, p. 3. 
 
31 
 
 
que para ele a originalidade deve brotar do inédito e não advir de uma 
reorganização teórica. Mas, para tanto, deve se compreender o que se entende por 
inédito no que se diz da publicação de trabalhos: 
O ineditismo, por exemplo, isoladamente, nada significa. O fato de 
um estudo não ter sido antes publicado, não é elemento justificativo 
a que, por isso, ele deva ser divulgado. Estritamente considerando, 
todo trabalho que não seja de republicação, ou cópia de outro, é 
inédito 95. 
 
Mostra-se interessante a definição de Bicas, pois também nos revela a ideia 
de que o fato de uma coisa ter sido publicada, não necessariamente seja de origem 
própria de quem a publicou, ou seja, há ideias que são de acesso comum ou de 
uma determinada pluralidade de pessoas, mas que se são publicadas por uma 
determinada pessoa, ela recebe a honra do ineditismo do pensamento. Portanto, o 
inédito não é simplesmente a novidade própria de um pensamento, ou teoria de um 
autor, mas se torna a novidade própria de um pensamento, ou teoria publicado por 
certo autor; o que nos faz questionar a ideia de autoria. 
Segundo Leclerc, “L'authorship est fait d'identification, c'est-à-dire qu'il est un 
lien symbolique à ce qui est propre et unique 96”, ou seja, a autoria passa a ser 
aquilo que serve de identificação, uma linha simbólica que unifica coisas diferentes 
a um sujeito ou grupo determinado, portanto, a autoria funcionaria como uma 
marca. 
Contudo, Harley Bicas nos apresenta, em seu trabalho sobre as 
características que orientam a produção de artigos científicos, o que seria o 
conceito de originalidade diante do conceito de ineditismo que por muitas vezes 
são equiparados ou simplesmente considerados como sinônimos pelo público em 
geral: 
Originalidade, por outro lado, implica desvendamento de dúvidas, 
apresentação de perspectivas à abordagem de problemas, 
revelação de resoluções, explicitação de correlações importantes, 
enfim, descrição de novidades que enriqueçam o conhecimento 
sobre um assunto. É, portanto, a condição nuclear pela qual os 
limites da ciência se expandem, devendo ser distinguida como 
característica de mérito para a publicação. Um artigo como o de um 
"relato de caso", por exemplo, é original (ou deixa de sê-lo) por 
conter elementos (ou não os ter) que contribuam para melhor 
 
95 BICAS, Harley E. A. Ineditismo, originalidade, importância, publicidade, interesse e impacto de 
artigos científicos. Arq. Bras. Oftalmol., São Paulo, v. 71, n. 4, 2008, p. 473. 
96 PONTILLE, David. Qu’est-ce qu’un auteur scientifique? Perspectives sur les activités de signature. 
Sciences de la Société, Toulosa, 2006, p. 3. 
32 
 
 
compreensão da entidade descrita, seu diagnóstico e tratamento, 
não havendo razão para que seja aprovado para aparecer se for, 
apenas, "mais um" entre os já antes publicados. Para um leitor 
experiente e bem informado, a originalidade é facilmente 
reconhecida, dependente de conhecimentos sobre os limites do 
conhecimento, no tema a que o trabalho se refere 97. 
 
Desse modo, vemos que a originalidade está vinculada a elementos que 
possam contribuir para uma ampliação do conhecimento que se tenha em 
determinado campo da ciência, de modo a se excluir o caráter inovador em todo o 
trabalho, assim passando a ser suficiente para se constituir original a obra, ou ideia 
ter elementos contribuintes para o tema; o que nos permite dizer que o fato de uma 
ideia ser aplicada em uma nova circunstância dá a ela um status de originalidade. 
Entretanto, houve momentos ao longo da história 98 em que existiram modelos 
de trabalho a serem imitados, que poderíamos chamar de “referenciais teóricos”, 
que serviram como critério para que algo fosse considerado como de boa 
qualidade, no que se diz de produção textual, disso nos vem à distinção de 
originalidade e imitação: 
Considerar a produção textual como imitação implica advogar a 
primazia de um modelo previamente determinado e considerá-la 
como original implica defender a produção escrita como produto de 
um sujeito original e criativo, caso em que o texto é tido como 
resultado apenas de uma intencionalidade do sujeito 99. 
 
Portanto, a imitação teria como base um modelo previamente determinado, e 
o original seria fruto da intencionalidade criativa de um sujeito. Mas essa mesma 
ideia não descarta o fato de que se um texto tem elementos inovadores ele pode 
ser considerado original; uma vez que teríamos textos que na perspectiva do 
referencial poderiam ser considerados imitações, mas se o sujeito põe conteúdos 
nesses textos, ou intencionalidades novas, os textos seriam considerados originais: 
É preciso reconhecer, no entanto, que a principal justificativa para 
a afirmação da originalidade de um trabalho filosófico não está na 
intenção do autor, mas deve estar nos resultados que ele 
apresentou direta e indiretamente por meio da obra 100. 
 
97 BICAS, Harley E. A. Ineditismo, originalidade, importância, publicidade, interesse e impacto de 
artigos científicos. Arq. Bras. Oftalmol., São Paulo, v. 71, n. 4, 2008, p. 473. 
98 Cf. BAPTISTA, Lívia Márcia Tiba Rádis. Autoria, discurso e sujeito: uma questão de singularidade 
ou originalidade?. Interfaces, Guarapuava, v. 2, n. 2, 2011, p. 27. 
99 Ibid., p. 28. 
100 GRISOTTO, A.; ALBERTUNI, C. A.; FELDHAUS, C. (Org.). In: ENCONTRO DE EGRESSOS E 
ESTUDANTES DE FILOSOFIA: a ética e o ensino de filosofia, 5., 2013, Londrina. Anais. Londrina: 
Universidade Estadual de Londrina, 2012, p. 101. 
33 
 
 
 
Contudo, mesmo que outros autores durante a história não coloquem a 
intencionalidade como um meio suficiente para se verificar a originalidade de um 
trabalho, a intenção é admitida como um critério de originalidade, que é unido às 
consequências diretas ou indiretas da obra. Porém, essa realidade que exigia a 
imitação de modelos previamente estabelecidos que se fez presente em 
determinados momentos da história teve uma mudança, como nos afirma Lívia 
Baptista: 
Já nos séculos XIX e XX se desenvolveu a noção de originalidade, 
contraposta a de engenhosidade e cultivou-se uma literatura que 
se supunha originar-se de si mesma ou da realidade, ao modo 
romântico ou realista. Dessa ótica, não mais se tratava de uma 
dada tradição que se deveria cultuar ou imitar 101. 
 
Deste modo, independente do momento histórico em que se encontre o 
conceito de originalidade, especialmente no século XIX e XX, ele se volta para uma 
conceituação na qual se afirma que se o texto possui elementos inovadores, 
baseados no contexto ou realidade em que se são produzidos, mesmo que 
pressuponha um modelo determinado, o texto é considerado como original. Logo, 
a originalidade filosófica seria um pensamento ou teoria publicada por determinado 
autor que é possuidor de um caráter totalmente inovador ou parcialmente inovador. 
2.3 De Iudiciis 
Cícero durante a história da filosofia sofreu diversas críticas, mas sem grande 
expressão, ou dano que comprometesse o interesse pelo estudo de suas obras 
filosóficas, diálogos políticos, poemas, cartas et al. Todavia, não podemos negar 
que as críticas de suas obras ganharam grande força em um passado próximo. 
Sobre os seus escritos, o que mais chamou a atenção dos críticos de Cícero 
foi a velocidade com que ele escreveu as suas obras, que segundo se diz foi cerca 
de 2 a 3 anos, como, segundo Slaughter, provoca-nos Theodor Mommsen: "with 
equalpeevishness and precipitation Cicero composed in a couple of months an 
entire philosophical library 102”. 
 
101 GRISOTTO, A.; ALBERTUNI, C. A.; FELDHAUS, C. (Org.). In: ENCONTRO DE EGRESSOS E 
ESTUDANTES DE FILOSOFIA: a ética e o ensino de filosofia, 5., 2013, Londrina. Anais. Londrina: 
Universidade Estadual de Londrina, 2012, p. 101. 
102 “Com precipitação e impertinência Cícero compôs em alguns meses uma biblioteca filosófica 
inteira”. SLAUGHTER, M. S. Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 
1921, p.120 (tradução nossa). 
 
34 
 
 
 Esse historiador alemão, escritor de uma das mais importantes obras sobre 
a História da Roma Antiga 103, é considerado por especialistas como o mais severo 
crítico de Cícero 104, mas essas críticas, por vezes em tons descabidos, mais do 
que baseadas em fatos verídicos presentes nas obras de Cícero, parecem ter como 
base um posicionamento meramente político: 
As most of you know and many of you have said, the modern 
attitude towards Cicero of harsh criticism and deliberate 
undervaluation is largely due to the influence and wide circulation 
and acceptance of Mommsen's History of Rome. Men living under 
free institutions have accepted without question the judgment of an 
arch supporter of a benevolent despotism, who in making a demigod 
of Julius Caesar, the real founder of the Roman Empire, found it 
impossible to see any virtue in Cicero, the advocate of a free state, 
the believer in an ideal republic, and the author of a programme to 
establish such a state 105. 
 
Uma vez que Mommsen era contra o Sistema Republicano, ao qual Cícero 
tanto idealizou e trabalhou para defender, e por ser ele também um historiador da 
Roma Antiga, ele aderiu às ideias monárquicas de Júlio Cézar “divinizando-o” e 
menosprezando Marco Túlio Cícero, como nos mostra Slaughter em trecho de sua 
obra: 
Mommsen is quite incapable by birth, nature, and training of 
understanding the situation in Rome in Cicero’s day seen from any 
idealistic point of view. The idea of a free state enrages him. He 
worships Caesar and defends the despotism established by him, 
the revised divine right despotism brought into Europe from the 
Orient by Alexander of Macedon. The very name Caesar intrigues 
the mind of Mommsen and betrays him into making this self-
revealing statement which fortunately now calls for a slight revision: 
"The peoples to whom the world belongs still at the present day 
 
103 Obra publicada em alemão com o título Römische Geschichte. 
104 Cf. SLAUGHTER, M. S. Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 1921, 
p.123. 
105 “Como a maioria de vocês conhecem e muitos de vocês disseram, a atitude moderna em relação 
a Cícero de críticas severas e desvalorização deliberada deve-se em grande parte à influência e 
ampla circulação e aceitação da História romana de Mommsen. Os homens que vivem sob 
instituições livres aceitaram sem questionar o julgamento de um arco partidário de um despotismo 
benevolente, ao tratar como um semideus Júlio Cézar, o verdadeiro fundador do Império Romano, 
acharam impossível ver qualquer virtude em Cícero, o defensor de um estado livre, o crente em uma 
república ideal e o autor de um programa para estabelecer tal estado”. Ibid., p.120 (tradução nossa). 
 
35 
 
 
designate the highest of their rulers by the name of Caesar" 106. 
 
E, não foi apenas Slaughter a notar essa relação entre o posicionamento 
político de Mommsen e a sua veneração ao imperador Júlio Cézar e depreciação 
ao republicano Cícero. Outros autores notam essa mesma falha, ou até mesmo 
desonestidade na orientação dos escritos do historiador alemão, como o latinista e 
historiador francês Gaston Boisser: 
Boissier insisté sulla necessità di tenere distinto il giudizio storico a 
posteriori da quello dei contemporanei: i presunti ‘benefici’ che le 
future nazioni europee avrebbero tratto nei secoli successivi dalla 
vittoria di Cesare non rientravano affatto nel programma politico 
dello stesso Cesare, prevalentemente indirizzato alla personale 
conquista del potere; e Cicerone, opponendosi alla politica di 
Cesare, non intendeva contrastare il corso inesorabile della storia, 
ma semplicemente salvaguardare quella che era ai suoi occhi la 
legalità delle istituzioni repubblicane 107. 
 
 Portanto, tendo em vista o que já foi dito sobre o conflito político na relação 
entre Cícero e o imperador Cézar, vemos que Theodor Mommsen, que era um 
comum difamador de personagens 108 fez uma cisão entre os personagens, 
ignorando até mesmo os reconhecimentos mútuos presente nas cartas e histórias 
desses dois ícones da antiguidade romana, em favor de suas ideias 
“antirrepublicanas”. 
Após termos exposto o plano de fundo político das críticas do alemão Theodor 
Mommsen, apresentaremos as principais críticas feitas por ele no final do terceiro 
volume de seu livro sobre a história romana antiga. Na primeira crítica vemos que 
Mommesen acusa Cícero de se utilizar do padrão dos Diálogos platônicos: 
Endlich entwickelt sich in der ästhetischen Literatur dieser Zeit die 
künstlerische Behandlung fachwissenschaftlicher Stoffe in der Form 
des stilisierten Dialogs, wie sie bei den Griechen sehr verbreitet und 
vereinzelt auch bereits früher bei den Römern vorgekommen war 
(II, 456). Namentlich Cicero versuchte sich vielfach in der 
Darstellung rhetorischer und philosophischer Stoffe in dieser Form 
 
106 “Mommsen é bastante incapaz por nascimento, natureza e treinamento de entender a situação 
em Roma no dia de Cícero visto de qualquer ponto de vista idealista. A ideia de um estado livre o 
irrita. Ele venera César e defende o despotismo estabelecido por ele, o despotismo de direito divino 
corrigido trazido para a Europa a partir do oriente por Alexandre da Macedônia. O próprio nome 
César intriga a mente de Mommsen e o trai para fazer esta afirmação auto reveladora que, 
felizmente, agora exige uma pequena revisão: "Os povos a quem o mundo ainda pertence no 
presente designam o mais alto de seus governantes pelo nome de César”. SLAUGHTER, M. S. 
Cicero and His Critics. The Classical Journal, Michigan, v. 17, n. 3, 1921, p.130 (tradução nossa). 
107 NARDUCCI, Emanuele. Introduzione a Cicerone. Itália: Laterza, 2010, p. 4. 
108 Cf. SLAUGHTER, op. cit., p.126. 
 
36 
 
 
und in der Verschmelzung des Lehrbuchs mit dem Lesebuche. 
Seine Hauptschriften sind die, vom Redner‘ (geschrieben 699), 
wozu die Geschichte der römischen Beredsamkeit (der Dialog, 
Brutus‘, geschrieben 708) und andere kleinere rhetorische Aufsätze 
ergänzend hinzutreten, und die Schrift, vom Staat‘ (geschrieben 
700), womit die Schrift, von den Gesetzen‘ (geschrieben 702?) nach 
Platonischem Muster in Verbindung gesetzt ist 109. 
 
De igual modo, na segunda crítica, vemos que as ideias políticas de cunho 
filosófico propostas por Cícero para o governo da Antiga Roma, também foram 
criticadas por Theodor Mommsen como ideias pertencentes aos filósofos gregos. 
Além disso, outras acusações lhe são feitas de modo velado pelo historiador 
alemão: 
Die Schrift vom Staat führt in einem wunderlichen geschichtlich-
philosophischen Zwittergebilde den Grundgedanken durch, daß die 
bestehende Verfassung Roms wesentlich die von den Philosophen 
gesuchte ideale Staatsordnung sei; eine freilich ehen so 
unphilosophische wie unhistorische, übrigens auch nicht einmal 
dem Verfasser eigentümliche Idee, die aber begreiflicherweise 
populär ward und blieb. Das wissenschaftliche Grundwerk dieser 
rhetorischen und politischen Schriften Ciceros gehört natürlich 
durchaus den Griechen und auch vieles einzelne, zum Beispiel der 
große Schlußeffekt

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