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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 465 CHACRA APM e cols. Classificação das dislipidemias INTRODUÇÃO Há cerca de 40 anos, a comunidade científica reco- nheceu a necessidade de se introduzir uma classificação das dislipidemias, no intuito de ordenar os defeitos meta- bólicos então conhecidos. Essa classificação permitiu que se criasse uma linguagem científica universal, facilitando o diagnóstico, o tratamento, bem como a evolução e o prognóstico das dislipidemias. Nesse sentido, com base nos métodos laboratoriais validados na época, a Organi- zação Mundial da Saúde referendou a classificação feno- típica de Fredrickson e colaboradores(1), em 1970, que ainda hoje constitui um método prático de se identificar eventual defeito lipídico metabólico. Além da classificação fenotípica, as dislipidemias são classificadas de acordo com as determinações bioquími- cas e sua etiologia. A Tabela 1 apresenta os valores nor- mais do perfil lipídico em indivíduos com mais de 20 anos de idade. CLASSIFICAÇÃO BIOQUÍMICA A classificação bioquímica(2) considera a determina- ção do colesterol total, dos triglicérides e do colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) por meio de métodos diretos de determinação. Não discrimina os padrões das diferentes lipoproteínas. Compreende qua- tro tipos principais bem definidos: CLASSIFICAÇÃO DAS DISLIPIDEMIAS ANA PAULA MARTE CHACRA, JAYME DIAMENT, NEUSA A. FORTI Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II – 2º andar – sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP Os autores ressaltam a importância de uma classificação das dislipidemias acei- ta pela comunidade científica, o que facilita o estabelecimento do diagnóstico e a melhor terapêutica, bem como o prognóstico das mesmas. Além da propedêutica dos distúrbios lipoprotéicos, são abordados aspectos genéticos das principais disli- pidemias. Palavras-chave: lipoproteínas séricas, dislipidemias, classificação, etiologia. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:465-72) RSCESP (72594)-1569 a) Hipercolesterolemia isolada: elevação isolada do co- lesterol total, que corresponde ao aumento do colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol). b) Hipertrigliceridemia isolada: elevação isolada dos tri- glicérides, que reflete o aumento das partículas de lipo- proteína de densidade muito baixa (VLDL) ou dos quilo- mícrons ou de ambos. c) Hiperlipidemia mista: valores aumentados de coleste- rol total e triglicérides, em proporções variáveis. d) HDL-colesterol baixo: isolado ou em associação com aumento de LDL-colesterol ou de triglicérides. CLASSIFICAÇÃO FENOTÍPICA A classificação proposta por Fredrickson e colabora- dores(1) (Tab. 2) foi baseada nos métodos de eletroforese e ultracentrifugação, além da aparência do plasma obtido de amostra no jejum, após 24 horas de repouso a 4oC (geladeira comum). Essa classificação considera as ca- tegorias das lipoproteínas(1, 3, 4) e admite os seguintes fe- nótipos: a) Tipo I: colesterol total normal ou pouco elevado e hi- pertrigliceridemia às custas do excesso de quilomícrons. A aparência do plasma de jejum, após 24 horas, apre- senta camada cremosa acima de uma coluna líquida de plasma transparente. Pela eletroforese, observa-se den- sa faixa de quilomícrons, e as demais faixas podem não ser visíveis. 466 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 CHACRA APM e cols. Classificação das dislipidemias b) Tipo IIa: aumento de colesterol total às custas da ele- vação das betalipoproteínas. O plasma de jejum, após 24 horas, mostra-se límpido. O colesterol está elevado e os triglicérides estão dentro dos valores normais. Na eletro- forese há uma faixa de betalipoproteínas intensamente coradas e na ultracentrifugação observa-se aumento dos níveis plasmáticos de LDL-colesterol, com VLDL-coleste- rol normal e HDL-colesterol variável. c) Tipo IIb: elevação plasmática concomitante do coleste- rol total e dos triglicérides às custas de aumento de pré- beta e betalipoproteínas. O plasma de jejum é geralmen- te turvo. A eletroforese mostra faixas de beta e pré-beta- lipoproteínas, intensamente coradas e separadas, e a ul- tracentrifugação exibe aumento da LDL e da VLDL. d) Tipo III: relativamente incomum, caracteriza-se por uma fração de VLDL com mobilidade eletroforética anormal; esse fenótipo é conhecido como doença da beta larga. O plasma de jejum, após 24 horas, é turvo, com leve cama- da cremosa na parte superior, que corresponde aos qui- lomícrons. A banda beta da eletroforese está alargada, correspondendo à elevação das lipoproteínas de densi- dade intermediária (IDL). As concentrações de colesterol total e triglicérides estão elevadas e a relação colesterol total/triglicérides é de aproximadamente 1. e) Tipo IV: aumento dos triglicérides em decorrência do acúmulo das pré-betalipoproteínas, correspondente à ele- vação das VLDL. O colesterol total é normal ou pouco aumentado, às custas do colesterol contido nas VLDL. O plasma tem aspecto turvo. f) Tipo V: colesterol total pouco aumentado e aumento Tabela 1. Valores de referência para o diagnóstico das dislipidemias em adultos > 20 anos. Lípides Valores Nível Colesterol total < 200 Ótimo 200-239 Limítrofe ≥ 240 Alto LDL-colesterol < 100 Ótimo 100-129 Desejável 130-159 Limítrofe 160-189 Alto ≥ 190 Muito alto HDL-colesterol < 40 Baixo > 60 Alto Triglicérides < 150 Ótimo 150-200 Limítrofe 201-499 Alto ≥ 500 Muito alto LDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de baixa densidade; HDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de alta densidade. importante dos triglicérides por elevação concomitante de quilomícrons e pré-betalipoproteínas. O plasma de jejum apresenta uma camada cremosa, superior, que corres- ponde aos quilomícrons, e outra turva, inferior, que cor- responde aos triglicérides endógenos. A classificação fenotípica não define a etiologia das dislipidemias, não diferencia as primárias das secundári- as, mas tem sido útil na caracterização dessas anormali- dades. A eletroforese de lipoproteínas é usada eventualmen- te a fim de diferenciar quando a elevação de triglicérides é procedente de fontes alimentares (triglicérides contidos nos quilomícrons) ou de partículas ricas em triglicérides de origem endógena (VLDL produzida pelo fígado, como, por exemplo, em indivíduos com alta ingestão de carboi- dratos)(5, 6). Entretanto, estabelecer o fenótipo das lipoproteínas plasmáticas não substitui o diagnóstico da etiologia da dislipidemia. Por serem métodos mais caros, tanto a eletroforese como a ultra-centrifugação não são feitas de rotina; a ele- troforese, como mencionado, tem utilidade na presença de hipertrigliceridemias graves e é também indicada na suspeita diagnóstica da dislipidemia tipo III(6). CLASSIFICAÇÃO ETIOLÓGICA Diante de concentrações anormais de lípides no plas- ma, é necessária a identificação das causas da dislipide- mia. De acordo com sua etiologia, as dislipidemias são Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 467 CHACRA APM e cols. Classificação das dislipidemias classificadas como primári- as ou secundárias. Dislipidemias primárias As dislipidemias primá- rias caracterizam-se por au- mento ou diminuição dos lí- pides plasmáticos, resultan- tes de alterações genéticas que interferem com os me- canismos de síntese ou re- Tabela 2. Classificação fenotípica das hiperlipidemias (Fredrickson). Lipoproteínas Lípides Aparência (principal alteração) (valores mais comuns) do plasma Fenótipo QM VLDL IDL LDL CT (mg/dl) TG (mg/dl) ou soro Tipo I ↑↑↑ 160-400 1.500-5.000 Sobrenadante cremoso Tipo IIa ↑ a ↑↑↑ > 240 < 200Transparente Tipo IIb ↑ a ↑↑ ↑ a ↑↑↑ 240-500 200-500 Turvo Tipo III ↑↑ a ↑↑↑ 300-600 300-600 Turvo Tipo IV ↑ a ↑↑↑ < 240 300-1.000 Turvo Tipo V ↑ a ↑↑↑ ↑ a ↑↑↑ 160-400 1.500-5.000 Camada superior cremosa Camada inferior turva QM = quilomícron; VLDL = lipoproteína de densidade muito baixa; IDL = lipoproteína de densidade intermediária; CT = colesterol total; TG = triglicérides. moção das lipoproteínas circulantes. Algumas dessas dislipidemias manifestam-se em função da influência ambiental, incluindo dieta inadequada e/ou sedentaris- mo. As dislipidemias primárias englobam as hiperlipide- mias e as hipolipidemias. Serão abordadas, a seguir, as principais hiperlipidemias genéticas. Hipercolesterolemia familiar A hipercolesterolemia familiar é uma doença genéti- ca, com transmissão autossômica dominante, o que con- fere dois genótipos: os homozigóticos, que praticamente não expressam receptores para remoção do LDL-coles- terol, com níveis muito elevados de colesterol plasmático, e os heterozigóticos, com expressão parcial dos recepto- res e níveis de colesterol não tão elevados como na for- ma heterozigótica. A heterozigótica é mais freqüente e acomete cerca de 1:500 pessoas da população; a forma homozigótica, muito rara, tem prevalência de 1:1.000.000(7). A concentração plasmática de LDL-coles- terol, nos heterozigóticos, oscila entre 250 mg/dl e 450 mg/dl. Nos homozigóticos, esses valores são mais pro- nunciados, podendo-se observar níveis entre 550 mg/dl e 950 mg/dl. Xantomas tuberosos na face dorsal das mãos, nos joelhos, nos cotovelos e no tendão de Aquiles, além de xantelasma e arco córneo lipídico, são sinais do exa- me físico considerados patognomônicos dessa doença. O fenótipo da hipercolesterolemia familiar é IIa. A impor- tância do diagnóstico precoce e da instituição do trata- mento adequado decorre do conhecimento da história natural da doença. Em sua forma heterozigótica, calcula- se que homens com 50 anos de idade ou mais apresen- tem risco elevado de doença coronariana (de 50%), en- quanto em mulheres o risco estimado é de 30% antes dos 60 anos de idade. Na forma homozigótica, mais gra- ve, observa-se doença arterial coronariana e até óbito já na primeira infância(7). Defeito familiar da apo B O defeito familiar da apo B é uma alteração genética que se caracteriza por uma única mutação da apo B-100, defeito que impede que essa apolipoproteína seja reco- nhecida pelo receptor; assim, não se estabelece a liga- ção entre a apo B100 e o receptor da LDL, o que resulta em elevação dos níveis de colesterol total e de LDL-co- lesterol. A freqüência dessa doença é de 1:500 e 1:750 em indivíduos brancos com hipercolesterolemia. Em po- pulações não selecionadas e de etnia diversa, a preva- lência é de 0,08%. O quadro clínico dos pacientes homo- zigóticos e heterozigóticos com defeito familiar da apo B é muito semelhante ao de hipercolesterolemia familiar, com níveis elevados de LDL-colesterol, xantomas e do- ença coronariana precoce. Apesar da semelhança, os níveis de colesterol são menos elevados e as manifesta- ções clínicas são menos intensas no defeito familiar da apo B, quando comparados à hipercolesterolemia famili- ar. Esse fenótipo menos grave deve-se ao fato de que a ligação da apo B com o receptor da LDL é defeituosa, mas não ausente. Clinicamente, o defeito familiar da apo B é indistinguível da hipercolesterolemia familiar e o tratamen- to é semelhante ao da hipercolesterolemia familiar(8). Hiperlipidemia familiar combinada A hiperlipidemia familiar combinada é uma das hiper- 468 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 CHACRA APM e cols. Classificação das dislipidemias lipidemias mais comuns, com prevalência aproxima- da de 2%, além de ser cau- sa freqüente de doença co- ronariana precoce (20% dos pacientes jovens com infarto do miocárdio apre- sentam hiperlipidemia fami- liar combinada). Foi reco- nhecida em 1973 por Gol- dstein e colaboradores(9) em estudo de famílias com do- ença coronariana precoce. A hiperlipidemia familiar com- binada caracteriza-se por níveis elevados de triglicérides ou colesterol ou ambos, com padrão aparente de heran- ça autossômica dominante. Como peculiaridade, obser- va-se fenótipo variável no grupamento familiar, ora tipo IIa ora IIb ou IV(10). Hipertrigliceridemia familiar Sua herança é autossômica dominante, com penetra- ção variável. É decorrente do acúmulo, no plasma, de lipoproteínas ricas em triglicérides (VLDL e IDL), que re- sulta tanto do aumento da produção hepática como da diminuição da depuração plasmática. O mecanismo res- ponsável pela doença ainda não é conhecido. O aumento da produção hepática dos triglicérides estaria relaciona- do à resistência à insulina, e é semelhante ao observado após o consumo aumentado de hidratos de carbono e de álcool. O fenótipo correspondente é o tipo IV(10). Disbetalipoproteinemia A hiperlipoproteinemia tipo III, também conhecida como disbetalipoproteinemia, é caracterizada por aumento das concentrações plasmáticas de colesterol total e trigli- cérides, causado pelo acúmulo, no plasma, dos rema- nescentes das lipoproteínas ricas em triglicérides. O acú- mulo de remanescentes, na circulação, decorre da dimi- nuição da afinidade entre a apo E, presente nas lipopro- teínas remanescentes, e o receptor hepático B/E. Esses pacientes apresentam o genótipo E2/E2 e a transmissão desse alelo é autossômica recessiva(11, 12). O genótipo E2/ E2 ocorre com freqüência relativamente alta na popula- ção (cerca de 1:100). No entanto, o fenótipo da hiperlipo- proteinemia tipo III é relativamente raro, desenvolvendo- se apenas entre 1:10 e 1:100 dos portadores do genótipo homozigoto. A dislipidemia, para se manifestar, necessita da presença de um fator secundário, como, por exemplo, alguma alteração metabólica que aumente a produção das VLDL, tal como obesidade, diabetes melito, hipoti- reoidismo e consumo elevado de álcool(13). O quadro clí- nico característico é a presença de xantomas palmares e plantares, bem como o desenvolvimento precoce de do- ença coronariana. Síndrome da hiperquilomicronemia É conseqüente a mutações nos genes que codificam a lipase lipoprotéica, enzima que tem a função de hidroli- sar os triglicérides das lipoproteínas ricas em triglicéri- des, principalmente os quilomícrons. Essas mutações são transmitidas de forma recessiva. A freqüência dos homo- zigóticos ou heterozigóticos compostos para essas mu- tações é de 1:1.000.000(14). A deficiência parcial da lipase lipoprotéica (heterozi- gotos) provoca hipertrigliceridemia, que se acentua na presença de fatores ambientais como obesidade ou se- dentarismo. Sua prevalência é de 1:500 indivíduos, na população em geral, ou de 1:40, como observado em al- gumas áreas do Canadá. São descritas mais de 60 muta- ções que cursam com a deficiência da lipase lipoprotéica. De forma mais rara, como causas potenciais da síndro- me da hiperquilomicronemia, descrevem-se a deficiência da apo C-II ou a existência de um inibidor circulante da lipase lipoprotéica. Vale lembrar que a apo CII é uma co- enzima que estimula a atividade da lipase lipoprotéica. A deficiência da lipase lipoprotéica é reconhecida na infân- cia ou adolescência na sua forma homozigótica, na qual se observa grave hipertrigliceridemia, com níveis plas- máticos acima de 1.000 mg/dl, no jejum, alcançando even- tualmente valores acima de 10.000 mg/dl, principalmente após refeições gordurosas, pelo excesso de quilomícrons na circulação. O colesterol plasmático pode estar normal ou pouco elevado e o HDL-colesterol, reduzido. Existe acúmulo de quilomícrons tanto no jejum como no período pós-prandial. A síndrome da hiperquilomicronemia cor- responde, na classificação fenotípica, aos tipos I e V. Acompanhando a acentuada hipertrigliceridemia, pode- se observar dor abdominal recorrente,acompanhada ou não de pancreatite aguda, xantomas eruptivos, li- pemia retiniana, além de hepato e esplenomegalia. Os xantomas eruptivos são lesões papulosas pequenas e amareladas, que se localizam geralmente no dorso e na face extensora de braços e pernas, os quais resul- tam da fagocitose dos quilomícrons pelos macrófagos localizados na pele. A regressão dos xantomas erupti- vos ocorre após a diminuição das concentrações plas- máticas de triglicérides.(14) Dislipidemias secundárias As dislipidemias secundárias resultam, por sua vez, em alterações das concentrações plasmáticas das li- poproteínas, secundárias a uma causa específica, seja às custas de efeito colateral de medicamentos seja às custas de outras doenças ou de hábitos de vida inade- quados. A detecção de uma causa secundária de disli- pidemia é de grande importância diagnóstica, pelas suas implicações terapêuticas. As etiologias das disli- pidemias secundárias podem ser agrupadas em disli- pidemias secundárias a doenças, dislipidemias secun- dárias a medicamentos, e dislipidemias secundárias a hábitos de vida inadequados. Dislipidemias secundárias a doenças As dislipidemias secundárias a doenças estão apre- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 469 CHACRA APM e cols. Classificação das dislipidemias sentadas na Tabela 3. a) Diabetes melito do tipo II: as anormalidades lipídi- cas em portadores de dia- betes melito do tipo II re- sultam da obesidade ab- dominal e da resistência à insulina. São caracteriza- das por hipertrigliceride- mia, baixos níveis de HDL- colesterol e presença de LDL pequenas e densas. Os fenótipos são variáveis, dependendo da alteração lipídica predominante (IIb, IV e V). Dois defeitos acar- retam aumento de VLDL: 1) superprodução; e 2) lipóli- se diminuída das partículas de VLDL. O primeiro me- canismo é secundário à elevação dos ácidos graxos livres e da glicemia, o que estimula a síntese de VLDL. O segundo resulta da deficiência relativa de insulina, uma vez que a insulina estimula a ação da lipase lipo- protéica(15). b) Hipotireoidismo: a dislipidemia do hipotireoidismo é caracterizada pelo aumento das concentrações plas- máticas do LDL-colesterol, conseqüente ao decrésci- mo do número de receptores hepáticos para a remo- ção dessas partículas. Nos indivíduos com hipotireoi- dismo e obesos, observa-se hipertrigliceridemia em decorrência da hiperprodução de VLDL, pelos seguin- tes mecanismos: 1) aumento da produção hepática das partículas de VLDL; 2) lipólise diminuída dos triglicéri- des séricos; e c) alguns indivíduos com o genótipo E- 2/E-2 têm remoção lenta dos remanescentes de VLDL, podendo expressar o fenótipo tipo III(16). As alterações nos lípides plasmáticos ocorrem tanto no hipotireoidis- mo manifesto clinicamente como na forma subclínica. Em estudo com 1.210 pacientes com colesterol total aci- ma de 200 mg/dl, a prevalência de hipotireoidismo mani- festo clinicamente foi de 1,3% e de hipotireoidismo sub- clínico, de 11,2%. Assim, a avaliação funcional da tireói- de deve ser feita quando detectada a dislipidemia(17). c) Síndrome nefrótica: tanto a hipercolesterolemia como a hipertrigliceridemia são observadas na síndrome nefrótica. Em estudo com 100 pacientes com síndro- me nefrótica e hipercolesterolemia, foram observados níveis plasmáticos de colesterol total > 200 mg/dl em 87%, dos quais o colesterol total era > 300 mg/dl em 53% e o colesterol total, > 400 mg/dl em 25%. Estudos “in vitro” demonstraram que a pressão oncótica baixa do plasma, própria da síndrome nefrótica, estimula di- retamente a transcrição do gene da apo B, aumentan- do a síntese das lipoproteínas que contêm apo B. A redução do catabolismo tem papel importante na fisio- patologia da dislipidemia observada na síndrome ne- frótica. Muitos pacientes apresentam hiperlipidemia mista, embora ocorra predomínio de hipertrigliceride- mia. A regressão da síndrome nefrótica, espontânea ou após tratamento medicamentoso, reverte a dislipi- demia(18). d) Insuficiência renal crônica: a hipertrigliceridemia, em pacientes com insuficiência renal crônica, ocorre em 30% a 50% dos casos(19). As anormalidades no meta- bolismo lipídico ocorrem também nos portadores de insuficiência renal crônica em diálise e após transplan- te renal. O achado mais comum na insuficiência renal crônica, dialítica ou não-dialítica, é a hipertrigliceride- mia, com o colesterol total próximo aos valores nor- mais, talvez pelo estado de desnutrição em alguns pa- cientes. A elevação dos níveis plasmáticos de triglicé- Tabela 3. Dislipidemias secundárias a doenças. Lipoproteínas (principal alteração) Causa CT TG HDL-colesterol 1. Diabetes —— ↑ ↓ 2. Hipotireoidismo ↑↑ ↑ ↑ ou ↓ 3. Doenças renais - Síndrome nefrótica ↑ ↑ — - Insuficiência renal crônica ↑ ↑ — 4. Hepatopatias colestáticas crônicas ↑ a ↑↑↑↑↑ Normal ↑↑ - > ↓ ou leve ↑ 5. Obesidade ↑ ↑↑ ↓ 6. Anorexia nervosa ↑ —— —— 7. Bulimia ↑ ↑ -—- CT = colesterol total; TG = triglicérides; HDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de alta densidade. 470 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 CHACRA APM e cols. Classificação das dislipidemias rides é conseqüente à re- dução da atividade da li- pase lipoprotéica e da li- pase hepática, que podem contribuir para o decrésci- mo da remoção das lipo- proteínas ricas em triglicé- rides(20). e) Hepatopatias colestáti- cas crônicas: cirrose biliar, colangite esclerosante e outras hepatopatias que cursam com colestase podem ser acompanhadas de hipercolesterolemia significativa. Entretanto, em um re- lato de 284 pacientes, a faixa de valores do colesterol total foi bem ampla, variando entre 120 mg/dl e 1.775 mg/dl. Não houve correlação entre o colesterol total e os níveis de bilirrubina. O perfil lipídico demonstrou não só elevação do LDL-colesterol mas também elevação significativa do HDL-colesterol nos estágios iniciais da doença; os níveis de triglicérides mantiveram-se nor- mais ou pouco elevados(21). f) Obesidade: as alterações lipídicas incluem elevação dos triglicérides plasmáticos, redução do HDL-coleste- rol e, principalmente na obesidade abdominal, presen- ça de LDL-colesterol pequena e densa(22). g) Síndrome de Cushing: o hipercortisolismo está as- sociado a níveis elevados de LDL-colesterol e triglicé- rides(23). Dislipidemias secundárias a medicamentos Alguns anti-hipertensivos podem causar efeitos ad- versos nos níveis séricos lipídicos. Outras drogas, como os corticosteróides, aumentam tanto os níveis de co- lesterol como os de triglicérides. A isotretinoína utiliza- da para a acne grave com freqüência causa dislipide- mia mista, geralmente associada à redução do HDL- colesterol. Os medicamentos que afetam desfavoravel- mente os lípides séricos têm seu efeito mais acentua- do nos pacientes com distúrbios lipídicos prévios. Os inibidores de protease também se associam a dislipi- demias (aumento dos triglicérides e diminuição do HDL- colesterol). A Tabela 4 ilustra os principais grupos de medicamentos que causam dislipidemias, bem como o tipo de alteração lipídica encontrada(24). Dislipidemias secundárias a hábitos de vida inadequados a) Tabagismo: o fumo causa reduções em graus variá- veis do HDL-colesterol e pode induzir resistência à in- sulina. No estudo “Bezafibrate Infarction Prevention Study Group”, o HDL-colesterol médio foi de 39,6 mg/ dl em não-fumantes e de 35 mg/dl em fumantes(25). b) Etilismo: a ingestão alcoólica excessiva é freqüente- mente acompanhada do aumento dos triglicérides e do HDL-colesterol(23). Tabela 4. Dislipidemias secundárias a medicamentos. Lipoproteínas (principal alteração) Medicamento CT TG HDL-colesterol Diuréticos —— ↑ ↓ Betabloqueadores —— ↑ ↓ Anticoncepcionais ↑ ↑ — Corticosteróides ↑ ↑ — Anabolizantes ↑ —— ↓ Estrógenos** → ↑ → ↓ Progestágenos ** → ↑ → ↓ Isotretinoína ↑ ↑ ↑ Ciclosporinas ↑ ↑↑ ↑ Inibidores de protease ↑ ↑↑↑ ↓ ** Efeitos dependem do tipo de estrógeno e progestágeno e da via de administração. CT = colesterol total; TG = triglicérides; HDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de alta densidade. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 471 CHACRA APM e cols. Classificação das dislipidemias REFERÊNCIAS 1. Classification of hyperlipidaemias and hyperlipopro- teinaemias. Bull World Health Org. 1970;43:891-915. 2. III Diretrizes Brasileiras Sobre Dislipidemias e Dire- triz de Prevenção da Aterosclerose do Departamen- to de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Car- diologia. Arq Bras Cardiol. 2001;77 Suppl III:1-48. 3. Kuo PT. Plasma lipids and atherosclerosis. 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Atualmente, a aterosclerose é compreendida como uma doença inflamatória e não meramente como um acúmulo passivo de lípides na parede arterial. O pro- cesso inflamatório crônico envolvendo o endotélio ar- terial e que culmina com as complicações da ateros- clerose pode ser causado por uma resposta inflamató- ria ou por fatores como o estresse oxidativo desenca- deados por partículas de lipoproteína de baixa densi- DISLIPIDEMIA, INFLAMAÇÃO E ATEROSCLEROSE RENATA GOMES DE ARAÚJO, ANTONIO CASELLA FILHO, TATIANA DE FÁTIMA GONÇALVES GALVÃO, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS Unidade Clínica de Aterosclerose – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP Atualmente, entende-se o processo aterosclerótico não apenas como decorrên- cia do acúmulo de lípides nas paredes dos vasos, mas também como conseqüência da disfunção endotelial e da ativação do sistema inflamatório. A descoberta de que o endotélio sintetiza importantes vasodilatadores, tais como o fator relaxante deriva- do do endotélio e a prostaciclina, despertou enorme interesse na função endotelial e em seu papel sobre o controle vascular, tanto em situações fisiológicas como em processos patológicos, como as síndromes coronarianas agudas. Atualmente, sabe- se que o endotélio influencia não somente o tônus vascular, mas também o remode- lamento vascular, por meio da produção de substâncias promotoras e inibidoras de seu crescimento, e os processos de hemostasia e trombose, por meio de efeitos antiplaquetários, anticoagulantes e fibrinolíticos. Além de sofrer influência e de estar suscetível à ação de substâncias inflamatórias, sabe-se que a perda de continuida- de da placa e a resultante trombose coronariana são a base fisiopatológica da mai- oria dos casos de síndromes coronarianas agudas. Palavras-chave: aterosclerose, dislipidemia, inflamação, doença arterial coronaria- na. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo;2005;6:473-81) RSCESP (72594)-1570 dade (LDL) oxidada, infecção crônica e formação de radicais livres, entre outros.O envolvimento da infla- mação na aterosclerose também torna o processo in- flamatório um alvo potencial para o tratamento e a pre- venção da doença arterial coronariana(2). ATEROSCLEROSE E LESÃO ENDOTELIAL A disfunção endotelial é implicada na fisiopatologia das doenças cardiovasculares, incluindo: hipertensão, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca crô- nica, doença arterial periférica, diabetes, e insuficiên- cia renal crônica. A disfunção endotelial foi identificada inicialmente como vasodilatação diminuída a estímu- los específicos, tais como acetilcolina ou bradicinina. Nos últimos anos, porém, comprovou-se que o termo disfunção endotelial incluiria não somente a vasodila- 474 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 ARAÚJO RG e cols. Dislipidemia, inflamação e aterosclerose tação reduzida, mas um estado também pró-infla- matório e pró-trombótico(2). O endotélio, maior ór- gão do corpo, é posiciona- do estrategicamente entre a parede dos vasos san- guíneos. Detecta estímu- los mecânicos, tais como o “shear stress”, e estímu- los hormonais, tais como substâncias vasoativas. As substâncias vasodilatadoras produzidas pelo endoté- lio são o óxido nítrico (NO), a prostaciclina, os fatores hiperpolarizantes derivados do endotélio e o peptídeo natriurético tipo-C(3). A endotelina-1 (ET-1), a angioten- sina II, o tromboxano A2 e as espécies reativas de oxi- gênio são as substâncias que, agindo sobre o endoté- lio, promovem a vasoconstrição. Os moduladores infla- matórios incluem o NO, a molécula de adesão interce- lular-1 (ICAM-1), a molécula de adesão vascular-1 (VCAM-1), a E-selectina e o NFκ-B(3). A modulação da homeostase é realizada pela liberação e pela ação, no endotélio, de fatores tais como ativador plasminogê- nio, fator de inibição tecidual e fator de von Willebrand, assim como pela liberação de NO, prostaciclina, trom- boxano A2, inibidor do ativador do plasminogênio e fi- brinogênio. O endotélio contribui também na mitogê- nese, na angiogênese e no controle da permeabilida- de vascular(3). Assim, as células endoteliais desempenham diver- sas funções fisiológicas na manutenção da integrida- de da parede vascular, constituindo barreira permeá- vel através da qual ocorre difusão e trocas ou trans- porte ativo de diversas substâncias, além de atuar como superfície não-trombogênica e não-aderente para pla- quetas e leucócitos, e no controle da vasomotricidade. Esse mecanismo está comprometido em pacientes ate- roscleróticos, muito provavelmente pelos efeitos dele- térios diretos dos níveis plasmáticos elevados de LDL- colesterol sobre o endotélio vascular; assim, nos paci- entes portadores de doença arterial coronariana, há predomínio das respostas vasoconstritoras influenci- ando a patogênese da isquemia(4). Até alguns anos atrás, o desnudamento do endotélio era considerado o responsável por ocasionar a adesão plaquetária, a de- granulação e a liberação de mediadores fibrinogêni- cos, tais como o fator de crescimento derivado de pla- quetas (PDGF)(5). Atualmente, sabe-se que a forma- ção do ateroma pode ocorrer sem descamação endo- telial, mas sim na presença de disfunção do endoté- lio(6, 7). O processo aterosclerótico inicia-se com a agres- são do endotélio por fatores diversos, como estresse mecânico e por oxidação do LDL-colesterol. O endoté- lio encontra-se lesado, mas sem alteração morfológi- ca. Essa disfunção endotelial propicia o aumento da permeabilidade ao LDL-colesterol, ocorrendo, assim, maior oxidação e aumento da concentração de LDL- colesterol oxidado e retido nos proteoglicanos (a oxi- dação decorre do aumento de espécies reativas de oxigênio). A oxidação estimula a adesão de moléculas de adesão leucocitária na superfície endotelial, sendo essas moléculas responsáveis pela atração de monó- citos e linfócitos para a parede arterial(8). Além da alteração de permeabilidade, que provoca aprisionamento da LDL no espaço subendotelial, sabe- se que, nas lesões ateroscleróticas iniciais, células en- doteliais ou leucócitos que infiltram o endotélio podem ativar mediadores inflamatórios, como, por exemplo, o PDGF, o fator de crescimento de fibroblastos (FGF) e os fatores de crescimento similares à insulina (IGF)(9). Assim, a incessante discussão sobre a iniciação da lesão aterosclerótica suscita o potencial papel das ci- tocinas inflamatórias nesse processo. Essas proteínas mediadoras também podem ter importante papel na re- gulação da expressão de fatores de crescimento por células endoteliais e leucócitos. Cita-se, como exem- plo, uma dessas citocinas, a interleucina-1 (IL-1), que pode estimular o aumento da produção de PDGF por células musculares lisas vasculares humanas e a mai- or expressão de FGF por células musculares lisas hu- manas(10). Como as células endoteliais são suscetíveis à regulação tanto positiva como negativa, alguns me- diadores podem inibir funções pró-aterogênicas das células musculares lisas. O fator de crescimento e trans- formação beta (TGF-β), por exemplo, pode limitar a proliferação da célula muscular lisa, enquanto promo- ve aumento da produção de matriz extracelular. O in- terferon gama (IFN-γ), uma citocina derivada de linfó- citos T ativados, pode reduzir a proliferação de células musculares lisas. Então, o acúmulo de células muscu- lares lisas no local da placa aterosclerótica em forma- ção depende do balanço entre estímulos promotores e inibidores do crescimento(11). O endotélio, como foi citado anteriormente, possui ação controladora da mitogênese e da angiogênese. Nos últimos anos, tem-se estudado a ação do endoté- lio no estímulo à formação do “vasa vasorum”; diver- sos estudos sugerem que a neovascularização contri- bui para o crescimento de lesões ateroscleróticas, sen- do um fator-chave na instabilização da placa, condu- zindo à ruptura. Estudos relevantes focalizaram o pa- pel do fator endotelial de crescimento vascular (VEGF) na formação do “vasa vasorum”. Essa neovasculariza- ção é derivada do “vasa vasorum” da adventícia e pode também ser denominada microangiopatia intimal. A res- posta angiogênica inicial pelo “vasa vasorum” da ad- ventícia é estimulada pela hipoxia e pela isquemia que ocorre no processo de remodelamento e espessamen- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 475 ARAÚJO RG e cols. Dislipidemia, inflamação e aterosclerose to das camadas íntima e média, o que dificulta a di- fusão de substâncias. Essa hipoxia induz a for- mação do “vasa vasorum” ao estimular a Hif-1 e a VEGF. O processo infla- matório presente na placa também induz a neovas- cularização, pelo fato de os macrófagos serem fon- tes ricas de VEGF e outros reguladores da angiogênese(12). A importância desses microvasos na formação da placa encontra sustentação no fato de esses microva- sos expressarem as moléculas da adesão (ICAM-1, VCAM-1, E-selectina, CD40), o que facilitaria a migra- ção transendotelial de células inflamatórias(13). O CD40 é um receptor de superfície celular que pertence à fa- mília dos receptores do fator de necrose tumoral (TNF) e que, apesar de ter sido inicialmente identificada e funcionalmente caracterizada em células linfocitárias tipo B, é encontrada em outras células, entre as quais se encontram as endoteliais, desenvolvendo importan- te papel na regulação de respostas imunes e inflama- tórias(14). A associação entre a neovascularização e a ateros- clerose foi confirmada em análise histopatológica em amostras de placas ateroscleróticas de humanos e nas artérias coronárias de primatas, demonstrando a cor- relação entre a extensão da aterosclerose e a neovas- cularização. Foi observado que, em primatas ateros- cleróticos, o sangue que fluía pelo “vasa vasorum” era mais hipercolesterolêmico quando comparado com o sangue de outras regiões,e que a suspensão da dieta hipercolesterolêmica foi associada à regressão da pla- ca e à diminuição do “vasa vasorum”, assim como à diminuição do volume de sangue que corria por essa neovascularização.(15) OXIDAÇÃO DA LDL A disfunção endotelial, como abordado anteriormen- te, foi comprovada como o evento inicial em modelos de hipercolesterolemia, em estudos experimentais. A lesão ao endotélio resulta em aumento de permeabili- dade endotelial a lipoproteínas e outros constituintes plasmáticos. Essa disfunção endotelial causaria inicialmente au- mento de permeabilidade ao LDL-colesterol no espa- ço subendotelial e surgimento de moléculas de ade- são leucocitária na superfície endotelial. Essas molé- culas são responsáveis pela atração de monócitos e linfócitos para a parede arterial. O recrutamento de leu- cócitos mononucleares para a íntima é um evento pre- coce demonstrado no início da formação do ateroma. Essas moléculas de adesão são divididas em diversos grupos, mas a molécula de adesão da célula vascular- 1 (VCAM-1) é de particular interesse nos estágios ini- ciais da aterosclerose(16). As alterações que se seguem no LDL-colesterol apri- sionado foram propostas em vários estudos no início da década de 1980, e baseiam a “hipótese oxidativa” da aterogênese, segundo a qual a LDL oxidada é im- portante, e possivelmente obrigatória, na patogênese da lesão aterosclerótica(17). O transporte do LDL-coles- terol da corrente sanguínea para o espaço subendote- lial é um processo passivo e ocorre de maneira direta- mente proporcional a sua concentração no sangue(18). O processo de oxidação da lipoproteína inicia-se por meio de produtos oxidativos das células da parede ar- terial, como endotélio, células musculares lisas e ma- crófagos. Nessa primeira fase da oxidação, apenas a fração lipídica da lipoproteína é alterada, mantendo-se íntegra a apolipoproteína B, fração protéica da molé- cula(19, 20). Após esse processo inicial de oxidação, a partícula de LDL torna-se levemente oxidada. Berliner e colaboradores(21) demonstraram que a LDL levemen- te oxidada induz maior adesão de monócitos, mas não de neutrófilos, às células endoteliais. Isso ocorre pelo aumento da expressão das moléculas de adesão e de proteínas quimiotáticas, como a proteína quimiotática de monócitos-1 (MCP-1). Há ainda estímulo para se- creção de fatores estimuladores, como o fator estimu- lador de colônia monocitária (MCS-F), que estimulam a migração e a diferenciação de monócitos em macró- fagos. A oxidação aumentada promove maior atividade dos macrófagos. Recentemente, considerável esclare- cimento a respeito da base molecular do acúmulo lipí- dico pelos macrófagos vem sendo obtido. Várias molé- culas da superfície celular, que se ligam seletivamente a formas modificadas de lipoproteínas (seja por pero- xidação seja por lipólise ou proteólise), foram identifi- cadas. Elas incluem os receptores “scavenger” de ma- crófagos(22), o CD-36(23) e o CD68(24). Nessa segunda fase da oxidação, a fração protéica da lipoproteína também torna-se alterada. A LDL é dita então oxidada. Essa molécula passa a ser reconheci- da por receptores “scavenger” e CD-36(22-24) na superfí- cie dos macrófagos, que englobam as moléculas de lipoproteína e se tornam ricos em conteúdo lipídico. Essas células, chamadas células espumosas, são ca- racterísticas da estria gordurosa, que é a lesão mais precoce reconhecida no início da aterosclerose. Evidências recentes indicam que a lesão endotelial decorre da atividade aumentada da LOx-1, que é o prin- cipal receptor da LDL oxidada, por promover a forma- ção de radicais superóxido, diminuir a concentração de óxido nítrico e ativar o fator de transcrição nuclear NFκ- B(25). 476 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 ARAÚJO RG e cols. Dislipidemia, inflamação e aterosclerose ATEROSCLEROSE E IN- FLAMAÇÃO O conceito clássico de aterosclerose como so- mente parte de uma de- sordem do metabolismo e da deposição lipídica ob- teve, no passado, grande aceitação. Entretanto, a história natural da aterogê- nese estende-se além da dislipidemia. Além disso, a ligação da desordem lipídica ao envolvimento vascular durante a aterogênese e as subsequentes manifesta- ções clínicas por si só já indicam fisiopatologia bem mais complexa que mera deposição lipídica(26). Recentemente, emergiu o conceito de aterosclero- se como uma doença inflamatória, multifatorial, que en- volve processos inflamatórios do início até um evento final, como, por exemplo, a ruptura de placa ateroscle- rótica, e de que o endotélio influencia não somente o tônus vascular pela produção de substâncias promoto- ras e inibidoras de seu crescimento mas também o ba- lanço entre fatores pró-trombóticos e trombogênicos na interface lúmen-parede do vaso, principalmente com a importante função de regular o processo inflamatório na parede do vaso(26). O processo inflamatório está presente desde o iní- cio da formação da placa aterosclerótica, com o pro- cesso de oxidação do LDL-colesterol ativando macró- fagos e adesão leucocitária. As lesões ateroscleróti- cas caracterizadas como placas surgem, na maioria dos casos, a partir da segunda década de vida, após vários anos de evolução da doença. São formadas por um núcleo acelular de lípides e substâncias necróti- cas, circundado pelas chamadas células espumosas (células que englobam grandes quantidades de lipíde- os, correspondendo a macrófagos), e, mais externa- mente, por uma capa fibrosa composta de fibras mus- culares lisas e tecido conjuntivo fibroso. Além do infil- trado inflamatório linfo-histiocitário, pode haver ainda vasos neoformados e deposição de cálcio no centro lipídico-necrótico, em quantidade variável de placa para placa e de indivíduo para indivíduo. Nos últimos anos foi demonstrado que na fase inicial do processo atero- gênico ocorre a expressão de várias moléculas de ade- são na superfície de células endoteliais, que essas mo- léculas modulam a interação do endotélio vascular com os leucócitos, e que esse recrutamento de leucócitos mononucleares para a camada íntima dos vasos é um evento celular precoce que ocorre no ateroma em for- mação(27). Assim, após a ativação leucocitária, moléculas en- doteliais, tais como as moléculas de adesão intercelu- lar (ICAM-1 e ICAM-2) e a molécula de adesão da cé- lula vascular (VCAM-1), começam a participar do pro- cesso de ativação inflamatória, podendo inclusive ser utilizadas como marcadoras do processo inflamatório. Essas moléculas permitem adesão estável dos leucó- citos e sua subseqüente passagem pela camada de células endoteliais(27). Em caso de estresse oxidativo, a modificação de lipoproteínas na parede vascular pode gerar citocinas que induzem a expressão de moléculas de adesão, incluindo a VCAM-1. Os leucócitos circu- lam no sangue como células de forma livre e não ade- rentes, as quais, após receberem estímulos apropria- dos, apresentam um fenômeno de rolamento na pare- de vascular, aderindo-se firmemente à superfície en- dotelial. As moléculas de adesão celular fazem parte do recrutamento das células inflamatórias responsá- veis pelo desenvolvimento do ateroma da parede vas- cular(28). Os leucócitos mononucleares, após entrarem no ate- roma nascente por meio de adesão às células endote- liais e penetração na camada íntima por diapedese entre as junções intercelulares, iniciam a captação de lípides modificados, principalmente o LDL-oxidado pe- las espécies reativas de oxigênio (EROS) produzido pelo estresse oxidativo, e se transformam em células espumosas(26, 29). Entretanto, esse acúmulo de macró- fagos dentro da camada íntima significa um primeiro estágio, que predispõe à progressão do ateroma e à evolução para uma placa mais fibrosa e eventualmen- te mais complicada, que pode ocasionar conseqüênci- as clínicas. As estriasgordurosas observadas nos es- tágios iniciais da doença, e que traduzem o acúmulo de células espumosas, pode ser reversível e não cau- sar conseqüências clínicas(30). A oxidação de lipoprote- ínas, como o LDL-colesterol, constitui, portanto, fator de risco importante para inflamação no processo ate- rosclerótico. Esse fato pode ser comprovado em vários estudos clínicos, nos quais foram encontrados níveis significantemente elevados dessas moléculas em ca- sos de infarto agudo do miocárdio(31, 32). Entre as alterações causadas pela presença de LDL- oxidada está também a produção de interleucina-1 (IL- 1), que estimula a migração e a proliferação das célu- las musculares lisas da camada média arterial. Estas, ao migrarem para a íntima, passam a produzir não só citocinas e fatores de crescimento como também a matriz extracelular, que formará parte da capa fibrosa da placa aterosclerótica madura(33). A incessante discussão sobre a iniciação da lesão aterosclerótica suscita o potencial papel das citocinas inflamatórias nesse processo(29). Essas proteínas me- diadoras também podem ter importante papel na regu- lação da expressão de fatores de crescimento por cé- lulas endoteliais e leucócitos. Além do adelgaçamento e fraqueza da capa fibrosa Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 477 ARAÚJO RG e cols. Dislipidemia, inflamação e aterosclerose da placa e do acúmulo de macrófagos e células T, uma diminuição relativa de células musculares lisas pode caracterizar a ruptu- ra da placa. A morte de células musculares lisas, provavelmente por apopto- se, pode contribuir para a escassez de células mus- culares lisas nessas regi- ões da placa e promover seu enfraquecimento, pois foi evidenciado que na pla- ca ateromatosa existem células musculares lisas com DNA fragmentado, o que é característico da morte celular programada(34, 35). Estudos “in vitro” têm estabelecido que ci- tocinas inflamatórias podem “disparar” o programa de morte celular por apoptose em células musculares lisas vasculares humanas(36). ANGIOTENSINA E ATEROSCLEROSE Existem evidências crescentes indicando que a an- giotensina e a endotelina-1 promovem e aceleram o processo aterosclerótico por meio de mecanismos in- flamatórios, envolvendo interações complexas entre cé- lulas inflamatórias, tais como neutrófilos, linfócitos, monócitos/macrófagos e célula lisa vascular. Essa in- teração resulta em resposta inflamatória nas células vasculares com a expressão aumentada de moléculas da adesão, de citocinas, de metaloproteinases e de fatores do crescimento(37). O fator de transcrição nucle- ar NFκ-B é considerado o principal modulador de infla- mação, mediando a maioria das respostas inflamatóri- as vasculares(37). O NFκ-B é ativado por estímulos nu- merosos, tais como citocinas, ativadores da proteína quinase e, sobretudo, espécies reativas de oxigênio. Após a ativação do NFκ-B, ocorre a transcrição dos genes envolvidos na patogênese da lesão inflamató- ria. Esses genes, certamente, codificam a formação de citocinas, tais como interleucina-6 e fator de necrose tumoral alfa (TNFα), quimiocinas, tais como a proteína quimiotática 1 do monócito (MCP-1), as moléculas de adesão intercelular-1 (ICAM-1 e ICAM-2) e a molécula de adesão da célula vascular (VCAM-1), que também participarão do processo de ativação inflamatória(38). Em modelo experimental do processo de ateroscle- rose em artéria femoral de coelho, Hernandez-Presa e colaboradores(39) observaram atividade aumentada do NFκ-B coincidente a infiltração dos macrófagos e ex- pressão aumentada do gene MCP-1 no neoíntima. Ex- pressão aumentada de genes inflamatórios vasculares, tais como VCAM-1, também foi observada na aorta de ratos que receberam angiotensina II(40). A angiotensina II aumentou a expressão do RNA mensageiro do VCAM- 1, sendo o NFκ-B o mecanismo de transcrição. Simi- larmente, Pueyo e colaboradores(41) demonstraram que, em células endoteliais de rato, a expressão VCAM-1 foi diretamente estimulada pela angiotensina II e pela ativação do NFκ-B, e que o fator da transcrição foi ati- vado pelo aumento do estresse oxidativo intracelular. A ativação da expressão das moléculas de adesão pela angiotensina II e o NFκ-B é de particular impor- tância, pois essas moléculas, principalmente VCAM-1, desempenham papel importante nos estágios iniciais da aterosclerose. A VCAM-1 liga-se ao antígeno tar- dio-4 (VLA-4), expresso seletivamente por vários tipos de leucócitos recrutados durante a formação das estri- as gordurosas, as quais são as lesões precursoras do ateroma.(42) A angiotensina II também interfere no processo ate- rosclerótico, por induzir o estresse oxidativo por meio da produção de espécie reativa de oxigênio, pela ativa- ção NADH/NADPH(43). Por sua vez, as espécies reati- vas de oxigênio agem como mensageiros de transdu- ção do sinal para diversos fatores importantes de trans- crição, tais como NFκ-B e ativador da proteína-1, su- blinhando o papel do NFκ-B como mediador da angio- tensina II induzindo lesão inflamatória. Todos esses fatores demonstram que o NFκ-B é o mediador principal da regulação da expressão da an- giotensina, que ele estimula a expressão das molécu- las de adesão e citocinas inflamatórias, e que o estres- se oxidativo está envolvido diretamente na ativação da angiotensina II e do NFκ-B. IMPLICAÇÕES CLÍNICAS A disfunção endotelial em artérias coronárias, as- sociada a eventos cardiovasculares, quando avaliada de forma não-invasiva em artérias periféricas pode pre- dizer eventos coronarianos em indivíduos com ou sem doença arterial coronariana. A disfunção endotelial foi associada a risco elevado de aterosclerose em crianças e adultos jovens livres de sintomas, bem como em indivíduos com anteceden- tes familiares de diabetes melito do tipo II, e a lesão endotelial correlacionou-se a resistência à insulina(3). Além da análise da função endotelial como preditor de aterosclerose, pesquisas recentes evidenciam que mar- cadores envolvidos na disfunção endotelial e marca- dores de inflamação podem ser preditores de eventos cardiovasculares(28). As moléculas VCAM-1 soluto e in- terleucina-1 predisseram a morte cardiovascular nos pacientes com doença arterial coronariana independen- temente de outros fatores de risco(28). Além da importância dos marcadores inflamatórios como preditores de aterosclerose, o envolvimento da inflamação na doença aterosclerótica tornou-se alvo terapêutico. Os bloqueadores dos receptores da angi- 478 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 ARAÚJO RG e cols. Dislipidemia, inflamação e aterosclerose Figura 2. NFκ-B é o mediador prin- cipal da regulação da expressão da angiotensina, e esta, por sua vez, es- timula a expressão das moléculas de adesão e citocinas inflamatórias. (Modificado de Collins e colaborado- res(50).) Figura 1. Papel da lipoproteína de bai- xa densidade (LDL) na aterogênese. otensina e os inibidores da enzima conversora da an- giotensina demonstraram restaurar a função endote- lial, e os mecanismos pro- váveis para essa melhora da função podem ser ex- plicados pela redução da oxidação e da inflamação que ocorre na doença ate- rosclerótica(44). As estati- nas provaram ter efeitos benéficos na disfunção endotelial por diminuírem a oxidação lipídica e também por seus efeitos pleiotrópi- cos antiinflamatórios(45), e também por inibir a regula- ção excessiva da LOX-1 e por aumentar a expressão da eNOS nas células endoteliais. Um aspecto fascinante que está emergindo na pes- quisa da função endotelial é a utilização de células pro- genitoras endoteliais, as células da medula óssea pri- mitivas que têm a habilidade de se diferenciar em célu- las endoteliais e de ter papel fisiológico no reparo das lesões endoteliais(46). Os níveis circulantesde células progenitoras endoteliais correlacionam-se inversamente com o grau de disfunção endotelial em humanos em vários graus de risco cardiovascular(47). É interessante constatar que a expressão dos eNOS nas células da medula óssea desempenha papel essencial no recru- tamento de células progenitoras endoteliais(48). Estudos recentes comprovaram que a terapia com estatinas aumenta o número de circulantes de células progeni- toras endoteliais(49). Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 479 ARAÚJO RG e cols. Dislipidemia, inflamação e aterosclerose REFERÊNCIAS 1. Dzau VJ. Markers of malign across the cardiovascu- lar continuum: interpretation and application: intro- duction. Circulation. 2004;109(25) Suppl:IV1-IV2. 2. Libby P, Ridker PM, Maseri A. Inflammation and athe- rosclerosis. Circulation. 2002;105:1134-43. 3. Dierk H, Schiffrin E, Schiffrin EL. Endothelial dys- function. J Am Soc Nephrol. 2004;15:1983-92. 4. Bassange E, Busse R. Endothelial modulation of co- ronary tone. Progr Cardiovasc Dis. 1988;30:349-80. 5. Ross R, Glomset JA. The pathogesis of atheroscle- rosis. I. N Engl J Med. 1976;295:369-77. 6. Joris T, Nunnari JJ, Krolikowski FJ, Majno G. Studies on the pathogenesis of atherosclerosis. I. 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The finding that the endothelium synthetizes important vasodilators, such as the endothelium- derived relaxing factor and the prostacyclin, had promoted enormous interest addres- sed to the endothelium function and its role on the vascular control, both in physiolo- gical situations and pathological processes (e.g., acute coronary syndromes). Cur- rently, it’s known that the endothelium not only influences the vascular tonus, but also the vascular remodeling, through the production of promotional and inhibitor growth substances, and the processes of modulation of hemostasis and thrombo- ses, through the inhibition of platelet aggregation, anticoagulant and fribinolytic effects. Besides suffering influence and being susceptible to inflammatory substance action, it’s known that the loss of continuity of the plaque and the resulting coronary throm- boses are the pathophysiologic basis of the majority of the cases of acute coronary syndromes. Key words: atherosclerosis, hypercholesterolaemia, inflammation, coronary heart disease. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo;2005;6:473-81) RSCESP (72594)-1570 480 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 ARAÚJO RG e cols. Dislipidemia, inflamação e aterosclerose formation. Cardiovasc Di- abetol. 2004;3:1. 14. Van K. Functions of CD40 on B cells, dendritic cells and other cells. Curr Opin Immunol. 1997;9(3): 330-7. 15. Faggioto W, Ross R. Studies of hypercholeste- rolemia in the nonhuman primate. Changes that lead to fatty streak formation. Arteriosclerosis. 1984;4:323-40. 16. Faxon DP, Fuster V, Libby P, Beckman JA, Hiatt WR, Thompson RW, et al. Atherosclerotic Vascular Dise- ase Conference: Writing Group III: Pathophysiology. Circulation. 2004;109(21):2617-25. 17. Libby P. Vascular biology of atherosclerosis: overvi- ew and state of the art. Am J Cardiol. 2003;91(3A):3A-6A. 18. Schwenke DC, Carew TE. 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Em 1988, Reaven introduziu o termo síndrome X e identificou a resistência à insulina, definida como a me- nor captação da glicose pelos tecidos periféricos, como o substrato fisiopatológico comum da síndrome. Outros si- nônimos têm sido utilizados para denominar essa cons- telação de fatores de risco (dislipidemia, resistência à in- sulina, hipertensão e obesidade), tais como síndrome plu- rimetabólica, síndrome da resistência à insulina e quarte- to mortal, entre outros. Em 1998, a Organização Mundial da Saúde estabeleceu o termo unificado síndrome meta- bólica, pois estudos não identificaram a presença de re- sistência à insulina como único fator causal de todos os componentes da síndrome. A patogênese da síndrome é multifatorial, sendo a obe- sidade, a vida sedentária, a dieta e a interação com fato- SÍNDROME METABÓLICA MARCIO HIROSHI MINAME, ANA PAULA MARTE CHACRA Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II – 2º andar – sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP Os autores descrevem os novos critérios diagnósticos para síndrome metabólica propostos pela “International Diabetes Federation”, além de comentarem sobre o papel da resistência à insulina como fator importante na fisiopatologia da dislipidemia e no aumento do risco cardiovascular nos pacientes portadores dessa síndrome. Finalmente, os autores comentam sobre as estratégias atuais no manejo da síndrome metabólica, além das novas drogas promissoras no auxílio a seu tratamento, tais como o rimonabant e os inibidores de “peroxisome proliferator activator receptor” (PPAR) alfa e gama. Palavras-chave: síndrome metabólica, fisiopatologia, tratamento. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:482-9) RSCESP (72594)-1571 res genéticos responsáveis pelo aparecimento da mes- ma. Mutações e polimorfismos nos genes associados com resistência à insulina, anormalidades nos adipócitos, hi- pertensão e alterações lipídicas ocupam papel central na etiopatogenia da síndrome. O diagnóstico da síndrome metabólica parece identifi- car pacientes com um risco cardiovascular adicional em relação aos fatores de risco clássicos. Em 2001, o “Third Report of the National Cholesterol Education Program Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults” (NCEP-ATPIII)(1) pro- pôs os critérios diagnósticos para a síndrome metabóli- ca, baseado em cinco parâmetros: circunferência abdo- minal, triglicérides, colesterol de lipoproteína de alta den- sidade (HDL-colesterol), pressão arterial e glicemia de jejum (Tab. 1). A presença de três dos cinco critérios per- mite o diagnóstico de síndrome metabólica. Recentemen- te, a “International Diabetes Federation” propôs algumas mudanças nos critérios diagnósticos pelo ATP III. Houve redução dos valores de corte para cintura abdominal, de acordo com a etnia do paciente (Tab. 2)(2), além da dimi- nuição dos níveis de glicemia de jejum para > 100 mg/dl. O critério proposto pela “International Diabetes Fede- ration” aumenta a prevalência do diagnóstico de síndro- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 483 MINAME MH e col. Síndrome metabólica me metabólica. De fato, em estudo realizado na Grécia e conduzido por Athyros e colaboradores(3), com uma amostra de 9.669 indivídu- os, 24,5% tinham síndrome metabólica pelo critério da NCEP-ATPIII, enquanto pelo critério da “Internatio- nal Diabetes Federation” a prevalência foi de 43,4% (+77%; p < 0,0001). Dessa for- ma, talvez o critério da “International Diabetes Federati- on” diagnostique muitos pacientes como portadores de síndrome metabólica, mas que apresentam baixo risco cardiovascular. FISIOPATOLOGIA DA DISLIPIDEMIA DA SÍNDROME METABÓLICA A dislipidemia, principal alteração encontrada na sín- drome metabólica, é caracterizada por: a) aumento dos ácidos graxos livres circulantes; b) elevação dos triglicéri- des; c) redução dos valores de HDL-colesterol; e d)au- mento das concentrações de apo B. A obesidade abdominal, fruto da interação de fatores genéticos e ambientais, é responsável por adipócitos hi- pertrofiados. O tecido adiposo, reconhecido como um ór- gão endócrino, secreta adipocitocinas, que, na obesida- de abdominal, estão em concentração aumentada e rela- cionadas à resistência à insulina. A alteração primária é, provavelmente, a incapacidade desse tecido adiposo hi- pertrofiado em incorporar os ácidos graxos livres aos tri- glicérides (esterificação inadequada). Outra alteração é uma falha dos adipócitos em reter os ácidos graxos livres em seu interior, aumentando seu fluxo para a circulação. Esse mecanismo é facilitado pela resistência à insulina. Essas alterações aumentam a quantidade de ácidos gra- xos livres para o fígado. Na resistência à insulina, o fíga- do estimula a síntese hepática de triglicérides, pois pro- move a reesterificação desses ácidos graxos, formando triglicérides, os quais são liberados na circulação na for- ma de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL). No plasma, ocorre a transferência de lípides entre as lipoproteínas. A “cholesteryl ester transfer protein” (CETP) Tabela 1. Critérios do “Third Report of the National Cholesterol Education Program Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults” (NCEP-ATPIII) para síndrome metabólica. Identificação clínica da síndrome metabólica Fatores de risco Valores de corte Obesidade abdominal - Homens Circunferência abdominal > 120 cm - Mulheres Circunferência abdominal > 88 cm Triglicérides 150 mg/dl HDL-colesterol - Homens < 40 mg/dl - Mulheres < 50 mg/dl Pressão arterial 130/85 mmHg Glicemia de jejum 110 mmHg Tabela 2. Critérios da “International Diabetes Federation” para síndrome metabólica. Grupo étnico Circunferência abdominal (cm) Europeu Homem > 94 Mulher > 80 Sul-asiático Homem > 90 Mulher > 80 Chinês Homem > 90 Mulher > 80 Japonês Homem > 85 Mulher > 90 América do Sul e Central Utilizar recomendação para sul-asiático África subsaariana Utilizar recomendação para europeu Populações do Leste Mediterrâneo e Meio Leste Utilizar recomendação para europeu 484 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 MINAME MH e col. Síndrome metabólica é um dos determinantes da composição das lipoproteí- nas, pois tem a capacidade de mediar a transferência de éster de colesterol e tri- glicérides entre as diversas lipoproteínas. Nos indivídu- os obesos, a atividade da CETP está aumentada. A mesma, portanto, irá pro- mover a transferência do éster de colesterol das lipo- proteínas ricas em éster de colesterol, como a HDL e a lipoproteína de baixa densidade (LDL), em troca dos tri- glicérides das lipoproteínas ricas em triglicérides, como as VLDL e os quilomícrons. As partículas de HDL ricas em triglicérides, após ação da CETP, sofrem hidrólise pela lipase hepática, tornando-se menores e com depuração plasmática mais rápida. Conseqüentemente, observa-se redução dos níveis de HDL-colesterol e da apolipoprote- ína A-I. As partículas de LDL ricas em triglicérides também sofrem lipólise pela lipase hepática, tornando-se pequenas e densas. Existem evidências de que as partículas de LDL pequenas e densas são mais aterogênicas, provavelmente por penetrarem mais facilmente na íntima da artéria, por so- frerem mais oxidação e por outros motivos(4). EVIDÊNCIAS EPIDEMIOLÓGICAS DO RISCO CARDIOVASCULAR E DE DIABETES MELITO DO TIPO II NA SÍNDROME METABÓLICA A síndrome metabólica está associada a aumento do risco de diabetes melito do tipo II e de doença cardiovas- cular(5-7). O ensaio clínico “Paris Prospective Study”(8) ob- servou os fatores de risco cardiovascular em 7 mil indiví- duos do sexo masculino. Após 11 anos de seguimento, os níveis elevados de insulina de jejum representaram fator de risco independente para doença cardiovascular. O risco maior foi observado acima do quarto quintil dos níveis de insulina (concentrações > 19 µU/ml). O agrupamento de fatores de risco associados à re- sistência à insulina pode causar danos nas artérias muito antes do desenvolvimento do diabetes melito do tipo II. O “Helsinki Policemen Study”(9) avaliou a relação entre re- sistência à insulina e desenvolvimento de doença arterial coronariana. Foram feitas mensurações plasmáticas da glicemia e da insulina de jejum em 970 indivíduos saudá- veis, e após 22 anos de seguimento o grupo com insulina acima dos valores dentro dos determinados tercis apre- sentou freqüência maior de eventos cardiovasculares. O ensaio clínico San Antonio demonstrou, após 7 anos de seguimento, que a maioria dos pacientes que evoluiu para diabetes melito do tipo II apresentava, além da re- sistência à insulina, desordens metabólicas múltiplas, como baixos níveis de HDL-colesterol, níveis elevados de triglicérides e hipertensão arterial sistêmica. Esse es- tado pré-diabético não foi observado no grupo que não desenvolveu diabetes, no qual houve predomínio da sen- sibilidade à insulina, além da presença de poucos fatores de risco associados. A resistência à insulina pode se correlacionar com a presença de aterosclerose incipiente. O “The Insulin Re- sistance Atherosclerosis Study” (IRAS)(10) teve como pro- pósito observar a relação entre resistência à insulina e aterosclerose da artéria carótida interna. Houve correla- ção do espessamento do complexo íntima-média da ar- téria carótida com a presença de resistência à insulina, mesmo quando ajustada para os fatores de risco tradici- onais. AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA RESISTÊNCIA À INSULINA NA SÍNDROME METABÓLICA Existem vários métodos diretos e indiretos que avali- am a presença de resistência à insulina, e os principais deles serão descritos a seguir.(11-13) O método considerado “padrão ouro” para se avaliar a resistência à insulina é o “clamp” euglicêmico-hiperinsuli- nêmico concebido por DeFronzo e colaboradores, em 1978. É um método indireto, que consiste na infusão de insulina contínua no paciente a uma taxa constante, para que sejam alcançados valores de insulina um pouco aci- ma do basal. A glicemia plasmática é monitorizada e a glicose é infundida continuamente, para que se mante- nha a glicemia próxima ao normal no jejum. Quanto mai- or for a quantidade de glicose infundida no paciente, para que se mantenha euglicêmico, mais insulino-sensível o mesmo é. O inverso dessa resposta demonstra a presen- ça de resistência periférica à insulina. Pela sua alta com- plexidade técnica, o teste é restrito a protocolos de estu- do. A fim de se evitar procedimentos muito complexos, foi desenvolvido o método HOMA (“Homeostasis Assess- ment Model”), um modelo matemático proposto por Mat- thews e colaboradores, que avalia a sensibilidade à insu- lina e a função da célula beta com valores obtidos simul- taneamente a partir das concentrações plasmáticas de glicose e insulina de jejum. Como a secreção de insulina é pulsátil, são obtidas três amostras de glicose e de insu- lina de jejum, com intervalos de cinco minutos, sendo uti- lizados os valores médios dessas duas variáveis. O HOMA pode ser dividido em dois índices: a) HOMA IR: glicemia de jejum (mmol) X insulina (µU/ ml) : 22,5 (esse índice traduz a sensibilidade à insulina); b) HOMA β: 20 X insulina (µU/ml) : glicemia (mmol) - 3,5 (esse índice traduz a secreção da célula beta). Estudos epidemiológicos têm utilizado o HOMA para a mensuração do grau de resistência à insulina, princi- palmente a longo prazo, pela simplicidade do método e pela excelente correlação com o “clamp” euglicêmico. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 485 MINAME MH e col. Síndrome metabólica Figura 1. Fisiopatologia da síndrome metabólica. Outro método é a do- sagem de insulina plas- mática de jejum. Os níveis de insulina plasmática nojejum muitas vezes não identificam a presença de resistência à insulina. Uma determinada por- centagem de pacientes com resistência à insuli- na e diabetes melito do tipo II pode apresentar valores normais de insulinemia de jejum. A eficácia dessa medida é comprometida mediante alguns fa- tores: a) no jejum, a glicose é mais utilizada por teci- dos que não dependem da ação da insulina; b) a in- sulina em jejum não reflete a ação da insulina em tecidos insulino-dependentes; c) valores reduzidos de insulina plasmática de jejum, em diabéticos, podem refletir falência pancreática e não ausência de resis- tência à insulina; d) pode haver reação cruzada com a pró-insulina, que se encontra elevada na resistên- cia à insulina; e e) existe uma variabilidade intra-la- boratorial acentuada na mensuração da insulina, que leva às diferenças encontradas nos resultados. As- sim, o uso rotineiro fica comprometido pelo exposto. TRATAMENTO DA SÍNDROME METABÓLICA Modificação do estilo de vida O primeiro passo para a redução do risco cardiovas- cular, na síndrome metabólica, consiste na adoção de um estilo de vida mais saudável, visando sempre a três objetivos principais: perda de peso, atividade física regu- lar e plano alimentar mais saudável. A perda de 5% a 10% do peso, em indivíduos com sobrepeso ou obesida- de, representa ganho significativo no aumento da sensi- bilidade à insulina, na redução plasmática da mesma e na melhora das manifestações clínicas decorrentes da resistência à insulina. A atividade física aumenta o gasto energético, que proporciona perda de peso e contribui para a manutenção do peso adequado. A atividade física aumenta a sensibilidade à insulina, observada em indiví- duos que praticam exercício aeróbico quatro vezes por semana, durante 30 a 40 minutos. No ensaio clínico “The Diabetes Prevention Program Group”(14), um grupo de pacientes com intolerância à glicose submetido às mu- danças do estilo de vida apresentou significativa redução de risco de evoluir para diabetes melito do tipo II, em rela- ção ao grupo tratado com metformina e ao grupo place- bo. Alguns estudos demonstram que determinadas die- tas podem acentuar as manifestações clínicas da síndro- me metabólica, como as dietas ricas em carboidratos, na ausência de perda de peso. Alguns princípios, portanto, devem ser considerados em relação à orientação dietéti- ca, como evitar dietas com baixo teor de gordura e eleva- do teor de carboidratos, a menos que a mesma resulte em perda ponderal, pois quanto mais insulino-resistente for o indivíduo maior a quantidade de insulina secretada para a manutenção dos valores normais da glicemia. Na ausência de perda de peso, dietas ricas em carboidratos podem aumentar o grau de resistência à insulina. Uma alternativa consiste em substituir parte do conteúdo de carboidratos por gorduras insaturadas, com ingestão moderada de carboidratos, preferencialmente os carboi- dratos complexos. Outra recomendação é a ingestão de fibras solúveis. Existem evidências de que o tratamento individualiza- do, estimulando o paciente a atingir seus objetivos, pode ser mais eficiente que apenas orientações gerais. No es- tudo “Finnish Diabetes Prevention”, 552 indivíduos de meia-idade com sobrepeso e intolerância à glicose, dos quais 76% apresentavam síndrome metabólica, foram ran- 486 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 MINAME MH e col. Síndrome metabólica domizados para grupo con- trole (receberam orienta- ções gerais sobre atividade física e perda de peso) ou para grupo intervenção (atendimento individualiza- do com aconselhamento e seguimento visando à per- da de peso, à redução da ingesta de gordura, ao au- mento da ingestão de fibras, e ao aumento da atividade física). Após um ano, o grupo intervenção perdeu mais peso que o controle (4,2 kg comparativamente a 0,8 kg; p < 0,001), e durante todo o período do estudo (seguimen- to médio de 3,2 anos) o grupo intervenção apresentou redução de 58% no risco de desenvolver diabetes com- parativamente com o grupo controle (p < 0,001)(15). Tratamento medicamentoso Embora as modificações do estilo de vida reduzam o ris- co de diabetes melito do tipo II e de eventos cardiovascula- res, pode haver necessidade de intervenções farmacológi- cas. O tratamento medicamentoso da síndrome metabólica pode ser instituído para controle dos seguintes fatores de risco: hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, diabetes melito, resistência à insulina, e obesidade. A pressão arterial deve ser tratada com a meta de uma redução para valores inferiores a 135 mmHg x 80 mmHg, em indivíduos de alto risco para eventos cardiovasculares. Os diabéticos beneficiam-se de valores de pressão arterial inferiores a 130 mmHg x 80 mmHg e aqueles com proteinú- ria acima de 1 g/24 horas devem atingir cifras inferiores a 120 mmHg x 75 mmHg(16). As estatinas são os hipolipemiantes de primeira linha(1), tendo demonstrado benefícios na evolução clínica de paci- entes diabéticos(17). Alguns estudos realizados com portado- res de diabetes melito do tipo II demonstraram que a rosu- vastatina é mais efetiva que a atorvastatina em reduzir o LDL- colesterol, melhorando a relação apoB/apoA1 e com melhor potencial para atingir as metas de LDL-colesterol(18, 19). O es- tudo MERCURY I(20) avaliou o impacto da troca de atorvasta- tina 10 mg, sinvastatina 20 mg ou pravastatina 40 mg por rosuvastatina 10 mg em 3.140 pacientes hipercolesterolêmi- cos, dos quais 1.342 apresentavam síndrome metabólica. Uma análise de subgrupo comparou os efeitos das estatinas no perfil lipídico daqueles com síndrome metabólica contra os que não apresentavam síndrome metabólica. No grupo rosuvastatina na dose de 10 mg, 77% dos pacientes com síndrome metabólica atingiram as metas de LDL-colesterol preconizadas pela NCEP-ATP III, sendo significativamente maior que os grupos atorvastatina 10 mg (62%), sinvastatina 20 mg (51%) ou pravastatina 40 mg (34%). O estudo CO- METS, que comparou rosuvastatina (10-20 mg/dia) com ator- vastatina (10-20 mg/dia) em pacientes com síndrome meta- bólica, também demonstrou maior taxa de metas de LDL- colesterol atingidas a favor do grupo rosuvastatina(21). Entre as drogas para tratamento do diabetes melito do tipo II em pacientes com síndrome metabólica, vem ganhan- do importância o papel das tiazolidineodionas, também de- nominadas de sensibilizadores de insulina. Essas drogas reduzem a resistência periférica (dos tecidos adiposo e mus- cular) à ação da insulina. Atualmente existem dois compos- tos disponíveis: roziglitazona e pioglitazona. O mecanismo de ação dessa classe de medicamentos se dá por meio da ligação e da ativação de receptores intranucleares denomi- dados PPAR (“peroxisome proliferator-activator receptor”). Há quatro tipos descritos de PPAR, e as tiazolidineodionas esti- mulam os PPAR gama, que estão localizados principalmen- te nos tecidos adiposo e muscular e nas células endoteliais dos vasos. A ação dos PPAR gama consiste em modular a interação entre os tecidos adiposo e muscular. Quando se administram os ativadores dos PPAR gama, ou ligantes dos PPAR gama, em indivíduos com resistência à insulina, ob- serva-se redução dos níveis plasmáticos de ácidos graxos livres. O mecanismo exato desse efeito é desconhecido, mas pode estar relacionado com o aumento da oxidação dos áci- dos graxos livres dentro dos adipócitos, e/ou a redistribuição dos depósitos de gordura central dos tecidos adiposo e mus- cular para o tecido adiposo subcutâneo. A redução dos ní- veis de ácidos graxos circulantes resulta na maior captação de glicose pela célula muscular, com melhor ação da insuli- na. Esses ativadores dos PPAR gama também diminuem os fatores produzidos e secretados pelo tecido adiposo (TNF- alfa e resistina, entre outros), que promovem a resistência à insulina e a inflamaçãovascular, aumentando a secreção de fatores que inibem esses processos. A eficácia das tiazolidi- neodionas em reduzir os níveis de glicose plasmática é, em média, de 50 mg/dl e o da glico-hemoglobina, de 0,8 a 1,5 ponto porcentual. Elevam os valores de HDL-colesterol em 10% a 15% e de LDL-colesterol, em 15%. A pioglitazona reduz os níveis de triglicérides em 28% e a rosiglitazona não altera esses níveis. O efeito colateral comum é o ganho pon- deral de 1 kg a 2 kg, mais exacerbado quando essas drogas são associadas a sulfoniluréias e insulina. Em 5% dos casos observa-se edema com retenção hídrica e queda de hema- tócrito. Há aumento crescente de relatos de pacientes em uso de tiazolidinedionas que apresentaram insuficiência car- díaca congestiva, relacionada à expansão volêmica, por re- tenção fluida. Até o momento não há casos de hepatotoxici- dade com o uso de rosiglitazona e pioglitazona, ao contrário do ocorrido com a trogitazona, que foi retirada do mercado. As tiazoledinedionas podem se tornar um fármaco atrativo no manejo da síndrome metabólica, visando à sensibilidade à insulina e à prevenção da aterosclerose. Foram descritos efeitos favoráveis da troglitazona e da pioglitazona sobre a progressão da espessura íntima-média carotídea (IMT) de carótida em portadores de diabetes melito do tipo 2(22, 23). O tratamento da rosiglitazona em pacientes coronarianos, mas não diabéticos, resultou em redução de parâmetros Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 487 MINAME MH e col. Síndrome metabólica inflamatórios e de ativação celular endotelial(24). Atual- mente encontra-se em es- tudo o fármaco tesaglitazar. Trata-se de um agonista de PPAR alfa e gama, cujo pro- pósito é melhorar a resis- tência à insulina e também as anormalidades no perfil tanto lipídico como glicêmi- co. Estudo randomizado re- alizado por Fagerberg e co- laboradores(25) em 390 indivíduos não-diabéticos com hi- pertrigliceridemia e obesidade abdominal, comparando a eficácia e a segurança do tesaglitazar (0,1, 0,25, 0,5 e 1,0 mg/dia) contra placebo, demonstrou melhora do perfil lipídico e da sensibilidade à insulina no grupo tesaglita- zar, representada respectivamente por queda dos trigli- cérides de 37% (p < 0,0001), queda do colesterol não- HDL de 15% (p < 0,0001) e aumento do HDL-colesterol de 16% (p < 0,0001), e por redução da concentração de insulina de jejum (-35%; p < 0,0001) e de glicose plasmá- tica de jejum (p < 0,0001). Infecções respiratórias e sin- tomas gastrointestinais foram os efeitos adversos mais comuns e ocorreram de forma similar em todos os gru- pos. Dessa forma, trata-se de uma droga promissora como auxiliar no manejo de pacientes com síndrome metabólica. A metformina oferece um benefício em potencial para o tratamento da síndrome metabólica. Esse medicamen- to tem sido amplamente utilizado no tratamento do dia- betes melito do tipo II e da síndrome dos ovários policís- ticos. A metformina pertence ao grupo das biguanidas e seu principal mecanismo de ação é a diminuição da pro- dução de glicose hepática. É indicada em pacientes com diabetes melito do tipo II que não responderam à dieta e que são geralmente obesos, pois costumam perder peso com essa medicação. Apesar de as mudanças de estilo de vida terem sido mais eficazes que o tratamento medi- camentoso, os resultados do “Diabetes Prevention Pro- gram”(26) demonstraram que a progressão dos indivíduos com intolerância à glicose para o desenvolvimento do di- abetes melito do tipo II foi significativamente menor no grupo metformina em relação ao placebo, confirmando a ação benéfica dessa terapêutica na prevenção do diabe- tes melito do tipo II. Esse medicamento reduz os níveis de insulina plasmática e melhora o metabolismo da glico- se e dos lipídeos nos indivíduos com resistência à insuli- na. A metformina reduz os níveis de triglicérides (em 10% a 15%) e do inibidor-1 do ativador do plasminogênio (PAI- 1). Essas drogas não causam hipoglicemia em pacientes não-diabéticos, mesmo em doses elevadas. Não são metabolizadas pelo fígado e sua excreção é renal. A aci- dose lática é uma complicação muito rara e está relacio- nada com alterações na excreção renal da metformina ou a algumas condições de acidose acentuada. O uso da metformina está contra-indicado em pacientes com po- tencial para desenvolver acidose lática: em portadores de insuficiência cardíaca, respiratória renal, hepática, na gravidez e alcoolismo. Os efeitos colaterais mais comuns (gosto metálico na boca, desconforto abdominal e diar- réia) são relacionados à dose do medicamento. No estu- do UKPDS, a metformina foi eficaz em prevenir as com- plicações cardiovasculares em pacientes com diabetes melito do tipo II e obesos, para os quais deve ser o medi- camento de primeira linha. Atualmente existem evidênci- as de melhora da função endotelial com o uso da metfor- mina em pacientes com síndrome metabólica(27). A obesidade presente na síndrome metabólica tam- bém deve ser tratada de forma ativa. Recomenda-se o uso de medicamentos nos indivíduos portadores de sín- drome metabólica com obesidade (índice de massa cor- pórea > 30 kg/m2) ou com excesso de peso (índice de massa corpórea entre 25 kg/m2 e 30 kg/m2) desde que acompanhado de co-morbidades e que não tenham per- dido 1% do peso inicial por mês, após um a três meses de tratamento não-medicamentoso(16). Atualmente exis- tem cinco medicamentos para o tratamento da obesida- de no Brasil (anfepramona, femproporex, mazindol, sibu- tramina e orlistat), porém as duas medicações de esco- lha no tratamento da obesidade na síndrome metabólica são o orlistat e a sibutramina(16). Mais recentemente vem apresentando resultados promissores uma nova droga antagonista de receptor canabióide tipo 1: o rimonabant. Alguns estudos com esse fármaco vêm demonstrando resultados promissores no tratamento da obesidade e de fatores de risco metabólicos relacionados, além do trata- mento da dependência ao tabagismo(28). Estudo realizado por Van Gaal e colaboradores(29) envolvendo 1.507 pacien- tes com índice de massa corpórea > 30 kg/m2 ou índice de massa corpórea > 27 kg/m2 com dislipidemia tratada ou não, hipertensão ou ambos foram randomizados para placebo, rimonabant 5 mg ou rimonabant 20 mg, seguidos por um ano. A perda de peso em um ano foi significativamente maior no grupo rimonabant 5 mg (média de -3,4 kg; p = 0,002 vs. placebo) e no grupo rimonabant 20 mg (-6,6 kg; p < 0,001 vs. placebo), comparativamente com o grupo placebo. O grupo rimonabant 20 mg produziu significati- vamente maior redução da circunferência abdominal, aumento do nível de HDL-colesterol e de triglicérides, além de maior redução da resistência à insulina e da prevalên- cia da síndrome metabólica. Os efeitos de 5 mg de rimo- nabant foram clinicamente menos significativos. Dessa forma, o rimonabant pode se tornar, futuramente, umas das drogas de grande potencial no tratamento da obesi- dade na síndrome metabólica. 488 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 MINAME MH e col. Síndrome metabólica REFERÊNCIAS 1. 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Finally, the au- thors comment about current strategies on the management of metabolic syndrome as well as newer medications, like rimonabant and PPAR alpha and gama inhibitors. Key words: metabolic syndrome, physiopathology, treatment. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:482-9) RSCESP (72594)-1571 dy, 15-year follow-up. Diabetologia. 1991;34(5):356-61. 9. Pyorala M, Miettinen H, Halonen P, et al. Insulin resis- tance syndrome predicts the risk of coronary heart di- sease and stroke in healthy middle-aged men: the 22- year follow-up results of the Helsinki Policemen Study. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2000;20(2):538-44. 10. Wagenknecht LE, D’Agostino RB Jr, Haffner SM, et al. Impaired glucose tolerance, type 2 diabetes, and ca- rotid wall thickness: the Insulin Resistance Atheros- clerosis Study. Diab Care. 1998;21(11):1812-8. 11. Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ. The metabolic syn- drome. Lancet. 2005;365:1415-28. 12. Pischon T, Girman CJ, Hotamisligil GS, et al. 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A elevação plasmática dos níveis de triglicérides (hi- HIPERTRIGLICERIDEMIA: IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E TERAPÊUTICAS CARLOS COSTA MAGALHÃES, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS, PROTÁSIO LEMOS DA LUZ Unidade Clínica de Aterosclerose – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP A hipertrigliceridemia tem sido associada a risco de doença arterial coronária, mas sua associação não é tão forte como a da lipoproteína de baixa densidade (LDL), e a relação dos triglicérides com a aterosclerose tem sido fonte de certa confusão para os clínicos. Tal confusão decorre em parte dos dados pouco expres- sivos obtidos dos estudos epidemiológicos, quando são extrapolados para o cenário clínico. Níveis elevados de triglicérides (> 180 mg/dl) associados a níveis baixos de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) (< 40 mg/dl) são predi- tores de risco coronário elevado, principalmentese a relação colesterol total/HDL- colesterol for superior a 5. Os fibratos contribuem para importante redução dos ní- veis de triglicérides, atuando discretamente sobre os níveis de LDL-colesterol, ten- do papel destacado no aumento dos níveis de HDL-colesterol. Segundo os resulta- dos de alguns estudos, existem evidências da importância da redução dos níveis séricos das concentrações da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL), como demonstrado no estudo angiográfico BECAIT, em que os níveis de LDL-colesterol não foram afetados e os benefícios clínicos e angiográficos parecem estar relacio- nados à redução dos níveis de triglicérides (VLDL) e de fibrinogênio, com elevação dos níveis de HDL-colesterol. Palavras-chave: triglicérides aumentado, risco coronário, HDL-colesterol baixo. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:490-5) RSCESP (72594)-1572 pertrigliceridemia) é mais freqüentemente observada na presença de obesidade e nos indivíduos que fazem uso de dieta rica em calorias, açúcares e gordura saturada, principalmente em diabéticos, sendo um dos componen- tes da síndrome metabólica quando está associado à di- minuição do HDL-colesterol e de níveis normais de LDL- colesterol, mas com predomínio da LDL pequena e den- sa (fenótipo B) mais aterogênica, além de aumento geral das lipoproteínas contendo apolipoproteína B (apoB). A hipertrigliceridemia também está associada com ris- co de doença arterial coronária, não apresentando, no entanto, relação tão forte como a do LDL-colesterol, tor- nando a associação triglicérides e aterosclerose fonte de certa confusão, que decorre em parte de dados epidemi- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 491 MAGALHÃES CC e cols. Hipertrigliceridemia: implicações clínicas e terapêuticas ológicos extrapolados para a prática clínica. Em análises univariadas de vários estudos prospec- tivos, quando os níveis de triglicérides são superiores a 400 mg/dl existe risco au- mentado de coronariopa- tia(1), principalmente em pa- cientes do sexo feminino e em jovens. Contudo, quan- do são realizados ajustes estatísticos para avaliar o efeito de outros fatores de ris- co, principalmente com HDL-colesterol, o poder dos trigli- cérides enfraquece ou desaparece.(1-3) Esse achado acontece por causa das diferenças no metabolismo da HDL e da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL), que normalmente carrega o triglicéri- de plasmático, sendo essas lipoproteínas metabolizadas rapidamente, com meia-vida em menos de uma hora. Entretanto, a HDL é metabolizada muito mais lenta- mente, tendo sua meia-vida por vários dias. As lipoprote- ínas VLDL e HDL são, no entanto, estreitamente ligadas metabolicamente, e as concentrações da HDL são usual- mente baixas, quando a concentração dos triglicérides (VLDL) está elevada. A HDL, portanto, torna-se um indi- cador reverso ao que ocorre no metabolismo das VLDL (triglicérides). Do ponto de vista prático, os níveis de HDL- colesterol podem ser usados como indicador de distúrbio nos triglicérides, assim como a hemoglobina glicosilada é usada para indicar quando os níveis glicêmicos estão sob controle, num período de dias ou semanas. Outra razão para a confusão sobre o papel dos trigli- cérides na doença coronária é que somente parte do tri- glicéride plasmático está relacionada à aterosclerose. Todas as lipoproteínas contêm triglicérides, e as lipopro- teínas ricas em triglicérides, em sua maioria, são quilo- mícrons sintetizados pela mucosa da parede do intestino delgado, e as VLDL são sintetizadas no fígado. A LDL e a HDL também contêm pequenas quantidades de triglicéri- des. A hipertrigliceridemia severa pode decorrer dos quilo- mícrons elevados e das VLDL de grande peso molecular, podendo levar à pancreatite, não sendo considerada ate- rogênica por ser de grande tamanho e não penetrando, portanto, na parede arterial(4). Entretanto, as VLDL de menor peso molecular, bem como as IDL (lipoproteínas de densidade intermediária) e as LDL, são aterogênicas, e a hipertrigliceridemia de- corrente das altas concentrações plasmáticas dessas li- poproteínas, por conseguinte com maior facilidade para penetração na parede arteriolar, identifica os indivíduos sob risco aumentado de doença coronária. A hipertrigliceridemia familiar (tipo IV da hiperlipopro- teinemia) é identifcada pela presença de níveis séricos significativamente elevados, que resultam de defeitos genéticos enzimáticos e de apolipoproteínas, com con- centração plasmática de jejum variando de 200 mg/dl a 500 mg/dl (2,3 mmol/l a 5,7 mmol/l) e pós-prandial po- dendo exceder a 1.000 mg/dl (11,3 mmol/l). Os níveis de LDL-colesterol e de HDL-colesterol estão freqüentemen- te reduzidos, com níveis de colesterol total normais ou elevados, dependendo dos níveis de VLDL-colesterol. É encontrada em parentes de primeiro grau, e sua preva- lência pode variar de 1:100 a 1:50, com variabilidade fe- notípica relacionada a sexo, idade, dieta rica em calorias e carboidratos, e uso de álcool e de hormônio, principal- mente de estrogênio(5-7). IMPLICAÇÕES CLÍNICAS A implementação de estratégias preventivas requer uma abordagem prática e esquemática. Na década de 1990, o “American College of Cardiology” desenvolveu uma classificação para a intervenção sobre os fatores de risco modificáveis, que resultaria na redução de risco car- diovascular, a qual foi dividida em quatro categorias(8): – Classe 1 – intervenção sobre fatores que comprovada- mente reduzem o risco, como tabagismo, LDL-coles- terol, dieta rica em gordura saturada e colesterol, e hipertensão; – Classe 2 – intervenção sobre fatores que provavelmen- te reduzem a incidência de eventos cardiovasculares, como diabetes melito, sedentarismo, HDL-colesterol, triglicérides, obesidade e menopausa; – Classe 3 – fatores que são aparentemente associados com risco coronariano aumentado, que, se modifica- do, pode reduzir a incidência de eventos, como fato- res psicossociais, lipoproteína (a), homocisteína, es- tresse oxidativo, e consumo de álcool; – Classe 4 – fatores associados com risco coronariano não-modificáveis ou, se modificáveis, não parecem reduzir o risco (idade, sexo, baixa condição socioeco- nômica e história familiar de doença cardiovascular). Na classe 2, em que os triglicérides são um dos fato- res de maior relevância, dados obtidos de pesquisa bási- ca e de grandes estudos observacionais indicam forte relação causal e sugerem que intervenções provavelmente irão reduzir a incidência de eventos, mas esses dados são limitados quanto aos benefícios, ao risco e ao custo dessa intervenção. Apesar dessa limitação, a interven- ção sobre os fatores de risco dessa classe são úteis na avaliação do risco cardiovascular global, e tem o potenci- al para redução do risco coronariano primário e secundá- rio. A hipertrigliceridemia encontra-se freqüentemente associada a diabetes, obesidade, sedentarismo e consu- mo de álcool, e sua prevalência está diretamente ligada a níveis baixos de HDL-colesterol, que resulta de transtor- no metabólico diferente do encontrado quando os níveis de LDL-colesterol estão elevados. 492 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 MAGALHÃES CC e cols. Hipertrigliceridemia: implicações clínicas e terapêuticas O HDL-colesterol tem sido considerado importan- te preditor de risco coroná- rio independente, em que para cada 1 mg/dl de redu- ção no HDL-colesterol ocor- re 3% a 4% de aumento da doença arterial coronária(9, 10). Evidências têm demonstra- do que as relações coles- terol total/HDL-colesterol e LDL-colesterol/HDL-coles- terol são melhores preditores de risco coronário que o LDL-colesterol isolado. Dados obtidos do estudo “Physi- cians Health Study” sugerem que a redução de uma uni- dade dessa relação, que pode serfacilmente conseguida com uma vastatina, reduz o risco de infarto do miocárdio em 53%(11). A imprecisão dos valores de triglicérides, decorrente da variabilidade individual, e as interações complexas entre triglicérides e outros parâmetros lipídicos podem obscurecer o impacto dos triglicérides no desenvolvimento da doença arterial coronária. Contudo, níveis de triglicéri- des de jejum representam útil marcador de risco, princi- palmente se forem considerados os níveis de HDL-coles- terol(12). Dados de estudos baseados em estratégias in- tervencionistas em portadores de HDL-colesterol baixo ou hipertrigliceridemia com níveis de LDL-colesterol nor- mal são bastante limitados. IMPLICAÇÕES TERAPÊUTICAS Dentre alguns dos estudos epidemiológicos, o “Pros- pective Cardiovascular Muenster” (PROCAM) demonstrou que a relação entre dislipidemia e eventos coronários poderia ter ligação com a relação colesterol total/HDL- colesterol elevados, associada a hipertrigliceridemia(13). Esses dados corroboraram os do “Helsinski Heart Stu- dy”, que demonstrou que 70% dos eventos coronários nesse estudo de prevenção primária com gemfibrozil ocor- reram em um subgrupo semelhante à coorte global, que corresponde a 10% dos indivíduos randomizados(14). O PROCAM publicou, em 1998, o seguimento de 8 anos(15), que analisava parâmetros lipídicos e caracterís- ticas clínicas em 17.437 homens e 8.065 mulheres com média de idade variando entre 40,4 anos e 36 anos, res- pectivamente. Os fatores de risco considerados foram ta- bagismo, diabetes, história familiar de infarto do miocár- dio e hipertensão arterial sistólica como preditores inde- pendentes de risco coronário, associados aos parâme- tros lipídicos clássicos. A relação LDL-colesterol/HDL-co- lesterol acima de 5, usada como marcador de risco au- mentado nas avaliações anteriores, foi associada a 19,2% de probabilidade de um paciente desenvolver evento ate- rosclerótico significativo num período de oito anos. Em um subgrupo de participantes que apresentavam hipertrigliceridemia associada a relação LDL-colesterol/ HDL-colesterol superior a 5, a taxa de eventos coronári- os foi de aproximadamente 26,9%, elevando em seis ve- zes o risco coronário nesse pequeno subgrupo de indiví- duos. O PROCAM também considerou a correlação entre mortalidade por doença coronária e hipertrigliceridemia como fator de risco independente para eventos coronári- os, não considerando os níveis de HDL-colesterol e de LDL-colesterol. Por causa de problemas inerentes asso- ciados aos estudos epidemiológicos, os mecanismos sub- jacentes ou a causalidade do risco aumentado decorren- te desse parâmetro lipídico não puderam ser delineados. Um possível mecanismo dessa associação inclui a liga- ção entre hipertrigliceridemia e incidência aumentada de aterosclerose em decorrência da propensão para hiper- coagulabilidade e da persistência na circulação de subpo- pulações aterogênicas de partículas ricas em triglicéri- des(16). O “Copenhagen Male Study” é outro estudo epidemi- ológico, prospectivo, iniciado na década de 1970, em que 2.906 homens foram seguidos por 8 anos(17). Os pacien- tes foram categorizados em fatores de risco para ateros- clerose lipídicos e não-lipídicos, de acordo com o tercil do nível de triglicérides em jejum. Níveis elevados de triglicé- rides foram associados a níveis elevados de colesterol total, de LDL-colesterol, de pressão arterial tanto sistóli- ca como diastólica, e de índice de massa corpórea, com grande prevalência de hipertensão arterial e diabetes. Níveis baixos de HDL-colesterol e sedentarismo também estavam associados a elevação dos triglicérides. Durante o período de seguimento, 229 indivíduos tiveram evento isquêmico, dos quais 66 foram fatais. A mortalidade glo- bal também foi documentada e 426 homens morreram durante esse estudo. Foi encontrada associação entre níveis de triglicérides e presença de doença arterial coro- nária, tendo como base os tercis de HDL-colesterol, rela- ção que permaneceu nos controles adicionais para fato- res conflitantes, como efeitos das medicações anti-hiper- tensivas, sedentarismo, uso de álcool, e classe socioeco- nômica. A taxa de incidência cumulativa de eventos isquêmi- cos foi de 4,6% para tercil inferior dos níveis de triglicéri- des, 7,7% no médio, e 11,5% no superior (p < 0,01). Após controle de outros fatores de risco para doença isquêmi- ca, incluindo HDL-colesterol, os pesquisadores encontra- ram risco relativo para doença isquêmica de 1,5 (p = 0,05) e de 2,2 (p < 0,001) para tercil médio e superior, respec- tivamente. O “Copenhagen Male Study” indicou que um gradiente de risco para aterosclerose pode ser demons- trado pelos níveis elevados de triglicérides, independen- temente de outros fatores de risco. Em estudo de intervenção, o “Helsinki Heart Study” demonstrou que o gemfibrozil (fibrato), agente usado para Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 493 MAGALHÃES CC e cols. Hipertrigliceridemia: implicações clínicas e terapêuticas redução dos níveis de trigli- cérides e elevação dos ní- veis de HDL-colesterol, contribuiu para redução de risco entre os indivíduos com níveis elevados de colesterol total e de LDL- colesterol(18). Ao final da dé- cada de 1990, o estudo “Ve- terans Affairs High-Density Lipoprotein Cholesterol In- tervention Trial” (VA-HIT) demonstrou que uma redução de 22% de eventos cardi- ovasculares foi observada com o uso de gemfibrozil na população de indivíduos com níveis de HDL-colesterol abaixo de 40 mg/dl (1,0 mmol/l)(19). Essa redução de risco ocorreu na ausência de significativa mudança dos níveis de LDL-colesterol, dado que reforça o potencial dos agen- tes que atuam sobre os níveis de HDL-colesterol e de triglicérides. No estudo angiográfico “Bezafibrate Coronary Athe- rosclerosis Intervention Trial” (BECAIT), duplo-cego, pla- cebo controlado, com duração de cinco anos, 92 pacien- tes foram randomizados, dos quais 42 pacientes utiliza- ram bezafibrato e 39, placebo. Pacientes jovens, sexo masculino, menos de 45 anos de idade, sobreviventes de um primeiro episódio de infarto do miocárdio, escolhidos pelo fato de os investigadores terem identificado determi- nado número de alterações hemostáticas e metabólicas, que incluíam níveis elevados de fibrinogênio, resistência insulínica e tríade lipídica (hipertrigliceridemia, HDL-co- lesterol baixo e LDL-colesterol de pequena densidade) foram alguns dos critérios de inclusão de pacientes. Esse estudo foi desenhado para avaliar a provável progressão da alteração angiográfica aterosclerótica nos pacientes sob regime medicamentoso e nos que permaneceram em dieta. A análise angiográfica demonstrou redução de 0,13 mm na média do diâmetro mínimo do lúmen da le- são no grupo de pacientes sob uso de gemfibrozil, quan- do comparado com placebo (p = 0,049). Níveis de fibrino- gênio e de apoB foram significativamente reduzidos no grupo gemfibrozil, e apo AI aumentou em três vezes quan- do comparada com placebo. O BECAIT foi um estudo pequeno, que enfatiza a importância da seleção dos pa- cientes em relação à terapêutica empregada. Embora o mecanismo preciso do benefício do bezafibrato não pos- sa ser deduzido nesse estudo, os resultados podem ser secundários pela combinação da redução dos níveis de triglicérides, fibrinogênio e outros mecanismos envolvi- dos na composição dos níveis das lipoproteínas e apoli- poproteínas(20, 21). Já o estudo “Lopid Coronary Angiography Trial” (LO- CAT) analisou o efeito do gemfibrozil numa coorte de ho- mens submetidos a cirurgia de revascularização miocár- dica(22). No total, 395 pacientes foram randomizados para receber gemfibrozil de ação prolongada ou dieta, com seguimento controlado por avaliação angiográfica 32 meses após alocação para medicamento ou placebo. O gemfibrozil reduziu os níveis de triglicéridesem 36%, as- sociado à elevação dos níveis de HDL-colesterol de 21%, quando comparado com o início do tratamento. O benefí- cio encontrado foi o de redução estatisticamente signifi- cativa do diâmetro mínimo da lesão estenótica do vaso no grupo sob uso de gemfibrozil, quando comparado com placebo (p = 0,002). Novas lesões também foram anali- sadas, e 14% dos pacientes alocados para dieta desen- volveram novas lesões, comparados com 2% no grupo sob uso de gemfibrozil (p < 0,001). Esse estudo enfatizou a importância clínica da determinação do fenótipo lipídi- co como um guia para decisão farmacológica. Embora todos os agentes hipolipemiantes tenham al- gum efeito nos níveis de colesterol total, LDL-colesterol, HDL-colesterol e VLDL-colesterol, os derivados do ácido fíbrico têm papel importante nos pacientes com níveis isolados de HDL-colesterol baixo ou elevados de triglicé- rides. A evolução angiográfica no estudo LOCAT, que foi desenhado para também avaliar o impacto da terapêuti- ca nos níveis de HDL-colesterol baixo, foi quantitativa- mente semelhante a outros estudos angiográficos com vastatinas em pacientes portadores de aterosclerose e dislipidemia caracterizada predominantemente pela ele- vação de colesterol total ou de LDL-colesterol. Recentemente foi publicado o estudo “The Ciproamlat Study”(23), que utilizou o ciprofibrato nos 437 pacientes de 4 países latino-americanos (Brasil, Chile, Colômbia e México), que apresentavam níveis de triglicérides de je- jum entre 150 mg/dl e 350 mg/dl (1,6 mmol/l a 3,9 mmol/ l), HDL-colesterol abaixo de 40 mg/dl (≤ 1,05 mmol/l) para mulheres e de 35 mg/dl (≤ 0,9 mmol/l) para homens, e LDL-colesterol abaixo de 160 mg/dl (< 4,2 mmol/l). Após quatro meses os níveis de triglicérides diminuíram 44% (p < 0,001), os de HDL-colesterol aumentaram 10% (p < 0,001), e os níveis de colesterol não-HDL diminuíram 19% (o colesterol não-HDL foi calculado subtraindo-se o HDL do colesterol total). Respostas mais evidentes do HDL- colesterol foram observadas em pacientes com índice de massa corpórea < 25 kg/m2, quando comparados com o resto da população (8,2% vs. 19,7%; p < 0,001). Contras- tando, casos com peso corpóreo excessivo obtiveram maiores diminuições dos níveis do colesterol não-HDL (-20,8% vs. 10,8%; p < 0,001). Com o uso do ciprofibrato e de dieta isocalórica, aproximadamente metade dos ca- sos alcançou as metas de triglicérides de 150 mg/dl (1,68 mmol/l) e cerca de 51% dos pacientes atingiram as me- tas do HDL-colesterol de 40 mg/dl. CONCLUSÃO Todos os pacientes com HDL-colesterol baixo ou hi- pertrigliceridemia devem receber recomendações para 494 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 MAGALHÃES CC e cols. Hipertrigliceridemia: implicações clínicas e terapêuticas modificação de seu estilo de vida, que incluem dieta com baixa quantidade de gordura saturada e aumen- to da atividade física. Na prevenção secundá- ria, pacientes com níveis elevados de LDL-colesterol, que tenham níveis baixos HYPERTRIGLYCERIDAEMIA: CLINICAL AND THERAPEUTICAL IMPLICATIONS CARLOS COSTA MAGALHÃES, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS, PROTÁSIO LEMOS DA LUZ Hypertriglyceridaemia is also associated with risk of coronary heart disease, but the association is not as strong as it is for low density lipoprotein (LDL), and the relati- onship of triglycerides to atherosclerosis has been a source of confusion to clinici- ans. The confusion is due in part to the oversimplified extrapolation of epidemiologi- cal data into the clinical setting. High plasma triglyceride levels (> 180 mg/dl) asso- ciated to low HDL-cholesterol levels (< 40 mg/dl) predicts high risk of coronary heart disease, especially if the total cholesterol/HDL-cholesterol ratio is greater than 5. Fibrates significantly contribute to the reduction of triglycerides with modest effect in LDL-cholesterol, and important elevation of HDL-cholesterol levels. There is also some trial evidences of the importance of lowering serum concentrations of VLDL, as observed in the BECAIT angiographic trial, according to which LDL-cholesterol was unaffected, and angiographic and clinical benefits seemed to be related to re- ductions in triglycerides (VLDL) and fibrinogen and elevations of HDL. Key words: hypretriglyceridaemia, coronary heart disease, low HDL-cholesterol. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:490-5) RSCESP (72594)-1572 REFERÊNCIAS 1. Austin MA. Plasma triglycerides as a risk factor for coronary heart disease: the epidemiologic evidence and beyond . Am J Epidemiol. 1989;129:249-59. 2. Assmann G, Schulte H, von Eckardstein A. Hypertri- glyceridaemia and elevated lipoprotein(a) are risk factors for major coronary events in middle-age men. Am J Cardiol. 1996;77:1179-84. 3. 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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 495 MAGALHÃES CC e cols. Hipertrigliceridemia: implicações clínicas e terapêuticas EL, Motulsky AG. Hyperti- glyceridaemia in coronary heart disease. III. Genetic analysis of lipid level in 176 families and delineation of a new, inherited disorder, combined hyperlipidemia. J Clin Invest. 1973;52:1544-68. 7. Genest Jr JJ, Martin- Munley SS, McNamara JR, et al. Familial lipopro- tein disorders in patients with premature coronary artery disease . Circulation. 1992;85:2025-33. 8. Pearson TA, McBride PE, Miller NH, Smith SC. 27th Bethesda Conference: Matching the intensity of risk factor management with the hazard for coronary di- sease events – Task force 8. Organization of pre- ventive cardiology service. J Am Coll Cardiol. 1996;27:1039-47. 9. Gordon DJ, Probstfield JL, Garrison RJ, et al. High- density lipoprotein cholesterol and cardiovascular di- sease. Four Prospective American Studies. 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Antes de prescre- vermos as modificações de estilo de vida, há de se aten- tar para uma anamnese detalhada dos hábitos e dos com- portamentos de cada paciente. Estilo de vida é uma expressão que encerra enorme gama de comportamentos e atitudes de um indivíduo ou de uma sociedade. Fatores culturais, sociais, psicológi- cos, genéticos, ambientais, educacionais, históricos, ge- ográficos, políticos, midiáticos, mercadológicos e outros combinam-se e têm o poder de impulsionar ou induzir o comportamento do ser humano, levando-o a fazer esco- TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO DAS DISLIPIDEMIAS: O QUE OS ESTUDOS ENSINARAM? TANIA LEME DA ROCHA MARTINEZ, HELENA MARIA DO NASCIMENTO, CARLOS ALBERTO ALMEIDA DE MORAES Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – 2º andar – Bloco 2 – Sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP Neste artigo os autores versam sobre o tratamento não-farmacológico das disli- pidemias, em que as mudanças de estilo de vida são apreciadas, tanto aquelas relacionadas à dieta e as advindas dos exercícios físicos como as relacionadas ao abandono do hábito de fumar e às medidas antiestresse. Relatam o que os estudos internacionais demonstraram e, em nosso meio, os trabalhos de Moraes, que avali- aram parâmetros clínicos e laboratoriais em 279 pacientes submetidos a interven- ção aguda no estilo de vida (média, 14,27 dias), as modificações produzidas por esse tratamento e a presença e a reversão da síndrome metabólica. Os parâmetros bioquímicos utilizados foram: colesterol total, frações HDL-colesterol e LDL-coleste- rol, triglicérides, glicose e ácido úrico plasmáticos. Houve melhora significante dos padrões bioquímicos de entrada, com destaque para os pacientes com síndrome metabólica, entre os quais aproximadamente 36% deixaram de apresentar essa condição. A intervenção aguda de estilo de vida reduziu ou reverteu os fatores de risco para doença arterial coronariana. Palavras-chave: colesterol, dislipidemia, estilo de vida, tratamento. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:496-505) RSCESP (72594)-1573 lhas e opções muitas vezes automáticas e irrefletidas, sob certo aspecto, subtraindo a este ser o atributo que o tor- na tão destacado na história da vida: o livre arbítrio. Na evolução da vida o ser humano foi suprido de especializa- da capacidade, sobreposta à de qualquer outra espécie, qual seja a de interagir com o meio, seus semelhantes e outras espécies, formar juízo próprio a respeito de si e dessas relações, podendo decidir sobre quais as condu- tas que lhe convêm e segui-las ou não, se assim lhe aprou- ver. Todavia, no último século, com o advento de fatores e tendências como economia de escala, economia de mer- cado, sociedade de consumo e urbanização social, entre outros, o ser humano tem adotado um estilo de vida que coloca em risco sua saúde e a própria vida, criando con- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 497 MARTINEZ TLR e cols. Tratamento não- farmacológico das dislipidemias: o que os estudos ensinaram? dições ambientais para que genes, antes inexpressí- veis, passem a ter a expres- são inadequada à vida. Dessa forma, percebe- se, muitas vezes, as pesso- as tomando atitudes, fazen- do escolhas sobre as quais não conseguem refletir. En- tão passam a ser uma so- ciedade que ingere álcool em excesso, que se torna adicta de hábitos como o tabagismo, que adquire produ- tos sem consciência de seus prejuízos, e até mesmo dos benefícios que possam trazer, e que ingere alimentos de má qualidade e em quantidades exageradas. Assim, essa sociedade tem se tornado hipertensa, obesa, diabética, dismetabólica e aterosclerótica. Diante dessa constatação, torna-se fundamental que, além do desenvolvimento tecnológico para suporte e tra- tamento dos problemas da saúde humana, as comunida- des científicas e acadêmicas disponham-se a estudar o tema e a propor condutas e políticas, ajudando a plasmar nas sociedades humanas estilos de ser adequados à vida. Diversas observações realizadas desde a década de 1970 demonstram claramente a relação entre hábitos de vida, como os alimentares, e a incidência de doenças degenerativas e mortalidade por doenças cardiovascula- res. Como publicado em 1979 por Levy(1) a partir de da- dos colhidos em vinte países, a correlação entre mortali- dade por doença arterial coronariana e ingestão de calo- rias provenientes de diversos tipos de alimentos mostrou- se fortemente positiva quando tais calorias eram extraí- das preferentemente de alimentos como manteiga (0,546), ovos (0,592), carne bovina e de aves (0,501), e açúcar (0,676), e negativa quando proveniente de grãos, frutas, verduras e legumes (-0,633). Ou seja, na medida em que se aumentou a porcentagem de calorias extraídas de ali- mentos vegetais, diminuiu o índice de mortalidade por doença coronariana, tendo por base dados colhidos em vinte países. Resultados de diversos estudos realizados, como “Se- ven Countries”, “Eighteen Countries”, “Twenty Countries”, “Fourty Countries” e “Ni-Hon-San Studies”, demonstra- ram que as populações com altas ingestões de gordura total, gordura saturada, colesterol e açúcar na dieta tive- ram crescentes índices de mortalidade por doença cardi- ovascular,assim como alta prevalência de obesidade, hi- percolesterolemia e diabetes melito. O inverso também se mostrou verdadeiro. No Brasil, entendendo o problema que hábitos de vida inadequados produzem em termos de morbidade e mor- talidade, e acompanhando a orientação do 3o NCEP–AT- PIII(2), a Sociedade Brasileira de Cardiologia, por meio do Departamento de Aterosclerose, conforme publicado no Consenso Brasileiro Sobre Dislipidemias e Diretriz de Prevenção da Aterosclerose(3), reconhece o importante papel da modificação do estilo de vida como medida fun- damental na prevenção e no tratamento das dislipidemi- as, da aterosclerose e das doenças arteriais obstrutivas, recomendando empenho para que se consiga o estabe- lecimento de hábitos de vida mais adequados à saúde. São reconhecidos como fatores de risco para ateros- clerose arterial e doença arterial obstrutiva: 1) dislipide- mia; 2) diabetes melito; 3) tabagismo; 4) hipertensão ar- terial sistêmica; 5) idade > 45 anos para homens e > 55 anos para mulheres; e 6) antecedente de aterosclerose em parente de primeiro grau, < 55 anos para homens e < 65 anos para mulheres. Tal definição é homologada pelas Diretrizes Brasileiras Sobre Dislipidemias e Diretriz de Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Ate- rosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia, em sua terceira edição(3). São também reconhecidos como marcadores de risco condições como: alterações dos fa- tores da coagulação, aumento do fibrinogênio plasmáti- co, aumento do nível plasmático de proteína C-reativa ultra-sensível, sedentarismo e obesidade. Dentre os seis fatores de risco patentes, quatro deles estão relacionados com a forma de viver (estilo de vida) da sociedade. Podem ser deflagrados, mantidos ou mes- mo agravados pelas atitudes tomadas pelo ser humano e seu “modus vivendi”. Assim, hábitos como o de fumar e o de ingerir sal excessivamente, alimentos industrializados ou excesso de carboidratos e/ou gorduras podem acen- tuar tendências individuais de instalação e progressão da aterosclerose arterial, a qual é reconhecida, desde há muito tempo, como fator primordial no desenvolvimento da maior parte das doenças arteriais obstrutivas e, con- seqüentemente, a maior responsável pela mortalidade das sociedades ocidentais(4-6). Dados disponíveis de longa data vêm demonstrando, claramente, o papel dos hábitos de vida na gênese de doença aterosclerótica e sua potencial evitabilidade: (1) indivíduos mesmo intensamente tabagistas ao abolirem esse hábito têm reduzido à metade seu risco de enfren- tar eventos coronarianos, quando comparados àqueles que não o fizeram(7-9); (2) para cada aumento de 10 mg/dl no colesterol total no sangue ocorre aumento de 9% na mortalidade cardiovascular e de 5% na mortalidade ge- ral(4, 5) ou, ainda, a mortalidade por doença arterial coro- nariana foi quase quatro vezes maior nos indivíduos em que o colesterol total foi de 264 mg/dl, quando compara- dos àqueles que mantinham o nível em até 182 mg/dl(10); (3) a diminuição de 6 mmHg na pressão arterial foi acom- panhada de redução do risco de acidente vascular ence- fálico e eventos coronarianos em 42% e 24%, respectiva- mente, estando ambas as condições fortemente ligadas à aterosclerose arterial(11-14); e, finalmente, (4) mais recen- temente tem ficado claro o papel do diabetes na produ- ção e na progressão da aterosclerose, bem como da per- 498 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 MARTINEZ TLR e cols. Tratamento não- farmacológico das dislipidemias: o que os estudos ensinaram? turbação no metabolismo da glicose denominada re- sistência à insulina ou into- lerância à glicose(5, 15), de- monstrando, claramente, o papel dos hábitos de vida na gênese de doença ate- rosclerótica e sua potencial evitabilidade. A obesidade, especial- mente em sua forma abdo- minal ou visceral, mantém estreita relação com três dos quatro fatores menciona- dos acima, a saber: dislipidemia, hipertensão arterial e diabetes(8). Apesar de não ser reconhecida como fator de risco (agente causal) e sim como marcador de risco (as- sociado com maior risco, mas sem causalidade estabele- cida), a obesidade, por sua relação com os fatores que têm causalidade bem estabelecida, desempenha impor- tante papel na gênese, manutenção e progressão da ate- rosclerose e suas conseqüências(16). O aumento de peso tem sido considerado um proble- ma de saúde pública em todo o mundo, não isentando países ricos nem aqueles considerados “em desenvolvi- mento”, como o Brasil. Nos Estados Unidos, na década de 1960, a prevalência de obesidade era de 24%, ao passo que na década de 1990 essa prevalência saltou para 35%. No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam preva- lência de 32% para sobrepeso e de 8% para obesida- de(17-19). Segundo observações e recomendações do Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue dos Estados Unidos, apresentam risco aumentado para doenças car- diovasculares todas as pessoas que têm índice de mas- sa corporal > 25 kg/m2 (peso, em quilogramas, dividido pelo quadrado da altura, em metros)(5). A taxa de mortali- dade tem aumento exponencial à medida que o índice de massa corporal ultrapassa 30(19), ponto que delimita as condições do sobrepeso e obesidade. Destaca-se como qualificador da concentração de peso e/ou gordura a sim- ples medida da circunferência abdominal. Essa medida indica risco aumentado para hipertensão arterial, diabe- tes melito, dislipidemia e doença cardiovascular em ho- mens quando > 94 cm e em mulheres, quando > 80 cm. Mais recentemente tem sido reconhecida a conjun- ção de múltiplas condições que conferem maior risco de aterosclerose e doenças arteriais obstrutivas, cuja deno- minação mais aceita é a de síndrome metabólica, tendo no passado recente várias denominações, de acordo com os autores que a descreveram: síndrome plurimetabólica (Crepaldi), síndrome X (Reaven), síndrome de resistên- cia à insulina (De Fronzo e Haffner), e quarteto mortal (Kaplan). Um indivíduo é reconhecido como portador de síndrome metabólica quando apresenta, além da circun- ferência abdominal aumentada, mais dois dos fatores re- lacionados, a saber: 1) triglicérides > 150 mg/dl; 2) coles- terol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) < 40 mg/dl para o sexo masculino) e HDL-colesterol < 50 mg/dl para o sexo feminino; 3) hipertensão; e 4) glicemia de jejum > 100 mg/dl, segundo critérios da “International Diabetes Federation”(19). A literatura tem apresentado tentativas bem-sucedi- das de modificação do estilo de vida alterando positiva- mente a história natural de doenças, bem como evitando o surgimento de outras. Publicações recentes demons- tram claramente os benefícios das intervenções no estilo de vida em diversas populações e em ambientes os mais variados. Knowler e colaboradores(20) publicaram, em 2002, os resultados de ensaio clínico no qual 3.234 indivíduos com alteração nas glicemias de jejum e pós-prandial, mas não diabéticos, portando sobrepeso ou obesidade, foram ran- domizados para as seguintes intervenções: uso de pla- cebo e intervenção leve no estilo de vida; uso de metfor- mina e as mesmas alterações no estilo de vida; e um terceiro grupo em que foi estabelecido apenas intenso programa de intervenção no estilo de vida. Os resultados alcançados, após dois anos e dez meses, em média, de- monstraram incidência de diabetes estabelecida de 11%, 7,8% e 4,8%, respectivamente, para os grupos placebo, uso de metformina, e intervenção no estilo de vida. Para prevenir um caso de diabetes melito tiveram que ser tra- tados intensivamente quanto aos hábitos de vida 6,9 pes- soas, e usando metformina, 13,9 pessoas. A incidência de diabetes foi 58% menor no grupo de intensa modifica- ção e 31% menor no grupo usando metformina, quando comparados ao grupo placebo. Finalmente, a incidênciade diabetes foi 39% menor no grupo de intervenção no estilo de vida que no grupo do metformina. Os dados relatados são consoantes com outros ante- riormente apresentados em ensaios semelhantes, reali- zados na China(21) e na Finlândia(22). Stampfer e colabora- dores(23) relataram resultados do acompanhamento de aproximadamente 84 mil mulheres, a partir de 1980 até 1992, nas quais houve clara relação entre modificações de estilo de vida e diminuição ou aumento de doença coronariana, dependendo do teor das modificações. A sus- pensão do tabagismo explicou diminuição de 13%, a melhora da qualidade da dieta provocou diminuição de 16%, enquanto o aumento do índice de massa corporal para além de 25 kg/m2, que ocorrera em 38% das partici- pantes, incrementou em 8% a incidência da doença. Verificou-se, também, que 82% dos eventos coronari- anos ocorridos no período relatado, que somaram 1.128 casos, estiveram relacionados à não-aderência ao pro- grama de estilo de vida preconizado, que consistia de utilização de dieta rica em fibras de cereais, ácidos gra- xos ômega-3, folato, prevalência de ácidos graxos poliin- saturados sobre os saturados, prática regular de exercí- cio por no mínimo trinta a sessenta minutos por dia, e Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 499 MARTINEZ TLR e cols. Tratamento não- farmacológico das dislipidemias: o que os estudos ensinaram? abstenção de tabagismo. Estudo de intervenção em estilo de vida realizado na Finlândia por Tuomilehto e colaboradores(22), envol- vendo 522 indivíduos por- tadores de obesidade e dis- túrbio do metabolismo da glicose (intolerância à glico- se), foi eficiente em evitar a instalação de diabetes me- lito no grupo randomizado para intervenção: ao final de quatro anos de acompanha- mento a incidência de diabetes era de 11% nesse grupo e de 23% no grupo controle. Houve diminuição de 58% no risco de desenvolvimento de diabetes melito e inci- dência 63% menor da doença. Em artigo de revisão, Kromhout e colaboradores(24) analisaram estudos transculturais, como “The Seven Countries Study”(25), WHO-MONICA(26) e outros de obser- vação prospectiva (coorte) e de intervenção, como o “Fra- mingham Heart Study”. Citam mais três importantes es- tudos prospectivos de coorte: MRFIT (“Multiple Risk Fac- tor Intervention Trial”), CHA (“Chicago Heart Association Detection Project in Industry”)(27) e “Nurses Health Stu- dy”(23). Em todos eles há evidências claras de relação po- sitiva entre estilo de vida adequado e menor incidência de doença aterosclerótica coronariana. Todavia, desta- cam a importância de serem realizados estudos mais bem controlados e com objetivos de avaliação bem definidos. Em ensaio clínico controlado(28), realizado em Oslo com 1.232 homens com idade entre 40 e 49 anos, 80% deles tabagistas, hipercolesterolêmicos e com pressão arterial sistólica < 150 mmHg, randomizados para grupo controle e de aconselhamento dietético e antitabágico apenas, fi- cou clara a diferença de 47% para menor da soma de todos os infartos, fatais e não-fatais, e morte súbita. Outra revisão envolvendo cinco estudos de interven- ção e prevenções primária e secundária demonstrou que a diminuição média de 13% nos níveis de colesterol plas- mático foi acompanhada da redução de 30% nos eventos coronarianos maiores e de 11% na mortalidade por to- das as causas(30). Num seguimento de 46 meses, o “Lyon Diet Heart Stu- dy”(30) captou diminuição de mortalidade por infarto do miocárdio e por todas as causas em 65% e 56%, respec- tivamente. Nessa intervenção foi utilizada dieta tipicamente mediterrânea enriquecida com ácido graxo alfa-linolêni- co(31). Dois outros estudos avaliando os resultados produzi- dos pela adesão a dietas típicas locais foram publicados e demonstraram claramente benefícios obtidos como pre- venções primária e secundária para doenças vascula- res.(32) Singh e colaboradores(33) publicaram os resultados de estudo de prevenção secundária na Índia, que acompa- nhou 1.000 participantes randomizados para dieta nor- mal naquela região da Ásia, isto é, basicamente vegetari- ana e comparável à fase I da dieta preconizada pelo “Na- tional Cholesterol Education Program”, e grupo de inter- venção, o qual ingeriu mais verduras, legumes, frutas, castanhas e grãos integrais, em pouco mais que o dobro, sendo o aporte do ácido graxo alfa-linolênico o dobro no grupo de intervenção, quando comparado ao grupo con- trole. O total de eventos cardíacos, no período de dois anos, foi menor no grupo de intervenção que no grupo controle que recebeu a dieta indo-mediterrânea (39 vs. 78 eventos); a morte súbita também apresentou a mes- ma tendência (6 vs. 16), bem como infarto do miocárdio (21 vs. 43). A dieta típica do Mediterrâneo foi colocada à prova na Grécia em estudo prospectivo(34), abrangendo 22.043 in- divíduos adultos, tendo havido acompanhamento por 44 meses em média. Alto grau de aderência à dieta preconi- zada mostrou índice de relação inversa com mortalidade por doença cardiovascular, à razão de 0,67, e inclusive mortalidade por câncer, à razão de 0,76. O estudo “Dietary Approaches to Stop Hypertension” (DASH)(35) mostrou ser possível obter diminuições signifi- cativas da pressão arterial com intervenção dietética, equivalentes àquelas obtidas em ensaios clínicos que utilizam drogas e presumivelmente nas conseqüências nefastas da hipertensão arterial. A suspensão do tabagismo em 36% de pacientes car- diopatas, por doença arterial coronariana(32), leva à redu- ção de 30% na mortalidade cardiovascular. Recentemente, Espósito e colaboradores(36) publica- ram os resultados de estudo randomizado em que o gru- po de intervenção foi instruído a manter dieta típica do Mediterrâneo, enquanto o grupo controle permaneceu em dieta que chamaram de prudente, durante aproximada- mente dois anos. O grupo de intervenção teve ao final do estudo menor incidência de síndrome metabólica e me- lhora considerável de índices que apontam risco cardio- vascular, comparado ao grupo controle. Finalmente, Ornish e colaboradores(37) demonstraram que, após cinco anos de acompanhamento, um grupo submetido a programa intensivo de modificação no estilo de vida apresentou melhora do diâmetro de estenose arterial coronariana prévia em 7,9%, enquanto no grupo controle houve acentuação da estenose em 27,7%. O índice de risco para eventos coronarianos no grupo con- trole, em face do grupo experimental, foi de 2,47%. Nes- te, a intervenção consistiu de dieta estritamente vegetari- ana, com 10% da energia proveniente de gorduras, exer- cícios aeróbicos regulares e freqüentes, treinamento para manejo do estresse, suspensão do tabagismo e suporte social. Embora haja farta documentação científica compro- vando que a adoção de estilo de vida cuidadoso para 500 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 MARTINEZ TLR e cols. Tratamento não- farmacológico das dislipidemias: o que os estudos ensinaram? com a saúde, individual e social, produz efeitos muito positivos, diminuindo a mor- bidade e a mortalidade por doenças cardiovasculares, e até mesmo geral, a ques- tão de se implantar novos e bons hábitos permanece como um grande desafio. A adoção de padrões dietéti- cos sugeridos ou aconse- lhados nem sempre é con- seguida(31). A prática de movimento regular ou mesmo de exercícios orientados, ainda que desejado pela socieda- de, é muito dificultada pelos confortos da modernidade; o alto consumo de alimentos industrializados é cada vez mais estimulado; e o tabagismo, se bem que condenado em nossos dias, continua tendo larga utilização, especi- almente entre jovens. Não obstante, como sociedade de consumo, haja uma busca pelo padrão magro, a imagem de beleza e vitalidade, produz-se cada vez mais obesida- de, tendo as prevalênciasdessa condição, e de sobrepe- so, quase dobrado na maioria dos países industrializa- dos e também naqueles “em desenvolvimento”, nos últi- mos vinte anos. Todavia, modificações ainda que peque- nas no comportamento podem proporcionar grandes be- nefícios, como ocorre em obesos nos quais a perda de 5% do peso corporal mostra melhora do risco vascular e desordens coexistentes(39). Em nosso país, tendo em vista a grande necessidade de abordagens que orientem e apóiem indivíduos e a sociedade na adoção de estilos de vida que modifiquem as tendências atuais de deterioração da saúde, especial- mente no sistema cardiovascular, os trabalhos de Mora- es(40, 41) demonstraram como a ação aguda na modifica- ção de estilo de vida pôde influenciar metabólica e clini- camente os indivíduos submetidos a ela. Com essa fina- lidade, o autor selecionou 279 indivíduos que foram colo- cados em programa de hábitos dirigidos e controlados, a saber: – dieta ovo-lacto-vegetariana, com leite desnatado e oferta de gema de ovo dentro das normas nutricionais de menos de 200 mg/dia de colesterol, exercícios físicos diários, predominando os aeróbicos, e gasto calórico médio de 400 Kcal/dia a 800 Kcal/dia; – horário de dormir e repousar bem estabelecidos, tendo as 21h30 como limite para a vigília e estimulando-se a prática de sesta vespertina; horário de despertar bem estabelecido e precoce, estimulando o despertar para as 6h00 ou, no máximo, 7h30; horários de refeições estabelecidos e cumpridos, sendo o desjejum servido às 8h00, o almoço às 12h00, o lanche às 15h30 e o jantar às 18h00; aplicação de terapias corporais, como hidro e fisioterapia; – estímulo à convivência social por meio de encontros, grupos de discussão, colóquios informativos e ativida- des lúdicas; estímulo ao exercício da espiritualidade com a realização de meditação semanal, na profissão de fé de cada um, com orientação para busca indivi- dual do resgate da dimensão espiritual. Os pacientes que se submeteram a esse programa foram acompanhados por equipe multidisciplinar compos- ta por médicos, nutricionista, fisioterapeuta, educadores físicos e especialistas em aconselhamento. A “imersão” nesse estilo de vida ocorreu no período mínimo de dez dias, sendo indicado como ideal o período de três semanas. Após os períodos de intervenção, os pacientes rece- beram recomendação formal de como adicionar compor- tamentos que substituam aqueles identificados como in- desejáveis. Durante o tratamento, em que a experiência vivencia- da foi avaliada como positiva, restauradora e recupera- dora, os indivíduos receberam informações que comple- mentaram um ciclo pedagógico e o aprendizado pelo bi- nômio experiência vivencial e sedimentação conceitual. Foram avaliados parâmetros clínicos e laboratoriais. Os 279 pacientes permaneceram em tratamento por tempo igual ou maior que 10 dias (média de 14,27 dias). Foram realizadas dosagens bioquímicas (colesterol total e suas frações HDL-colesterol e LDL-colesterol, triglicéri- des e ácido úrico) e coletados dados antropométricos. Foram identificados os indivíduos classificados como por- tadores da síndrome metabólica e observada a evolução dessa condição ao longo do período. Os parâmetros bioquímicos colesterol total, HDL-co- lesterol, triglicérides, glicemia e ácido úrico foram deter- minados por métodos enzimáticos. A fração LDL-coleste- rol foi determinada pela fórmula de Friedewald. O sangue foi colhido em jejum, na manhã do primeiro dia da inter- venção e no último dia de observação. Os resultados ob- tidos dos parâmetros bioquímicos e da evolução da sín- drome metabólica, na entrada (1) e na saída (2), tratados estatisticamente, estão apresentados nas Tabelas 1 a 7. Todos os parâmetros estudados tiveram significância estatística quanto ao estudo evolutivo (p < 0,001), ou seja, do momento inicial para o final. De acordo com os dados estatísticos demonstrados, os índices bioquímicos estu- dados apresentaram alterações favoráveis. A glicemia plasmática teve decréscimo significativo (Tab. 1). Os índi- ces que expressam o metabolismo dos lipídeos, a saber o colesterol total, o LDL-colesterol e os triglicérides, apre- sentaram evolução favorável e estatisticamente significan- te (Tabs. 2, 3 e 4). O HDL-colesterol apresentou incre- mento significativo (Tab. 5). Observou-se, ainda, nos indi- víduos que permaneceram em tratamento num período maior que dez dias, a presença de síndrome metabólica (Tab. 7). Havia 84 pacientes nessa condição inicialmente, e após o período de tratamento constatou-se a manuten- ção do dismetabolismo em apenas 54 (64% do número Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 501 MARTINEZ TLR e cols. Tratamento não- farmacológico das dislipidemias: o que os estudos ensinaram? total de portadores), haven- do melhora da alteração em 30 indivíduos (36% do nú- mero total de portadores). Os autores concluem, nesses estudos, que os pa- cientes submetidos a inter- Tabela 1. Resultados da glicose plasmática. Desvio Variável Média padrão Mínimo Máximo GLIC_1 90,53 23,09 61,00 258,00 GLIC_2 85,37 18,25 55,00 194,00 * Variável analisada com transformação log. Houve decréscimo de forma significativa ao longo das avaliações (p < 0,001) Tabela 2. Resultados do colesterol plasmático. Desvio Variável Média padrão Mínimo Máximo COL_1 227,34 43,88 120,00 369,00 COL_2 206,08 38,82 107,00 321,00 * Variável analisada com transformação log. Foi observado, por meio das médias, decréscimo de 9,35% dos níveis de colesterol. Tabela 3. Resultados da fração LDL-colesterol plasmática. Desvio Variável Média padrão Mínimo Máximo LDL1 144,12200 43,94265 21,80000 274,40000 LDL2 126,46133 38,81837 32,40000 229,40000 Foi observado decréscimo significativo do LDL-colesterol (p < 0,001). Tabela 4. Resultados dos triglicerídeos plasmáticos. Desvio Variável Média padrão Mínimo Máximo TRIG_1 168,83 79,33 67,00 739,00 TRIG_2 139,53 87,96 60,00 1.326,00 * Variável analisada com transformação log. Foi observado, por meio das médias, decréscimo de 17,35% dos níveis de triglice- rídeos. venção aguda no estilo e vida, independentemente do escore de Framingham(3), de acordo com o método pro- posto, apresentaram melhora dos parâmetros metabóli- cos estudados. Os níveis de colesterol total ficaram próxi- mos ao nível ótimo, os de LDL-colesterol situaram-se na categoria desejável, e dos triglicérides dentro do padrão ótimo. Houve evolução clínico-metabólica desejável, 502 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 MARTINEZ TLR e cols. Tratamento não- farmacológico das dislipidemias: o que os estudos ensinaram? Tabela 5. Resultados da fração HDL-colesterol. Desvio Variável Média padrão Mínimo Máximo COL_HDL1 50,41 7,88 29,00 84,00 COL_HDL2 52,46 8,32 5,00 82,00 * Variável analisada com transformação log. Foi observado decréscimo significativo do HDL-colesterol (p < 0,001). Tabela 6. Resultados do ácido úrico. Desvio Variável Média padrão Mínimo Máximo AC_UR1 5,52 1,35 2,60 9,50 AC_UR2 5,07 1,28 2,30 8,30 * Variável analisada com transformação log. Foi observado decréscimo de 8,15% dos níveis de ácido úrico. Tabela 7. Evolução da síndrome metabólica. Antes Depois Total Não portadores (%) 195 (69,9%) 30 (10,7%) 225 (80,6%) Portadores (%) 84 (30,1%) 54 (19,3) TOTAL 279 (N) Por meio do teste não-paramétrico de McNemar, observou-se que essa alteração do momento antes para o momento depois é significante (p < 0,001). promovendo indivíduos da condição de portadores à de não-portadores da síndrome metabólica, modifica- ções estas que certamente diminuem o risco de fenô- menos ateroscleróticos e de doença arterial ateroscle- rótica. Tais modificações apontam para o modelo apre- sentado como uma alternativa válida, eficientee moti- vadora para médio e longo prazos, em promover me- lhor qualidade de saúde e melhor estilo de vida. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 503 MARTINEZ TLR e cols. Tratamento não- farmacológico das dislipidemias: o que os estudos ensinaram? NON PHARMACOLOGICAL DYSLIPIDEMIAS TREATMENT: WHAT DID WE LEARN FROM CLINICAL STUDIES? TANIA LEME DA ROCHA MARTINEZ, HELENA MARIA DO NASCIMENTO, CARLOS ALBERTO ALMEIDA DE MORAES This article shows an overview on the non pharmacological dyslipidemias treat- ment and what we have learnt from international and Brazilian clinical studies. This intervention changed the life style of 279 patients submitted to diet, exercises, no smoking and anti stress measures in about 14 days: the biochemical profiles de- monstrated improvement in all of them and a decrease of 36% on the prevalence of metabolic syndrome (acute: fourteen days intervention). All these data point to the importance of life style modifications as a tool for reducing cardiovascular risks. Key words: cholesterol, dyslipidemia, life style, treatment. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:496-505) RSCESP (72594)-1573 REFERÊNCIAS 1. Disponível em <http://www.thefutureforum.comslidlib/ slides/mediapath/new%20thoughts%20on% 20lifes- tyle> Acesso em: 18/08/04. 2. 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Tratamento não- farmacológico das dislipidemias: o que os estudos ensinaram? nografia de Mestrado] Pós Graduação Latu Sensu em Distúrbios Metabólicos e Ris- co Cardiovascular no Centro de Extensão Universitária – CEU, 2005. 41. Moraes CAA, Salgado Filho W, Martinez TLR, Ra- mires JAF. Intervenção aguda de dieta hipocalórica e vegetariana acrescida de atividade física aeróbi- ca e medidas antiestresse sobre parâmetros clíni- cos e laboratoriais de risco para doença arterial coronariana. Atheros. 2001;12(3):100-12. 506 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes FÁRMACOS HIPOLIPEMIANTES O tratamento farmacológico das dislipidemias, em particular da hipercolesterolemia, reveste-se de gran- de relevância, não só pela possibilidade de regressão e/ou estabilização de placas ateroscleróticas, como também pela possibilidade da diminuição da morbida- de e da mortalidade dependentes de comprometimen- to aterosclerótico. O advento de novos fármacos tem, nesse sentido, propiciado controle prolongado e relati- vamente seguro de indivíduos dislipidêmicos, especi- almente os hipercolesterolêmicos. Este artigo aborda aspectos terapêuticos dos fár- macos, atualmente indicados na prática clínica, com ação predominante na hipercolesterolemia e na hiper- trigliceridemia e em desenvolvimento, chamando a aten- ção para aqueles capazes de elevar os níveis da lipo- proteína de alta densidade (HDL-colesterol). FÁRMACOS HIPOLIPEMIANTES NEUSA FORTI, JAYME DIAMENT Disciplina de Cardiologia – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP A importância do tratamento das dislipidemias na prevenção da doença ateros- clerótica é sobejamente reconhecida. Neste artigo são abordados aspectos farma- cológicos e terapêuticos de medicamentos, em uso habitual, com ação predominan- te na hipercolesterolemia e na hipertrigliceridemia. Ao final, são apresentados os medicamentos em desenvolvimento, incluindo aqueles capazes de elevar a fração HDL-colesterol. Para a escolha do hipolipemiante, devem ser considerados: o diagnóstico preci- so da dislipidemia (primária e secundária), possível interação com outros fármacos, idade, fases pré e pós-menopausal, co-morbidades, presença de alteração hepática ou renal, etilismo, e disponibilidade em farmácias institucionais. Quanto à associa- ção de hipolipemiantes com diferentes mecanismos de ação, além de adequar as doses, exige-se maior atenção aos efeitos adversos (clínicos e/ou laboratoriais). Palavras-chave: hipolipemiantes, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, HDL- colesterol, dislipidemia. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:506-16) RSCESP (72594)-1574 FÁRMACOS COM AÇÃO PREDOMINANTE NA HIPERCOLESTEROLEMIA Incluem medicamentos que agem na síntese intra- celular do colesterol (vastatinas), inibidores específi- cos de sua absorção (ezetimiba) e bloqueadores do ciclo êntero-hepático (resinas seqüestradoras de áci- dos biliares). Fármacos que agem na síntese celular do colesterol – vastatinas São substâncias capazes de diminuir a síntese in- tracelular do colesterol, por competir com a hidroxi- metil-glutaril-coenzima A (HMG-CoA) pela HMG-CoA redutase (HMG-CoA R), inibindo parcialmente a ação desta última. Essa inibição parcial assegura a forma- ção do colesterol necessário para o equilíbrio da mem- brana celular, síntese de hormônios esteróides e de Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 507 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes vitamina D. Inicialmente fo- ram isoladas a partir de cultura de fungos (a me- vastatina, do Penicillium ci- trinum; a lovastatina, do Aspergillus terreus; a pra- vastatina, da Nocardia au- trophica). A sinvastatina desenvolveu-se a partir de modificações estruturais da lovastatina. Surgiram posteriormente a fluvasta- tina, a atorvastatina, a cerivastatina (retirada do mer- cado), a rosuvastatina e a pitavastatina. Apresentadas como lactonas, a lovastatina e a sinvastatina inibem a HMG-CoA R somente após hidrólise no fígado e, por isso, são consideradas pró-drogas; as demais, consi- deradas fármacos ativos, apresentam-se na forma hi- droxiácida e não necessitam daquela transformação. A absorção é intestinal, a metabolização se proces- sa no fígado e a excreção é por via intestinal (a maior parte) e por via renal. Diferem em relação ao porcentu- al de absorção, ao efeito da alimentação sobre o apro- veitamento sistêmico, à ligação com as proteínas plas- máticas, à extração hepática e à meia-vida plasmática (Tab. 1).(1, 2) Todas as vastatinas são metabolizadas, em maior ou menor grau, no citocromo P 450 (CYP P 450), por meio de diferentes sistemas enzimáticos: 1) a atorvas- tatina, a lovastatina e a sinvastatina sofrem ação do 3A4; 2) a fluvastatina, do 2C9, do 2D6 e do 3A; 3) a rosuvastatina usa o 2C9 e o 2C19. A pravastatina utili- za pouco o P 450, sendo metabolizada preferencial- mente por sulfatação (Tab. 1). O emprego concomitan- te de outros medicamentos que dependem dos mes- mos sistemas enzimáticos, ou que são capazes de ini- bir a ação destes, pode ocasionar elevação dos níveis séricos das vastatinas, aumentando o risco de efeitos indesejáveis. Por outro lado, medicamentos que aumen- tam a atividade enzimática levam à diminuição dos ní- veis circulantes das vastatinas, diminuindo a eficácia destas últimas (Tab. 2).(3, 4) Diminuição da ação também ocorre pela interação com: 1) resinas seqüestradoras de ácidos biliares, que acarretam menor absorção das vastatinas quando ad- ministradas de modo concomitante; 2) cimetidina e ou- tros inibidores H2, também pela diminuição da absor- ção; 3) bloqueadores beta-adrenérgicos, pelo retardo do fluxo hepático e aumento da excreção hepática. Aumento do tempo de protrombina e possibilidade de sangramento podem ser facilitados pela interação da sinvastatina e da lovastatina com varfarina, talvez em decorrência da para-hidroxilação desta no fígado. Essas vastatinas também podem ocasionar elevação da digoxinemia, por provável alteração na proteína de transporte. Além de inibir parcialmente a HMG-CoA R, diminu- indo a síntese intracelular do colesterol, as vastatinas Tabela 1. Vastatinas: aspectos farmacocinéticos. Lovas- Sinvas- Pravas- Fluvas- Atorvas- Rosuvas- Propriedade tatina tatina tatina tatina tatina tatina Pró-fármaco Sim Sim Não Não Não Não Efeito do alimento + 50% Despre- - 30% - 15% - 13% Não zível Fração absorvida (%) 30 60 a 85 35 98 30 Moderadamente rápida T max (horas) 2 a 4 1,3 a 0,9 a 0,5 a 2 a 5 2,4 1,6 1,5 3 Biodisponibilidade (F%) < 5 < 5 18 10 a 35 12 n.d. Meia-vida (horas) 2,9 2 a 3 1,3 a0,5 a 15 a 20 2,8 2,3 30 Ligação à proteína (%) > 95 95 55 a 98 98 n.d. 60 Hidro/lipofílica Lipo Lipo Hidro Hidro Lipo Hidro Metabólito sistêmico Ativo Ativo Inativo Inativo Ativo Inativo Metabolização CYP CYP Sulfa- CYP CYP CYP 2C9, 3A4 3A4 tação 2C9 2A4 CYP 2C19 Eliminação hepática (%) 70 < 87 71 95 98 n.d. Excreção (forma ativa) - Renal (%) 10 13 20 6 Despre- 10 zível - Fecal (%) 83 58 71 90 Predo- 90 minante n.d. = não disponível. 508 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes aumentam o número de receptores (receptores B- E) das lipoproteínas de baixa densidade (LDL), principalmente no fígado, provocando, assim, maior depuração dessas partícu- las e conseqüente declínio de seus níveis plasmáti- cos. Adicionalmente, inter- Tabela 2. Medicamentos que interagem com os sistemas enzimáticos do citocromo P 450. Sistema enzimático Metabolização Indução Inibição CYP 3A4 Antagonistas do cálcio Fenilbutazona Cimetidina Losartan Rifampicina Quinidina Quinidina, amiodarona Barbituratos Eritromicina Digitoxina Fenitoína Triacetoolean- domicina Lovastatina, sinvastatina, Carbomazepina Cetoconazol atorvastatina, cerivastatina Ciclosporina, rapamicina Itraconazol Midozalam, triazolam, Miconazol diazepam Etinilestradiol Propaxifeno Eritro, claritro, roxitromicina Tanoxifen, R warfarin Terfanadina, astemizol, loratadina Cisapride Indinavir, retonavir, saquinavir Carbomazepine Omeprazol, lanzoprazol CYP 2C9 Diclofenaco Rifampicina Sulfafenazol Fenitoína Piroxican, tenoxican Tolbutamida S warfarin Fluvastatina ferem na secreção das lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), de densidade intermediária (IDL) e de apo B, interferências que também contribuem para a redução de LDL circulantes. A menor produção de VLDL e a maior captura pelas células hepáticas de re- manescentes de VLDL (receptores B-E) são respon- sáveis pela diminuição da trigliceridemia. As vastati- nas induzem elevações discretas de HDL, provavelmen- te por diminuir a atividade da proteína de transferência do colesterol-éster (CETP) e por aumentar a síntese de apolipoproteína AI. Não estimulam a remoção dos quilomícrons e praticamente não agem sobre os níveis plasmáticos de Lp (a).(5) Paralelamente à ação no perfil lipídico, as vastati- nas possuem outros efeitos, conhecidos como pleio- trópicos: 1) aumento da atividade da óxido nítrico (NO) sintase, NO e inibição da endotelina, melhorando a fun- ção endotelial; 2) antioxidante de LDL e de HDL; 3) diminuição dos valores da proteína C-reativa, provo- cando efeito antiinflamatório; 4) inibição da migração e proliferação das células musculares lisas e da forma- ção das células espumosas; 5) diminuição do fator te- cidual e da agregação plaquetária; 6) estabilização da placa aterosclerótica; 7) menor formação de osteoclas- tos e estimulação da formação de osteoblastos (efeito antiosteoporótico); e 8) modulação da função imune (em alguns animais). Esses efeitos são variáveis e não são comuns a todas as vastatinas, necessitando de com- provação mais ampla.(6) Na prática, em doses habituais, as vastatinas redu- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 509 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes zem os valores do colesterol total (de 15% a 60%), do LDL-colesterol (20% a 60%) e dos triglicérides (10% a 20%) e aumentam os de HDL-colesterol (5% a 10%). Essas variações diferem para cada fármaco e são dose- dependentes, verificam-se a partir de 15 dias de uso, estabilizam-se a partir dos 30 dias e mantêm-se com o uso contínuo (Tab. 3). Se ocorrer interrupção do trata- mento, as taxas lipídicas se modificam e tendem a re- tornar às anteriores em cerca de 30 dias. Se necessá- rio, ajuste de dose pode ser feito mensalmente, obser- vando-se elevações de 6% a 8% na redução de LDL- colesterol quando dobrada. São administradas à noite e, nas doses habituais, de uma só vez. Na Tabela 4 estão as apresentações e as doses utilizadas na clíni- ca.(1, 2) As vastatinas são indicadas para o tratamento da hipercolesterolemia comum, da hipercolesterolemia fa- miliar (forma heterozigótica ou combinada familiar) da hiperlipidemia mista, das dislipidemias secundárias (em particular, do diabetes melito, da síndrome nefrótica e do hipotireoidismo). Reduções discretas de colesterol total e de LDL-colesterol são observadas na hiperco- lesterolemia familiar homozigótica. São eficazes em homens e mulheres, jovens e ido- sos, crianças e adolescentes. Entretanto, não devem ser indicadas para gestantes ou mulheres com pos- sibilidade de engravidar ou em fase de aleitamento. Doses inferiores às habituais são capazes de atingir o objetivo em idosos. A administração de vastatina em crianças e adolescentes é restrita aos casos de hipercolesterolemia de origem genética. Também são eficazes após procedimentos de revascularização, renais submetidos ou não a transplante, pós-trans- plante cardíaco e na fase aguda de infarto do mio- cárdio.(7-9) A tolerância às vastatinas é boa. Náuseas, flatu- lência, obstipação intestinal, cefaléia, prurido e do- res musculares podem surgir, e raramente aparecem erupções cutâneas, púrpura trombocitopênica e ic- terícia. Elevações transitórias das transaminases oxa- lo-acética (TGO) e glutâmico-pirúvica (TGP) e da cre- atinofosfoquinase (CPK) podem ocorrer; somente quando essas elevações alcançam valores respecti- vamente superiores a 3 ou 10 vezes os iniciais o Tabela 3. Modificações das variáveis lipídicas induzidas pelo uso de vastatinas em diferentes doses. Modificações em Dose diária variáveis lipídicas (%) Vastatina (mg) ↓ LDL-c ↓ HDL-c ↓ TG Lovastatina 20 24 7 120 40 34 9 16 80 40 10 19 Sinvastatina 10 28 5 4 20 35 5 11 40 40 12 19 Pravastatina 10 19 12 9 20 25 16 13 40 27 16 15 Fluvastatina 20 21 2 7 40 25 8 10 80 34 4 12 Atorvastatina 10 39 6 19 20 43 9 26 40 50 6 29 80 60 5 37 Rosuvastatina 10 51 14 10 20 57 10 23 40 63 10 28 80 65 13 23 LDL-c = colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade; HDL-c = colesterol ligado à lipoproteína de alta densidade; TG = triglicérides. 510 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes medicamento deve ser suspenso. As modifica- ções das enzimas hepáti- cas não dependem de al- teração celular hepática anterior, uso de bebidas alcoólicas e colestase, mas podem ser favoreci- das nessas condições.(1, 2) Recomenda-se sua de- Tabela 4. Vastatinas: apresentação, posologia e horário preferencial de administração. Horário Dose recomendada_____ preferencial de Vastatina Apresentação Habitual Máxima administração Lovastatina Comprimidos 20 mg 20 mg-40 mg 80 mg Após o jantar Sinvastatina Comprimidos 5 mg, 10 mg 40 mg* À noite 10 mg, 20 mg e 40 mg Pravastatina Comprimidos 10 mg 20 mg 40 mg À noite Fluvastatina Cápsulas 20 mg 20 mg 80 mg À noite e 40 mg Atorvastatina Comprimidos 10 mg, 10 mg 80 mg Não há 20 mg e 40 mg Rosuvastatina Comprimidos 10 mg 10 mg 40 mg Não há e 20 mg * Doses bem mais elevadas (80 mg/dia e 160 mg/dia) já foram empregadas em casos de hipercolesterolemia grave. terminação a cada três meses no primeiro ano de uso. Mialgia pode ocorrer na presença ou não de au- mento de CPK e é atribuída a níveis circulantes ele- vados das vastatinas e, menos freqüentemente, faci- litada pelo exercício físico. A interação com outros medicamentos (fibratos, ácido nicotínico, eritromici- na e ciclosporina) aumenta o risco de mialgia, po- dendo levar a rabdomiólise e conseqüente insufici- ência renal aguda (em especial em indivíduos sub- metidos a transplante de órgãos). A cerivastatina, quando associada a genfibrozila, aumentou a morta- lidade por rabdomiólise, acarretandosua retirada do mercado.(10-13) Recentemente, foram descritos casos de polineuropatia periférica associada ao uso pro- longado de vastatina; especula-se que esse raríssi- mo acometimento dependa da formação de metabó- litos tóxicos para os nervos, de alteração de função da membrana nervosa, e inibição da ubiquinona, al- terando a utilização de energia pelos neurônios.(14, 15) As vastatinas podem ser associadas a outros fár- macos com mecanismo de ação diferente: resinas se- qüestradoras de ácidos biliares (se administradas três horas antes ou três horas depois das resinas), inibi- dores seletivos da absorção de colesterol (ezetimi- ba), fibratos e ácido nicotínico. A associação com fi- bratos e/ou ácido nicotínico requer monitorização mais freqüente das enzimas hepáticas e muscula- res. Benefícios do tratamento da hipercolesterolemia com vastatinas vêm sendo evidenciados por estudos controlados por angiografia, ressonância magnética, ultra-sonografia e estudos clínicos prospectivos de longa duração. Estes últimos avaliaram grandes po- pulações e grupos especiais (idosos, crianças, mu- lheres, hipertensos, renais, diabéticos, pacientes em fase aguda do miocárdio e após transplante renal e cardíaco).(16) Meta-análise recentemente publicada, envolven- do 90.056 participantes de 14 estudos clínicos ran- domizados, demonstrou que a redução de 40 mg/dl de LDL-colesterol obtida com as vastatinas diminui em cerca de 21% o risco em cinco anos de eventos coronários, revascularização miocárdica e acidente vascular cerebral.(17) Fármacos inibidores da absorção de colesterol – ezetimiba A ezetimiba é um fármaco que inibe, de modo se- letivo, a absorção intestinal do colesterol da dieta e dos sais biliares. Age na borda do enterócito, no du- odeno e no jejuno, inibindo a ação da proteína do esterol. Com isso, menos colesterol é ofertado para a formação dos quilomícrons (Qm). Não interfere na absorção de triglicérides e de vitaminas lipossolú- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 511 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes veis.(1, 18, 19) É administrada na dose de 10 mg/dia, sem horário preestabelecido, e, após sua absorção (duas a três horas), sofre, no fígado, processo de glicuronidação, transfor- mando-se em glicuroní- deo ativo, que se localiza na borda do enterócito e retorna à circulação ênte- ro-hepática (20%). Tem meia-vida longa (22 horas) e é eliminada nas fezes (77%) após extenso processo de recirculação; não é metabolizada no sistema CYP 450 3A4. Não são necessários ajustes posológicos. Antiácidos e resinas seqüestrantes diminuem sua absorção. A ação se faz sentir logo após 14 dias: re- dução de LDL-colesterol (18%) e de triglicérides (7% a 8%) e elevação de HDL-colesterol (2% a 3%). Não foram observadas diferenças significativas relaciona- das à idade e ao sexo.(1) É indicada para o tratamento das diferentes for- mas de hipercolesterolemia, de preferência em as- sociação com vastatina, acentuando a redução de LDL-colesterol. Por exemplo, a associação de 10 mg/ dia de ezetimiba com sinvastatina 10 mg/dia, 20 mg/ dia e 40 mg/dia reduziu o LDL-colesterol, respectiva- mente, em 27%, 30% e 38%. Reduções de LDL-co- lesterol obtidas com 10 mg/dia de ezetimiba associ- ada a menor dose de vastatina são de magnitude semelhante à obtida com as doses máximas de vas- tatina. Chama a atenção a redução de LDL-coleste- rol obtida em pacientes (com idade superior a 12 anos) com hipercolesterolemia familiar homozigóti- ca, comprovada por testes genéticos: em associa- ção com atorvastatina 80 mg/dia, reduziu o LDL-co- lesterol em 27,6%, ao passo que a atorvastatina, na mesma dosagem, administrada isoladamente, redu- ziu o LDL-colesterol em somente 7%.(20, 21) A associação de ezetimiba com fibrato foi objeto de recente publicação. Em pacientes com hiperlipi- demia mista, a administração concomitante de ezeti- miba (10 mg/dia) e fenofibrato (160 mg/dia) reduziu o LDL-colesterol em 20,4%, o não-HDL-colesterol em 30,4% e os triglicérides em 44%, e aumentou o HDL- colesterol em 19%. Essas modificações foram mais acentuadas quando comparadas às obtidas com os medicamentos isolados.(22) A tolerância à ezetimiba é muito boa. A freqüên- cia de distúrbios gastrointestinais (empachamento, náuseas, diarréia) é inferior a 4% e a de mialgia é inferior a 1%, podendo ocorrer elevações discretas das enzimas hepáticas. Mesmo quando associadas a vastatina ou fibrato, a tolerância à ezetimiba pouco se altera; entretanto, os mesmos cuidados devem ser observados em relação aos fármacos associ- ados.(22, 23) Fármacos bloqueadores do ciclo êntero-hepático do colesterol – resinas seqüestradoras de ácidos biliares São resinas de troca iônica (trocam o íon cloro pela carboxila dos ácidos biliares conjugados com glicina ou taurina) não absorvíveis. Bloqueiam a reabsorção, na porção proximal do íleo, de ácidos biliares, diminu- indo sua oferta ao fígado e aumentando sua excreção fecal. Aumentam a síntese hepática de colesterol e a expressão dos receptores de LDL (receptores B-E); elevam a atividade de 7 alfa hidroxilase (enzima que regula a formação dos ácidos biliares a partir do coles- terol) e a síntese hepática de VLDL. Como resultado, há diminuição das taxas sanguíneas de LDL-colesterol (15% a 30%) e discreta e eventual elevação de triglicé- rides.(1, 24-26) São indicadas para o tratamento da hipercoleste- rolemia leve ou moderada, mas seu uso está mais res- trito atualmente pelo surgimento dos inibidores seleti- vos de absorção intestinal. Constituem ainda uma das primeiras alternativas para o tratamento de crianças e adolescentes.(27) Podem ser indicadas para mulheres em idade fértil e também para idosos. Cuidados com a suplementação vitamínica devem ser observados. São contra-indicadas quando os níveis de triglicérides es- tão elevados.(1) No mercado brasileiro, é disponível apenas a coles- tiramina; em outros países, existem o colestipol e o co- lesevelam. A colestiramina, cuja estrutura é de um co- polímero de estireno com divinil-benzeno combinado a grupos de amônio quaternário em forma de cloreto in- solúvel, é apresentada em envelopes de 4 g na forma de grânulos. Inicia-se o tratamento com 4 g/dia e, se necessário, aumenta-se progressivamente até o máxi- mo de 16 g/dia(1). Recomenda-se a dissolução dos grâ- nulos em suco de frutas, para melhorar o sabor, e a ingestão junto às refeições. Há, no comércio, a forma “light”, que contém fenilamina para melhorar a tolerân- cia. Os efeitos indesejáveis das resinas são: obstipação, empachamento, náuseas, meteorismo, exacerbação da absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D e K) e ácido fólico, digoxina, tiroxina e warfarina. Recomenda-se a ingestão destas uma hora antes ou quatro horas de- pois das resinas. Podem ocasionar acidose hiperclorê- mica e o uso prolongado, hipoprotrombinemia. Eleva- ção dos valores das transaminases hepáticas e da fos- fatase alcalina também é relatada. A tolerância é pe- quena, em qualquer idade, porém ainda menor em pacientes idosos.(1) As resinas podem ser eventualmente associadas a 512 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes vastatinas nos casos de hipercolesterolemia, acen- tuando as reduções de LDL-colesterol, e a fibratos ou ácido nicotínico na hi- pertrigliceridemia conco- mitante. Esses outros hi- polipemiantes devem ser administrados três horas antes ou três horas depois das resinas. FÁRMACOS COM AÇÃO PREDOMINANTE NA HIPERTRIGLICERIDEMIA Este grupo de medicamentos tem indicação na hi- pertrigliceridemia endógena, que corresponde ao in- cremento de VLDL. Fibratos São derivados do ácido fíbrico: clofibrato, bezafibra- to, fenofibrato, etofibrato, genfibrozila, cipofibrato. Diminuem a lipóliseno tecido adiposo, reduzindo a oferta de ácidos graxos ao fígado, levando a menor síntese de triglicérides e conseqüentemente de VLDL. Estimulam a atividade da lipase lipoprotéica. Aumen- tam a excreção do colesterol hepático pelas vias bilia- res e a afinidade dos receptores B-E pelas LDL. Em decorrência da redução de triglicérides das VLDL, for- mam-se LDL grandes e menos densas, facilmente cap- tadas pelos receptores B-E, e reduzem a lipemia pós- prandial. Recentemente, demonstrou-se que os fibra- tos são capazes de ativar os fatores de transcrição nuclear (PPARs alfa), reduzindo a produção da apoli- poproteína CIII, aumentando a produção da lipase li- poprotéica e das apolipoproteínas AI e AII. Diminuem a regulação dos receptores hepáticos SRB1, diminuin- do o “clearance” de HDL. Em estudos experimentais, diminuíram a suscetibilidade de LDL à oxidação e inibi- ram a HMG-CoA R.(28-31) Dessas ações resultam diminuição da trigliceride- mia (35% a 55%), aumento de HDL-colesterol (10% a 25%) e diminuição de LDL-colesterol (10% a 35%). Eventualmente, ocorre aumento de LDL-colesterol como resultado da competição de remanescentes de VLDL com LDL pelos receptores B-E. Também podem reduzir Lp (a), por mecanismos não esclarecidos. Os fibratos possuem efeitos sobre fatores da coa- gulação: redução da fibrinogenemia, da agregação pla- quetária, do fator VII e de PAI-1. Podem melhorar a to- lerância à glicose. Entretanto, esses efeitos variam de medicamento para medicamento.(29) Administrados de preferência após uma refeição, são absorvidos no intestino, ligam-se em alto grau à albu- mina, são metabolizados pelo CYP 450 3A4 e são ex- cretados pelos rins. O pico máximo de ação, a meia- vida, a apresentação e as doses habituais são variá- veis para cada fibrato (Tab. 5).(29-31) São indicados para a terapêutica da hipertrigliceri- demia endógena isolada ou associada à hipercoleste- rolemia (tipos IV, IIb e III). Os fibratos são bem tolerados. São relatados efei- tos indesejáveis (5% a 10%), mas reversíveis, com a interrupção do tratamento: intolerância gástrica, diar- réia, litíase biliar (mais comum com clofibrato), fraque- za muscular, mialgia, diminuição da libido, erupção cu- tânea, cefaléia e insônia. Podem elevar as taxas de enzimas hepáticas, de CPK, de uréia e de creatinina e diminuir o tempo de protrombina. Atenção especial deve ser dada quando se administra fibrato a paciente com litíase biliar, função renal diminuída e em tratamento anticoagulante. Não devem ser usados em mulheres grávidas ou amamentando. Interagem com fármacos metabolizados pelo CYP 3A4, o que requer cuidados especiais em casos de polimedicação.(29-31) A associação de fibratos com outros hipolipemian- tes pode ser feita, observando-se as seguintes precau- ções: 1) a administração concomitante com colestira- Tabela 5. Fibratos: pico máximo de ação, meia-vida, apresentação e doses habituais. Pico máximo Meia-vida Apresentação Doses habituais Fibrato (horas) (horas) (mg) (mg/dia) Clofibrato 4 12 500 1.000-2.000 Bezafibrato 2 1,5 a 2 200 600 400 (retard) 400 Etofibrato 8 16 500 500 Genfibrozila 2 7,6 300 600-1.200 600 Fenofibrato 4 a 6 19,6 a 26,6 250 250 200 (micronizado) Cipofibrato 1 a 2 80 100 100-200 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 513 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes mina diminui a absorção do fibrato (se necessário, o fibrato deve ser ingerido três horas antes ou três horas depois da colestira- mina); 2) a associação com vastatina favorece mialgia e pode facilitar rab- domiólise. Com monitori- zação adequada das en- zimas hepáticas e muscu- lares e ajustes de dose, essa associação pode ser empregada em casos de hi- perlipidemia mista. Ressalte-se que a associação de genfibrozila com vastatina representa maior risco de alterações musculares e rabdomiólise e não deve ser utilizada.(29-31) Ácido nicotínico O ácido nicotínico inibe a atividade de lipases hor- mônio-sensíveis, diminuindo a quantidade de ácidos graxos na circulação e a oferta ao fígado. Em conse- qüência, há diminuição da síntese de VLDL no fígado, com reflexos na formação de IDL e LDL nos capilares. Estimula a síntese e diminui o catabolismo de apo AI. Dessas ações resultam diminuição de 30% da triglice- ridemia e de LDL-colesterol e aumento de HDL-coles- terol (15%).(30, 31) É recomendado principalmente para o tratamento da dislipidemia mista, mas pode ser empregado na te- rapêutica da hipertrigliceridemia endógena (como al- ternativa aos fibratos). Também pode ser utilizado para elevar a fração HDL-colesterol. É administrado na dose de 2 mg/dia a 6 g/dia, divi- didos em duas a três tomadas/dia, após as refeições. É rapidamente absorvido, atingindo concentração má- xima em menos de uma hora, e a eliminação é renal. O tratamento é iniciado com dose baixa, aumentando-se progressivamente. A tolerância é baixa, particularmente para o produ- to de liberação imediata. Os principais efeitos indese- jáveis são: náuseas, dores epigástricas, rubor facial ou generalizado (este pode ser minimizado pela adminis- tração de aspirina 30 minutos antes), urticária, eleva- ção das taxas de glicose, ácido úrico e enzimas hepá- ticas, e potencialização de anti-hipertensivos. Há rela- tos de Acanthosis nigricans. Aumenta o risco de mio- patia quando associado a vastatina.(30, 31) Recentemente, foram lançadas duas formas de áci- do nicotínico: de liberação gradual (ER) e de liberação prolongada, lenta (SR). A forma ER é administrada na dose de 500 mg a 2 g (também iniciando com dose baixa e aumentando progressivamente), a absorção é mais lenta e menor, e os efeitos gastrintestinais e o risco hepatotóxico são menores. A forma SR também é administrada uma vez ao dia, está associada à redu- ção dos rubores, mas o risco de hepatotoxicidade é maior.(32, 33) Ômega 3 Os ácidos graxos ômega 3 (eicosapentaenóico e docosaexaenóico) são componentes de óleo de pei- xes de águas frias e profundas. Inibem a síntese de VLDL no fígado, aumentam seu catabolismo, e diminu- em a agregação plaquetária.(30, 31, 34, 35) Encontram indicação somente em casos de hiper- trigliceridemia grave em associação a fibratos e nos casos de intolerância a fibratos. São totalmente absorvidos após seis horas da in- gestão. A dose mínima recomendada é de 4 g/dia, e, no mercado, estão disponíveis em cápsulas de 1 g. FÁRMACOS COM AÇÃO SOBRE O METABOLISMO LIPÍDICO EM DESENVOLVIMENTO A busca por novos fármacos que agem em diferen- tes pontos do metabolismo lipídico prossegue. Encon- tram-se em desenvolvimento pesquisas de medicamen- tos com ação sobre a hipercolesterolemia, sobre a hi- pertrigliceridemia e para elevar a fração HDL-coleste- rol, considerada antiaterogênica. Fármacos com ação sobre a hipercolesterolemia e/ou hipertrigliceridemia As pesquisas estão sendo desenvolvidas baseadas na inibição(1, 36): 1) da síntese de ácidos biliares, como, por exemplo, inibido- res do 7 alfa-hidroxilase; 2) do colesterol-ester-hidroxilase, enzima envolvida no meta- bolismo intestinal do colesterol; 3) da proteína de transplante de ácidos biliares (ASBT); 4) da acil-colesterol-acil-transferase (ACAT), enzima respon- sável pela reesterificação do colesterol absorvido nos ente- rócitos; 5) da proteína de transferência microssomal de triglicérides (MTP), que diminui o transporte dos lípides exógenos, difi- cultando a formação de quilomícrons e levando à menor for- mação de VLDL; 6) da esqualeno-sintase , envolvida na síntese do colesterol; 7) da acil-CoA-diaciltransferase, participante da síntese de triglicérides. Fármacos com ação predominante em HDL-colesterol Fibratos, ácido nicotínico e vastatinas elevam a fra- ção HDL-colesterol em cerca de 10%, 20%, e 5% a 10%, respectivamente(1, 37, 38). Em estudo recentemente publicado, a associaçãode genfibrozila, ácido nicotíni- co e colestiramina em pacientes somente com HDL- colesterol = 34 mg/dl + 6 mg/dl elevou o HDL-coleste- 514 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes rol em 36%. Essa elevação foi responsabilizada por di- minuição de obstrução das artérias coronárias e de eventos cardiovascula- res.(39) Várias investigações estão sendo desenvolvi- das no sentido de identifi- car um fármaco que, iso- ladamente, tenha capaci- dade de elevar mais acen- tuadamente as taxas baixas de HDL-colesterol. Em fase mais avançada de pesquisa, encontram-se os inibido- res de CETP: JTT 705 (Roche, Japan Tobacco) e o tor- cetrapib (Pfizer). Em paciente com hiperlipidemia mo- derada, o JTT 705 aumentou o HDL-colesterol (37%) e diminuiu o LDL-colesterol (7%). O torcetrapib, em indi- víduos com HDL-colesterol inferior a 40 mg/dl, na dose de 120 mg/dia, durante quatro semanas, aumentou os valores dessa fração em 46% quando administrado iso- ladamente e em 61% quando concomitante a 20 mg/ dia de atorvastatina; em uso isolado por oito semanas, o aumento foi de 106%.(40) Estão sendo objeto de investigação: 1) ativadores/ moduladores seletivos de LXR (fator de transcrição das superfamílias de receptores nucleares); 2) inibidores das lipases hepática e endotelial; 3) moduladores de receptores hepáticos SRB1; e 4) miméticos de lisoes- fingolípides.(38) REFERÊNCIAS 1. Giannini SD, Forti N, Diament J. Hipolipemiantes. I. Ação predominante na hipercolesterolemia. In: Ba- tlouni M, Ramires JAF. Farmacologia e terapêutica cardiovascular. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 473-95. 2. Vaughan CJ, Gotto AM. Update on statins 2003. 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(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:506-16) RSCESP (72594)-1574 1999;1 Suppl T:T1-T12. 4. Bottorff M, Hansten P. Long-term safety of hepatic hydroxymethyl-glutaril-coenzyme A reductase inhi- bitors. Arch Intern Med. 2000;160:2273-80. 5. Genest J, Libby P, Gotto AM. Lipoprotein disorders and cardiovascular disease. In: Zipes DP, Libby P, Bonow RO, Braunwald E, eds. Braunwald’s Heart Disease. A textbook of cardiovascular disease. Phi- ladelphia: Elsevier Saunders; 2005. p. 1013-33. 6. Davignon J, Laaksonen R. Low density lipoprotein independent effects of statins.Curr Opin Lipidol. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 515 FORTI N e col. Fármacos hipolipemiantes 1999;10:543-59. 7. Diament J, Alves RJ, Forti N, Giannini SD. Cri- anças, mulheres, idosos, pacientes submetidos a transplante e renais crôni- cos. Estratégias e precau- ções na terapêutica das dislipidemias. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2000;10:802-10. 8. 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De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as doenças cardiovasculares são responsáveis por 5 a 12 milhões de mortes anuais em países desenvolvidos e por 10 a 40 milhões de mortes anuais em países em desen- volvimento. Desse total, estima-se que a metade dessas mortes decorra da doença arterial coronariana(2). Apesar das fortes evidências de que a redução do colesterol possa modificar a história natural desses pacientes, alguns estudos demonstram claramente que as diretrizes na prevenção primária ou secundária da doença coronariana têm sido negligenciadas. Nos Estados Unidos, o “National Health and Nutrition Examination Survey” (NHANES III)(3) mostrou que 65% dos pacientes elegíveis para o tratamento hipolipemiante não recebiam qualquer forma de terapia. No continente ABORDAGEM DAS DISLIPIDEMIAS NA PREVENÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA: O QUE HÁ DE NOVO? FRANCISCO A. H. FONSECA, CARLOS M. C. MONTEIRO, SERGIO A. B. BRANDÃO Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular – Universidade Federal de São Paulo Endereço para correspondência: Rua Pedro de Toledo, 458 – CEP 04039-001 – São Paulo – SP O melhor conhecimento da história natural da aterosclerose revelou a importância crucial dos lipídeos. Dessa forma, têm sido propostas intervenções mais agressivas sobretudo para os pacientes em prevenção secundária ou sob alto ou muito alto risco de eventos coronarianos. Hoje, com os fármacos disponíveis, essas metas têm sido alcançadas com maior facilidade. Embora esses fármacos sejam muito seguros, alguns cuidados, especialmente para doses elevadas ou quando associados, são importantes. Palavras-chave: dislipidemias, tratamento, hipolipemiantes. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:517-25) RSCESP (72594)-1575 europeu, o estudo “European Action on Secondary Pre- vention through Intervention to Reduce Events” (EURO- ASPIRE)(4) revelou que apenas 32% dos pacientes em prevenção secundária estavam recebendo terapia hipoli- pemiante e que, dentre estes, a metade permanecia com valores de colesterol acima das metas. ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO CARDIOVASCULAR Estudos observacionais como o “Prospective Car- diovascular Münster “(PROCAM) e o “Framingham Heart Study” demonstraram a importância dos fatores de risco e seu sinergismo e permitiram a elaboração de um escore para a obtenção do risco absoluto de eventos coronarianos. O escore de Framingham foi revisto recentemente e modificado pelo “National Cholesterol Education Pro- gram” (NCEP/ATP III)(5). Com base nesse novo escore, os pacientes, independentemente de sua condição em prevenção primária ou secundária da aterosclerose, são classificados em três níveis de risco: alto, intermediá- rio ou baixo para a ocorrência de morte ou infarto do miocádio em dez anos (Tab. 1). 518 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 FONSECA FAH e cols. Abordagem das dislipidemias na prevenção primária e secundária: o que há de novo? Para facilitar a identificação dos pacientes que de- vem ter seu risco avaliado pelo novo escore, o NCEP/ ATP III classifica como de alto risco os pacientes com manifestações da aterosclerose e todos os diabéticos e de baixo risco pacientes com 0 ou 1 dos seguintes fatores: - idade em homens a partir dos 45 anos e mulheres a partir dos 55 anos; - antecedente familiar de doença coronariana prema- tura (parentes de primeiro grau do sexo masculino < 55 anos ou feminino < 65 anos); - hipertensão arterial (PA > 140/90 mmHg) ou anti-hi- pertensivo; - fumo (qualquer quantidade de cigarros fumados no mês anterior); - HDL-colesterol < 40 mg/dl (homens ou mulheres). No caso de HDL-colesterol > 60 mg/dl, deve ser des- contado um fator de risco. Com base nessa classificação inicial, os pacientes de alto risco (aqueles com manifestações prévias de aterosclerose ou diabetes) devem ter LDL-colesterol- alvo < 100 mg/dl e para os considerados de baixo ris- co, LDL-colesterol-alvo < 160 mg/dl. Entretanto, os pa- cientes que apresentarem dois ou mais fatores de ris- co precisam ter seu risco coronariano avaliado pelo escore de Framingham para determinação da meta li- pídica a ser alcançada (Tab. 2). Em 2004, novas recomendações do NCEP/ATP III foram publicadas, incluindo a consideração para um tratamento mais agressivo (opcional), com meta de LDL-colesterol < 70 mg/dl para pacientes de muito alto risco, como aqueles com síndromes coronarianas agu- das ou coronarianos sem adequado controle dos fato- res de risco, principalmente os diabéticos, os que per- manecem fumando apesar da aterosclerose estabele- cida ou, ainda, para os coronarianos que preencham critérios de síndrome metabólica (especialmente entre Tabela 1. Categorias de risco absoluto de eventos coronarianos (NCEP III). Categoria de risco Diagnóstico Alto risco DAC ou DAC equivalente Risco absoluto* > 20%* Diabetes melito (tipos 1 ou 2) Múltiplos fatores de risco† Risco intermediário Geralmente 2 ou mais Risco absoluto* entre 10% e 20%* fatores de risco Baixo risco Geralmente 0 a 1 fator de risco Risco absoluto* < 10%* * Risco absoluto para morte ou infarto(6). † Múltiplos fatores de risco com risco absoluto > 20% em dez anos. DAC = doença arterial coronariana; DAC equivalente = doença vascular periférica, doença carotídea sintomática, aneurisma de aorta abdominal. aqueles que mantêm níveis de triglicérides ou HDL- colesterol inadequados). Além disso, como muitos dos desfechos coronaria- nos ocorrem entre os indivíduos com risco intermediá- rio, foi sugerido que, nessa condição, os pacientes com dois ou mais fatores de risco, incluindo novos parâme- tros como a proteína C-reativa ultra-sensível > 3 m/dl ou o escore de cálcio > 75 percentil, tenham como meta principal o LDL-colesterol < 100 mg/dl (opcional)(6). Além disso, uma vez obtido o LDL-colesterol-alvo, foi pro- posta como meta secundária a obtenção de valores desejáveis para os triglicérides (< 150 mg/dl) e para o HDL-colesterol (> 40 mg/dl para a população geral e > 45 mg/dl para os diabéticos)(7), e para os indivíduoscom triglicérides > 200 mg/dl foi sugerida uma meta para o colesterol não-HDL 30 mg acima da meta do LDL-colesterol. Nesse novo documento, foi sugerida a associação de fármacos como estatinas e fibratos ou estatinas e ácido nicotínico para a obtenção dos valo- res lipídicos ideais em todas as frações lipídicas e não apenas no LDL-colesterol. ESTRATÉGIAS INICIAIS O tratamento de indivíduos em prevenção primá- ria da doença coronariana, sobretudo os de risco baixo (< 10%), deve ter como enfoque prioritário modi- ficação do estilo de vida, abstenção do fumo, exercíci- os físicos e dieta adequada em seu conteúdo calórico e nutricional(5). Por outro lado, além da ênfase para um adequado estilo de vida, para os indivíduos de risco intermediá- rio, especialmente com dois ou mais fatores de risco, e para os classificados como de alto ou muito alto risco essas medidas são muitas vezes insuficientes para o alcance das metas. Nesse caso, o tratamento farma- cológico tem permitido o alcance das metas na maio- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 519 FONSECA FAH e cols. Abordagem das dislipidemias na prevenção primária e secundária: o que há de novo? Tabela 2. Estimativa de risco coronariano absoluto para homens e mulheres. Homens Mulheres Idade Pontos Idade Pontos 20-34 9 20-34 -7 35-39 4 35-39 -3 40-44 0 40-44 0 45-49 3 45-49 3 50-54 6 50-54 6 55-59 8 55-59 8 60-64 10 60-64 10 65-69 11 65-69 12 70-74 12 70-74 14 75-79 13 75-79 16 Colesterol Idade Idade Idade Idade Idade Colesterol Idade Idade Idade Idade Idade total (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) total (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (mg/dl) 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 (mg/dl) 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 < 160 0 0 0 0 0 < 160 0 0 0 0 0 160-199 4 3 2 1 0 160-199 4 3 2 1 1 200-239 7 5 3 1 0 200-239 8 6 4 2 1 240-279 9 6 4 2 1 240-279 11 8 5 3 2 ≥ 280 11 8 5 3 1 ≥ 280 13 10 7 4 2 Fumo Idade Idade Idade Idade Idade Fumo Idade Idade Idade Idade Idade (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 Não 0 0 0 0 0 Não 0 0 0 0 0 Sim 8 5 3 1 1 Sim 9 7 4 2 1 HDL-colesterol (mg/dl) Pontos HDL-colesterol (mg/dl) Pontos ≥ 60 -1 ≥ 60 -1 50-59 0 50-59 0 40-49 1 40-49 1 < 40 2 < 40 2 PA sistólica PA sistólica (mmHg) Não tratada Tratada (mmHg) Não tratada Tratada < 120 0 0 < 120 0 0 120-129 0 1 120-129 1 3 130-139 1 2 130-139 2 4 140-159 1 2 140-159 3 5 ≥ 160 2 3 ≥ 160 4 6 Risco absoluto Risco absoluto Total de pontos em 10 anos (%) Total de pontos em 10 anos (%) < 0 < 1 < 9 < 1 0 1 9 1 1 1 10 1 2 1 11 1 3 1 12 1 4 1 13 2 5 2 14 2 6 2 15 3 7 3 16 4 8 4 17 5 9 5 18 6 10 6 19 8 11 8 20 11 12 10 21 14 13 12 22 17 14 16 23 22 15 20 24 27 16 25 ≥ 25 ≥ 30 ≥ 17 ≥ 30 520 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 FONSECA FAH e cols. Abordagem das dislipidemias na prevenção primária e secundária: o que há de novo? ria dos indivíduos e com considerável rapidez. Além disso, formas gra- ves de dislipidemias, como níveis muito elevados de triglicérides (especialmen- te quando > 1.000 mg/dl) devem receber tratamen- to farmacológico ao lado de restrição de gorduras (< 15% do valor calórico total). Nesses indivíduos não é possível a determinação do LDL-colesterol pela fórmula de Friedewald (LDL-colesterol = colesterol to- tal – HDL-colesterol – triglicérides/5), pois esse cálcu- lo não é válido para valores de triglicérides > 400 mg/ dl. Nessa situação, devemos usar o colesterol não-HDL como meta a ser atingida, sendo seus valores de refe- rência 30 mg acima do LDL-colesterol-alvo. No caso de indivíduos com níveis muito elevados de LDL-colesterol (> 190 mg/dl), uma forma genética de dislipidemia geralmente está presente (como, por exemplo, hipercolesterolemia familiar), mas esse alto valor de colesterol pode ser secundário a um hipoti- reoidismo. No caso da hipercolesterolemia de base genética, além do rastreamento dos familiares e das avaliações laboratoriais pertinentes uma cuidadosa atenção deverá ser dada para o diagnóstico da doença arterial coronária. Para a hipoalfalipoproteinemia (HDL-colesterol < 40 mg/dl), o tratamento de causas secundárias, como melhor compensação do diabetes, perda de peso ou exercícios, constitui a conduta inicial. Entretanto, medi- camentos para elevação do HDL-colesterol também têm sido sugeridos, especialmente para pacientes de alto ou muito alto risco. Além disso, pacientes em preven- ção secundária com HDL-colesterol baixo e hiperco- lesterolemia apresentam alta incidência de recorrên- cia de eventos, que não foram controlados apenas com o uso da estatina, como foi mostrado no “Scandinavian Sinvastatin Survival Study” (4S)(7). Nos dias atuais, grande ênfase tem sido dada ao di- agnóstico da síndrome metabólica. Em 2001, o NCEP/ ATPIII sugeriu critérios muito simples para seu diagnósti- co(5). Entretanto, em 2005 novos critérios foram sugeridos pela “International Diabetes Federation”(8). A obesidade visceral passou a ser uma alteração obrigatória, detecta- da com base na circunferência abdominal (Tab. 3), além de pelo menos duas das seguintes condições: - glicemia > 100 mg/dl ou tratamento para diabetes; - triglicérides > 150 mg/dl; - HDL-colesterol < 40 mg/dl (homens) ou < 50 mg/dl (mulheres); - pressão arterial > 130/85 mmHg ou uso de anti-hiper- tensivo. A BASE DE EVIDÊNCIAS PARA O EMPREGO DE HIPOLIPEMIANTES E AS MODIFICAÇÕES DAS METAS DE LDL-COLESTEROL Diversos ensaios clínicos com estatinas, fibratos, niacina e resinas demonstraram que as terapias hipoli- pemiantes reduzem o risco de morte e de eventos car- diovasculares em pacientes que apresentam ou não história de doença arterial coronariana prévia, nos hi- pertensos, nos diabéticos, nas síndromes isquêmicas agudas ou, ainda, com a utilização de tratamento mais rigoroso(9-24). Mais recentemente, uma meta-análise de 14 estu- dos com estatinas(25) demonstrou que a redução do LDL-colesterol de apenas 1 mmol (aproximadamente 38 mg/ml) está associada com 12% de redução de mortalidade total e 18% de mortalidade coronariana, além de expressiva redução das taxas de eventos co- ronarianos ou necessidade de revascularização. Na realidade, todos esses estudos demonstraram que a redução do colesterol pode ser considerada bas- tante segura e pode ser mantida em longo prazo, sem evidências de alterações metabólicas deletérias ou aparecimento de qualquer forma particular de câncer(25). Os estudos que demonstraram maior grau de redu- ção do LDL-colesterol também se acompanharam de menores taxas de eventos coronarianos e de mortali- dade total (Tabs. 4 e 5). COMO ALCANÇAR AS METAS LIPÍDICAS-ALVO Com base nos estudos de desfechos clínicos men- cionados e, mais recentemente, com os resultados de avaliações por imagem (ultra-som) em carótidas e em artérias coronárias, pode-se verificar a necessidade de reduções médias de cerca de 50% no LDL-colesterol para se evitar a progressão da aterosclerose(32, 33). Re- duções do colesterol não-HDL e, especialmente, au- mentos do HDL-colesterol também parecem influenci-ar a evolução clínica e anatômica da aterosclerose(23). Na abordagem das dislipidemias na prevenção pri- mária ou secundária, algumas estratégias podem ser seguidas. Estratégia 1 – Alcançar a meta de LDL-colesterol com a menor dose de hipolipemiante, mas que atinja a meta-alvo. Para os pacientes de alto ou muito alto risco, a dose do hipolipemiante (geralmente uma estatina) pode ser iniciada já com a dose necessária para se atingir a meta. Entretanto, para subgrupos de risco, idosos, mulheres de baixo peso, pacientes em uso concomitante de ou- tros fármacos que possam interferir no metabolismo do hipolipemiante, pacientes com comprometimento de função hepática ou renal, hipotireoidismo e co-morbi- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 521 FONSECA FAH e cols. Abordagem das dislipidemias na prevenção primária e secundária: o que há de novo? Tabela 3. Valores propostos para o diagnóstico da síndrome metabólica com base na obesidade visceral pela “International Diabetes Federation” (IDF). Grupo étnico Circunferência abdomial Europídeos* - Homem > 94 cm - Mulher > 80 cm Sul da Ásia - Homem > 90 cm - Mulher > 80 cm Chineses - Homem > 90 cm - Mulher > 80 cm Japoneses - Homem > 85 cm - Mulher > 90 cm América Central e do Sul** - Homem > 90 cm - Mulher > 80 cm África (subsaariana)** Semelhantes aos europídeos* Mediterrâneo (leste)** Semelhantes aos europídeos* Centro-oeste árabe** Semelhantes aos europídeos* * Indivíduos de origem européia. ** Valores sugeridos até que novos dados estejam disponíveis. Tabela 4. Eventos coronarianos e níveis de LDL-colesterol. Estatina Placebo comparador* LDL-C Taxa de LDL-C Taxa de atingido evento de DAC atingido evento de DAC Estudo (mg/dl) (% de pacientes) (mg/dl) (% de pacientes) 4S26 122 19,4 190 28,0 LIPID27 112 12,3 150 15,9 CARE28 98 10,2 135 13,2 HPS29 89 8,7 128 11,8 TNT30 77 6,7 101 8,3 * O comparador no TNT foi atorvastatina 10 mg. LDL-c = LDL-colesterol; DAC = doença arterial coronariana. dades, tais como doenças auto-imunes, SIDA e pós- transplante, devem receber a dose do hipolipemiante titulada gradualmente e com adequado monitoramen- to de enzimas. Geralmente, para que sejam alcançados valores > 50% em relação aos valores basais ou LDL-colesterol < 70 mg/dl são necessárias doses máximas de sinvastatina (80 mg/dia), doses de atorvastatina de 40 mg/dia a 80 mg/dia e de rosuvastatina entre 10 mg/dia e 40 mg/dia. Pode ainda ser empregada a combinação de ezetimiba com estatina. Em casos mais raros, pode ser feita associ- ação de ezetimiba + estatina + resina ou niacina. Estratégia 2 – Atingir meta de colesterol não-HDL em pacientes com triglicérides > 200 mg/dl. Neste sentido, ao lado da meta de LDL-colesterol (objetivo primário), é preciso buscar mudanças no esti- lo de vida que possam melhorar de forma global o per- fil lipídico (exercícios, perda de peso, dieta, melhor con- 522 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 FONSECA FAH e cols. Abordagem das dislipidemias na prevenção primária e secundária: o que há de novo? Tabela 5. Mortalidade total e LDL-colesterol. Mortalidade total (% de pacientes) Estudo Anos Estatina Placebo comparador* HPS29 5,0 12,9 14,7 LIPID27 6,1 11,0 14,1 4S26 5,4 8,2 11,5 PROSPER31 3,.2 10,3 10,5 CARE28 5,0 8,6 9,4 TNT30 4,9 5,7 5,6 * O comparador no TNT foi atorvastatina 10 mg. trole de diabetes, etc.). Entretanto, com freqüência não conseguimos uma modificação no estilo de vida que permita o alcance de todas as metas e, nesse caso, individualmente, podemos considerar a administração concomitante de um segun- do fármaco, geralmente um fibrato ou niacina. É impor- tante que os fármacos não sejam iniciados simultanea- mente, mas ao lado de adequado monitoramento seja adicionado o segundo fármaco e a dose de estatina seja preferencialmente inicial, com cuidadosa titulação. Estratégia 3 – Atingir a meta de HDL-colesterol. Evidências epidemiológicas, análise de subgrupos de pacientes com baixos níveis de HDL-colesterol em vários ensaios clínicos e estudos experimentais têm sugerido grande importância para a HDL. Sendo as- sim, ao lado de uma meta adequada de LDL-colesterol e de colesterol não-HDL, buscam-se valores adequa- dos de HDL-colesterol (> 40 mg/dl para a população geral e > 45 mg/dl para os diabéticos). Mudanças no estilo de vida, exercícios, parar de fumar, perda de peso, etc. são importantes, mas, em geral, a efetividade des- sas medidas é limitada e demanda vários meses. Paci- entes com reduções isoladas de HDL-colesterol (sem hipertrigliceridemias ou uma causa secundária) apre- sentam maior desafio para se atingir as metas propos- tas. O principal fármaco hoje disponível é a niacina, que deve ter sua dosagem titulada com paciência (ge- ralmente a cada quatro semanas) para melhor tolera- bilidade, sendo os melhores resultados por vezes obti- dos apenas após um ano de terapia. O uso de fibratos e algumas estatinas (sinvastatina e rosuvastatina) iso- ladamente ou combinadas com ezetimiba propicia au- mentos moderados no HDL-colesterol. A combinação de estatina com niacina constitui uma perspectiva a ser considerada com base em estudos mais recentes(34). Novas perspectivas terapêuticas têm sido propostas para elevação do HDL-colesterol por interferência no metabolismo da HDL, mas esses fármacos ainda não estão disponíveis no mercado(35). Estratégia 4 A importância epidemiológica da aterosclerose e os custos sociais e econômicos dos desfechos cardiovas- culares motivaram um dos maiores avanços no conhe- cimento da aterogênese, da história natural da ateros- clerose e de possibilidades de intervenção nesse pro- cesso. Hoje, os hipolipemiantes constituem os fárma- cos mais estudados, em uma variedade de situações clínicas da infância à senilidade, e esses estudos trou- xeram grande responsabilidade ao clínico. Crescem as evidências de que mudanças discretas nos lipídeos estão longe de propiciar o melhor benefí- cio com esses fármacos. De fato, os melhores resulta- dos só são contemplados com adequada conscienti- zação para os pacientes da importância da adoção de um melhor estilo de vida e, quando necessário, de uma disciplinada rotina de exames e uso de medicamentos, para que a segurança e a efetividade do tratamento caminhem juntas. Novos marcadores, como homocis- teína, Lp(a), fibrinogênio, etc., apenas sugerem a ne- cessidade de melhor controle lipídico pelo risco adicio- nal de desfechos cardiovasculares e não para as me- didas de controle específico desses marcadores de ris- co cardiovascular. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 523 FONSECA FAH e cols. Abordagem das dislipidemias na prevenção primária e secundária: o que há de novo? REFERÊNCIAS 1. Wilson PWF. Atlas of atherosclerosis: risk factors and treatment. Philadelphia, PA: Current Medicine; 2000. 2. World Health Organization. The World Health Report 1998. Geneva: World Health Organization 1998. 3. Hoerger TJ, Bala MV, Bray JW, Wilcosky TC, LaRosa J. Treatment patterns and distribution of low-density lipoprotein cholesterol levels in treatment-eligible United States adults. Am J Cardiol. 1998;82:61-5. 4. EUROASPIRE. A European Society of Cardiology survey of secondary prevention of coronary heart disease: principal results. EUROASPIRE Study Group. European Action on Secondary Prevention through Intervention to Reduce Events. Eur Heart J. 1997;18:1569-82. 5. Executive summary of the third report of the National Cholesterol Education Program (NCEP III) expert panel on detection, evaluation, and treatment of high blood cholesterol in adults (adult treatment panel III). JAMA. 2001;285:2486-97. 6. Grundy SM, Cleeman JI, Merz CN, Brewer HB Jr, ClarkLT, Hunninghake DB, et al. Implications of recent clinical trials for the National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III guidelines. Circulation. 2004;110:227-39. 7. Ballantyne CM, Olsson AG, Cook TJ, Mercuri MF, Pedersen TR, Kjekshus J. Influence of low high- density lipoprotein cholesterol and elevated DYSLIPIDEMIA APPROACH IN PRIMARY AND SECONDARY PREVENTION: WHAT’S NEW? FRANCISCO A. H. FONSECA, CARLOS M. C. MONTEIRO, SERGIO A. B. BRANDÃO A better understanding of the natural history of atherosclerosis has revealed a crucial importance of lipids. Therefore, more aggressive treatment has been proposed, especially for secondary prevention patients or for those at high or very-high coronary risk. Nowadays, lipid targets have been successfully achieved by the use of more effective drugs either alone or combined. These drugs appear to be safe, however, appropriate monitoring is recommended especially when high doses or combination is required. Key words: dyslipidemia, treatment, hypolipidemic agents. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:517-25) RSCESP (72594)-1575 triglyceride on coronary heart disease events and response to simvastatin therapy in 4S. Circulation. 2001;104:3046-51. 8. Alberti KG, Zimmet P, Shaw J. IDF Epidemiology Task Force Consensus Group. The metabolic syndrome – a new worldwide definition. Lancet. 2005;366:1059- 62. 9. 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N Engl J Med. 2004;350:1505-15. 526 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 COELHO OR e col. Estratégia na abordagem das dislipidemias nas síndromes coronarianas agudas INTRODUÇÃO As síndromes coronarianas agudas, definidas como angina instável, infarto agudo do miocárdio sem supra- desnivelamento do segmento ST e infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, apresentam alta prevalência e grande importância clí- nica na atualidade. Nos Estados Unidos, estima-se que ocorra aproximadamente 1,5 milhão de admissões hos- pitalares por síndromes coronarianas agudas.(1) No Brasil, esse problema não é diferente e os dados for- necidos pelo DATASUS demonstram que as síndromes coronarianas agudas são uma importante causa de morbidade e mortalidade em nosso país.(2) Apesar dos recentes avanços no tratamento das síndromes coro- narianas agudas, com novos medicamentos e novas modalidades terapêuticas invasivas, o risco de even- tos sucessivos e de isquemia recorrente ainda é alto. ESTRATÉGIA NA ABORDAGEM DAS DISLIPIDEMIAS NAS SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS OTÁVIO RIZZI COELHO, OTÁVIO RIZZI COELHO FILHO Departamento de Clínica Médica – Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP Endereço para correspondência: Rua Benjamin Constant, 2050 – CEP 13010-142 – Campinas – SP As síndromes coronarianas agudas representam importante causa de mortalida- de nos países desenvolvidos e no Brasil. Apesar dos últimos avanços no tratamento das síndromes coronarianas agudas, uma parcela significativa dos pacientes apre- senta evolução desfavorável nos primeiros meses após evento coronariano. Estu- dos de prevenção secundária demonstraram que as estatinas, quando iniciadas três a seis meses após síndromes coronarianas agudas, diminuíram o risco de morte e angina recorrente. Estudos observacionais demonstraram benefício do uso precoce de estatinas após síndrome coronariana aguda. Três estudos recentes prospectivos controlados confirmaram os benefícios do uso precoce de estatinas após síndromes coronarianas agudas, mostrando também que essa terapia é segura inclusive quan- do são utilizados regimes intensivos da terapia redutora de colesterol. Palavras-chave: síndromes coronarianas agudas, dislipidemia, estatinas, tratamento. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:526-34) RSCESP (72594)-1576 Por exemplo, após a ocorrência de síndrome coronari- ana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST, o risco de morte ou infarto do miocárdio não-fatal che- ga a 10%, e o risco de morte, infarto do miocárdio ou isquemia recorrente atinge 20%(3-6). Apesar de reduzir o risco de novos eventos coronarianos e de reduzir a isquemia miocárdica, a estratégia de revascularização miocárdica percutânea ou cirúrgica não altera o pro- cesso fisiopatológico da aterosclerose coronariana(5, 6). Estudos de prevenção secundária têm demonstra- do claramente benefícios clínicos do uso das estatinas (4S, CARE, LIPID)(7-11), um inibidor da 3-hidroxi-3-me- tilglutaril coenzima A (HMG-CoA), em pacientes com doença arterial coronária estável. Um dado interessante desses estudos reside no fato de que o benefício da redução do risco de morte e de evento coronariano não- fatal ocorreu apenas após período de 12-24 meses de tratamento. Parte desse achado pode ser justificado Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 527 COELHO OR e col. Estratégia na abordagem das dislipidemias nas síndromes coronarianas agudas pelo número pequeno de eventos da população es- tudada e pela dose mode- rada de estatina emprega- da. Com os avanços no co- nhecimento da biologia molecular, passamos a compreender melhor a fi- siopatologia das síndro- mes coronarianas agudas, sendo aceitável atualmen- te uma tríade de fatores agindo em conjunto: disfunção endotelial, inflamação e ativação da coagulação(12). Al- guns mecanismos tentam justificar os motivos pelos quais a terapia precoce com estatinas poderia modifi- car favoravelmente a fisiopatologia das síndromes co- ronarianas agudas e, com isso, melhorar o prognósti- co após um evento coronariano. A aterosclerose é um processo inflamatório caracterizado por infiltração de macrófagos e linfócitos T na parede das artérias. Os macrófagos ativados e outras células inflamatórias po- dem secretar uma série de substâncias que podem ter efeito pró-trombótico (mediado por fator tecidual) e degradar a capa fibrosa das placas de aterosclerose (mediado por metaloproteinase). Estudos clássicos demonstraram haver importante relação entre lesão coronária e infiltração de células inflamatórias(13); além disso, já foi demonstrado que os níveis de marcadores inflamatórios, como níveis de proteína C-reativa e CD40 ligante, estão usualmente elevados nas síndromes co- ronarianas agudas e associados com pior prognósti- co.(14) Dados experimentais sugerem que a terapia com estatina pode ter efeito antiinflamatório “in vitro”. Li e Chen(15), utilizando a proteína C-reativa para estimular monócitos humanos a produzir interleucina 6 (IL-6), de- monstraram que a terapia com estatina reduz a produ- ção de IL-6. Dados indiretos de outros estudos clínicos sugerem que as estatinas podem reduzir os níveis da proteína C-reativa. Em uma subanálise do estudo CARE(16), que incluiu pacientes com infarto agudo do miocárdio entre 3 e 20 meses da inclusão, foi demons- trado que o uso da pravastatina por cinco anos reduziu a proteína C-reativa em 17%. Mais recentemente, em um estudo clínico com 40 pacientes hipercolesterolê- micos ambulatoriais, o tratamento com simvastatina reduziu os níveis de proteína C-reativa após 14 dias de tratamento. Macin e colaboradores(17) demonstraram, em um estudo com 90 pacientes com síndrome coro- nariana aguda, que o tratamento precoce com atorvas- tatina 40 mg/dia reduz os níveis de proteína C-reativa, comparando admissão com alta hospitalar(17). A aterosclerose também está associada com piora da função endotelial e alteração da vasomotricidade coronariana, sendo essa alteração particularmente im- portante nos pacientes com síndrome coronariana agu- da(18). A hiperlipidemia reduz a atividade da óxido nítri- co sintetase e também estimula seu catabolismo. A correção da hiperlipidemia com estatinas pode parcial- mente restaurar a função endotelial, promovendo o aumento da expressão óxido nítrico sintetase endoteli- al e do número de células endoteliais progenitoras(19). A hiperlipidemia pode também promover um estado pró- trombótico, caracterizado por aumento da ativação pla- quetária, diminuição da produção de óxido nítrico e aumento da produção de fator tecidual, que também é restaurado com o tratamento com estatina(20-24). ESTUDOS OBSERVACIONAIS Estudos observacionais, que utilizaram terapia pre- coce com inibidores da HMG-CoA em paciente com síndrome coronariana aguda, sugerem que o tratamen- to pode melhorar o prognóstico desse grupo de paci- entes. Um dos primeiros desses estudos foi publicado por Stenestrannd e Wallentin como parte do registro “Swedish Register of Cardiac Intensive Care” (RISKS- HIA)(25), que envolveu cerca de 58 hospitais. Os auto- res analisaram cerca de 19.500 pacientes com menos de 80 anos, hospitalizados por infarto agudo do mio- cárdio que receberam alta hospitalar. Apesar de o re- gistro não indicar qual estatina foi usada, os dados do estudo demonstram que 14.071 pacientes sem estati- na apresentaram mortalidade em um ano de 9,3%, enquanto 5.528 pacientes em uso de estatina, desde a alta hospitalar, tiveram mortalidade em um ano de 4,0%. Quando foram feitas análises ajustadas com outras variáveis, o uso de estatina na alta do paciente foi as- sociado com redução de 25% do risco relativo para mortalidadeem um ano (p = 0,001). O segundo estudo observacional utilizou dados do GUSTOIIb e do PURSUIT e comparou a mortalidade por todas as causas dos pacientes com síndrome co- ronariana aguda que receberam alta com e sem tera- pia com estatina(26). Dos 20.809 pacientes estudados, cerca de 18% utilizaram estatina, sendo observada já em 30 dias redução da mortalidade favorável ao grupo tratado, que foi mantida até seis meses (1,7% contra 3,5%; p < 0,0001). Em uma análise do estudo PRISM (“Platelet Recep- tor Inhibition in Ischemic Syndrome Management’)(27), cerca de 1.600 pacientes hospitalizados com síndro- me coronariana aguda foram avaliados retrospectiva- mente, dos quais 465 já faziam uso de estatina no mo- mento da hospitalização. Nesse estudo foram utiliza- das as seguintes estatinas: simvastatina (50%), lovas- tatina (24%) e pravastatina (20%). O uso de estatina esteve associado com redução da isquemia recorrente (p < 0,01), redução da necessidade de revasculariza- 528 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 COELHO OR e col. Estratégia na abordagem das dislipidemias nas síndromes coronarianas agudas ção (p = 0,042) e redução do período de hospitaliza- ção (p = 0,02). Foram tam- bém estudados os benefí- cios do uso precoce, nas primeiras 24 horas, de uma estatina após a im- plantação de stent coroná- rio com sucesso em 705 pacientes: 335 com angi- na estável, 224 com angi- na instável e 145 com in- farto agudo do miocárdio não-Q. Pacientes que já fazi- am uso de terapia hipolipemiante foram excluídos e a terapia com estatina foi iniciada apenas quando o LDL- colesterol excedia o percentil 75. Os autores desse estudo demonstraram que, nos pacientes com angina instável, a terapia com estatina pós-angioplastia redu- ziu o risco de infarto agudo do miocárdio em seis me- ses (“endpoint” primário do estudo) para níveis seme- lhantes aos do grupo de pacientes com angina estável. Entretanto, no grupo de pacientes com infarto agudo do miocárdio não-Q não houve redução do risco. Em contraste com os estudos já citados, Newby e colaboradores(28), utilizando dados do estudo SYM- PHONY e 2nd SYMPHONY, estudaram uma popula- ção de 12.365 pacientes com síndrome coronariana aguda, que não faziam uso de estatina antes da inclu- são no estudo. Os pacientes foram divididos em dois grupos: um que fez uso de estatina precoce antes de sete dias após o evento coronariano (n = 3.952) e ou- tro que não fez uso de estatina (n = 8.413). Os autores não encontraram benefícios no grupo que fez uso de estatina precoce, tanto para “endpoint” primário do es- Tabela 1. Estudos prospectivos de estatina nas síndromes coronarianas agudas. MIRACL FLORIDA A-TO-Z PROVE-IT Número de pacientes 3.000 540 4.500 4.000 Diagnóstico AI, IAMSS IAM AI, IAMSS, SCA IAMCS Medicação/dose Atorvastatina Fluvastatina Simvastatina Pravastatina 80 mg 40 mg 2x dia 40-80 mg/dia 40 mg/dia e atorvastatina 80 mg/dia Placebo controlado? Sim Sim Sim Não Seguimento 4 meses 1 ano 2 anos 2-3 anos Início da terapia Em 4 dias Em 24 horas Em 2-5 dias Em 10 dias AI = angina instável; IAMCS = infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST; IAMSS = infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST; SCA = síndrome coronariana aguda; IAM = infarto agudo do miocárdio. tudo (mortalidade com 90 dias, infarto agudo do mio- cárdio, re-hospitalização, morte e angina recorrente) como para o “endpoint” secundário (“endpoint” primá- rio, acidente vascular cerebral associado ou sozinho). Estudos observacionais demonstrando dados ora favoráveis ora desfavoráveis ao uso de estatinas na fase aguda das síndromes coronarianas agudas indicavam a necessidade de estudos prospectivos, randomizados (Tab. 1), com grande número de pacientes, que investi- gassem o uso dos inibidores da HMG-CoA precoce após evento coronariano agudo. ESTUDOS CLÍNICOS PROSPECTIVOS O primeiro grande estudo randomizado, cego, pla- cebo-controlado, que investigou a introdução precoce de uma estatina nas síndromes coronarianas agudas foi “The myocardial ischemia reduction with acute cho- lesterol lowering trial” (MIRACL)(29). Esse estudo ran- domizou 3.086 pacientes em 122 centros, portadores de angina instável ou infarto agudo do miocárdio não- Q. Foram excluídos pacientes com colesterol total > 270 mg/dl (310 mg/dl em alguns países nórdicos e África do Sul), infarto agudo do miocárdio com onda Q nos últimos meses, programação para cirurgia de re- vascularização em três meses e para intervenção co- ronária percutânea em seis meses, bloqueio de ramo esquerdo, sinais de disfunção ventricular esquerda gra- ve na apresentação, uso prévio de vitamina E, gravi- dez, insuficiência renal, e uso concomitante de drogas que alterassem função hepática. Os paciente foram ran- domizados para receber atorvastatina 80 mg/dia ou pla- cebo, tendo a terapia redutora do colesterol sido inicia- da em média 63 horas após a admissão hospitalar. Os Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 529 COELHO OR e col. Estratégia na abordagem das dislipidemias nas síndromes coronarianas agudas hospitalizações decorrentes de infarto agudo do mio- cárdio sintomático (6,2% vs. 8,4%; IC 95%; p = 0,02). Os pacientes que receberam atorvastatina 80 mg apre- sentaram redução do LDL-colesterol de aproximada- mente 40% (127 mg/dl para 72 mg/dl). Outro dado in- teressante foi que o grupo tratado com atorvastatina apresentou risco reduzido de desenvolver acidente vascular não-fatal (risco relativo = 0,41; IC 95%; p = 0,02). Vale salientar que, comparativamente ao grupo placebo, o uso do redutor do colesterol não reduziu isoladamente o risco de morte, infarto agudo do mio- cárdio não-fatal, e parada cardíaca ressuscitada. Tam- bém não foram observadas diferenças nos dois grupos de pacientes quanto a incidência de revascularização, piora da insuficiência cardíaca ou piora da angina. Quanto ao aparecimento de efeitos adversos, apesar de o grupo tratado não ter apresentado aumento signi- ficativo, foi observado aumento maior que três vezes das enzimas hepáticas no grupo da estatina (2,5% vs. 0,6%; p < 0,001). Mesmo com o resultado do estudo MIRACL sendo favorável, cumpre ressaltar que o be- nefício ocorreu apenas nos desfechos primários com- binados e que o intervalo de confiança dessa análise desfechos combinados primários para esse estu- do foram: morte, infarto agudo do miocárdio não- fatal, parada cardíaca res- suscitada ou sinais de is- quemia miocárdica recor- rentes necessitando de re- hospitalização. Os desfe- chos combinados secun- dários foram: os desfechos primários, acidente vascu- lar cerebral não-fatal, aparecimento de insuficiência cardíaca ou piora da classe funcional, angina necessi- tando de hospitalização, revascularização miocárdica cirúrgica ou por intervenção percutânea. No total, 1.538 pacientes receberam atorvastatina 80 mg e 1.548, pla- cebo. As características demográficas e os níveis de colesterol dos dois grupos eram semelhantes. O grupo tratado com atorvastatina apresentou redução de risco relativo de 16% para os desfechos primários combina- dos (14,8% vs. 17,4%; IC 95%, 0,70-1,00; p = 0,048) (Fig. 1). O benefício concentrou-se na redução de re- Figura 1. Tratamento intenso com estatina reduz os desfechos primários combinados de infarto agudo do mio- cárdio não-fatal, morte, parada cardíaca ressuscitada e piora da angina com evidência objetiva de re-hospitaliza- ção após síndrome coronariana aguda. 530 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 COELHO OR e col. Estratégia na abordagem das dislipidemias nas síndromes coronarianas agudas foi muito grande, sugerin- do necessidade de caute- la nas conclusões do es- tudo. Além disso, o desfe- choque teve redução mais importante foi o de re-hos- pitalização por infarto agu- do do miocárdio sintomá- tico. Outro ensaio clínico randomizado placebo- controlado foi o estudo “Fluvastatin on Risk of Diminishment After Acute Myo- cardial Infarction” (FLORIDA)(30, 31), publicado em 2002, que avaliou o uso da fluvastatina 40 mg duas vezes ao dia, 24 horas após o início dos sintomas de infarto agu- do do miocárdio. Todos os pacientes tiveram seguimento de um ano. Os desfechos primários foram: evidência de isquemia residual no eletrocardiograma ambulatori- al de 48 horas e eventos clínicos (morte e infarto agu- do do miocárdio). Diferentemente dos achados do es- tudo MIRACL, os autores não encontraram nenhuma alteração significativa na isquemia reconhecida pelo ele- trocardiograma de 48 horas e nos eventos clínicos en- tre os dois grupos. Em relação à presença de isque- mia, no eletrocardiograma foi demonstrada apenas ten- dência de redução no grupo tratado com fluvastatina (50% vs. 61%; p = NS). Para explicar os achados neu- tros desse estudo, os autores sugerem que, como cer- ca de 90% dos pacientes tinham recebido ácido acetil- salicílico e betabloqueador, a mortalidade geral do es- tudo (apenas 2% a 4%) acabou sendo menor que a esperada no desenho inicial do protocolo. O estudo “Pravastatin or Atorvastatin Evaluation and Infection Therapy” (PROVE-IT)(32, 33) foi um ensaio mul- ticêntrico, randomizado, duplo-cego, droga contra dro- ga, que incluiu 4.162 pacientes com síndrome corona- riana aguda para receber atorvastatina 80 mg/dia (n = 2.099) ou pravastatina 40 mg/dia (n = 2.063). O objeti- vo do estudo era verificar se o benefício da redução do LDL-colesterol para níveis de 100 mg/dl com pravasta- tina seria semelhante à redução com atorvastatina para níveis próximos a 70 mg/dl. O estudo incluiu pacientes até dez dias da hospitalização, realizando seguimento médio de dois anos. O desfecho primário do estudo foi: morte de qualquer causa, infarto agudo do miocárdio, angina instável necessitando hospitalização, revascu- larização em 30 dias (cirúrgica ou percutânea) e aci- dente vascular cerebral. Os desfechos secundários fo- ram: os desfechos primários e comparação dos níveis de proteína C-reativa. As características demográficas dos dois grupos eram semelhantes, e o LDL-colesterol médio nos dois grupos foi de 106 mg/dl. Os pacientes randomizados para tratamento intensivo com atorvas- tatina apresentaram redução de risco de 16% (p = 0,005; IC 95%) (Fig. 2) para desfechos primários com- binados de morte por qualquer causa, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, angina instável e revascularização. Esse benefício já esteve presente 30 dias após a randomização e manteve-se no decor- rer do estudo(34). Em relação à redução do LDL-coles- terol, o grupo atorvastatina reduziu em média 42% (106 mg/dl para 62 mg/dl) e o grupo pravastatina, 10% (106 mg/dl para 95 mg/dl). Apesar de o grupo tratado com atorvastatina ter apresentado maior aumento de enzi- mas hepáticas (3,3% vs. 1,1%; p < 0,001), não ocorre- ram diferenças na descontinuidade do estudo por efei- tos colaterais entre os grupos(35). Os autores concluí- ram que o tratamento intenso com atorvastatina não apenas reduziu mais intensamente o LDL-colesterol e os níveis de proteína C-reativa como também reduziu a mortalidade e a morbidade. Os autores também afir- mam que esse benefício é precoce e que a terapia agressiva do colesterol foi bem tolerada sem aumentar significativamente os eventos adversos. O estudo “A-to-Z”(36) foi um estudo de duas fases. A primeira investigou o uso de heparina de baixo peso molecular “versus” heparina não-fracionada em paci- entes com síndrome coronariana aguda que recebe- ram ácido acetilsalicílico e tirofibam. A segunda fase do estudo (fase Z) comparou o uso precoce de estati- na com dose baixa de estatina iniciada três a seis me- ses após infarto agudo do miocárdio com e sem supra- desnível do segmento ST. Os pacientes foram rando- mizados para simvastatina 40 mg/dia por 30 dias se- guido de simvastatina 80 mg/dia contra placebo por quatro meses seguido de simvastatina 20 mg/dia. Cer- ca de 4.500 pacientes foram randomizados em 322 centros em 41 países. O grupo de pacientes tratados com simvastatina 80 mg/dia apresentou redução mais intensa do LDL-colesterol, que se manteve mesmo após quatro meses da randomização. Apesar de existir uma tendência favorável à terapia intensiva com simvastati- na 80 mg, o estudo “A-to-Z” não demonstrou redução significativa dos desfechos primários (infarto agudo do miocárdio, readmissão por síndrome coronariana agu- da, acidente vascular cerebral isquêmico) e secundári- os (desfechos primários, revascularização, insuficiên- cia cardíaca, re-hospitalização por causa cardiovascu- lar). Um dado interessante desse estudo diz respeito aos níveis de proteína C-reativa. Os autores demonstraram que, no primeiro mês de tratamento, os níveis de pro- teína C-reativa não apresentaram diferença entre os grupos, e apenas com quatro meses após a randomi- zação ocorreu redução significativa a favor do grupo que usou simvastatina 80 mg/dia (p < 0,001). Recente- mente, Nissen(37), em um editorial, sugeriu que a dife- rença dos níveis de proteína C-reativa entre os grupos do estudo “A-to-Z” poderia ser a explicação para os Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 531 COELHO OR e col. Estratégia na abordagem das dislipidemias nas síndromes coronarianas agudas resultados neutros do es- tudo. Tanto no MIRACL como no PROVE-IT os ní- veis de proteína C-reativa entre os grupos no final do estudo apresentavam dife- renças maiores que no “A- to-Z” (MIRACL, 34%; PROVE-IT, 38%; e “A-to- Z”, 16,7%). Essa observa- Figura 2. A terapia intensiva com atorvastatina 80 mg/dia após síndrome coronariana aguda reduz significativa- mente o risco de óbitos e eventos cardiovasculares. ção sugere que o efeito precoce das estatinas nas sín- dromes coronarianas agudas estaria mais relacionado com o efeito antiinflamatório e que o benefício tardio estaria mais relacionado com a redução do LDL-coles- terol. CONCLUSÃO Apesar de os estudos clínicos prospectivos rando- mizados com estatina na fase aguda das síndromes coronarianas agudas terem demonstrado melhora ape- nas modesta na evolução desses pacientes(29, 33), es- ses estudos demonstraram que essa terapia é segura e que talvez seu benefício seja mais intenso nos paci- entes de alto risco. Conforme já foi discutido, a infla- mação tem papel muito importante na fisiopatologia dos eventos coronarianos agudos e alguns achados recen- tes sugerem que a terapia com estatinas reduz marca- dores de inflamação de maneira independente do LDL- colesterol(12). Entretanto, ainda faltam comprovações, com estudos dirigidos, para avaliar se realmente existe relação clara entre redução de marcadores de inflama- ção na fase aguda e melhora do prognóstico. A atual diretriz da Sociedade Brasileira de Cardio- logia para o tratamento das dislipidemias orienta a in- trodução de terapia redutora do colesterol, caso o LDL- colesterol dosado nas primeiras 24 horas do evento coronariano seja > 130 mg/dl, ficando a critério do médico assistente a introdução quando o LDL varia de 100 mg/dl a 130 mg/dl, sugerindo também que quando a terapia é introduzida antes da alta hospitalar a ade- rência ao tratamento é maior(38). 532 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 COELHO OR e col. Estratégia na abordagem das dislipidemias nas síndromes coronarianas agudas STRATEGY APPROACH OF DYSLIPIDAEMIA IN ACUTE CORONARY SYNDROMES OTÁVIO RIZZI COELHO, OTÁVIO RIZZI COELHO FILHO Acute coronary syndromes represent an important cause of death in developed countries and also in Brazil. Although the last advances in thetreatment of acute coronary syndromes, many patients present adverse events after acute coronary syndromes. Secondary prevention trials have shown that the initiation of statin the- rapy within 3-6 months after acute coronary syndromes decreases the risk of death and recurrent angina. Observational studies have demonstrated benefits of early statin therapy after acute coronary syndromes. Three recent prospective controlled trials confirmed the benefit and safety of the use of statin early after acute coronary syndromes. Key words: acute coronary syndromes, dyslipidaemia, statins, treatment. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:526-34) RSCESP (72594)-1576 REFERÊNCIAS 1. American Heart Association. 2002 Heart and Stroke Statistical Update. Dallas, TX: American Heart As- sociation; 2001. 2. Datasus <www.datasus.org.br> 3. The Platelet Receptor Inhibition in Ischemic Syndro- me Management in Patients Limited by Unstable Signs and Symptoms (PRISM-PLUS) Study Investi- gators. Inhibition of the platelet glycoprotein IIb/IIIa receptor with tirofiban in unstable angina and non- Q-wave myocardial infarction. N Engl J Med. 1998;338:1488-97. 4. The Clopidogrel in Unstable Angina to Prevent Re- current Events Trial Investigators. Effects of clopido- grel in addition to aspirin in patients with acute coro- nary syndromes without ST-segment elevation. N Engl J Med. 2001;345:494-502. 5. Fragmin and Fast Revascularisation During Instabili- ty in Coronary Artery Disease (FRISC II) Investiga- tors. 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Arq Bras Cardiol. 2001;77 Supl III. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 535 GIULIANO ICB e col. Dislipidemias em crianças e adolescentes EPIDEMIOLOGIA DAS DISLIPIDEMIAS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA Evidências demonstram uma tendência secular de piora do perfil lipídico em crianças e adolescentes e o aumento em níveis epidêmicos da obesidade infantil parece ser o fenômeno de maior impacto nessa as- censão(1). Apesar disso, alguns estudos têm demons- trado aumento dos níveis de colesterol total e de co- lesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-co- lesterol) e diminuição do colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol), mesmo após o ajuste para o índice de massa corporal em populações infantis, demonstrando também a ascensão independente da pre- valência da dislipidemia nessa faixa etária. Esse fenôme- no parece ser fruto das profundas mudanças dietéticas e comportamentais das crianças na atualidade(2). Considerando o fato de que não há consenso nos pontos de corte para dislipidemia na infância nem um estudo populacional representativo sobre o assunto, não há como determinar a prevalência de hipercoles- DISLIPIDEMIAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES ISABELA C. B. GIULIANO, BRUNO CARAMELLI Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – CEP 05403-900 – São Paulo – SP A prevalência da dislipidemia, em associação ou não à obesidade infantil, tem apresentado aumento nos últimos anos, atingindo valores que variam entre 2% e 40% e sendo mais freqüente com o aumento da idade e entre as meninas. Há fortes evidências funcionais e anatômicas da presença de aterosclerose já na infância, sendo a dislipidemia o fator de risco de maior impacto em sua gênese. Além disso, determinadas doenças e medicamentos modificam o metabolismo lipídico nessa população em direção a um perfil mais aterogênico. Critérios e valores de referência já foram propostos para caracterização dessas alterações metabólicas. O tratamen- to baseia-se inicialmente em dieta, atividade física e controle do peso, e, quando indicado, pode-se utilizar medicamentos como estatinas, resinas, ezetimiba e nutra- cêuticos. Palavras-chave: lípides, crianças, adolescentes, fatores de risco, aterosclerose. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:535-43) RSCESP (72594)-1577 terolemia nas crianças. No mundo, há descrições de prevalência de dislipidemia em crianças que variam entre 2,9% e 33%, quando considerados níveis de co- lesterol total maiores que 200 mg/dl(3). No Brasil, as prevalências descritas de colesterol total sérico mais elevado do que 170 mg/dl variam de 28% a 40%(4-6), valor considerado como não-desejável pela III Diretriz Brasileira de Prevenção da Ateroscle- rose(7). Os níveis de lípides variam de 158 a 167, de 79 a 93, de 92 a 96 e de 49 a 53 para colesterol total, triglicerídeos, LDL-colesterol e HDL-colesterol, respec- tivamente(5, 6). A dislipidemia na infância obedece ao fenômeno de trilha, havendo um coeficiente de correlação entre o colesterol total na infância e na fase adulta de 0,35 a 0,55. A probabilidade de uma criança manter-se no quartil superior dos níveis de colesterol total quando adulto é de cerca de 80%(8). Com relação às características demográficas, os es- tudos têm demonstrado variações dos níveis dos lípi- des segundo a idade, com pico máximo em torno dos 536 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 GIULIANO ICB e col. Dislipidemias em crianças e adolescentes 9 anos. Descrevem-se ní- veis mais elevados de lípi- des em meninas, principal- mente após a maturação sexual, do colesterol total, do HDL-colesterol e do LDL-colesterol, sendo a menarca o período no qual ocorre maior ascensão. No sexo masculino, há uma diminuição progressiva de colesterol total, LDL-coles- terol e HDL-colesterol nessa fase(9). Nos meninos, a redução do HDL-colesterol parece guardar associação negativa com os níveis de testosterona; o estradiol, por sua vez, apresenta associação negativa com o coles- terol de lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL- colesterol), o LDL-colesterol, o colesterol total e os tri- glicerídeos. Já nas meninas encontrou-se associação positiva do estradiol com o HDL-colesterol e negativa com o VLDL-colesterol. Este, por sua vez, apresenta associação negativa com o índice estradiol/testostero- na livre(9).Por outro lado, não há consenso sobre a as- sociação entre níveis de lípides e cor da pele. LÍPIDES E A ATEROGÊNESE NA INFÂNCIA A aterosclerose inicia-se na infância, podendo ser encontradas estrias gordurosas em fetos de mães com dislipidemia, e altas prevalências de placas ateromato- sas na segunda década. A gravidade, a extensão e a prevalência de tais lesões parecem estar associadas à presença dos fatores de risco classicamente descritos em adultos. Um dos fatores com maior grau de associ- ação com a prevalência de tais lesões é a dislipidemia, especialmente níveis elevados de colesterol total e LDL- colesterol e baixos de HDL-colesterol(10). Além dos achados de necropsias, têm sido descri- tas associação positiva entre espessamento médio-in- timal, alterações da distensibilidade e tonometria de artérias em crianças com dislipidemia, além de evidên- cias de ativação plaquetária (como elevações séricas de ICAM e VCAM), assim como elevações de proteína C-reativa de alta sensibilidade. Essas alterações pare- cem ser potencializadas quando há a associação com a obesidade, pela interação com a elevação da leptina e a diminuição dos níveis da adiponectina. Todos es- ses achados sugerem uma tendência à aceleração da progressão da aterosclerose, já nessa faixa etária, tanto mais grave quanto mais altos os níveis das lipoproteí- nas mais aterogênicas e maior a associação desta com outros fatores de risco(11). A dislipidemia pode se iniciar na infância e manter essa característica durante o crescimento e o desen- volvimento, fenômeno mais freqüentemente observa- do em famílias com história de aterosclerose(12). Além disso, descreve-se uma relação direta entre os níveis de colesterol total nas crianças e a incidência de even- tos maiores – infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico – nos adultos dessa mesma popu- lação. Esses achados também foram encontrados em estudos brasileiros e relacionados aos dados do DA- TASUS (Tab. 1; Fig. 1). DISLIPIDEMIA E A ASSOCIAÇÃO COM OUTRAS DOENÇAS A obesidadeinfantil é um dos fatores de risco para aterosclerose que se associa de maneira mais estreita com dislipidemia. Na maioria dos casos ocorrem níveis elevados de colesterol total, triglicerídeos, LDL-coles- terol – sendo mais prevalentes as subclasses de me- nor tamanho, portanto mais aterogênicas – e níveis baixos de HDL-colesterol. Quanto mais grave a obesi- dade e maior o número de outros fatores de risco, mais freqüentemente esse perfil é encontrado, em especial os distúrbios do metabolismo dos carboidratos, carac- terizando a síndrome metabólica(14). Nas crianças com diabetes melito, não se encon- tram alterações significativas em relação a colesterol total e lipoproteínas como LDL-colesterol, HDL-coles- terol e triglicerídeos. Contudo, descrevem-se elevações dos níveis de LpA-I e de HDL-colesterol glicosilado e diminuição da relação LpA-I:LpA-II, o que confere a essas crianças um perfil metabólico mais aterogênico que o das crianças não-diabéticas(15). Entre as principais doenças que cursam com disli- pidemia na infância, destacam-se(16, 17): obesidade, hi- potireoidismo, hipopituitarismo, diabetes melito, síndro- me nefrótica, insuficiência renal crônica, atresia biliar congênita, doenças de armazenamento, lúpus eritema- toso sistêmico, colestases crônicas, transplantes de ór- gãos sólidos, síndrome de Prader Willi, síndrome dos ovários policísticos, síndrome da imunodeficiência ad- quirida (SIDA) e deficiência de hormônio do crescimento como seqüela de câncer na infância. As drogas que mais comumente alteram o perfil li- pídico estão apresentadas na Tabela 2. DISLIPIDEMIAS GENÉTICAS NA INFÂNCIA A partir da segunda década de vida, a hipercoleste- rolemia familiar e a hipoalfalipoproteinemia podem apre- sentar manifestações precoces da aterosclerose. Nas hipertrigliceridemias, a complicação mais freqüente é a exacerbação de quadros de pancreatite. Achados re- centes têm descrito novos polimorfismos dos genes res- ponsáveis pelo metabolismo dos lípides, como os das apo- lipoproteínas, o que abre novas possibilidades terapêuti- cas em médio prazo, a partir de terapia gênica(18). Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 537 GIULIANO ICB e col. Dislipidemias em crianças e adolescentes Tabela 1. Mortalidade por complicações da aterosclerose nos adultos e colesterol total de sua população infantil, Brasil, 2000. Mortalidade (por Colesterol total Cidade 100 mil habitantes) (mg/dl) Bento Gonçalves 227 167(4) Florianópolis 224 162(5) Campinas 223 160(6) Belo Horizonte 222 158(13) Fonte: DATASUS-MS. Dados de 2000, referentes à mortalidade por 100 mil habitantes por doenças isquêmicas do coração, aterosclerose e doenças cerebrovasculares. Figura 1. Mortalidade por complicações da aterosclero- se nos adultos e colesterol total (CT) de sua população infantil, Brasil, 2000. Fonte: DATASUS-MS. Dados de 2000, referentes à morta- lidade por 100 mil habitantes por doenças isquêmicas do coração, aterosclerose e do- enças cerebrovasculares. Tabela 2. Drogas que mais comumente alteram o perfil lipídico. Classe Drogas Anti-hipertensivos Tiazidas, clortalidona, espironolactona, betabloqueadores Imunossupressores Ciclosporina, prednisolona, prednisona Esteróides sexuais Estrógenos, progestágenos, contraceptivos orais Anticonvulsivantes Ácido valpróico Outros inibidores Ácido acetilsalicílico, ácido ascórbico, amiodarona, alopurinol, de protease Deve-se suspeitar de hipercolesterolemia fami- l iar quando a criança apresentar colesterol to- tal > 270 mg/dl ou LDL- colesterol > 200 mg/dl, com parentes de primei- ro grau com colesterol total > 220 mg/dl ou LDL- colesterol > 155 mg/dl(19). Além das formas já co- nhecidas de distúrbios do metabolismo dos lípides, têm- se encontrado fenótipos característicos também entre as subclasses de lipoproteínas. A subclasse pequena e densa do LDL-colesterol (SDLDL-colesterol), por exemplo, com maior poder de aterogênese, parece ser mais prevalente nas crianças com os fenótipos IIb (em 83%) e IV (em 55%) de Fredrickson, sugerindo uma mediação genética em tal associação(20). Métodos diagnósticos adicionais para o acompanha- mento de formas graves de dislipidemias têm sido su- geridos, como a ultra-sonografia abdominal, a ecocar- 538 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 GIULIANO ICB e col. Dislipidemias em crianças e adolescentes diografia e a ultra-sonogra- fia de artérias carótidas, pelo risco de manifesta- ções precoces da ateros- clerose, já na segunda década(21). DIAGNÓSTICO DE DISLIPIDEMIA Segundo a I Diretriz Bra- sileira para a Prevenção da Aterosclerose na Infância(22), nas crianças de 2 a 10 anos de idade deve-se solicitar perfil lipídico quando houver: 1) pais ou avós com história de aterosclerose precoce, ou seja, antes dos 55 anos para o sexo masculino e an- tes dos 65 anos para o sexo feminino; 2) parentes de primeiro grau com valores de colesterol total > 240 mg/dl e de triglicerídeos > 400 mg/dl; 3) outros fatores de risco, como obesidade, sedentaris- mo, tabagismo, hipertensão arterial, diabetes melito, ní- veis de HDL-colesterol < 35 mg/dl; 4) história positiva de pancreatite aguda, xantomas erup- tivos, arco corneano palpebral, e xantomas em tornoze- los, face dorsal das mãos e joelhos; 5) história familiar desconhecida. Aos 10 anos de idade, toda criança deve ter determi- nado seu colesterol total em jejum, realizando perfil lipídi- co caso seu nível esteja acima do desejável. Caso haja indicação da determinação do perfil lipídico, deve-se rea- lizar o exame mediante todos os cuidados já descritos na população adulta, considerando os valores de referência descritos na Tabela 3. Idealmente, deve-se repetir o perfil lipídico e calcular a média entre os valores. A conduta dependerá do resultado da média de LDL-colesterol. CONDUTAS NA DISLIPIDEMIA NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA A conduta na dislipidemia na infância dependerá da média do LDL-colesterol de duas amostras indepen- dentes(23), conforme apresentado na Tabela 4. Nutrição Além do aumento da diversidade e da densidade calórica dos alimentos infantis relacionados ao aumento da obesidade em todo o mundo(25), as altas prevalênci- as de dislipidemia infantil no Brasil podem ser explica- das por mudanças observadas nos hábitos de nossas crianças, que se tornaram cada vez mais sedentárias e modificaram sua dieta. Houve o aumento da ingestão de gorduras e colesterol nas regiões norte, nordeste e sudeste, aumento da ingestão de gorduras saturadas nas regiões metropolitanas e diminuição da ingestão de alimentos ricos em fibras(26). O leite materno é rico em gorduras saturadas. O bebê amamentado exclusivamente ao seio tem nível médio de colesterol total de cerca de 180 mg/dl e o amamentado com leite de fórmula tem cerca de 150 mg/dl. Apesar disso, evidências demonstram que as crianças amamentadas ao seio apresentam perfil lipí- dico mais favorável quando atingem a adolescência, sugerindo que níveis elevados de colesterol na lactân- cia podem induzir regulação endógena do metabolis- mo dos lípides ao longo da vida(27). Estudos têm demonstrado que, em crianças com alimentação qualitativamente adequada e sem grande número de infecções, a restrição moderada de gordu- ras pode determinar a diminuição dos níveis de coles- terol sérico, sem prejuízo para seu crescimento e de- senvolvimento. Apesar disso, a recomendação se apli- ca a crianças com mais de 2 anos de idade, pois a ingestão de gorduras nos dois primeiros anos de vida interfere na mielinização do sistema nervoso central(23). Além da gordura saturada, o controle da ingestão de colesterol e de gordura trans também parece influ- enciar os níveis dos lípides séricos nas crianças. A res- posta ou não à ingestão de colesterol pode variar tam- bémna infância, sendo descrita a classificação das cri- anças em hipo ou hiperabsortivas(28). A quantidade diária de gordura total na dieta das crianças deve estar entre 25% a 35% do total calórico consumido no dia, sendo de até 10% do tipo saturada, de até 10% do tipo poliinsaturada e de até 20%, mono- insaturada. O consumo dos ácidos graxos trans deve ser inferior a 1% do total energético. Com relação ao Tabela 3. Valores de referência para lípides em crianças e adolescentes(22). Desejáveis Limítrofes Aumentados Lípides (mg/dl) (mg/dl) (mg/dl) Colesterol total < 150 150-169 > 170 LDL-colesterol < 100 100-129 > 130 HDL-colesterol > 45 Triglicerídeos < 100 100-129 > 130 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 539 GIULIANO ICB e col. Dislipidemias em crianças e adolescentes colesterol, a ingestão alimentar não deve ultrapassar 300 mg por dia(29). Para o cálculo da quantidade de fibras na infância, deve ser utilizada a fórmula: fibras (g) = idade (em gra- mas) + 5. A ingestão de fibras – especialmente as solúveis – tem ação sinérgica com a restrição de gorduras na di- minuição do colesterol total sérico de crianças. Estu- dos que compararam dieta hipogordurosa, com e sem a suplementação de fibras, encontrou melhora do per- fil lipídico de forma mais significativa no primeiro gru- po(30). Estudos recentes têm demonstrado associação ne- gativa entre o nível glicêmico dos alimentos ingeridos e níveis de HDL-colesterol na infância. Todavia, não há estudos determinando se a redução do nível glicêmico dos alimentos (opção mais freqüente por alimentos in- tegrais, diminuição da ingestão de açúcares simples) possa determinar aumento de seus níveis em crianças com níveis baixos de HDL-colesterol(31). Atividade física Apesar de muitos estudos demonstrarem que não há uma diminuição significativa dos níveis de coleste- rol total e de LDL-colesterol com a prática desportiva, ela deve ser indicada como prevenção e tratamento coadjuvante das dislipidemias na infância. Em primeiro lugar, por contribuir com o aumento do HDL-colesterol, da relação HDL/colesterol total e das subclasses me- nos aterogênicas do HDL-colesterol e do LDL-coleste- rol. Mas talvez o maior impacto seja no controle da obesidade infantil, pois estudos populacionais demons- tram que o sedentarismo infantil pode ser a maior cau- sa da epidemia mundial de obesidade nessa faixa etá- Tabela 4. Conduta na dislipidemia, segundo níveis de LDL-colesterol(24). LDL-colesterol (mg/dl) Conduta < 110 Dosar novamente em cinco anos; controle de hábitos de vida; controle do índice de massa corporal. 110-129 Controle de hábitos de vida; dieta tipo I; reavaliar em um ano; controle do índice de massa corporal. > 130 Descartar causas para dislipidemia; dieta tipo I; dieta tipo II; controle do índice de massa corporal; meta: - ideal: < 100 mg/dl; - mínimo: < 130 mg/dl. ria, sendo esta, como já descrito, uma das maiores causas do aumento da prevalência de dislipidemia na infância em todo o mundo(32). Estudos recentes têm demonstrado que a atividade física parece ter efeito independente na melhora da fun- ção endotelial e dos níveis de proteína C-reativa de alta sensibilidade, mesmo em crianças com dislipide- mias, associado ou não à obesidade(33). Atualmente, recomenda-se a dose de uma hora por dia de atividade física moderada a intensa na infância. Associada à prática desportiva, recomenda-se também a redução para no máximo duas horas/dia de ativida- des sedentárias (televisão, jogos eletrônicos ou com- putador)(23). Tratamento farmacológico nas dislipidemias na infância Os valores de referência do LDL-colesterol para a intervenção com hipolipemiantes dependem dos fato- res de risco presentes, da história familiar e da magni- tude da elevação do LDL-colesterol(34) (Tab. 5). Seqüestrantes de ácidos biliares (resinas) A colestiramina e o colestipol (este não disponível no Brasil) são resinas aprovadas para uso em crian- ças. As reduções do LDL-colesterol são relativamente modestas. As resinas podem aumentar os níveis de triglicerídeos (maior síntese de VLDL-colesterol) e di- minuir a absorção de vitaminas lipossolúveis e de áci- do fólico. A associação com a ezetimiba demonstrou benefí- cios adicionais na redução do colesterol total e do LDL- colesterol. A dose usual para a colestiramina na infân- cia é de 4 g/dia a 10 g/dia, podendo chegar a 16 g/dia nos casos mais graves(35). 540 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 GIULIANO ICB e col. Dislipidemias em crianças e adolescentes Estatinas A experiência com esses hipolipemiantes na infân- cia ainda é limitada pela falta de estudos em longo pra- zo. Os estudos têm determinado segurança no uso em crianças com mais de 10 anos de idade. E em meni- nas, após um ano da menarca. Entretanto, as adoles- centes em idade fértil não devem fazer uso das estati- nas sem adequada contracepção, pois seu uso pode estar associado com malformações, especialmente do sistema nervoso central(36). As doses empregadas são variadas em função do nível de LDL-colesterol basal e para as formas mais graves de hipercolesterolemia familiar tem sido sugeri- da a associação de estatinas com resina ou, mais re- centemente, com ezetimiba. A dose usual é de 10 mg/ dia a 40 mg/dia, podendo chegar a 80 mg/dia nas dis- lipidemias graves, preferencialmente associado a eze- timiba(37). As estatinas podem induzir aumento discreto e tran- sitório das enzimas hepáticas e miosite, sendo reco- mendada a monitoração tanto das enzimas hepáticas como da creatinofosfoquinase. As crianças em utiliza- ção de anti-retrovirais (especialmente os inibidores da protease) são especialmente suscetíveis a essa com- Tabela 5. Critérios para tratamento hipolipemiante em crianças com idade > 10 anos, segundo o LDL-colesterol. LDL-colesterol (mg/dl) Quadro clínico > 190 Dislipidemia de base genética > 160 História familiar de doença arterial coronariana prematura ou dois ou mais fatores de risco (HDL-colesterol < 35 mg/dl, fumo, hipertensão arterial, obesidade, diabetes) Obs.: Em crianças menores, a utilização de fármacos deve ficar reservada a casos especiais, considerando os níveis de lípides séricos e a associação de outros fato- res de risco. plicação. Nessa situação, além do controle dos demais fatores de risco, está indicado o uso da pravastatina. Ezetimiba É empregado na dose de 10 mg/dia e não apresen- ta os sintomas de desconforto gastrointestinal obser- vados com as resinas. É usado preferencialmente em associação com estatinas. Seu uso em crianças com mais de 10 anos de idade já foi aprovado, nos Estados Unidos, para hipercolesterolemia grave(38). A efetividade da atorvastatina e da sinvastatina em associação com a ezetimiba foi testada em portadores de hipercolesterolemia familiar homozigótica e na sis- tosterolemia. Mesmo naquele grupo de pacientes, a adição da ezetimiba a doses altas das estatinas pro- moveu importante redução do LDL-colesterol, pelo menos 20% maior que a obtida apenas com as estati- nas em doses mais elevadas, sendo a associação bem tolerada. Nutracêuticos e suplementos alimentares O uso de ácidos graxos ômega-3 pode contribuir para redução discreta na trigliceridemia. Os estanóis e fitosteróis são contra-indicados na presença de sitos- terolemia(39). A dose usual de ácidos graxos ômega-3 é de 2 g/dia a 4 g/dia(40). Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 541 GIULIANO ICB e col. Dislipidemias em crianças e adolescentes REFERÊNCIAS 1. Manios Y, Kolotourou M, Moschonis G, Sur H, Keskin Y, Kocaoglu B, et al. 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Santos RD. III Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias e Diretriz sobre Prevenção de Aterosclerose do De- partamento de Aterosclerose da Sociedade Brasi- DYSLIPIDEMIA IN CHILDREN AND ADOLESCENTS ISABELA C. B. GIULIANO, BRUNO CARAMELLI The prevalence of dyslipidemia in childhood has increased, ranging between 2% to 40%. It increases with age and is more frequent in girls. There are compelling evidences that atherosclerotic disease begins in childhood, and that dyslipidemia is the most important risk factor related to the genesis and progression of the illness. Moreover, some drugs and diseases could increase lipid levels in this population, leading to a more aterogenic profile. Both criteria and reference values for the defini- tion of the metabolic modifications in children and adolescents were proposed. The treatment is based on diet, physical activity and weight control, and there are drugs that could be safety used at this age, when indicated. Key words: lipids, children, adolescents, risk factors, atherosclerosis. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:535-43) RSCESP (72594)-1577 leira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2001;77 Sup- pl 3:1-48. 8. Adams C, Burke V, Beilin LJ. Cholesterol tracking from childhood to adult mid-life in children from the Bus- selton study. Acta Paediatr. 2005;94(3):275-80. 9. Kwiterovich PO Jr, Barton BA, McMahon RP, Obar- zanek E, Hunsberger S, Simons-Morton D, et al. Effects of diet and sexual maturation on low-density lipoprotein cholesterol during puberty: the Dietary Intervention Study in Children (DISC). Circulation. 1997;96(8):2526-33. 10. Malcom GT, Oalmann MC, Strong JP. Risk factors for atherosclerosis in young subjects: the PDAY Stu- dy. Pathobiological Determinants of Atherosclerosis in Youth. Ann NY Acad Sci. 1997;817:179-88. 11. Pilz S, Horejsi R, Moller R, Almer G, Scharnagl H, Stojakovic T, et al. 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Ezetimibe effectively Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 543 GIULIANO ICB e col. Dislipidemias em crianças e adolescentes reduces plasma plant ste- rols in patients with sitos- terolemia. Circulation. 2004;109(8):966-71. 39. Vanstone CA, Jones PJ. Limitations of plasma plant sterols as indicators of cholesterol absorption. Am J Clin Nutr. 2004;79(2):340-1. 40. Engler MM, Engler MB, Malloy MJ, Paul SM, Kulkarni KR, Mietus-Snyder ML. Effect of docosahexaenoic acid on lipoprotein subclasses in hyperlipidemic chil- dren (the EARLY study). Am J Cardiol. 2005;95(7):869-71. 544 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 LIBERMAN A e cols. Dislipidemias em octogenários INTRODUÇÃO Nas últimas décadas do século 20, países com maior ou menor grau de desenvolvimento socioeconômico foram surpreendidos com o fenômeno do envelheci- mento de sua população. Entre suas múltiplas causas, é relevante o papel da urbanização como conseqüên- cia dos novos modos de produção industrial e agríco- la, notadamente após a 2ª Guerra Mundial. Melhores condições sanitárias e habitacionais e acesso à edu- cação e à atenção médica foram, sem dúvida, alguns dos atrativos responsáveis pelo êxodo rural para as ci- dades. Simultaneamente, o desenvolvimento ímpar da me- dicina preventiva e curativa possibilitou a ampliação da esperança de vida ao nascer. Como resultado também da redução dos índices de mortalidade infantil e do adulto, uma larga proporção de indivíduos atingiu a ida- DISLIPIDEMIAS EM OCTOGENÁRIOS ALBERTO LIBERMAN, CLÁUDIA FELÍCIA GRAVINA TADDEI, STELA MARIS GRESPAN Faculdade de Medicina da PUC – Campinas Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Endereço para correspondência: Av. Andrade Neves, 699 – 3º andar – CEP 13013-161 – Campinas – SP A abordagem do tratamento das dislipidemias nos pacientes com mais de 80 anos de idade deve ser cuidadosa e implica a análise de múltiplos dados, a saber: condições de saúde tanto funcional como cognitiva, fatores de risco associados, co- morbidades, presença de doença subclínica, e interação medicamentosa decorren- te de polifarmácia. Enquanto o risco relativo de doença cardiovascular associada a dislipidemia diminui no idoso, o risco absoluto de morbidade e de mortalidade, ao contrário, aumenta com o envelhecimento. A razão colesterol total/HDL-colesterol representa a mais importante fração lipídica em octogenário, e a identificação de doença aterosclerótica subclínica auxilia na decisão de tratamento em prevenção primária. A avaliação clínica, associada à análise de segurança, tolerabilidade e preferência do paciente, devem ser consideradas em prevenção primária. Em pre- venção secundária, recomenda-se tratamento farmacológico, com introdução gra- dativa do fármaco, e monitorização cuidadosa de sintomas e interação medicamen- tosa. Palavras-chave: dislipidemia, octogenário, estatina, doença subclínica. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:544-52) RSCESP (72594)-1578 de adulta e acima dos 65 anos com taxas de cresci- mento variáveis entre os diversos grupos etários. O crescimento do número de octogenários é, em muitos países, mais veloz que os demais, notadamente nas populações européias. No Brasil, segundo o Censo do IBGE de 2000, o número de idosos é da ordem de 14,5 milhões de pessoas, dos quais 3,7 milhões têm idades superiores a 75 anos, significando, em relação ao Cen- so de 1991, crescimento de 49,3%(1). O envelhecimento considerado saudável acalenta o sonho da humanidade que conhece a finitude como inerente a sua própria condição. A sociedade, particu- larmente nos países em desenvolvimento, não teve tem- po de se preparar para essa novidade do velho. A des- proporção entre a massa de trabalhadores economi- camente ativos e o pagamento de um número cres- cente de aposentadorias representa significativo impac- to nas finanças públicas, e reformas previdenciárias vêm Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 545 LIBERMAN A e cols. Dislipidemias em octogenários sendo motivo de discussão em todas as sociedades. Não menos inquietante é a repercussão sobre a as- sistência médica e a necessidade de mudanças nas políticas de saúde, quando os dados fornecidos por estudos observacionais demonstram ser os idosos, e, em especial, os octogenários, de maior vulnerabilida- de às doenças crônicas e degenerativas, em particular as cardiovasculares. O envelhecimento é determinado pela interação entre os fatores genéticos e o estilo de vida, por sua vez subordinado às diferenças socioeconômicas e cul- turais, responsáveis pela grande heterogeneidade des- sa população. O envelhecer é um processo que se dá no tempo e isso gera a pressuposição de que as alte- rações serão tanto maiores quanto maior o tempo de exposição a alguns fatores capazes de operar a trans- formação do fisiológico em patológico. Os estudos epidemiológicos há muito reconhece- ram alguns fatores, hoje clássicos, como promotores de risco para as doenças cardiovasculares, quais se- jam: dislipidemia, diabetes melito, hipertensão arterial, sedentarismo e tabagismo. Esses fatores, no entanto, podem ter seus efeitos atenuados por meio de inter- venções no estilo de vida ou farmacológicas. A carga hereditária e a idade, entretanto, persistem imutáveis. Dentre todas as causas, a idade é superior em poder e prevalência como fator predisponente às doenças car- diovasculares. O envelhecimento progressivo predispõe ao surgi- mento de alterações degenerativas, que, em conjunto com os fatores de risco a que estamos continuamente expostos, promovem o aparecimento de doença cardi- ovascular clínica ou subclínica(2) (Fig. 1), altamente pre- valente em octogenários. PREVALÊNCIA DA DISLIPIDEMIA Estudos epidemiológicos, transversais e prospecti- vos têm demonstrado que, conquanto os níveis séri- cos de colesterol total e de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) tendam a se ele- var na meia-idade, tais níveis podem estabilizar e mes- mo diminuir após os 65 anos. Entre os octogenários, o sexo feminino apresenta valores de colesterol total e LDL-colesterol mais elevados que o sexo masculino, não obstante a diminuição dos níveis lipídicos(3) (Fig. 2). Estudos prospectivos(4) demonstram que, em am- bos os sexos, os valores de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) permanecem está- veis, embora diminuídos em relação aos mais jovens, sendo mais elevados no sexo feminino quando compa- rados ao sexo masculino, apesar da discreta diminui- ção após os 50 anos. Com o envelhecimento, a razão colesterol total/HDL-colesterol diminui em homens e au- menta nas mulheres, porém após os 80 anos essa ra- zão é igual nos dois sexos(5). O Estudo Multicêntrico em Idosos (EMI) mostrou da- dos obtidos pela análise transversal de 2.196 idosos com doença cardiovascular estabelecida, atendidos em ambulatórios de cardiologia e geriatria de 36 centros, localizados em 13 Estados e nas 5 regiões brasilei- ras(6). Os fatores de risco encontrados, por ordem de freqüência, foram: sedentarismo (74%), hipertensão Figura 1. Envelhecimento, fatores de risco e doença cardiovascular(2). 546 RevSoc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 LIBERMAN A e cols. Dislipidemias em octogenários Figura 2. Perfil lipídico e idade(3). Figura 3. Estudo Multicên- trico em Idosos(EMI) – Pre- valência dos fatores de ris- co em idosos no Brasil(6). arterial (53%), dislipidemia (33%), obesidade (30%), diabetes melito (13%) e tabagismo (6%) (Fig. 3). Nes- se estudo, a análise do colesterol total nas faixas etá- rias de 65 a 74 anos, de 75 a 84 anos, e com idade igual ou superior a 85 anos demonstrou redução gra- dativa da prevalência de colesterol > 240 mg/dl (32%, 30% e 19%, respectivamente; p < 0,05). Tal resulta- do poderia sugerir que a hipercolesterolemia perde sua importância em octogenários, uma vez que sua prevalência diminui. Entretanto, quando se analisa- ram as frações do colesterol, verificou-se que não ocorreram alterações significantes entre as três fai- xas etárias, quer em relação ao HDL-colesterol re- duzido (< 35 mg/dl – 15%, 15% e 19%, respectiva- mente, na população analisada) quer em relação ao LDL-colesterol aumentado (> 160 mg/dl – 33%, 35% e 24%, respectivamente; p = não significativo). Para melhor conhecer os octogenários, analisou-se essa mesma população por faixa etária dividida a cada cinco anos (65-69 anos, 70-74 anos, 75-79 anos, e ≥ 80 anos)(7). Consideraram-se elevados o colesterol to- tal > 200 mg/dl e o LDL-colesterol > 130 mg/dl, e redu- zido o HDL-colesterol < 35 mg/dl. Verificou-se nova- mente aparente redução da prevalência de hipercoles- terolemia nos octogenários (66%, 71%, 61% e 54%, respectivamente; p < 0,05). A análise do LDL-coleste- rol, entretanto, não mostrou diferença de prevalência nos octogenários comparativamente com as faixas mais jovens (69%, 63%, 61% e 60%, respectivamente; p = não significante). A prevalência do HDL-colesterol re- duzido foi maior nos octogenários (14%, 16%, 15% e 17%, respectivamente; p < 0,05). Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 547 LIBERMAN A e cols. Dislipidemias em octogenários DISLIPIDEMIA COMO FATOR DE RISCO Em muito idosos, o aparecimento de eventos coronarianos nem sempre se correlaciona com os ní- veis do perfil lipídico obti- dos, razão pela qual a im- portância da dislipidemia na morbidade e na morta- lidade por doença arterial coronariana em octogenários segue gerando contro- vérsias. Os resultados do Estudo de Framingham, na subpopulação de 65 a 94 anos de idade, evidenciaram que a hipercolesterolemia continuava a exercer impac- to na incidência de doenças cardiovasculares apenas em homens, embora atenuado em relação aos mais jovens(8). O Estudo de Honolulu avaliou a associação entre mortalidade global e colesterol durante vinte anos. Os níveis de colesterol diminuíram significativamente nas faixas etárias mais avançadas, mas mantiveram relação positiva com as doenças cardiovasculares. A elevada relação entre mortalidade por todas as causas e níveis baixos de colesterol total suscitou dúvidas so- bre a intervenção terapêutica agressiva na população de idosos(9). Em outro estudo prospectivo (EPESE), do qual participaram 2.527 mulheres e 1.377 homens, seguidos por 4,4 anos, o HDL-colesterol baixo foi pre- ditor de mortalidade por doença arterial coronariana e de novos eventos coronários em idosos com mais de 70 anos, mas o colesterol total aumentado associou- se à mortalidade por doença arterial coronariana(10) apenas no sexo feminino. Entretanto, assim como ob- servado no estudo brasileiro EMI(6), quando são avalia- das as frações do colesterol a maioria dos estudos demonstra relação positiva entre dislipidemia e desen- volvimento de doença arterial coronariana nos idosos(11). Mais ainda, dados do Estudo de Framingham indicam, conforme mencionado anteriormente, que o índice lipí- dico mais importante como preditor de doença arterial coronariana em octogenários é a razão colesterol to- tal/HDL-colesterol(11) (Tab. 1). É importante considerar que os valores do coleste- rol total e do LDL-colesterol expressos tardiamente po- dem diferir daqueles a que o octogenário esteve ex- posto na maior parte de sua vida, especialmente se ocorrer emagrecimento na idade mais madura. Assim, o tempo de evolução da dislipidemia na anamnese deve ser considerado. A dislipidemia leve ou moderada costuma associar- se a maior número de eventos coronarianos em idosos que em faixas etárias mais baixas(12), ou seja, cresce o risco absoluto e mesmo pequenos aumentos podem provocar grande impacto na saúde pública. Rubin estudou 2.746 homens, nas faixas etárias > 60 e < 79 anos durante dez anos e verificou que o risco relativo para doença arterial coronariana au- mentou de 1,4 para 1,7 morte por 1.000 pacientes, quando comparou idades de 60 a 64 e de 75 a 79 anos, respectivamente. O risco absoluto, no entanto, aumentou de 2,2 aos 60 anos para 11,3 mortes por 1.000 após os 75 anos de idade. Esse estudo verifi- Tabela 1. Risco de doença arterial coronariana pela razão colesterol total/HDL-colesterol em cada sexo de acordo com a idade no Estudo de Framingham(11). Colesterol total/HDL-colesterol Q5/Q1 Risco Relativo Idade (anos) 50-59 60-69 70-79 80-89 Homem 2,5 1,7 2,3 5,6 p < 0,001 0,01 0,004 0,05 Mulher 3,1 3,5 2,8 4,8 p < 0,0001 0,0001 0,001 0,024 cou que o risco absoluto e atribuível da doença arte- rial coronariana não só aumentou dramaticamente com a idade como também seus resultados sugerem excesso de mortalidade naqueles idosos no quartil de colesterol mais elevado(13). A dislipidemia freqüentemente se associa a diabe- tes, hipertensão arterial, obesidade e doença renal, e sua relevância pontual dependerá do impacto do con- junto desses fatores dentro do risco cardiovascular glo- bal. Os dados epidemiológicos de octogenários devem considerar a elevada prevalência de doença arterial co- ronariana manifesta ou subclínica, a presença de co- morbidades, a alta mortalidade e a seleção natural. Nesse sentido, o “Cardiovascular Health Study”, estu- do observacional realizado em 5.888 indivíduos com idades acima de 65 anos em quatro comunidades ame- ricanas, demonstrou que a prevalência de doença ate- rosclerótica tanto manifesta como subclínica é elevada 548 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 LIBERMAN A e cols. Dislipidemias em octogenários nessa faixa etária(14). A doença arterial subclínica foi identificada de forma não-invasiva pelas medi- das da espessura da ca- mada médio-intimal caro- tídea, do índice tornozelo/ braquial, de discinesias da parede do ventrículo es- querdo à ecocardiografia ou de alterações eletrocar- diográficas. No início do estudo, 39% de homens e 35,9% de mulheres apre- sentavam doença aterosclerótica subclínica. Em seu seguimento, evidenciou-se que apenas uma minoria dos indivíduos era isenta de doença cardíaca e que a do- ença de apresentação silenciosa predominava sobre a forma manifesta(15). Os fatores de risco clássicos estão relacionados a ambas as formas de doença arterial coronariana, manifesta e subclínica (silenciosa). A utilização de marcadores de doença subclínica pode ser útil na identificação dos octogenários de alto risco, uma vez que não se utiliza o escore de Framin- gham em octogenários, pois esse escore não inclui ido- sos com mais de 79 anos. A identificação de doença subclínica e de HDL reduzido pode contribuir para a decisão clínica de intervenção preventiva farmacológi- ca . TRATAMENTO DAS DISLIPIDEMIAS A abordagem do tratamento das dislipidemias nos pacientes com mais de 80 anos deve ser cuidadosa, e implica a análise de múltiplos dados. Esse tema apre- senta alta complexidade diante das dificuldades que se apresentam nessa faixa etária: heterogeneidade das condições de saúde geral (grau funcional e cognitivo), alterações fisiológicas daidade, múltiplos fatores de risco, co-morbidades, interações medicamentosas de- correntes de polifarmácia e, finalmente, limitações so- cioeconômicas e análise de expectativa de vida. De acordo com o Programa Nacional de Educação em Colesterol do Departamento Nacional de Saúde em Washington (1993)(16), o tratamento da hipercolestero- lemia não é indicado se a expectativa de vida for inferi- or a dois anos. A expectativa de vida de um octogená- rio no Brasil é de 6,1 anos, segundo dados do IBGE de 2000(1). É relevante assinalar a maior freqüência no octoge- nário de dislipidemia secundária a outras doenças, tais como doença tireoidiana (mais comum no sexo femini- no), diabetes melito, insuficiência renal e doenças de caráter consumptivo. Nesse caso, o tratamento da do- ença de base pode levar ao desaparecimento da disli- pidemia. ESTUDOS DE INTERVENÇÃO FARMACOLÓGICA Os fármacos mais amplamente estudados no trata- mento das dislipidemias foram os inibidores da HMG- CoA redutase (estatinas). Entretanto, a limitada inclu- são de octogenários em estudos clínicos restringe a obtenção de dados obtidos por meio da medicina ba- seada em evidências científicas. Prevenção secundária Apenas dois estudos de prevenção secundária in- cluem octogenários: 1) “Heart Protection Study” (HPS)(17) – Esse estudo ava- liou 20.536 pacientes de 40 a 80 anos de idade, sendo 5.806 com idade ≥ 70 anos. O número exato de octo- genários não foi identificado, bem como a idade com que os octogenários incluídos chegaram ao término do estudo. Os pacientes apresentavam uma ou mais das seguintes condições: a) doença arterial coronariana (in- farto agudo do miocárdio, angina estável ou instável, revascularização miocárdica ou angioplastia); b) doen- ça oclusiva de artérias não-coronárias (acidente vas- cular cerebral, insuficiência vascular periférica, claudi- cação intermitente, endarterectomia de carótida); c) diabetes melito; d) hipertensão arterial tratada. O LDL- colesterol foi inferior a 116 mg/dl em 33% dos pacien- tes, entre 116 mg/dl e 135 mg/dl em 25%, e maior que 135 mg/dl em 42%. O tempo de seguimento foi de cin- co anos. Observou-se, com o uso de sinvastatina, re- dução da mortalidade em 18%, de incidência de pri- meiro infarto agudo do miocárdio em 38%, de infarto agudo do miocárdio não-fatal ou morte coronária em 27%, e acidente vascular cerebral em 25%. Tais redu- ções ocorreram em todas as faixas etárias, incluindo os octogenários. O HPS foi o primeiro estudo a assina- lar que pacientes com níveis relativamente baixos de colesterol em uso de estatina apresentavam benefíci- os semelhantes aos de níveis mais elevados. 2) “Prospective Study of Pravastatin in the Elderly at Risk” (PROSPER)(18)) – Destaca-se entre os estudos por ser o primeiro direcionado apenas a idosos. Incluiu 5.804 pacientes entre 70 e 82 anos de idade (média, 75 anos), com doença vascular (coronária, cerebral, periférica) ou com fatores de risco para doença vascu- lar (hipertensão arterial, tabagismo, diabetes melito). O colesterol total deveria estar entre 155 mg/dl e 350 mg/dl e os triglicérides, abaixo de 500 mg/dl. O tempo de seguimento foi de 3 a 5 anos, com média de 3,2 anos. Observou-se, com o uso da pravastatina, redu- ção de 15% no desfecho composto de mortalidade co- ronária, infarto agudo do miocárdio ou acidente vascu- lar cerebral, e redução de 24% na mortalidade coroná- ria. Não foi detectada redução significante de acidente vascular cerebral ou disfunção cognitiva, fato atribuído à falta de poder estatístico ou à curta duração do estu- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 549 LIBERMAN A e cols. Dislipidemias em octogenários do(19). Observou-se ainda que idosos com baixo HDL-colesterol apresenta- ram os maiores benefíci- os. Eventos adversos fo- ram relatados com igual freqüência entre o grupo placebo e o grupo pravas- tatina (55% vs. 56%, res- pectivamente). Mialgia foi relatada em 36 ocasiões no grupo pravastatina e em 32 vezes no grupo placebo. Nenhum grupo apre- sentou aumento de CPK maior que dez vezes o limite superior do normal. Aumento em transaminases maior que três vezes o limite superior do normal foi encontra- do em um paciente de cada grupo. Houve aumento de 25% na incidência de câncer (199 casos no grupo pla- cebo “versus” 245 no grupo pravastatina). Atribuiu-se essa ocorrência ao recrutamento de idosos com cân- cer oculto, e não a efeito do fármaco, uma vez que a incidência de câncer nessa faixa etária é de 290 casos em cada grupo, maior que o que foi encontrado. Além disso, não houve predomínio de um tipo de câncer e o aparecimento foi predominantemente no primeiro ano do estudo, considerado precoce para o tratamento pro- vocar tal efeito. Prevenção primária Grandes estudos clínicos documentaram de maneira conclusiva que as estatinas diminuem o risco dos even- tos coronários em pelo menos 30% dos pacientes por- tadores ou não de doença arterial coronariana conhe- cida. A maioria desses estudos com estatina, embora incluísse indivíduos com idades entre 65 e 75 anos, não incluiu o número suficiente de octogenários para obter as informações sobre o papel das estatinas na prevenção primária nessa faixa etária. 1) “Heart Protection Study” (HPS)(17) – Conforme men- cionado anteriormente, esse estudo incluiu pacientes de 40 a 80 anos, com seguimento de cinco anos. Seu planejamento foi de um estudo não apenas de preven- ção secundária, mas também primária, uma vez que incluiu pacientes sem doença arterial coronariana pré- via, portadores de doença cerebrovascular, e/ou insu- ficiência vascular periférica, e/ou diabetes melito, e obteve redução de eventos também nesses pacientes. Não foi fornecida a idade dos pacientes sem doença arterial coronariana; porém, na análise final, verificou- se que a redução de eventos vasculares foi menor em todas as faixas etárias de pacientes com o tratamento por estatina. Esse estudo não incluiu o número sufici- ente de octogenários para concluir o benefício da pre- venção primária nesses pacientes(20). 2) “Cardiovascular Health Study” (CHS)(21) – Estudo longitudinal realizado em quatro comunidades ameri- canas, que teve início em 1989, com 5.201 idosos da raça branca. Em 1992, foram incluídos 687 idosos da raça negra, totalizando 5.888 idosos saudáveis ≥ 65 anos. Destes, foram selecionados 2.914 idosos, com média de idade de 72,5 anos, sem doença cardiovas- cular no início do estudo, para avaliar o uso de hipoli- pemiante em prevenção primária no idoso. Foi admi- nistrado tratamento com estatina ou nenhum tratamen- to, de acordo com as diretrizes do Programa de Edu- cação Nacional do Colesterol. O objetivo primário de interesse consistiu em eventos cardiovasculares com- binados de infarto agudo do miocárdio fatal e não-fa- tal, acidente vascular cerebral fatal e não-fatal e morte por doença arterial coronariana, excluindo RM. O tem- po de seguimento foi de 7,3 anos. Durante esse perío- do ocorreram 382 novos eventos cardiovasculares (158 infartos, 159 acidentes vasculares cerebrais, e 64 mor- tes por doença arterial coronariana). No grupo estati- na, observou-se redução de 56% na incidência de even- tos cardiovasculares, e de 44% na mortalidade por to- das as causas. A redução do risco de eventos cardio- vasculares ocorreu entre participantes com idade de 65 a 73 anos e nos com ≥ 74 anos. Esse estudo pros- pectivo realizou verificação confiável dos eventos car- diovasculares, dos fatores de risco a cada ano, e do uso contínuo da medicação. Apresentou como limita- ções o pequeno número de eventos e mortes, reduzin- do o poder de encontrar diferentes associações em análises de subgrupo e o desenho observacional do estudo. A conclusão do estudo foi que, para prevenção primária em idosos, a terapia farmacológica deve ser considerada em pacientes de alto risco, comodiabe- tes, múltiplos fatores de risco ou doença subclínica (cer- ca de 80% dos idosos desse estudo seriam considera- dos de alto risco). O uso de estatina para prevenção primária de doença arterial coronariana em idosos para os quais se recomenda redução de colesterol asso- ciou-se com redução da incidência de eventos cardio- vasculares e mortalidade por todas as causas. 3) “Prospective Study Of Pravastatin In The Elderly” (PROSPER)(18) – Assim como o HPS, foi um estudo de prevenção secundária e também primária, uma vez que dentre os 5.804 indivíduos de 70 a 82 anos incluídos 50% apresentavam doença cardiovascular e 50% apenas fatores de risco. Analisando o subgru- po de pacientes sem doença arterial coronariana (pre- venção primária, n = 3.239), o uso de pravastatina não foi associado a redução dos desfechos primári- os (Fig. 4). EFEITOS COLATERAIS E SEGURANÇA As alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos medicamentos observadas em idosos reduzem a 550 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 LIBERMAN A e cols. Dislipidemias em octogenários faixa de segurança terapêutica e são exacerbadas pe- las co-morbidades presentes e pela polifarmácia. O conjunto desses fatores aumenta a possibilidade de efeitos colaterais, ainda mais freqüentes em octogená- rios que em idosos mais jovens(20). Assim, como com qualquer outro fármaco a ser utilizado nessa faixa etá- ria, medidas de precaução devem ser observadas. O tratamento deverá ser iniciado após prévia avaliação laboratorial dos perfis hepático, renal e muscular do paciente, a qual servirá de base para a orientação te- rapêutica posterior. Após o início do tratamento, é re- comendável repetir os exames entre a quarta e a sexta semanas, na vigência do fármaco, e como rotina se- mestral ou na introdução de fármacos com potencial interação com as estatinas. Os critérios para interrup- ção do tratamento estabelecidos são os aumentos de três vezes no valor máximo de TGP e de dez vezes da CPK. Outra preocupação no uso das estatinas é seu po- tencial carcinogênico, sobretudo em octogenários, fai- xa mais propensa às degenerações neoplásicas. No estudo PROSPER, o uso da pravastatina foi associado ao diagnóstico de câncer com significância marginal, durante o tratamento (245 [8,5%] pravastatina vs. 199 [6,8%] placebo; p = 0,02). A análise dos dados demons- trou que o aumento da incidência de câncer ocorreu na fase inicial do tratamento, sugerindo não haver cor- relação de causa/efeito. Entre os 1.600 indivíduos com câncer diagnosticado durante o HPS, não ocorreu au- mento significativo entre os participantes mais jovens ou mais idosos. Figura 4. Estudo PROS- PER -– Eventos cardiovas- culares de acordo com a prevenção primária e a pre- venção secundária(18). PREVENÇÃO DO ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL O papel das estatinas na prevenção do acidente vas- cular cerebral tem sido enfatizado nos últimos anos a partir de dados obtidos dos estudos de intervenção que visam primariamente à prevenção de doença arterial coronariana(17, 22). Durante o estudo HPS, mais de 1.000 participantes tiveram pelo menos um acidente vascu- lar cerebral. Houve redução significativa (25%) de even- tos cerebrais nos três primeiros anos de tratamento (p < 0,0001), e, após cinco anos, a redução do risco de acidente vascular cerebral foi significativa tanto em jo- vens como em idosos (< 70 anos na seleção: 274 [3,7%] sinvastatina vs. 349 [4,7%] placebo; p = 0,02; entre 70 e 80 anos na seleção: 170 [5,8%] sinvastatina vs. 236 [8,2%] placebo ; p = 0,0003). Não se observou evidên- cia de benefício da sinvastatina no declínio cognitivo. No estudo PROSPER(18), conforme mencionado an- teriormente, não foi detectada redução significante de acidente vascular cerebral ou disfunção cognitiva, fato atribuído à falta de poder estatístico ou à curta dura- ção do estudo (RR 1,03; IC 95%, 0,81-1,31; p = 0,81). Os investigadores sugerem que os benefícios das es- tatinas na prevenção do acidente vascular cerebral só se estabelecem após três anos de intervenção, enquan- to são mais precoces na redução de risco de doença arterial coronariana. CONCLUSÃO Cada vez mais o cardiologista sente-se propenso a Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 551 LIBERMAN A e cols. Dislipidemias em octogenários prescrever estatinas para os muito idosos portado- res de doença arterial co- ronariana. A extensão de seu uso para pacientes com doença cerebrovas- cular e periférica ou diabe- tes melito vem sendo pro- gressivamente incorpora- da à prática clínica diária. Essa decisão encontra subsídios no corpo de evi- dências dos benefícios promovidos por esses agentes hipolipemiantes na evolução das doenças ateroscleróti- cas e estimula seu emprego com critério e segurança. A falta de certezas na esfera da prevenção primária coloca o médico no desconfortável cenário da dúvida quanto à validade científica do ato de intervir no silên- cio. Entretanto, dados de estudos necroscópicos mos- tram lesões coronarianas em aproximadamente 90% dos indivíduos com idade acima dos 80 anos, embora apenas 30% a 40% fossem sintomáticos(23). As infor- mações da presença de doença cardiovascular mani- festa ou silenciosa em mais de 70% dos idosos no “Car- diovascular Health Study” reforça a idéia de que o ido- so é portador em potencial de aterosclerose, dificul- tando a distinção entre prevenção primária e secundá- ria, diante da alta prevalência das doença ateroscleró- ticas subclínicas. Recomenda-se, portanto, avaliação clínica e análise da segurança, da tolerabilidade e da preferência do octogenário ao se considerar tratamen- to farmacológico do idoso sem doença clínica manifes- ta, mas com múltiplos fatores de risco, em especial di- abetes. Colocar o idoso em perspectiva de suas motivações em viver, adaptação a suas limitações, inserção no ambiente familiar e social, necessidades e expectati- vas humaniza a relação médico/paciente e, se não con- fere certeza à dúvida científica, resgata pela ética o fundamento na arte de medicar. DYSLIPIDEMIAS IN OCTOGENARIANS ALBERTO LIBERMAN, CLÁUDIA FELÍCIA GRAVINA TADDEI, STELA MARIS GRESPAN The approach to treating dyslipidemias in patients older than 80 years must be adopted cautiously and implies the analysis of multiple data, i.e.: functional and cog- nitive health status, risk factors involved, comorbidities, presence of subclinical dise- ase, and drug interaction due to polypharmacy. While the relative risk of cardiovas- cular disease associated with dyslipidemia decreases in the aged, the absolute risk of morbidity and mortality increases with aging. The total cholesterol/HDL ratio re- presents the most important lipid fraction in the octogenarian and the identification of subclinical atherosclerotic disease helps to decide on treatment for primary pre- vention. Clinical evaluation, combined with analysis of safety, tolerability and patient preference, should be considered for primary prevention. For secondary prevention, pharmacological treatment is recommended with gradual introduction of medicati- on, along with careful monitoring of symptoms and drug interactions. Key words: dyslipidemia, octogenarian, statin, subclinical disease. ((Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:544-52) RSCESP (72594)-1578 552 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 LIBERMAN A e cols. Dislipidemias em octogenários REFERÊNCIAS 1. <http/www.ibge.gov.br/ home/estat íst ica/cen- s o 2 0 0 0 / t a b e l - brasil111.shtm> Acessado em 1/7/2002. 2. Nussbacher A, Rodri- gues GHP. 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É uma doença monogênica, com transmissão au- tossômica dominante, caracterizada pela presença de mutações nos genes que codificam o receptor da LDL, sendo necessária a presença de apenas um dos ale- los com a mutação para a manifestação clínica da do- ABORDAGEM TERAPÊUTICA DAS DISLIPIDEMIAS EM SITUAÇÕES ESPECIAIS: HIPERCOLESTEROLEMIA FAMILIAR HOMOZIGÓTICA REFRATÁRIA RAUL D. SANTOS, ANA PAULA MARTE CHACRA Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – 2º andar – Sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP A hipercolesterolemia familiar é doença autossômica dominante, que, em sua forma heterozigótica, afeta cerca de 1/500 pessoas, e, na forma homozigótica, 1/ 1.000.000 pessoas. Contudo, em famílias portadoras das mutações que diminuem a expressão do receptor da lipoproteína de baixa densidade, cerca de uma em cada duas pessoas é afetada. Ambas as formas associam-se a níveis elevados de coles- terol e doença arterial coronária precoce e na forma homozigótica há também doen- ça da aorta e da valva aórtica. Em alguns casos da hipercolesterolemia familiar heterozigótica e na maioria dos casos de homozigotos, além de uso de doses eleva- das de estatinas associadas aos bloqueadores de absorção do colesterol, podem ser necessários tratamentos alternativos, como derivação ileal, aférese e transplan- te hepático, para controle eficaz dos níveis extremamente elevados de colesterol. Palavras-chave: hipercolesterolemia familiar, estatinas, ezetimiba, plasmaférese, transplante hepático. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:553-60) RSCESP (72594)-1579 ença(2, 3). Essas mutações determinam a redução da síntese e da expressão dos receptores da LDL, com diminuição da capacidade de remoção dessas partícu- las da circulação e conseqüente aumento dos níveis plasmáticos de colesterol total às custas do LDL-co- lesterol. É uma das dislipidemias primárias mais fre- qüentes e, em sua forma heterozigótica, acomete cer- ca de 1:500 pessoas, ao passo que na forma homozi- gótica, muito rara, a prevalência é de 1:1.000.000. Es- tima-se que, no Brasil, existam cerca de 320 mil pes- soas afetadas pela forma heterozigótica e cerca de 160 pacientes com a forma homozigótica, a maioria das quais não recebe tratamento adequado. Esse fato é extremamente importante em decorrência do apareci- mento precoce da doença arterial coronária em porta- dores de hipercolesterolemia familiar. Dessa forma, a 554 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 SANTOS RD e col. Abordagem terapêutica das dislipidemias em situações especiais: hipercolesterolemia familiar homozigótica refratária doença sempre deve ser suspeitada na presença de níveis elevados de co- lesterol geralmente acima do percentil 95 para idade e sexo em portadores de doença coronária precoce e quando há história fami- liar tanto para dislipidemia como para doença coroná- ria. A triagem “em casca- ta”, ou seja, a de familia- res de portadores de doença coronária precoce ou dis- lipidemia é eficaz já que nas famílias de portadores de mutação um em cada dois indivíduos é afetado. Ob- serva-se alta penetrância dos genes mutantes em al- gumas populações, como no sul do Líbano, no sul da Itália e na África do Sul, dada a homogeneidadeétnica e a prevalência de consangüinidade nesses povos(3). A hipercolesterolemia familiar homozigótica, muito rara, é caracterizada pela presença de dois alelos, cada qual com uma mutação herdada do pai e da mãe, res- pectivamente. Os indivíduos com o fenótipo homozigó- tico praticamente não expressam receptores para re- moção da LDL, sendo observados valores de coleste- rol plasmático acima de 600 mg/dl e de LDL-colesterol, acima de 500 mg/dl. Na hipercolesterolemia familiar ho- mozigótica, são freqüentes os casos de consangüini- dade, isto é, de casamentos entre familiares portado- res da forma heterozigótica(4). Em decorrência das elevadas concentrações plas- máticas de colesterol, os pacientes apresentam qua- dro clínico característico. Os xantomas ocorrem em quase 100% dos casos de hipercolesterolemia familiar homozigótica, antes dos 10 anos de idade, e caracteri- zam-se por lesões na pele, que nada mais são do que depósitos de colesterol no tecido subcutâneo, localiza- dos mais comumente na face dorsal das mãos, cotove- los, joelhos e tendão de Aquiles(5).O comprometimento cardíaco pode se estabelecer precocemente, com a presença de doença arterial coronária prematura e quadro clínico de angina, infarto do miocárdio ou mor- te súbita já na primeira infância. A formação da placa de aterosclerose acomete locais pouco freqüentes, in- cluindo aorta ascendente, arco aórtico e óstios coro- nários. A alteração inicial é o espessamento das ca- madas íntima e média da parede da aorta ascendente, o que predispõe à formação de placas nessa localida- de(5). As deformidades anulares do arco aórtico, como a estenose supravalvar aórtica, são achados caracte- rísticos da hipercolesterolemia familiar homozigótica, mas também a válvula aórtica e o seio de Valsalva são acometidos pela aterosclerose prematura. A coronari- ografia revela alta proporção de pacientes com este- nose dos óstios coronários e lesão triarterial. Provavel- mente, esses locais, pouco convencionais do acometi- mento aterosclerótico, refletem que o ateroma apre- senta bases etiológica e fisiopatológica decorrentes da hipercolesterolemia pura, oposta à origem multifatorial da doença coronariana que se observa na população em geral(6). DIAGNÓSTICO O diagnóstico da hipercolesterolemia familiar homo- zigótica é feito na presença de níveis muito elevados de colesterol total às custa da fração LDL-colesterol (geralmente acima de 600 mg/dl), associada ou não à presença de xantomas ou doença arterial coronária pre- matura, além da história familiar de hipercolesterole- mia ou doença cardiovascular precoce. Pode-se con- firmar o diagnóstico por meio da determinação genéti- ca da mutação, em centros especializados(5). TRATAMENTO Tratamento farmacológico O tratamento da hipercolesterolemia familiar homo- zigótica ilustra a dificuldade em se controlar os níveis de colesterol plasmático dos pacientes, pois a respos- ta à terapêutica farmacológica é quase sempre precá- ria e varia de acordo com a mutação presente. Há ca- sos em que as doses máximas de estatinas diminuem os níveis plasmáticos de LDL-colesterol em 5% a 28%, enquanto em outros não se observa qualquer redução dos mesmos, demonstrando capacidade quase nula de expressão dos receptores hepáticos de LDL, mesmo com associação de vários hipolipemiantes(7). Em pacientes com hipercolesterolemia familiar ho- mozigótica, foi observada a potencialização do efeito hipolipemiante quando se associou o ezetimiba, na dose de 10 mg/dia, à atorvastatina, na dose de 80 mg/ dia, com reduções de 25% dos níveis de colesterol to- tal e LDL-colesterol(5). As estatinas, associadas ou não a outras drogas ou a outras terapêuticas, devem ser consideradas preco- cemente em pacientes com hipercolesterolemia famili- ar homozigótica, principalmente nos pacientes que não têm acesso a terapêuticas não-farmacológicas. O conhecimento da história natural das hipercoles- terolemias familiares homo e heterozigóticas, bem como a resposta precária à terapêutica medicamentosa, con- tribuíram para o desenvolvimento de técnicas alterna- tivas para a redução dos níveis de colesterol. Cirurgia de derivação ileal O colesterol proveniente da dieta e o colesterol en- dógeno, presente na bile, alcançam o intestino delga- do, onde sofrerão ação dos sais biliares, sendo emulsi- ficados em micelas. As micelas prendem-se à borda Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 555 SANTOS RD e col. Abordagem terapêutica das dislipidemias em situações especiais: hipercolesterolemia familiar homozigótica refratária em escova das membra- nas dos enterócitos intes- tinais, para que o coleste- rol seja transferido das micelas para os enteróci- tos no duodeno e no jeju- no, através de um trans- portador de esterol (estu- dos ainda não definiram a natureza molecular desse transportador). Após a ab- sorção, uma parte do co- lesterol contido nos enterócitos retorna novamente ao lúmen intestinal, através de um transportador denomi- nado ABCG5/G8. Os sais biliares incorporam o coles- terol no lúmen intestinal, para que sejam absorvidos no íleo terminal, retornando para o fígado. O colesterol não absorvido é eliminado com as fezes. O metabolis- mo intestinal do colesterol é responsável pela absor- ção de 60%, em média, do mesmo(2). A partir de reconhecimento do íleo terminal como uma região especializada no processo de absorção de sais biliares e, conseqüentemente, de colesterol, Bu- chwald idealizou a cirurgia de derivação ileal, realiza- da pela primeira vez em 1968, como adjuvante no tra- tamento de pacientes hipercolesterolêmicos(8). A cirur- gia consiste na exclusão do íleo, em alça cega, do trân- sito intestinal, para redução da absorção de sais bilia- res e colesterol. Existem poucos estudos na literatura que utilizaram essa técnica, sendo o maior deles o es- tudo POSCH(9), iniciado em 1978 e elaborado para tes- tar a eficácia da cirurgia de derivação ileal, comparada à dieta, na redução do colesterol e de eventos coroná- rios. Foi um estudo randomizado, duplo-cego, em que foram avaliados 823 pacientes com doença coronária prévia e colesterol total acima de 220 mg/dl. Nesse estudo, um grupo de pacientes recebeu dieta e outro foi submetido a tratamento cirúrgico. Foram observa- das reduções de 23% dos níveis de colesterol total e de 38% do LDL-colesterol, com redução da progres- são da aterosclerose avaliada por angiografia e redu- ção de 35% de eventos combinados incluindo mortali- dade cardiovascular após dez anos, e que persistiu até 18 anos de seguimento no grupo tratado com cirurgia, comparativamente à dieta(10). O estudo POSCH, por- tanto, foi o pioneiro a comprovar a teoria lipídica de que reduções dos níveis de colesterol plasmático, pela técnica de derivação ileal, corroboraram a redução de eventos cardiovasculares. Atualmente, a derivação ileal não é indicada para o tratamento das hipercolesterolemias moderadas, pois existem medicamentos mais eficazes, como as estati- nas, na redução do colesterol e de eventos cardiovascu- lares. Vale ressaltar que o estudo POSCH foi concebi- do numa fase em que as mesmas não eram disponí- veis. Outro medicamento, o ezetimiba, vem sendo utili- zado, preferencialmente à colestiramina, para diminui- ção dos níveis de colesterol plasmático em associação com as estatinas(5), por meio da inibição da absorção intestinal do mesmo, mas ainda não há ensaios clíni- cos que demonstrem sua eficácia na redução de even- tos. A experiência dessa técnica com pacientes hiper- colesterolêmicos graves deu-se por meio de um estu- do de casos controle, no qual 27 pacientes com hiper- colesterolemia familiar heterozigótica foram seleciona- dos para tratamento cirúrgico e outros 27 compuseram o grupo controle recebendo dieta. Os níveis de coles- terol total de ambos os grupos eram, em média,supe- riores a 500 mg/dl. Houve redução persistente do co- lesterol total de 33% no grupo cirúrgico comparativa- mente ao grupo controle, durante seguimento de dez anos, mas não se observou redução de eventos coro- nários e de mortalidade cardiovascular(11). Com base nesses estudos, a cirurgia de derivação ileal está indicada em pacientes com hipercolesterole- mia grave refratária, como adjuvante ao tratamento me- dicamentoso. O fator que limita o uso dessa técnica é que a mesma é muito invasiva, além dos efeitos cola- terais, como flatulência, diarréia e diminuição da ab- sorção de vitaminas lipossolúveis. Além disso, em nos- sa opinião, embora seja interessante, a proposta da derivação ileal foi implantada na época em que não se utilizavam doses elevadas de fármacos potentes como a atorvastatina e a rosuvastatina. Além disso, a associ- ação com bloqueadores de absorção era realizada naquela época com colestiramina, um medicamento muito menos tolerável que a ezetimiba disponível atu- almente. Dessa forma, esse procedimento só poderia ser realizado após refratariedade ao tratamento clínico mais atual. Ainda não existem estudos comparando a deriva- ção ileal a esses regimes farmacológicos mais moder- nos de tratamento no que concerne à prevenção da doença cardiovascular. Transplante hepático Quando se descobriu que 70% dos receptores para remoção da LDL plasmática se localizavam na superfí- cie dos hepatócitos, o transplante hepático pareceu ser uma terapêutica promissora, pois o fígado transplanta- do expressaria normalmente os receptores de LDL nos pacientes com ausência genética da expressão dos mesmos(12). O primeiro transplante hepático foi realizado, em 1984, em uma criança de 6 anos de idade, portadora de hipercolesterolemia familiar homozigótica, com car- diopatia isquêmica terminal decorrente da doença e que necessitava de transplante cardíaco, o que era inviável pelo defeito metabólico de base(12). Foram então reali- 556 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 SANTOS RD e col. Abordagem terapêutica das dislipidemias em situações especiais: hipercolesterolemia familiar homozigótica refratária zados, concomitantemen- te, transplante hepático e transplante cardíaco com sucesso, com normaliza- ção dos níveis de LDL-co- lesterol plasmáticos. Os dados de literatura demonstram 11 relatos de casos de transplante he- pático, em que todos os pacientes apresentavam diagnóstico de hipercoles- terolemia familiar homozigótica, com idades entre 2 e 46 anos. Desses pacientes, 7 receberam transplante de coração e fígado e 4 apenas de fígado. Os relatos de sobrevida são de quatro anos em 2 pacientes e de dez anos em 1 paciente(13, 14). O transplante hepático é uma terapêutica invasiva e com sobrevida limitada, além do risco de complica- ções, como rejeição crônica e efeito colateral das dro- gas imunossupressoras. Essa técnica é preconizada para pacientes com hipercolesterolemia familiar homo- zigótica grave, incluindo aqueles com apenas 2% de atividade dos receptores hepáticos para LDL, e que já apresentam comprometimento cardiovascular ou mes- mo na ausência do mesmo, como prevenção da pro- gressão da aterosclerose, pois o transplante normali- za os níveis de LDL-colesterol plasmático(15, 16). LDL-aférese O primeiro procedimento com plasmaférese foi rea- lizado em 1975(17, 18), em um paciente com hipercoles- terolemia familiar homozigótica, que consistia na se- paração do plasma do sangue para remoção do coles- terol e outros componentes plasmáticos. Relatos sub- seqüentes demonstraram que esse procedimento rea- lizado repetidas vezes, a longo prazo, apresentava efeito benéfico na redução da progressão da aterosclerose, além de prolongar a sobrevida de pacientes com hi- percolesterolemia familiar homozigótica(19). Várias tentativas foram feitas para se remover sele- tivamente as partículas de LDL do plasma. Em 1981, Stoffel utilizou uma coluna de sefarose, que continha anticorpos anti-LDL, o qual removia as partículas de LDL-colesterol. Esse procedimento foi denominado de LDL-aférese(17). Foram desenvolvidos outros métodos de LDL-afé- rese e, atualmente, as técnicas disponíveis são(17): 1) Imunoadsorção: consiste na remoção das partícu- las de LDL do plasma usando anticorpos anti-LDL. Foi o primeiro método a ser desenvolvido e tem sido utili- zado há mais de vinte anos. É formada por um separa- dor de células, que separa o plasma do sangue, e por uma coluna, que contém anticorpos policlonais de ove- lhas anti-apo B100 humana. A anticoagulação é ne- cessária com heparina e citrato. As colunas podem ser regeneradas e reutilizadas pelo mesmo paciente. 2) Adsorção pelo sulfato de dextram celulose: o sulfato de dextram faz uma ligação covalente com a celulose, formando um complexo que se liga seletivamente às partículas de LDL e lipoproteína de muito baixa densi- dade (VLDL). Após o plasma ser separado do sangue por uma membrana, o mesmo passa pela coluna que contém o sulfato de dextram celulose, que adsorverá o LDL-colesterol e o VLDL-colesterol do plasma. Há ne- cessidade de heparinização do plasma para passagem na coluna. Esse foi o primeiro método descartável de LDL-aférese. 3) Sistema extracorpóreo de precipitação da LDL pela heparina (sistema HELP): é um sistema completamen- te diferente dos demais, que envolve a precipitação das partículas de LDL pela adição de heparina no plasma. Após a separação do plasma do sangue, a heparina é adicionada ao plasma, reduzindo o pH do mesmo, quan- do ocorre a precipitação das partículas de LDL. Esse precipitado é removido por filtração. A seguir, o plasma passa por uma coluna de adsorção que remove o ex- cesso de heparina e acrescenta tampões de bicarbo- nato ao mesmo, restabelecendo o pH para que o plas- ma retorne ao paciente. Efeitos colaterais como san- gramento são raros. 4) Adsorção direta de lipoproteínas utilizando filtro de hemoperfusão (DALI): esse é o método mais moderno para remoção das partículas de LDL-colesterol e é o único que não preconiza a separação do plasma dos outros componentes do sangue. O sangue passa dire- tamente por um filtro de adsorção, que é formado por microporos revestidos por uma substância denomina- da ácido poliacrílico, que confere carga negativa aos poros. Quando o sangue passa pelo filtro, as apo B100 das partículas de LDL, carregadas positivamente, são atraídas para dentro dos poros carregados negativa- mente, sendo aprisionadas pelos mesmos. Os poros têm diâmetro semelhante ao diâmetro das partículas de LDL, permitindo apenas a entrada das mesmas, evitando assim que outros componentes do sangue também sejam retirados. Cada filtro é descartável, não podendo ser reutilizado, o que confere a esse procedi- mento custo elevado. A anticoagulação é necessária com heparina e citrato. É um procedimento eficaz, se- guro e bem tolerado, com pouquíssimos efeitos colate- rais. Aplicação clínica da LDL-aférese A principal indicação clínica da LDL-aférese é para pacientes com hipercolesterolemia familiar homozigó- tica, e pode ser realizada uma ou duas vezes por se- mana(20-22). São descritos casos de pacientes submeti- dos a LDL-aférese semanalmente, há pelo menos quin- ze anos, sem efeitos colaterais e com resolução dos xantomas e regressão da aterosclerose. As complica- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 557 SANTOS RD e col. Abordagem terapêutica das dislipidemias em situações especiais: hipercolesterolemia familiar homozigótica refratária ções mais freqüentes da hipercolesterolemia famili- ar homozigótica são fibro- se da válvula aórtica e es- tenose grave, combinada com obstrução do óstio de coronária, necessitando de cirurgia para troca val- var e revascularização mi- ocárdica. É possível que com a introdução de um método quediminua as concentrações de colesterol antes da instalação das complicações decorrentes da aterosclerose a necessi- dade de cirurgia seja significativamente menor. O ide- al, portanto, é o início da LDL-aférese antes dos 10 anos de idade. Efeitos colaterais Em relação aos efeitos adversos, que ocorrem de forma esporádica (4% dos pacientes), são observados instabilidade hemodinâmica, reações alérgicas ao ci- trato, sangramentos pelo consumo de fatores de coa- gulação, e redução de plaquetas e fibrinogênio. O efei- to colateral mais importante é a reação anafilactóide durante a aférese em pacientes que estão utilizando inibidores da enzima de conversão, pois essas reações são mediadas pela bradicinina e os inibidores da enzi- ma de conversão inibem seu metabolismo, sendo re- comendável que os pacientes interrompam o uso dos mesmos(17, 23, 24). LDL-aférese em crianças A LDL-aférese, em crianças homozigóticas, é eficaz em reduzir os níveis de colesterol acompanhado de reso- lução dos xantomas, além de melhorar os sintomas de isquemia miocárdica(22). Há relatos, na literatura, de 12 crianças com hipercolesterolemia familiar homozigótica que estão sob tratamento de LDL-aférese, com idades que variam de 6 a 17 anos, e que toleram bem o procedi- mento. Além de seguro, esse procedimento não interfere com o desenvolvimento e o crescimento dos pacientes. A única complicação é anemia por deficiência de ferro, que responde bem à reposição oral. LDL-aférese na doença arterial coronária A LDL-aférese representa uma terapêutica promis- sora para pacientes com doença arterial coronária e hipercolesterolemia severa, refratária ao uso de dro- gas hipolipemiantes. As evidências clínicas para seu uso são baseadas em estudos não-controlados, pela própria dificuldade ética em se randomizar pacientes com doença arterial coronária estabelecida para o uso ou não de drogas redutoras de colesterol(25-27). No período de 1992 a 1999, foram publicados oito estudos angiográficos com LDL-aférese(26-33). Cinco des- ses estudos não foram controlados, um foi controlado e não-randomizado, e somente dois foram controlados e randomizados. Todos envolveram pacientes com do- ença arterial coronária, a maioria deles portadores de hipercolesterolemia familiar heterozigótica. A LDL-afé- rese foi realizada uma a duas vezes por semana, num período de um a cinco anos, em que se utilizaram os vários métodos já descritos. Concomitantemente à afé- rese, foram prescritas medicações para a maioria dos pacientes, que incluíram estatinas, resinas de troca e probucol. Nos ensaios clínicos FHRS e LAARS(30, 31), ambos randomizados, apesar das reduções do LDL- colesterol de 44% e 47%, respectivamente, nos gru- pos tratados com drogas “versus” 53% e 63% nos gru- pos submetidos a aférese, não foram observadas dife- renças em relação à progressão ou à regressão das lesões ateroscleróticas avaliadas por angiografia. Em contraste, no estudo L-CAPS(32), não-randomizado, o grupo tratado com aférese associada a hipolipemian- tes orais apresentou redução do LDL-colesterol de 43%, com regressão angiográfica significativa das lesões, comparativamente ao grupo tratado somente com hi- polipemiantes, que, apesar da diminuição plasmática de 34% dos níveis de LDL-colesterol, não foram obser- vadas reduções angiográficas das lesões. Uma das explicações para a diferença de resultados entre os estudos é que a redução angiográfica da progressão da doença arterial coronária só ocorre quando a dimi- nuição plasmática dos níveis de LDL-colesterol ultra- passar o limiar de 40%. O impacto do tratamento com LDL-aférese na re- dução de eventos cardiovasculares foi avaliado no es- tudo de Hokuriko(33), que não demonstrou diferenças na mortalidade total, mas reduções de 70% de even- tos coronarianos no grupo aférese, comparado ao gru- po tratado com medicamentos. Esse não foi um ensaio clínico randomizado e as doses de estatina, no grupo controle, foram restritas a 10 mg e 20 mg de pravasta- tina por dia. O estudo retrospectivo que comparou a incidência de eventos coronários antes e depois da ins- tituição do tratamento com LDL-aférese (DALI), em 60 pacientes com doença arterial coronária e hipercoles- terolemia, demonstrou redução significativa de even- tos coronários no período pós-LDL-aférese(34). A LDL-aférese, combinada aos hipolipemiantes orais, é um método seguro e efetivo, que pode mudar o prognóstico de pacientes com hipercolesterolemia fa- miliar homozigótica, além de prevenir a progressão de doença arterial coronária em pacientes com hiperco- lesterolemia familiar heterozigótica, refratários à tera- pêutica convencional e com níveis de colesterol per- sistentemente elevados. Contudo, sua utilização é limi- tada pelo alto custo do procedimento. 558 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 SANTOS RD e col. Abordagem terapêutica das dislipidemias em situações especiais: hipercolesterolemia familiar homozigótica refratária REFERÊNCIAS 1. Brown MS, Goldstein JL. Analysis of a mutant strain of human fibroblasts with a defect in the internaliza- tion of receptor bound low density lipoprotein. Cell. 1976;9:663-75. 2. Defesch JC, Ferreira Junior JR, Martinez TLR. Disli- pidemias Primárias. In: Martinez TLR, ed. 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However, in families affected by these mutations that reduce the expression of the LDL receptor the prevalence is one in every two people. Both forms of the disease are associated with severely increased cholesterol levels, early onset of coronary artery disease and in the homozygous form disease of the aorta and the aortic valve. In some cases of heterozygous familial hypercholesterolemia, in addition to the use of elevated doses of statins associated with cholesterol absorption blockers, alternative treatments like ileal-bypass, apheresis and hepatic transplantation might be necessary to control the severely elevated cholesterol levels. Key words: familial hypercholesterolemia, statins, ezetimibe, apheresis, hepatic trans- plantation. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:553-60) RSCESP (72594)-1579 the aortic root by MRI: insights from patients with homozygous familial hypercholesterolemia. Circula- tion. 1998;98:509-18. 7. Tsimihodimos T, Miltiadous G, Elisaf M. 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Abordagem terapêutica das dislipidemias em situações especiais: hipercolesterolemia familiar homozigótica refratária 11. Koivisto P, Miettinen TA. Long-term effects of ileal bypass on lipoproteins in patients with familial hypercholesterolemia. Cir- culation. 1984;70:290-6. 12. Starzl TE, Bahnson HT, Hardesty RL, Iwatsuki S, Gartner Jr JC, Bilheimer DW, et al. Heart-liver trans- plantation in a patient with familial hypercholesterola- emia. Lancet. 1984;23:1382. 13. Bilheimer DW, Goldstein JL, Grundy SM, Starzl TE, Brown MS. Liver transplantation to provide low-den- sity-lipoprotein receptors and lower plasma choles- terol in a child with homozygous familial hypercho- lesterolemia. N Engl J Med. 1984;311:1658-64. 14. Shirahata Y, Ohkohchi N, Kawagishi N, Syouji M, Tsukamoto S, Sekiguchi S, et al. Living-donor liver transplantation of homozygous familial hypercholes- terolemia from a donor with heterozygous hypercho- lesterolemia. Transp Int. 2003;16:276-9. 15. 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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 561 XAVIER HT Efeitos pleiotrópicos das estatinas: um novo antiinflamatório? INTRODUÇÃO Os benefícios da terapia hipolipemiante com os ini- bidores da hidroximetilglutaril – coenzima A (HMG-CoA) redutase, as estatinas, estão bem estabelecidos. Fo- ram reconhecidos a partir da demonstração inequívo- ca, em um número expressivo de estudos clínicos, da capacidade de reduzir os principais desfechos cardio- vasculares: eventos isquêmicos coronários, necessida- de de revascularização do miocárdio, mortalidade car- diovascular e acidente vascular cerebral em todos os subgrupos, incluindo pacientes com manifestações de aterosclerose, diabéticos, hipertensos, idosos e mulhe- res, e também da mortalidade total em pacientes de alto e muito alto risco cardiovascular. Esses benefícios, considerados um efeito de clas- se, foram atribuídos, primeiramente, à redução dos ní- veis séricos de LDL-colesterol. A partir das análises de EFEITOS PLEIOTRÓPICOS DAS ESTATINAS: UM NOVO ANTIINFLAMATÓRIO? HERMES TOROS XAVIER Disciplina de Cardiologia – Divisão de Moléstias Cardiovasculares – Faculdade de Ciências Médicas de Santos – UNILUS Endereço para correspondência: Av. Ana Costa, 374 – cj. 102 – CEP 11060-002 – Santos – SP A aterosclerose é hoje reconhecida como uma condição mais complexa do que simplesmente um depósito lipídico na parede arterial. Inflamação e imunidade estão presentes em todos os estágios evolutivos e são responsáveis pelo agravamento do processo aterosclerótico e pela instabilização da placa. O tratamento com estatinas pode reduzir o risco cardiovascular por mecanismos independentes de sua ação hipolipemiante, capazes de modular a composição e a biologia da placa, contribuin- do para sua estabilização. Efeitos dependentes e independentes da redução do LDL- colesterol pelas estatinas parecem ser responsáveis pelas suas funções antiinfla- matórias. Embora reconhecido, o papeldos efeitos pleiotrópicos das estatinas ainda não foi testado adequadamente sobre desfechos clínicos. Palavras-chave: antiinflamatório, aterosclerose, efeitos pleiotrópicos, estatinas. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:561-6) RSCESP (72594)-1580 subgrupos, que demonstraram menor incidência de doença cardiovascular em pacientes tratados com es- tatinas comparados aos indivíduos sem tratamento, tendo ambos os mesmos níveis de LDL-colesterol, e que os efeitos do tratamento estavam presentes inde- pendentemente dos níveis basais de LDL-colesterol, mesmo em pacientes com LDL-colesterol < 100 mg/dl, estabeleceu-se a hipótese de que os benefícios do tra- tamento com estatinas na redução do risco cardiovas- cular poderiam não depender exclusivamente de sua ação redutora de LDL-colesterol, mas, também, secun- dariamente, a outros efeitos, denominados pleiotrópi- cos, os quais estariam relacionados a ações positivas sobre fatores envolvidos na patogênese da doença vascular aterosclerótica, hoje reconhecida como uma condição mais complexa do que simplesmente um de- pósito lipídico na parede arterial.(1-10) A aterosclerose é interpretada como uma resposta 562 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 XAVIER HT Efeitos pleiotrópicos das estatinas: um novo antiinflamatório? defensiva do tecido conec- tivo da parede arterial di- ante de uma agressão per- manente, em que a biolo- gia alterada da parede vascular pela ação dos agentes agressores pro- duz uma resposta tecidu- al caracterizada, funda- mentalmente, por inflama- ção e imunidade, que es- tarão presentes em todos os estágios evolutivos, desde a gênese até a placa vulnerável, sendo responsáveis pelo agravamento do processo e pela instabilização da placa ateroscleróti- ca.(11) Desse entendimento deriva o reconhecimento de que as estatinas podem reduzir o risco cardiovascular por mecanismos capazes de modular a composição e a biologia das placas ateroscleróticas vasculares, im- pedindo sua progressão e evitando a ruptura e as com- plicações tromboembólicas, contribuindo, assim, para a estabilização da placa. Mais recentemente, com a introdução dos marca- dores séricos de inflamação, a mensuração da ativida- de inflamatória sistêmica e vascular tornou-se possí- vel. A demonstração de que indivíduos com níveis per- sistentemente elevados de marcadores como proteína C-reativa, interleucina 6 (IL-6), amilóide sérico A, mo- lécula de adesão intercelular-1 (ICAM-1), P-selectina ou fosfolipase A2 associada à lipoproteína (Lp-PLA2) apresentam elevado risco cardiovascular tem levanta- do, atualmente, questionamentos importantes sobre o papel destes, não somente como marcadores mas como potenciais objetivos terapêuticos. Devemos des- tacar que as estatinas têm eficácia comprovada em diminuir os níveis desses marcadores inflamatórios, independentemente de sua ação hipolipemiante. Embora reconhecido, o papel dos efeitos pleiotrópi- cos das estatinas ainda não foi testado adequadamen- te sobre desfechos clínicos que possam distingui-los dos efeitos dependentes da ação hipolipemiante. Ain- da permanece incerto, também, o grau de benefícios derivados exclusivamente da ação hipolipemiante des- ses fármacos. EFEITOS PLEIOTRÓPICOS DAS ESTATINAS O mecanismo de ação das estatinas se dá pela ini- bição competitiva da HMG-CoA redutase, enzima cha- ve na biossíntese de colesterol (Fig. 1). Esse bloqueio da transformação da HMG-CoA em mevalonato interrompe a seqüência biológica de for- mação dos compostos intermediários da síntese do colesterol, os isoprenóides, precursores de diversas substâncias e responsáveis pela modulação de inúme- ros processos celulares, entre eles: produção e ação biológica do óxido nítrico endotelial, fenômenos proli- ferativos, quimiotaxia, migração e adesão celular, coa- gulação e fibrinólise, todos intimamente relacionados com inflamação e aterosclerose (Fig. 2).(12-14) Estudos “in vitro” têm demonstrado, de maneira uni- forme, o papel antiinflamatório das estatinas. Quando da administração desses agentes em culturas de célu- las que participam do processo aterosclerótico, como células endoteliais, células musculares lisas, monóci- tos/macrófagos e linfócitos T, ocorre diminuição das fun- ções celulares pró-inflamatórias implicadas no proces- so aterosclerótico. As estatinas podem interferir nos processos pró-in- flamatórios de adesão e migração celular por meio da diminuição dos níveis de expressão e função das pro- teínas mediadoras (Tab. 1). Existem dados relevantes de que a ação das estati- nas parece depender da menor ativação de algumas proteínas que interferem em várias e importantes vias de sinalização celular, as quais estão implicadas na modulação de processos inflamatórios e relacionadas a genes que condicionam a síntese de citocinas, fato- res de coagulação e maior expressão de óxido nítrico. A redução de mevalonato determina menor ativação das proteínas Ras e Rho, promovendo efeitos antiin- flamatórios, melhor equilíbrio hemostático e recupera- ção da reatividade vascular dependente do endotélio. Têm sido demonstradas outras ações imunomodulató- rias na inflamação, como a mobilização de células-tron- co e a diminuição da resistência à insulina, entre ou- tras.(16) É preciso ressaltar que a redução do colesterol, “per se”, também modifica favoravelmente os processos bi- ológicos e os mediadores pró-inflamatórios da estabili- dade da placa aterosclerótica (Tab. 2). Existem sugestivas evidências que suportam a hi- pótese de que as estatinas exerçam propriedades an- tiinflamatórias independentes de sua ação hipolipemi- ante; entretanto, ainda restam algumas incertezas a serem determinadas em estudos futuros. Algumas ações antiinflamatórias creditadas às estatinas, como a redução da expressão de metaloproteinases e pró- coagulantes, bem como a proliferação e a migração de células musculares lisas, ocorrem em modelos animais em resposta a dieta hipogordurosa isolada. As concen- trações de estatina necessárias para produzir efeitos diretos “in vitro” não são as normalmente utilizadas na clínica. As estatinas hidro e lipofílicas, a despeito de apresentarem efeitos antiinflamatórios distintos, promo- vem, ambas, os mesmos benefícios cardiovasculares. E, por último, a administração de outros agentes an- tiinflamatórios, como os inibidores da COX-2, não apre- sentam benefícios cardiovasculares e o conhecimento Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 563 XAVIER HT Efeitos pleiotrópicos das estatinas: um novo antiinflamatório? Figura 2. Compostos isoprenóides intermediários do colesterol e modulação de pro- cessos celulares. (Modificado de Liao (13).) Figura 1. Biossíntese do colesterol, bloqueio da HMG-CoA redutase. 564 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 XAVIER HT Efeitos pleiotrópicos das estatinas: um novo antiinflamatório? pode atenuar a oxidação das lipoproteínas e, portanto, diminuir os estímulos pró-inflamatório e ateroscleróti- co. Por outro lado, as propriedades antiinflamatórias LDL-independentes incluem uma série de mecanismos distintos que podem ou não envolver a via HMG-CoA redutase/mevalonato. Mesmo motivados por um interesse crescente so- bre os efeitos pleiotrópicos das estatinas, sobretudo as ações antiinflamatórias, o foco de nossa atenção permanece sendo o LDL-colesterol, o fator de risco mo- dificável primordial da aterosclerose, principal objetivo terapêutico no alcance das metas para a redução do risco cardiovascular. sobre seus potenciais efei- tos adversos ainda é limi- tado.(15-17) Em conclusão, e em resposta à questão inicial- mente formulada “As esta- tinas são um novo antiin- flamatório?”, poderíamos responder: “Sim, mas...” Embora exerçam funçõesantiinflamatórias, ambos os efeitos LDL-dependen- tes e LDL-independentes parecem ser responsáveis por essas funções. A redução dos níveis de LDL-colesterol Tabela 2. Efeitos antiinflamatórios da redução do co- lesterol “per se”. (Adaptado de Libby e Aikawa(17).) Redução do colesterol ↓ Redução do número de macrófagos ↑ Maturação das células musculares lisas ↑ Colágeno intersticial ↓ Expressão das matrizes metaloproteinases ↓ Expressão de fator tecidual ↓ Expressão de CD40 ligante/CD40 ↓ Expressão de moléculas de adesão (VCAM-1, MCP-1) ↓ Estresse oxidativo Tabela 1. Ativação de processos pró-inflamatórios e expressão de mediadores após a administração de estati- nas. (Adaptado de Schonbeck e Libby(15).) Processos Mediadores Tipo celular ↓ Adesão Mac-1, ICAM-1, VCAM-1 Mø e CT para o endotélio; E-selectina e L-selectina sangue periférico ↓ Migração MCP-1, IL-8 CE, CML, Mø e CT RANTES ↓ Proliferação CML e CE CE, CML e Mø ↑ Função endotelial eNOS CE LDL-ox e Endotelina-1 ↓ Degradação da matriz Metaloproteinases CE e Mø ↑ Apoptose Caspase-3/-9 CE, CML e Mø Prenilação de p21RhoB ↓ Trombose FT, VIIa, t-PA, Pq, TxA2 CE, Mø e Pq; Fib, PAI-1, PGI2 sangue periférico ↓ Mediadores inflamatórios CD40/-40L, TNFá, PCR, CE e Mø; IL-1ß/-6/-12, COX2, SA-A, sangue periférico IFNγ, MHC II PPARγ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↑ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 565 XAVIER HT Efeitos pleiotrópicos das estatinas: um novo antiinflamatório? REFERÊNCIAS 1. Xavier HT. Estatinas: ação hipolipemiante e efeitos pleiotrópicos. In: Manual de Dislipidemias e Cardio- metabolismo. São Paulo: BBS Editora; 2004. p. 167- 72. 2. Randomised trial of cholesterol lowering in 4,444 patients with coronary heart disease: the Scandina- vian Simvastatin Survival Study (4S). Lancet. 1994;344(8934):1383-9. 3. Shepherd J, Cobbe SM, Ford I, Isles CG, Lorimer AR, MacFarlane PW, et al. Prevention of coronary heart disease with pravastatin in men with hyper- cholesterolemia. West of Scotland Coronary Preven- tion Study Group. N Engl J Med. 1995;333(20):1301- 7. 4. Sacks FM, Pfeffer MA, Moye LA, Rouleau JL, Ru- therford JD, Cole TG, et al. The effect of pravastatin on coronary events after myocardial infarction in patients with average cholesterol levels. Choleste- rol and Recurrent Events Trial investigators. N Engl J Med. 1996;335(14):1001-9. 5. Downs JR, Clearfield M, Weis S, Whitney E, Shapiro DR, Beere PA, et al. Primary prevention of acute co- ronary events with lovastatin in men and women with average cholesterol levels: results of AFCAPS/Tex- CAPS. Air Force/Texas Coronary Atherosclerosis PLEIOTROPIC EFFECTS: STATINS AS ANTI-INFLAMMATORY AGENTS? HERMES TOROS XAVIER In the contemporary view, the atherosclerosis does not result from the passive lipid deposition in the arterial wall. Inflammation and immunity play an active and complex role in all stages of atherosclerosis. Statins reduce cardiovascular risk through mechanisms beyond mere lipid lowering and that action may derive from modulation of the composition and biology of the plaque, leading plaque stabilization. Both lipid- lowering -dependent and -independent functions appear to be responsible by anti- inflammatory effects of statins. Despite suggestive evidence, the role of the pleiotro- pic effects of statins remains controversy. Future studies addressing this issue must confront current uncertainties and concerns. Key words: anti-inflammatory, atherosclerosis, pleiotropics, statins. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:561-6) RSCESP (72594)-1580 Prevention Study. JAMA. 1998;279(20):1615-22. 6. Prevention of cardiovascular events and death with pravastatin in patients with coronary heart disease and a broad range of initial cholesterol levels. The Long-Term Intervention with Pravastatin in Ischae- mic Disease (LIPID) Study Group. N Engl J Med. 1998;339(19):1349-57. 7. MRC/BHF Heart Protection Study of cholesterol lo- wering with simvastatin in 20,536 high-risk individu- als: a randomised placebo-controlled trial. Lancet. 2002;360(9326):7-22. 8. Shepherd J, Blauw GJ, Murphy MB, Bollen EL, Bu- ckley BM, Cobbe SM, et al. Pravastatin in elderly individuals at risk of vascular disease (PROSPER): a randomised controlled trial. Lancet. 2002;360 (9346):1623-30. 9. Amarenco P, Labreuche J, Lavallee P, Touboul PJ. Statins in stroke prevention and carotid atheroscle- rosis: systematic review and up-to-date meta-analy- sis. Stroke. 2004;35(12):2902-9. 10. Law MR, Wald NJ, Rudnicka AR. Quantifying effect of statins on low density lipoprotein cholesterol, is- chaemic heart disease, and stroke: systematic revi- ew and meta-analysis. Br Med J. 2003;326 (7404):1423. 11. Fernandez-Britto JE, Xavier HT. A lesão ateroscle- rótica: patomorfologia e fisiopatologia. In: Dislipide- 566 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 XAVIER HT Efeitos pleiotrópicos das estatinas: um novo antiinflamatório? mias. Rio de Janeiro: Else- vier; 2005. p. 31-53. 12. James MM. Pharmaco- logic characteristics of sta- tins. Clin Cardiol. 2003;26 Suppl III:32-8. 13. Liao JK. Isoprenoids as mediators of the biological effects of statins. J Clin In- vest. 2002;110:285-8. 14. Callahan III AS. Vascu- lar pleiotropy of statins: clinical evidence and bio- chemical mechanisms. Curr Atheroscl Reports. 2003;5:33-7. 15. Schonbeck U, Libby P. Inflammation, immunity and HMG-CoA reductase inhibitors. 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Estudos clínicos randomizados controlados por place- bo têm demonstrado claramente que esses fármacos são capazes de reduzir o risco cardiovascular em di- versas populações submetidas a variados riscos de aparecimento das manifestações ateroscleróticas. Des- SEGURANÇA NA UTILIZAÇÃO DE FÁRMACOS HIPOLIPEMIANTES MARCELO CHIARA BERTOLAMI, ANDRÉ ARPAD FALUDI Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – CEP 04012-180 – São Paulo – SP Os fármacos hipolipemiantes têm sido desenvolvidos amplamente desde o reco- nhecimento do papel das dislipidemias como fatores de risco para aterosclerose e suas complicações. Hoje dispomos de medicamentos potentes e seguros, capazes de isoladamente ou em associação produzir adequação do perfil lipídico da maioria dos pacientes às metas terapêuticas recomendadas pelas diretrizes. Apesar disso, os dados internacionais mostram a subutilização desses produtos, particularmente nos pacientes de mais alto risco, que sabidamente apresentariam grandes benefíci- os se pudessem contar com sua prescrição. Uma das causas identificadas para a pouca utilização dos hipolipemiantes é o receio dos possíveis efeitos colaterais des- ses fármacos, principalmente quando doses maiores seriam necessárias. Diante disso, é de extrema importância o conhecimento, por parte dos profissionais de saúde, do perfil desegurança e das possíveis interações desses medicamentos entre si e com outros produtos utilizados freqüentemente na clínica. Esta revisão traz discussão sobre a segurança do uso dos hipolipemiantes isolados ou em asso- ciação, bem como sobre as possíveis interações importantes na prática diária. Palavras-chave: toxicidade de drogas, hiperlipidemia, efeitos adversos, interação de medicamentos. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:567-73) RSCESP (72594)-1581 sa forma, tem sido recomendado o emprego da medi- cação hipolipemiante com vistas à prevenção cardio- vascular por tempo indeterminado, procurando-se ade- quar as metas terapêuticas a cada situação individual de risco. Além disso, com a evolução do conhecimento agregado pelos diversos estudos, essas metas têm sido modificadas ao longo dos anos, tornando-se cada vez mais rigorosas, o que exige mais freqüente utilização de medicamentos para sua obtenção. Diante da ne- cessidade do emprego desses produtos por longos anos, muitas vezes em altas doses e/ou em associa- ções, é muito importante o conhecimento de seu perfil de segurança e de quais os cuidados que devem ser tomados para sua prescrição e uso continuado. Esses 568 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 BERTOLAMI M e col. Segurança na utilização de fármacos hipolipemiantes aspectos são abordados neste artigo. FÁRMACOS HIPOLIPEMIANTES Os medicamentos em- pregados para o tratamen- to das dislipidemias po- dem ser classificados, de modo simples, naqueles que agem principalmente sobre o colesterol e naqueles que atuam principalmente sobre os triglicérides. Essa classificação traz, portan- to, a informação de que todos eles podem, além de manifestar sua ação predominante, atuar sobre as ou- tras frações do perfil lipídico, como LDL-colesterol (co- lesterol de lipoproteína de baixa densidade), triglicéri- des e HDL-colesterol (colesterol de lipoproteína de alta densidade). Os que atuam principalmente sobre o co- lesterol são as estatinas, a ezetimiba e as resinas, en- quanto os que atuam preferencialmente sobre os trigli- cérides são os fibratos, o ácido nicotínico (niacina) e o óleo de peixe. As questões envolvendo a segurança e as interações dos diversos medicamentos serão dis- cutidas a seguir, de acordo com seu grupo farmacoló- gico. MEDICAMENTOS COM AÇÃO PREDOMINANTE SOBRE O COLESTEROL Estatinas São bem toleradas pela maioria dos pacientes. Vá- rios são os efeitos colaterais que podem surgir, depen- dendo do uso desses medicamentos: intolerância di- gestiva, cefaléia, distúrbios do sono, alopécia, disfun- ção erétil, alergias de pele, alterações hematológicas, dores articulares e neuropatia periférica, entre outros. A necessidade de suspender uma estatina por causa dos efeitos colaterais ocorre em média de 2,5% a 3% dos casos, independentemente de qual a estatina em- pregada. Os principais efeitos colaterais dependentes do emprego desses medicamentos são a miopatia e a hepatopatia. O aumento das transaminases (TGO e/ ou TGP) em conseqüência do uso das estatinas ocorre em 0,5% a 2% dos casos e é dose-dependente(1). Os aumentos das enzimas usualmente ocorrem nas pri- meiras 12 semanas de tratamento. Ainda é questioná- vel se o aumento das transaminases dependente do emprego das estatinas representa ou não verdadeira hepatotoxicidade. A chance de ocorrência de hepatite clínica com o uso das estatinas é inferior a um em um milhão de casos tratados(1). A progressão para insufici- ência hepática com as estatinas é extremamente rara, se é que ocorre(2). A reversão do aumento das transa- minases geralmente é observada com a suspensão do medicamento ou com a redução da dose e muitas ve- zes não reaparece com a reintrodução do mesmo pro- duto ou pela seleção de outra estatina(3). É contra-indi- cada a prescrição de uma estatina em paciente com doença hepática ativa, mas a presença de aumento crônico das transaminases pode até melhorar em pa- cientes com fígado gorduroso(4). A recomendação é de que se faça a determinação inicial das transaminases (TGO e TGP) antes de se iniciar o medicamento e pos- teriormente que se faça seu controle (a mais sensível é a TGP) a cada vez que se determina o perfil lipídico, principalmente se ocorrer aumento de dose(5). Reco- menda-se que se houver aumento das transaminases acima de três vezes o limite superior da normalidade, o tratamento deva ser suspenso ou pelo menos a dose reduzida(5). O aumento das transaminases antes de se iniciar o tratamento com estatina não é considerado contra-indicação para seu uso; entretanto, elas devem ser prescritas com cuidado nos casos em que há indi- cação. Pacientes com cirrose avançada apresentam aumento de dez a vinte vezes dos níveis séricos de estatinas. Entretanto, os pacientes portadores de cir- rose tipicamente têm baixos níveis de colesterolemia e não requerem agentes hipolipemiantes(6). A miopatia é o efeito colateral potencialmente mais perigoso das estatinas. O termo se refere a qualquer doença dos músculos, que pode ser adquirida ou her- dada e que pode se manifestar ao nascimento ou du- rante a vida. Ocorre em cerca de 5% dos pacientes tratados, o que não é diferente das taxas observadas nos grupos que empregaram placebo. Engloba diver- sas condições(1): - Mialgia: é a dor com ou sem fraqueza muscular, não acompanhada do aumento da enzima muscular (CK). - Miosite: refere-se aos sintomas musculares com au- mento da CK. Entretanto, há possibilidade da ocor- rência de aumento da CK, potencialmente perigo- so, absolutamente sem qualquer sintoma muscular. Em conseqüência, é recomendada a monitorização da CK durante o tratamento com as estatinas. - Rabdomiólise: define os sintomas musculares acom- panhados de aumento importante da CK (em geral acima de dez vezes o limite superior da normalida- de), leva ao aumento da creatinina com disfunção renal, urina escura e mioglobinúria. É potencialmente fatal, aparecendo a cada 100 mil prescrições de estatina. Uma pessoa em um milhão das que rece- bem estatina irá falecer em conseqüência da rab- domiólise(7). Os casos de rabdomiólise relatados em geral ocorreram em pacientes que empregavam uma estatina associada a um ou mais medicamentos, o que seguramente contribuiu para a ocorrência do problema. A retirada da cerivastatina do mercado Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 569 BERTOLAMI M e col. Segurança na utilização de fármacos hipolipemiantes internacional em 2001, pela constatação de que ela era responsável por oitenta vezes mais casos de miólise que os relata- dos para as outras estati- nas, trouxe preocupação entre médicos, pacientes e autoridades de saúde. En- tretanto, a prescrição cui- dadosa das estatinas, me- dicamentos muito úteis na prevenção cardiovascular, não perdeu espaço. Alguns pacientes assintomáticos poderão apresen- tar aumentos da CK entre três e dez vezes o limite su- perior da normalidade, o que exige monitorização se- manal dos níveis da CK. Se esses níveis ultrapassa- rem dez vezes o limite superior da normalidade, o me- dicamento deverá ser suspenso até que haja normali- zação dos níveis. Entretanto, mesmo que os níveis não atinjam dez vezes o limite superior da normalidade, se mostrarem aumento significativo em cada dosagem não há necessidade de esperar que aumentem mais e o medicamento deve ser suspenso até a normalização dos níveis. Posteriormente, outro medicamento pode ser testado ou até o mesmo em doses menores. Tem sido sugerida para os casos em que a estatina não é tolerada, por mialgia, mas a CK é nada ou pouco alte- rada, a prescrição da coenzima Q10, na tentativa de se conseguir manter a estatina. Entretanto, essa reco- mendação não é de consenso. Algumas situações sabidamente são fatores de ris- co para a miopatia induzida pelas