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Relatório - Livro "O caso dos exploradores de caverna"

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O caso dos exploradores de caverna é um estudo fictício proposto pelo jusfilósofo Lon L. Fuller (1902—1978) para ensinar as principais linhas de pensamentos jurisprudenciais em voga no final dos anos 1940 nos Estados Unidos. Mais de meio século depois, essa alegoria continua atual e atravessa as fronteiras dos sistemas jurídicos. O caso, além de ilustrar as diferentes escolas de jurisprudência, estimula a reflexão crítica em julgamento de casos difíceis, impasses éticos e conflitos interpretativos da lei. É uma obra formulada no intuito de discutir acerca dos princípios do direito. A obra mostra, através de um caso concreto, apesar de fictício, essencialmente, a contraposição de valores positivos e naturais.
Entretanto, a justiça, na prática, é descaracterizada como fim máximo do agir jurídico. O positivismo assegura às leis um caráter dogmático, garantindo à justiça um papel secundário. O que se observa é um legislador que atende a anseios particulares e juízes que se limitam à subsunção. Magistrados que, na retaguarda do Kelsen, esquivam-se de examinar o direito como uma ciência interligada aos fatos e valores. Profissionais que, a despeito de preceitos individuais de ética, moral e justiça, limitam-se à aplicação simplista da norma.
 Não se pode esquecer, porém, dos juízes que agem de encontro às normas, muitas vezes, instintivamente. Aplicadores do direito que, ofuscados por convicções individuais, agem de maneira parcial, pondo em xeque a própria segurança jurídica. Julgadores que, guiados por uma ideia incessante de justiça e adaptação social, são influenciados por fatores externos, que acarretam benefícios ou não.
Essas contradições são postas com maestria na obra em análise, o que caracteriza a “concretização da abstratividade” das contradições do direito. Positivismo e naturalismo, normas e princípios, legalismo e jurisprudência, todos esses caracteres são tratados no livro.
O direito, portanto, como ciência social, está fadado a concepções distintas, influenciadas pelo momento histórico. A justiça, norteadora dessa ciência, contudo, inegavelmente, permanecerá como conceito absoluto e escopo da ciência jurídica.
Fuller teria inspirado sua alegoria, além das referências à literatura, em dois casos: US v . Holmes (1842) e Regina v . Dudley e Stephens (1884) de naufrágios seguidos de homicídio e canibalismo. Curiosamente, em boa parte das jurisdições ocidentais o canibalismo não é tipificando, sendo os réus indiciados de homicídio ou violação do cadáver, mas não condenados por comer carne humana.
O CASO
Um colapso de terra prende cinco espeleólogos (exploradores de caverna). Depois de contatar a superfície por rádio, descobrem que levarão dez dias para resgatá-los. Porém, em dez dias os espeleólogos amadores estarão mortos de inanição.
Depois de os médicos relutantemente responder-lhes que sobreviveriam se matassem e comessem algum de seus colegas, os espeleólogos tiram a sorte para saber quem seria a vítima. Quando consultaram um médico, um oficial do governo e um ministro religioso sobre o dilema, ninguém lhes deu resposta. Desligam o rádio e prosseguem no jogo voraz. E o azarado chama-se Roger Whetmore.
O caso é julgado no ano 4300 no país fictício da Comunidade de Newgarth[ii]. Segundo as leis penais dos Estatutos da Comunidade de Newgarth, N.C.S.A seção 12-A “Alguém que deliberadamente tirar a vida de outro será punido com a morte”.
Com base nessa norma, depois de serem resgatados, os quatro exploradores são julgados e condenados à morte por homicídio.
Os condenados recorreram da sentença ao Tribunal Supremo de Newgarth. Os cinco juízes dessa corte expuseram as justificativas de seus votos conforme diferentes escolas de pensamento jurídico. Os votos são os seguintes:
Ministro Truepenny
Depois do relatório, Truepenny defende a aplicação estrita da letra da lei. Se a corte inferior pronunciou um julgamento de que não era justo o fez sob o texto legal. Os réus realizaram a conduta típica de deliberadamente matar um dentre eles, mesmo que com a concordância da vítima de tirar a sorte. Seu voto é a condenação. Entretanto, convida seus colegas a subscreverem a um pedido de indulto a ser decidido discricionariamente pelo Chefe do Executivo do Estado.
O presidente Truepenny pode ser considerado um “positivista moderado”, pois segue o que a lei do país ordena: “Quem quer que intencionalmente prive a outrem da vida será punido com a morte”. No entanto, admite sua natural inclinação em considerar a trágica situação a que esses homens estavam impostos, além de torcer para que o Executivo conceda clemência aos acusados. O presente magistrado, portanto, sente-se impelido a cumprir a lei, mas o faz com certa reserva, levando-se pelas implicações suscitadas pelo caso. O magistrado age, de certa forma, covardemente, concedendo o poder de decidir o caso ao presidente do país, caracterizando uma total “cessão de atribuições”.
Ministro Foster
O voto de Truepenny chocou o ministro Foster. Foster argumenta que as leis postas fundamentam-se no direito natural e que as situações extremas excluíram o comportamento dos réus da esfera da lei positiva, análogo à legítima defesa. Sob a perspectiva jusnaturalista, o direito a vida sobrepõe as leis de Newgarth. Adicionalmente, se o Estado esteve disposto a sacrificar dez vidas para salvar outras (morreram dez pessoas durante o resgate), o mesmo Estado deveria aceitar o direito de viver desses quatros. Propõe uma teoria do propósito da lei para interpretação do tipo penal. Seu voto é pela absolvição dos acusados.
A proposta apresentada por Foster de interpretar a lei é louvável. O direito positivo, inevitavelmente, apresentará não só lacunas, mas também generalizações e limitações. Cabe ao juiz ler nas entrelinhas, o que não significa que ele está legislando, mas aplicando a lei ao caso concreto. 
Ministro Tatting
Em seu voto, Tatting discorda de Foster, pois o direito natural preconiza a liberdade de contrato. Todavia, um contrato não torna legítimo o homicídio. Questiona quando e como os cinco passaram da sociedade civil ao estado de natureza, para fazer-se valer das leis do direito natural. Reconhece mas recusa aplicar a analogia de legítima defesa, pois houve deliberação dos atos. Todavia, considera a teoria do propósito da interpretação legal como válida, porém haveria vários propósitos morais em conflito. Apontando que o Tribunal Supremo de Newgarth fora criado por lei positiva, não haveria competência para decidir sobre o direito natural. Em seu voto, absteve-se.
Ministro Keen
Seu voto afirma que indulto compete ao Chefe do Executivo, não ao judiciário. Também, não competia decidir a moralidade das ações dos réus, mas a lei positiva. Uma vez legislada, a lei deve ser cumprida, sem questionar sua moralidade. Rejeita o ativismo judicial ou interpretações arbitrárias, pois resultaram em guerra civil. Recusa a teoria de propósito da norma, pois o juiz é incompetente para escrutinar a intenção do legislador. Compete ao poder legislativo julgar a moralidade de uma lei proposta, não ao judiciário. Além disso, legítima defesa aplica-se somente em resistência à ameaça de agressão para proteger sua própria vida. Portanto, não é análogo ao caso em julgamento. Seu voto é de manter a condenação.
Ministro Handy
Handy condenou as picuinhas legalistas, alegando que deveriam julgar conforme a opinião popular. E uma enquete revelava o apoio da maioria da população para deixá-los com uma punição menor. O ministro lembrou que as relações humanas são governadas não por teorias, mas por outras pessoas. Uma decisão é imprópria se não considerar o sentimento do povo, detentores da soberania do poder legal. A teoria jurídica e as normas serviriam somente para facilitar a comunicação dos argumentos aplicáveis em um caso, mas não deveriam ser elas próprias as determinantes de um caso. Para Handy, o caso era para ser julgado segundo a realidade humana. Seu voto foi para absolvê-los.
CONCLUSÃO
Com a votação do Tribunal Supremo empatada, a sentença condenatóriade primeira instância foi mantida. Os condenados foram enforcados.
A alegoria da caverna de Fuller representa as nuances de diversas formas de raciocínio jurídico. Assumir uma estrita interpretação legal, como o parecer de Truepenny, fundamentada em um pressuposto de validade somente de leis positivadas, é um risco ao sistema como um todo. Por outro lado, a interpretação ampla proporcionada pelo propósito da lei, como argumenta Foster, poderia ameaçar o sistema jurídico como um todo e reduzir a lei do Estado a um casuísmo. Tatting aponta as dificuldades que o caso aponta sob uma perspectiva estritamente jurídica — quer naturalista ou positivista —, mas Keen insiste em um positivismo kelseniano de fazer-se obedecer a lei, sem interferir nas competências de outros poderes (por exemplos, pedir o indulto ao Chefe do Executivo, ou inferir interpretações e propósitos do legislador). Por fim, Handy apela para o próprio fundamento social das leis: foram feitas para cumprir a vontade geral do povo. Com essas diferentes perspectivas em jogo, Fuller deixa ao leitor a possibilidade de formar sua própria opinião jurídica para esse caso difícil, utilizando recursos já amplamente discutidos pela hermenêutica e pela filosofia do Direito.
Bibliografia Consultada
FULLER, Lon. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Tradução de Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993.
KELSEN, Hans, 1881-1973. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado – 8º Ed. São Paulo, 2009.
PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. Traduzido por Vergínia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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