Buscar

alienacao fiduciaria registro de imoveis 2 2

Prévia do material em texto

�PAGE �
�PAGE �30�
 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA
	Sumário: 1. Conceito e Generalidades; 2. Caracteres; 3. Escorço Histórico; 4. Objeto e Regência Normativa; 5. Requisitos; 6. Efeitos Jurídicos; 7. Cumprimento Forçado do Contrato; 8. Alienação Fiduciária de Imóveis; 8.1. Generalidades; 8.2. Cumprimento forçado do contrato.
1. Conceito e Generalidades
Das garantias reais previstas no ordenamento jurídico, a alienação fiduciária sobressai por ser a única em que o domínio da coisa se transfere ao credor já no ato de constituição da dívida. É hoje a mais utilizada das garantias reais, perfeita para o credor, que se torna desde logo dono do bem e somente devolve a propriedade com o pagamento e extremamente vantajosa ao devedor, que conserva a posse direta da coisa. Gera, portanto, segurança àquele e utilidade econômica a este, superando os inconvenientes das demais formas de garantia.
Na alienação fiduciária, o devedor, que pretende a aquisição de coisa móvel ou imóvel, obtém do credor recursos financeiros para o negócio e, ao mesmo tempo em que faz a aquisição, transmite-lhe a propriedade resolúvel, retendo para si a posse direta. O mecanismo é muito comum na compra de automóveis. Não dispondo de dinheiro suficiente para adquiri-lo, o consumidor obtém de um Banco (geralmente ligado à concessionária) o capital necessário. Adquire o bem, entrega o domínio ao Banco e põe-se a pagar a dívida a prazo. Quando quitar a última parcela do financiamento, recupera a propriedade. 
Como se vê em Orlando Gomes, “a alienação é meio para alcançar o fim de garantia. Desnatura-se, porque se destina a um fim menor do que decorre de sua causa e constitui uma propriedade temporária. Na formação desse negócio jurídico, conjugam-se dois vínculos: o de transmissão da propriedade e o do seu retorno ao patrimônio do transmitente” �. Acrescenta o jurista baiano que, na alienação fiduciária, ocorre uma divisão da propriedade, não no sentido de cisão. O fiduciário adquire propriedade resolúvel, mas o fiduciante tem propriedade sob condição suspensiva. Por isso que o fiduciário, embora proprietário atual, “está condenado, no próprio título de sua constituição, a deixar de ser, quer porque o fiduciante a recobrará com o pagamento da dívida, quer porque terá de aliená-la a terceiro, se essa obrigação não for cumprida”�.
Por aí se vê que o mecanismo da alienação fiduciária envolve geralmente três personagens: o fornecedor, que é quem vende o bem e recebe do agente financeiro o respectivo preço; o devedor fiduciante, que é quem adquire o bem e conserva-lhe a posse direta e o credor fudiciário, que é quem financia a compra e recebe o domínio resolúvel. Quando o negócio fiduciário tiver como garantia bem que já integra o patrimônio do devedor, não haverá a figura do fornecedor. 
O domínio do credor fudiciário se diz resolúvel porque tem duração limitada no tempo. Se o devedor quita a dívida, o domínio lhe é devolvido, passando ele a proprietário e possuidor; se a dívida não é paga, o credor promove a busca do bem e o vende em leilão. Mercê da vedação do pacto comissório (CC, art. 1.365), o credor não poderá permanecer como proprietário da coisa, que, ao final do contrato, ou ficará com o devedor ou será oferecido em leilão a terceiros.
A origem etimológica do vocábulo “fidúcia” remete à noção de “confiança”. O negócio jurídico fiduciário, tal como praticado inicialmente em Roma, não tinha função de garantia e possibilitava ao fiduciário a livre disposição do bem. Quando isso ocorria, não restava ao fiduciante outro caminho senão o de demandar perdas e danos do fiduciário. Logo, o fiduciante confiava em que o domínio lhe fosse restituído, ou seja, fiava-se na honestidade e boa vontade do fiduciário. Com o passar do tempo, firmou-se o princípio de que, no pagamento da dívida ou no advento da condição resolutiva, a restituição do domínio era de rigor. Nesse momento, o negócio jurídico fiduciário deixou de se fundar na ideia da confiança, mas conservou sua nomenclatura. 
Guarda o instituto, como claramente se percebe, sensível diferença com as demais garantias reais. Estrema-se porque implica transferência antecipada do domínio. E, além disso, ao contrário do penhor comum e da anticrese, permite ao devedor manter-se na posse direta do bem. Diferença há também com a hipoteca, que não implica transmissão antecipada do domínio, embora em ambas a posse se conserve com o devedor na pendência da dívida. 
Semelhanças se verificam com a venda com reserva de domínio (CC, art. 521), mas não há confundir os institutos, primeiro porque aquela incide sobre móveis ou imóveis e esta apenas sobre móveis. Segundo, porque, na venda com reserva, a coisa já pertence ao credor, que a retém enquanto não recebe a dívida. 
A alienação fiduciária é conceituada por Caio Mário como “a transferência, ao credor, do domínio e posse indireta de uma coisa, independentemente de sua tradição efetiva, em garantia do pagamento de obrigação a que acede, resolvendo-se o direito do adquirente com a solução da dívida garantida” �. O conceito não demanda lapidação, porque envolve os principais elementos e efeitos do instituto em referência. 
Com efeito, alienação fiduciária em garantia é o negócio jurídico por força do qual o credor obtém do devedor o domínio resolúvel e a posse indireta de coisa móvel ou imóvel, possibilitando a ele o exercício da posse direta e restituindo-lhe a propriedade com o cumprimento da obrigação. A propriedade fiduciária é o direito que deriva do negócio. Logo, a alienação fiduciária é o ato de alienar, o que ocorre com o contrato; a propriedade fiduciária é o direito que daí decorre.
Vale isso a dizer que a alienação fiduciária é o contrato que serve de título à constituição da propriedade fiduciária, esta sim a garantia real. Há, de um lado, o contrato que se presta como título constitutivo e, de outro, a garantia real cujo título está no contrato�. Trata-se, destarte, de instituto simultaneamente afeto ao direito das obrigações (plano de validade) e aos direitos reais (plano de eficácia). 
A propriedade fiduciária, oportuno é destacar, não tem como escopo necessário garantir um negócio. Talvez por isso o Código não a tenha alocado no capítulo das garantias reais, deixando-a no Título que regula a propriedade, como uma forma de apropriação sobre coisas (art. 1.361 e ss.). Como se verá adiante, em Roma o instituto podia prestar-se a outros fins, o que se mantém até os dias presentes. 
Segue daí que nem toda propriedade fiduciária é uma forma de garantia. Conhece nosso sistema, por exemplo, a substituição fideicomissária, prevista nos arts. 1.951 e ss. do Código. Por ela, o testador nomeia alguém fiduciário, estabelecendo que, com a morte deste ou o advento de certa condição, os bens se transmitirão a terceiro, chamado fideicomissário. Esclarece o art. 1.953, nesse passo, que “o fiduciário tem a propriedade da herança ou legado, mas restrita e resolúvel”.
A propriedade fiduciária, no âmbito do direito das sucessões, é digna do nome, pois, ao entregar a coisa ao fiduciário, o testador confia em que ela será administrada o suficiente para ser entregue ao fideicomissário em perfeitas condições. 
Logo, a propriedade fiduciária resulta de negócio jurídico; se o escopo do contrato é o de criar uma garantia, então se tem uma garantia fiduciária. 
Curiosamente, porém, o art. 1.361 cuida apenas da fidúcia na função de garantia: “considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor”. 
Melhor teria sido, na verdade, se o instituto fosse alocado no título das garantias reais.
A garantia fiduciária é instituto relativamente novo no Brasil. É fruto do processo de industrialização que se iniciou nos anos sessenta do século passado, quando a dinâmica do mercado exigiu a concepção de novos instrumentos contratuais. Pode-se apontar sua gênese no DL 911/69, que alterou a Lei 4.728/65, conhecida como Leido Mercado de Capitais, para prever a garantia no art. 66. Este dispositivo foi depois revogado pela Lei 10.931/2004 e dizia que, “nas obrigações garantidas por alienação fiduciária de bem móvel, o credor tem o domínio da coisa alienada, até a liquidação da dívida garantida”.
Mais tarde, sobreveio a Lei 9.514/97, que instituiu a garantia fiduciária sobre bens imóveis no art. 22: “a alienação fiduciária regulada por esta lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”. Por força da Lei 11.481/2007, o legislador estendeu a garantia aos casos de enfiteuse, direito de uso especial para fins de moradia, direito real de uso e propriedade superficiária.
2. Escorço Histórico
Dizem os autores que a alienação fiduciária tem berço romano, ao contrário da hipoteca e da anticrese, que teriam origem grega, ao menos no tocante à nomenclatura. Duas eram as modalidades de propriedade fiduciária em Roma: a fiducia cum amico e a fiducia cum creditore. Tinham ambas em comum a transferência do domínio em caráter resolúvel. A primeira não apresentava propósitos de garantia e se fazia, geralmente, quando o soldado romano, antes de ir para a guerra ou empreender viagem, alienava seus bens a um amigo, para recuperá-los no retorno�.
A segunda, a fiducia cum creditore, ao contrário, ostentava natureza de garantia real, ou seja, transmissão de domínio, feita pelo devedor ao credor, até o total cumprimento da obrigação�. A primeira é o fundamento remoto da substituição fideicomissária; a segunda assinala as garantias fiduciárias hoje conhecidas. 
Os povos germânicos também conheceram a fidúcia, que, no entanto, gerava efeitos distintos da modalidade romana. No sistema romano, o credor investia-se na propriedade plena do bem, dele podendo dispor livremente, mesmo contra a vontade do devedor. Assim, caso aquele vendesse a coisa, não restava ao fiduciante outro direito senão o de demandar por perdas e danos�. No direito teutônico, a fidúcia gerava ao fiduciante o direito de sequela, uma vez paga a dívida ou advinda a condição. No modelo germânico, portanto, podia o fiduciante reivindicar a coisa das mãos de terceiro�, sendo seu direito dotado de sequela.
Há, como se vê, grandes diferenças entre aqueles dois modelos. No primeiro, conferia-se ao fiduciário poder jurídico de disposição, mas, apesar disso, o fiduciário se obrigava a retransmitir o bem ao fiduciante, desde que não o houvesse vendido a terceiro, caso em que a questão se resolvia em perdas e danos. Na fidúcia de tipo alemão, o fiduciário também adquiria uma titularidade condicionada resolutoriamente, porém o direito do fiduciante era dotado de eficácia erga omnes, de sorte que o advento da condição provocava o retorno da coisa àquele, mesmo estivesse ela em mãos de terceiro�.
Numa fase posterior, surgem nos territórios elizabetanos as figuras do trust receipt (recibo em confiança) e da chattel mortgage (garantia ou hipoteca sobre móveis). A primeira era um mecanismo em que o domínio da coisa móvel passava diretamente das mãos do vendedor para as do financiador, que depois entregava a posse ao beneficiário do financiamento, deste recebendo um documento, o trust receipt. Este documento declarava que o beneficiário possuía a coisa em nome do credor, a qual, uma vez vendida, gerava a obrigação de repassar o preço a este�. conferir 
Na chattel mortgage, que era uma espécie de hipoteca mobiliária, o devedor dava uma coisa de seu patrimônio ao credor, ensejando uma cisão do domínio, particularidade admitida no direito inglês. O devedor conservava o chamado “domínio substancial”, enquanto o credor adquiria o “domínio legal”. Assim, devedor e credor tinham propriedade sobre o bem, o que permitia ao primeiro, por exemplo, dar a coisa em sucessivas alienações a vários credores�. Trata-se, ao que parece, de algo muito semelhante à hipoteca dos nossos dias.
A fidúcia brasileira parece mais próxima do sistema alemão e do trust receipt, ainda que guarde semelhança com os demais modelos. É certo, porém, que o direito pátrio soube adaptar os vários paradigmas fiduciários à nossa realidade, modelando o instituto e criando uma categoria ímpar e diferenciada�. 
3. Caracteres
Podem ser apontados os seguintes caracteres para o instituto em apreço, a maioria dos quais, diga-se, são também comuns às outras garantias reais.
a) acessoriedade. A garantia fiduciária é acessória. Pressupõe dívida preexistente. Isso se deve à própria natureza do instituto. A garantia fiduciária é efeito direto e imediato do pagamento que o credor faz ao fornecedor da coisa. Não é possível, portanto, dissociar a garantia do contrato. 
Como se sabe, “a alienação fiduciária, como negócio de garantia que é, se desenvolve como um direito acessório, dependente de uma obrigação principal, notadamente um contrato de mútuo, pelo qual o devedor – chamado de fiduciante – realiza, por si, ou por intermédio de terceiro, a entrega de bem imóvel, para o credor – dito fiduciário -, em propriedade resolúvel, enquanto durar a obrigação principal” �.
Não cogita o Código na possibilidade de dívida futura a que aceda a alienação, como o fez na hipoteca (art. 1.487). Isso se deve à própria natureza do instituto. Contudo, não se exclui a possibilidade nos casos em que o devedor dá em alienação bem que já lhe pertence�. Nesta hipótese, o contratante aliena o próprio bem e submete a contratação da dívida a evento futuro e incerto. Valham aqui as observações que, a respeito, foram feitas para a hipoteca. 
b) forma e solenidade. Não existe garantia real verbal. A alienação fiduciária deve ser constituída ou por escritura particular ou por escritura pública. Em se tratando de imóvel, a escrituração se fará pela forma particular, sem excluir a opção pela pública, qualquer que seja o seu valor (Lei 9.514/97, art. 38, que excepciona o art. 108 do Código Civil). No caso de garantia fiduciária imobiliária, valem as mesmas regras da hipoteca quanto a capacidade e legitimação. 
O registro é, de sua parte, condição de eficácia da garantia�. Quando se tratar de alienação fiduciária de propriedade, enfiteuse, uso especial para fins de moradia, uso sobre imóveis e superfície, necessário será o registro à margem da respectiva matrícula (Lei 9.514/97, art. 23). Sendo a coisa móvel, o registro se fará no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor. De fato, diz o art. 1.361, § 1º, do Código, que “constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro”.
Atenção especial merece a segunda parte do dispositivo. Sua interpretação literal conduz à ilação de que a alienação fiduciária de automóveis deve ser registrada apenas nas repartições de trânsito, conclusão que se extrai da conjunção alternativa “ou”. Contudo, tem entendido a doutrina que, no caso de veículos, dois registros serão necessários, um na serventia de títulos e documentos e outro no órgão de trânsito.
A esse respeito, desenvolve Marco Aurélio Bezerra de Melo raciocínio que aqui se adota, porquanto judicioso. Diz ele que o objetivo do legislador foi o de dar maior publicidade ao gravame sobre automóveis, tendo em vista sua repercussão em face de terceiros adquirentes. Continua em vigor, portanto, ao lado do § 1º do art. 1.361, o art. 129, 5º., da Lei de Registros Públicos, que sujeita a registro no Cartório de Títulos e Documentos os contratos de alienação fiduciária sobre móveis�. 
c) transitoriedade. Não prevê o Código, nem as leis especiais, prazo máximo de duração da garantia fiduciária. Como ela deriva de um contrato e o contrato é sempre transitório, resulta que ela será temporária. Não convirá às partes convencionar alienação fiduciária semprazo, pois a dívida há de ter termo de vencimento. Doutra parte, transmissão do domínio em caráter definitivo desnaturará a propriedade fiduciária, que perderá seu caráter resolúvel e se converterá em domínio pleno.
O prazo será fixado de acordo com a conveniência dos contratantes. No caso de conflito levado ao juiz, deverá este atentar para a possibilidade de a longevidade do prazo ocultar a prática de juros usurários. 
d) complexidade. A alienação fiduciária em garantia é negócio complexo, porque, como acima foi visto, passa por dois momentos. Tem-se, primeiro, a aquisição do bem, que se fere entre o fornecedor e o devedor fiduciante; depois, tem lugar a dação da garantia, que se passa entre o devedor fiduciante e o credor fiduciário. Diante disso, ocorre a transmissão do domínio e da posse indireta ao credor, retendo o devedor a posse direta. Seu mecanismo envolve, portanto, a participação de três sujeitos. 
Nas demais garantias reais, a operacionalização é bem mais simples. Na hipoteca faz-se uma escritura, sem transmissão de posse ou domínio; no penhor, faz-se uma escritura e entrega-se ou não a posse; na anticrese, faz-se escritura e se transmite apenas a posse. Quando se trata de alienação fiduciária sobre bem do próprio devedor, o mecanismo é igualmente simples, porque não envolve transmissão de posse direta e não existe a figura do terceiro fornecedor. 
Afora tais caracteres, podem ainda ser mencionados a indivisibilidade, a possibilidade de vencimento antecipado da dívida e a vedação ao pacto comissório, características que, segundo foi afirmado nos capítulos anteriores, aplicam-se a todas as garantias reais. Não é por outra razão que o art. 1.367 do Código manda aplicar à garantia em questão o disposto nos arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.427 e 1.436.
4. Objeto e Regência Normativa
O instituto em exame foi criado no Brasil como meio de estimular a aquisição de coisas móveis. O DL 911/69 restringi-o aos bens móveis. Os imóveis somente se tornariam alienáveis em fidúcia com a Lei 9.514/97, que regulamentou o Sistema Financeiro Imobiliário. Posteriormente, a Lei 11.481/2007 incluiu na primeira outros direitos reais imobiliários além da propriedade (enfiteuse, uso especial para fins de moradia, superfície e direito real de uso).
Em razão das várias espécies normativas que recaem sobre o instituto, impende desvelar qual seu âmbito de aplicação.
No tocante aos móveis infungíveis, tem-se como certo incidirem as disposições do Código Civil (art. 1.361 e ss.) e as da Lei 4.728/65. Enquanto o primeiro franqueia a alienação a qualquer pessoa física ou jurídica, a Lei 4.728/65 aplica-se somente às operações firmadas no âmbito do mercado financeiro e de capitais (art. 66-B, com a redação que lhe deu a Lei 10.931/2004).
Quanto aos móveis fungíveis, como os frutos da agricultura, por exemplo, a mesma Lei 4.728/65, em seu art. 66-B, § 3º., alterado pela Lei 10.931/2004, permite sua alienação em fidúcia. A regra refoge do padrão tradicional e só pode ser explicada pela natural evolução por que passou a prática do financiamento bancário. Como se colhe daquele dispositivo, possível será também a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e de títulos de crédito. No primeiro caso, não se transmite o domínio do bem, mas o direito que sobre ela existir. 
Essas novas modalidades são peculiares, porque a posse direta da coisa ou do título é desde logo atribuída ao credor. Tem-se, então, curioso caso em que o credor é investido na posse direta e no domínio da coisa garantidora. Além disso, difícil se mostra a especialização quando o bem for fungível ou no caso de título de crédito. 
Relativamente aos bens imóveis, tem-se a Lei 9.514/97 (art. 22, § 1º.). Qualquer pessoa, física ou jurídica, e não apenas as entidades que compõem o Sistema de Financiamento Imobiliário, como as caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, as sociedades de crédito imobiliário e as demais entidades mencionadas no art. 1º. da Lei, poderão figurar como contratantes, conforme dispõe a Lei 11.481/2007. 
Extraem-se, em razão disso, as seguintes conclusões: 
a) podem ser objeto de alienação fiduciária em garantia: móveis infungíveis; móveis fungíveis; bens imóveis; enfiteuse; uso especial para fins de moradia; direito real de uso sobre imóveis; superfície; direitos sobre móveis e títulos de crédito;
b) aplicam-se ao instituto as leis seguintes: Código Civil (móveis infungíveis, art. 1.361); Lei 9.514/97 (imóveis, seja ou não o credor integrante do Sistema de Financiamento Imobiliário, bens enfitêuticos, direito especial de uso para fins de moradia, direito real de uso sobre imóveis e propriedade superficiária (art. 22 e incisos); Lei 4.728/65 (móveis fungíveis, direitos sobre bens móveis e títulos de crédito, desde que o credor integre o Sistema Financeiro Nacional);
c) a garantia fiduciária sobre imóveis pode ser livremente constituída por qualquer pessoa física ou jurídica;
d) a alienação fiduciária sobre móveis fungíveis, direitos sobre bens móveis e títulos de crédito só será possível quando o credor incluir-se no Sistema Financeiro Nacional;
 e) o DL 911/69 aplica-se somente às alienações fiduciárias previstas na Lei 4.728/65 e no Código Civil.
Não deixando dúvidas de que o Código se aplica subsidiariamente às demais garantias, cujo objeto não sejam móveis infungíveis, a Lei 10.931/2004 incluiu em seu corpo o art. 1.368-A. Não se demite a incidência do Código Civil, portanto, quando as leis especiais se mostrarem lacunosas. 
5. Requisitos 
São requisitos da garantia fiduciária a capacidade das partes, a escrituração pública ou particular, a especialização e o registro, além dos pressupostos do negócio jurídico em geral, como a licitude e possibilidade do objeto. Tais requisitos já foram abordados quando do exame das demais garantias gerais, não sendo necessário repisá-los. Contudo, o requisito da especialização, dada suas peculiaridades no instituto em questão, deve ser comentado. 
Já se sabe que o escopo da especialização é o de conferir visibilidade ao negócio jurídico, possibilitando às partes e a terceiros o pleno conhecimento dos termos do negócio e de suas circunstâncias. Importante é também a correta identificação do bem, a fim de propiciar segurança no ato de registro. Com isso se evita a alegação de ignorância por terceiros.
Em relação aos bens referidos pelo Código Civil (móveis infungíveis), tem-se que o contrato de alienação fiduciária deve observar os requisitos constantes no art. 1.362, a saber: o total da dívida ou sua estimativa; o termo de vencimento da dívida; a taxa de juros e a descrição da coisa dada em garantia, com todos os seus elementos identificadores. 
Quanto aos bens de que trata a Lei 4.728/65 (imóveis, móveis fungíveis, direitos sobre bens móveis e títulos de crédito, desde que o credor integre o Sistema Financeiro Nacional), seu art. 66-B estabelece como requisitos da especialização, além daqueles definidos no Código Civil (art. 1.362), a taxa de juros; a cláusula penal; o critério de atualização monetária e demais comissões e encargos.
Os requisitos da alienação fiduciária da Lei 9.514/97 serão abordados no item 8.1 abaixo.
6. Efeitos
Os efeitos jurídicos do contrato de alienação fiduciária não diferem, essencialmente, dos previstos para as demais garantias reais. Apresenta este negócio algumas particularidades, especialmente na transmissão da propriedade. Alguns efeitos são comuns a todas as alienações, mas há efeitos que se produzem apenas em algumas delas. 
a) transmissão do domínio e da posse indireta ao credor fiduciário. O principal e peculiar efeito da alienação fiduciária em garantia é a transferência da propriedade em favor do credor. É daí que o instituto toma seu nome, alienação no sentido de transferência do bem. O domínio se adquire, no caso dos imóveis, com o registro e, em se tratando de móveis, pela tradição ficta. 
O domínio que obtém o credor tem natureza resolúvel. Propriedade resolúvel, como sesabe, é aquela derivada de negócio jurídico modal (condição, encargo ou termo). É direito que se adquire na expectativa de vir a perdê-lo, desde que se realize o acidente previsto no negócio jurídico. Na condição suspensiva, a aquisição do direito fica na dependência de evento futuro; na resolutiva, o que fica na dependência é a extinção do direito, no caso a propriedade do credor fiduciário. Como se viu em Orlando Gomes, o devedor fiduciante tem propriedade sob condição suspensiva (virá a adquiri-la), enquanto o credor fiduciário a tem sob condição resolutiva (virá a perdê-la). 
Diz Francisco Amaral que “a propriedade do fiduciário é sob condição resolutiva, a meu ver, conditio iuris, não conditio facti. Verificando-se a condição, que é o pagamento do financiamento, extingue-se a propriedade fiduciária, o alienante fiduciante volta a ser proprietário do bem, com eficácia ex tunc, retroativa. Não se verificando o pagamento, não se consolida a propriedade nas mãos do fiduciário, pois a lei não permite o pacto comissório, impondo ao fiduciário a obrigação de vender o bem para se pagar” �.
Logo, o domínio do credor fiduciário se resolve com a quitação da dívida. Recebido o crédito na integralidade, a propriedade se resolve de pleno direito. 
Torna-se o credor, no ato da contratação da dívida, dono da coisa alienada, ainda que em caráter resolúvel. Embora proprietário do bem, não pode vendê-la antes do vencimento, porque o domínio, no instituto em questão, é indissociável do crédito. O que pode fazer é uma cessão de posição contratual, que envolve a transferência do débito e do crédito e, consequentemente, da garantia. 
A alienação fiduciária gera um desmembramento da posse, recebendo o credor a posse indireta, como decorrência do domínio que lhe é transmitido. Posse indireta, como já foi visto, não é posse, mas uma ficção legal. Seu único escopo é o de conferir proteção ao credor e assegurar-lhe o exercício da respectiva tutela judicial (ações possessórias, busca e apreensão etc). Na verdade, a posse indireta é uma decorrência da propriedade. 
b) conservação da posse direta com o devedor-fiduciante. Outro importante efeito da garantia fiduciária é a retenção da posse direta em favor do devedor fiduciante. Este transmite o domínio sobre o bem, mas conserva-lhe a posse, valendo-se do constituto possessório, que é uma forma de transmissão ficta. Como possuidor, pode extrair as vantagens do bem, usando-o e fruindo. Se o bem é imóvel, pode, por exemplo, estabelecer residência, alugá-lo ou arrendá-lo. Se é um automóvel, pode empregá-lo em viagens ou explorá-lo economicamente.
Como possuidor direito, faz jus aos interditos possessórios, inclusive contra o credor fiduciário, caso este lhe viole a posse. 
A posse, contudo, traz obrigações ao devedor fiduciante. É ele considerado um depositário (CC, art. 1.363, caput). Nessa qualidade, deve agir com zelo e diligência, praticando todos os atos necessários para a conservação do bem, realizando benfeitorias necessárias e suportando as despesas de manutenção. Na hipótese de um automóvel, a substituição periódica das peças e acessórios que se desgastam (óleo lubrificante, pneus etc) corre por sua conta.
 Também correrão por conta do fiduciante os tributos incidentes sobre a coisa, como IPVA, IPTU e ITR. As multas derivadas de infração a norma de trânsito, por ato do devedor fiduciário ou de terceiro, são de sua responsabilidade. 
Relativamente aos imóveis, o art. 27 da Lei 9.514/97 é claro atribuindo ao fiduciante o pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e outros encargos que venham a incidir sobre o imóvel enquanto estiver em sua posse ou de terceiro cessionário não reconhecido pelo fiduciário.
c) retransmissão do domínio ao devedor fiduciante. Extinta a relação jurídica fiduciária, a propriedade necessariamente se consolidará. Se adimplente o devedor, retransmite-lhe o credor o domínio, que, aliado à posse direta, implicará propriedade plena. Inadimplente, cumprirá ao devedor entregar a posse direta ao credor, que, pelo mesmo motivo, adquirirá o domínio pleno, embora obrigado a vender o bem e imputar na dívida o respectivo preço.
A aquisição do domínio pelo devedor fiduciante ocorrerá por iniciativa do credor, que expedirá declaração escrita quitando a dívida e autorizando a baixa do registro. Recusando-se o credor a fazê-lo, poderá o fiduciante compeli-lo com pedido de astreintes. A sentença apenas substituirá a vontade do credor, constituindo título hábil para a baixa do registro. 
Quanto à consolidação do domínio nas mãos do credor fudiciário, observe-se o item 7.1 abaixo, que trata do inadimplemento do devedor fiduciante.
d) cessão da posição contratual pelo credor fiduciário. O terceiro, interessado ou não, que paga a dívida garantida por alienação fiduciária, sub-roga-se de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária (art. 1.368). Pode, assim, exercer seu direito contra o devedor fiduciante, eis que o credor terá perdido qualquer interesse em permanecer na relação jurídica, já que recebeu o que lhe era devido. 
Exemplo: A, credor fiduciário, recebe de B determinada soma e, transferindo-lhe a posição contratual, deixa a relação jurídica. C, devedor fiduciante, é notificado e põe-se a pagar as prestações a B. Isso não gera a extinção da relação jurídica, mas apenas uma alteração em seu elemento subjetivo. Se C não pagar a dívida, o domínio se consolidará nas mãos de B. O exemplo se amolda aos arts. 286 e 299 do Código, que cuidam, respectivamente, da cessão de crédito e da assunção de dívida, já que o terceiro assume tanto os direitos quanto as obrigações do credor fiduciário. Quanto à sub-rogação, está ela, no caso, fundada no art. 346, III.
Chama a atenção o disposto no referido art. 1.368, que confere sub-rogação a terceiro não interessado, pois o art. 305 diz que o terceiro não interessado não se sub-roga, embora possa cobrar do devedor se pagar em nome próprio. Interpretado literalmente, o primeiro dispositivo parece ser uma exceção à regra geral, como entende Paulo Nader�. Segundo Venosa, o dispositivo em questão, permitindo a sub-rogação de terceiro desinteressado, abriu a possibilidade de o credor ceder sua posição contratual mesmo sem a anuência do devedor fiduciante. Diz ele, a propósito, ser relativamente comum a cessão da posição contratual pelo credor fiduciário, quando, diante da mora do devedor, transfere seus direitos e obrigações a uma empresa de cobrança�. 
A Lei 9.514/97 também prevê a sub-rogação em favor do terceiro que paga a dívida do fiduciante. Todavia, tal dispositivo não contempla a sub-rogação em favor de terceiro não interessado (art. 31). 
e) cessão da posição contratual pelo devedor fiduciante. Se o fiduciário não pode ficar com a coisa no caso de mora do devedor, pode o fiduciante ceder a terceiros seu direito eventual sobre ela. A faculdade vem estampada no parágrafo único daquele dispositivo, cuja redação é criticada pela doutrina, dada sua manifesta falta de clareza. De fato, assim está ele redigido: “o devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento desta”. 
O parágrafo deve ser interpretado no seguinte sentido: o devedor fiduciante pode ceder sua posição contratual a terceiro, desde que o faça com a anuência do credor. Dando-se a cessão, o terceiro assumirá a dívida e, ao mesmo tempo, terá direito ao domínio do bem, após a quitação do débito. O que não é possível é o devedor dar a coisa ao próprio credor, porque isso violaria a cabeça do art. 1.365, que veda o pacto comissório. 
Nova redação foi sugerida pelo Projeto 276/2007, que visa à alteração de vários dispositivos do Código. O parágrafo único daquele artigo ficaria com a seguinte orientação: “o devedor pode, com a anuência do proprietário fiduciário, ceder a terceiro a sua posição no polo passivo do contrato de alienação”.
A nova redação evitaria interpretações dúbias ou maliciosas do parágrafo.
A cessão da posição contratualé permitida também pela Lei 9.514/97 em seus arts. 28 e 29. 
7. Cumprimento Forçado do Contrato
O contrato de alienação fiduciária em garantia tem seu desfecho natural com o pagamento da dívida, o que gera a restituição do domínio da coisa ao devedor fiduciante. Contudo, pode dar-se de o devedor se tornar inadimplente, o que gerará uma crise no cumprimento do contrato. Com a frustração no recebimento do crédito, a lei abre ao credor a possibilidade de consolidação do domínio, mas, diante da proibição do pacto comissório, a consolidação deverá ser seguida pela oferta da coisa a terceiros.
7.1. Busca e apreensão
No caso da propriedade fiduciária sobre móveis, oriunda de contrato com entidades não financeiras, regem a matéria os arts. 1.364 e ss. do Código Civil. Determina o dispositivo que, “vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor”. Relativamente aos móveis referidos na Lei 4.728/65, aplica-se o DL 911/69, que regulamentou o diploma. O mesmo DL é aplicável supletivamente aos móveis referidos no Código Civil, por força do art. 2.043 deste. 
 Requisito incontornável a possibilitar a venda do bem pelo credor é o inadimplemento do devedor, seja ele absoluto ou relativo (mora). As duas formas de inadimplemento pressupõem o retardamento (atraso) no cumprimento das prestações. Diz o art. 1º., § 2º., do DL, que a mora decorre do simples vencimento da dívida. Cuida-se, portanto, de mora ex re, entendida como tal aquela que se perfaz independentemente de interpelação, notificação ou aviso. 
Sem embargo, a lei impõe ao credor, como requisito da retomada da posse, o protesto do título ou a prévia notificação do devedor�. A notificação, que somente será exigida do credor que pretende apreender o bem, é formal e solene, devendo ser encaminhada por cartório de títulos e documentos. Somente com a comprovação de que o devedor recebeu a notificação é que o credor poderá demandar a busca e apreensão.
Efetuada a notificação, poderá o credor promover a busca e apreensão do bem, pouco importando esteja este na posse do devedor ou de terceiro. Executada a medida, terá o devedor, na forma do art. 3º., § 2º., do DL, prazo de 5 dias para emendar a mora. Pela literalidade do dispositivo, o débito compreenderá não apenas as parcelas vencidas, mas também as vincendas, com o acréscimo dos juros legais ou convencionais, cláusula penal e despesas processuais. Como a dívida é paga na integralidade, o domínio do bem se transmite ao devedor, dando ensejo à extinção da relação jurídica. Vale isso a dizer que a emenda da mora, na hipótese do DL, equivale à remição da coisa.
O inadimplemento, de acordo com o DL, provoca a antecipação do vencimento das parcelas vincendas, de modo a permitir ao credor fiduciário exigi-las imediatamente. A antecipação opera por força de lei, razão por que não é necessário ser o devedor notificado disso (art. 1º., § 3º.).
Vêm os tribunais entendendo, apesar disso, que o valor, para a emenda da mora, ao menos nas relações de consumo, cifra-se apenas nas parcelas em atraso, não compreendendo as vincendas. Esse raciocínio decorre da exegese dos princípios do Código do Consumidor e do princípio da conservação do contrato.
Não se mostra razoável vedar ao consumidor a possibilidade de manter o contrato, pagando as prestações que, por uma dificuldade de momento, não puderam ser pagas nos respectivos vencimentos. Há que se fazer uma clara distinção entre inadimplemento absoluto, que não é o caso, e mora. E a purgação desta sempre será possível, tanto quando se verifica que a prestação é útil ao credor, como quando houver clara intenção de manutenção do contrato de consumo pela parte mais vulnerável da relação, aquela que carece de proteção em razão de sua hipossuficiência. Não se pode ceifar, antecipadamente, a possibilidade de o devedor poder permanecer com o bem e manter o contrato firmado. Assim sendo, não há que se falar em contrariedade ao disposto no art. 3º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/69 e, nesse passo, constata-se clara abusividade da cláusula contratual que prevê o vencimento antecipado das prestações em caso de inadimplemento de alguma das parcelas avençadas (TJSP. 34ª. Câm. Dir. Pri. AI 0265678-95.2011.8.26.0000, Rel. Des. Cristina Zucchi, j. 05.03.2012)�.
Mas é fora de questão que, nesta hipótese, o domínio do bem seguirá com o credor fiduciário até a liquidação do total da dívida. Não causando lesão a nenhum dos contratantes, justa é a solução, a impedir a antecipação do vencimento. 
Poderá também o devedor, tendo ou não emendado a mora, contestar a ação no prazo de 15 dias (art. 3º., § 3º). Mas, na primeira hipótese, a matéria de defesa ficará restrita ao valor do pagamento. Se o devedor pagou mais do que entendia devido, poderá, na resposta, pedir restituição (art. 3º., § 4º.). 
Escoado o quinquídio sem a emenda da mora, a propriedade fiduciária se consolidará em mãos do credor, que poderá pedir a baixa do gravame nas repartições competentes, inclusive a expedição de novo título, onde não constará a garantia real (art. 3º., § 1º.). Percebe-se, assim, que a consolidação da propriedade tem lugar ainda na pendência do processo, diretriz que certamente tem como fim facilitar a concretização do direito do credor, inovação esta trazida pela referida Lei 10.931/2004. 
Diante do disposto no art. 3º, § 8º., do DL, a ação de busca e apreensão é independente. Tem, portanto, natureza satisfativa, não exige o ajuizamento de ação principal nem a prestação de caução, medidas que, na busca e apreensão regida pelo CPC, seriam necessárias.
7.2. Conversão em depósito e impossibilidade da prisão do devedor fiduciante
Grave problema surgirá no caso de o bem não ser encontrado. Neste caso, poderá o credor a transformar em depósito a ação de busca e apreensão. Manda o art. 4º. do DL proceder na forma dos art. 901 e ss. do CPC. Tais dispositivos, que regem a ação de depósito, permitem a prisão civil do devedor fiduciante caso este não apresente o bem depositado (art. 904). 
Como é cediço, a regra do art. 904 funda-se no art. 5º., LXVII, do Texto Constitucional, que proíbe a prisão por dívidas, exceto no caso de devedor de alimentos ou de depositário infiel. Houve no passado fundada dúvida sobre se esse dispositivo constitucional, diante dos Dec 592/92 e 678/92, ainda prevalecia. O primeiro dos decretos acolheu entre nós o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), que assim dispõe: “ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”. O segundo dos decretos introduziu em nosso sistema as normas do Pacto de San José (1969), que assim prescrevem: “ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. 
Segundo se percebe, ambas as disposições internacionais conflitam com aquele preceito constitucional na parte que toca à prisão de depositário infiel. Após o advento daqueles decretos, doutrina e jurisprudência se dividiram, parte sustentando a abolição da prisão do depositário, parte defendendo sua manutenção. 
Prevaleceu a tese da abolição, sendo a questão resolvida à luz do § 2º., art. 5º., do mesmo Texto, que assim diz: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Sendo aqueles pactos tratados internacionais de que o Brasil é parte, dúvida não houve, num primeiro momento, de que a possibilidade de prisão do depositário infiel fora abolida. 
Contudo, a questão voltou à liça com a edição da Emenda Constitucional 45/2004, que, acrescentando o § 3º. ao art. 5º., determinou que os tratados internacionais sobre direitos humanos só valeriam como emenda à Constituição desdeque aprovados em cada casa do Congresso, em dois turnos e por voto de 2/3 de seus membros. Não era o caso, evidentemente, dos Dec. 592/92 e 678/92.
Sem embargo de opiniões em senso contrário, que rareiam a cada dia, é certo que a prisão civil do depositário está abolida do ordenamento jurídico brasileiro. Os que sustentam opinião contrária apegam-se àquela Emenda, cujo rito para a recepção de tratados internacionais não foi observado pelos decretos. Ora, a Emenda foi concebida em 2004, enquanto os decretos datam de doze anos antes. Na época, exigência alguma existia para que os tratados internacionais se incorporassem ao direito brasileiro, senão sua ratificação pela autoridade competente. A Emenda em apreço não poderia retroagir para apanhar situações consolidadas ao tempo da lei vigente.
Ao fim e ao cabo, consolidou-se posição no STF reputando inconstitucional a prisão do infiel depositário. Litterim:
Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula 619/STF. Tratados internacionais de direitos humanos: As suas relações com o direito interno brasileiro e a questão de sua posição hierárquica. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes (STF. 2ª. Turma. HC 96772-SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 09.06.2009, DJ 20.8.2009).
Submetida a plenário por sugestão do Min. Cézar Peluso, a questão foi objeto da súmula vinculante nº 25, em dezembro de 2009: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Nesse contexto, em março de 2010, foi baixada a Súmula 419 do STJ: “descabe a prisão civil do depositário judicial infiel”.
Diante disso, não mais se cogita na prisão do depositário infiel, no caso o devedor fiduciante que não apresenta a coisa alienada. Nessa hipótese, outro caminho não restará ao credor fiduciário senão o de executar o título e obter a penhora em bens do devedor. 
7.3. Venda do bem apreendido 
O art. 2º. do DL 911/69 confere ao credor grande liberdade na venda da coisa apreendida. Diz o dispositivo não ser necessário leilão, hasta pública e sequer avaliação. Basta ao credor fiduciário encontrar quem se disponha a adquiri-la. Não há recear que o credor a venda por preço muito abaixo de seu valor de mercado. Interessa-lhe recolher do bem seu máximo valor econômico, já que não poderá ficar com o domínio. 
Recebido o preço, será este imputado no valor da dívida, devidamente corrigido, acrescido de juros, cláusula penal, comissões e despesas oriundas da alienação (§ 1º.). Duas ocorrências poderão se verificar na prática: ou o preço é bastante ou então é insuficiente para cobrir a dívida. No primeiro caso, havendo excesso, será ele entregue ao devedor, segundo consta no art. 1.364 do Código Civil. Na segunda hipótese, seguirá o fiduciante obrigado pelo restante, conforme grafado no art. 1.366.
É certo que o credor fiduciário não pode ficar com a garantia se a dívida não for paga. A orientação aplica-se também aos bens referidos pela Lei 4.728/65. A revogação do art. 66 dessa lei, que vedava o pacto comissório, não muda a orientação, dada a incidência do art. 1.428 do Código Civil, norma que deve ser aplicada em todo o espectro das garantias reais. A não referência a esse dispositivo pelo § 5º do art. 66-B daquela lei não convence do contrário. Na verdade, a vedação ao pacto comissório vai além de uma simples regra, apresentando-se como um dos princípios do regime das garantias reais. 
O mecanismo criado pelo DL é fonte de insegurança para o devedor fiduciante, já que, optando o credor pela venda extrajudicial do bem e não se obrigando a avaliá-lo, não propiciará àquele informações fundamentais. Saber por qual valor o bem foi vendido é fundamental, pois, se o preço da venda for insuficiente, o fiduciante seguirá devendo. Não há nesse diploma dispositivo algum obrigando o credor a prestar contas ao devedor. Mas é certo que, ao executar o remanescente da dívida, o credor deverá informar ao juiz as condições em que ocorreu a venda�. 
7.1.4. Execução do título
O não cumprimento das obrigações do devedor fiduciante assegura ao fiduciário a faculdade de, ao invés de apreender o bem e consolidar-lhe o domínio, mover ação de execução por quantia certa, nos moldes dos arts. 585, VIII e 646 e ss. da lei instrumental civil�. O credor geralmente optará pela execução quando o bem não for encontrado, quando constatar que seu valor não cobrirá a dívida, tendo o devedor bens penhoráveis e de fácil liquidação ou quando, tendo apreendido e vendido a coisa, restar saldo devedor.
Necessário ressaltar que, se é permitido ao credor optar entre busca e apreensão e execução, não poderá converter em execução a busca, a não ser que o devedor ainda não tenha sido citado. Como a medida de busca e apreensão é concedida liminarmente, com a subsequente citação do réu (DL 911/69, art. 3º.), nada impede que, não sendo encontrado o bem, converta o credor em execução a busca, citando-se o devedor para, no prazo de 3 dias, pagar a dívida ou garantir o juízo, sob pena de penhora (CPC, art. 652).
Convenha-se que, diante da impossibilidade, constitucionalmente declarada, de prisão do depositário infiel, muito mais útil será ao credor converter em execução que em depósito a busca e apreensão.
8. Alienação Fiduciária de Imóveis
8.1. Generalidades
A garantia fiduciária sobre bens imóveis é categoria jurídica recente no Brasil, tendo surgido, como se viu, mais de trinta anos após o aparecimento da congênere sobre móveis. Regula a matéria a referida Lei 9.514/97, criadora do Sistema Financeiro Imobiliário e cujo art. 22 alberga a regra de que “a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”. Como se percebe, exceto no tocante ao objeto, aplica-se o mesmo conceito da propriedade fiduciária dos móveis. Iguais também são os efeitos, especialmente o desdobramento do direito real, retendo o fiduciante a posse direta e recebendo o fiduciário domínio e posse indireta.
A garantia fiduciária imobiliária foi criada com o mesmo objetivo que animou o DL 911/69, o de fomentar o consumo de bens. Contudo, a Lei 9.514/97 foi além, eis que incentivou não só a aquisição de imóveis, como também acabou por estimular a construção civil. Não é exagero dizer que essa lei incentivou a aquisição da casa própria, porque, conferindo maior segurança ao mutuante e grande rapidez na recuperação do crédito, facilitou enormemente o financiamento. A alienação fiduciária sobre imóveis desempenha, hoje, papel maior que, antes de 1997, cumpria a hipoteca na aquisição imobiliária. 
Cumpre relembrar que a Lei 9.514/97 permite que qualquer pessoa física ou jurídica, e não apenas as entidades que compõem o Sistema de Financiamento Imobiliário (instituições financeiras etc), figurem como contratantes, quer como fiduciantes quer como fiduciárias. É verdade que, na generalidade dos casos, tem-se um banco ou instituição de crédito a figurar como mutuante, mas essa não é uma condição necessária. Duas pessoas naturais poderão, assim, celebrar contrato de alienação fiduciária sobre imóveis (art. 22, p. 1º. , com a redação que lhe deu a Lei 11.481/2007).
O contrato em referência, qualquer que seja o seu valor e quaisquer que sejam as partes, não exige escrituração pública, contentando-se com a forma particular, segundo dispõe o art. 38, que, como foi visto, excepciona a regra geral do art. 108do CC. Imprescindível será, todavia, como condição de validade, a observância do art. 24, que cuida dos requisitos do negócio, inclusive a especialização, a saber: a) valor principal da dívida; b) prazo e condições de pagamento; c) taxa dos juros e de encargos; d) cláusula de constituição da garantia; e) identificação do imóvel e do respectivo título de aquisição; f) cláusula assecuratória da livre utilização da coisa pelo fiduciante; g) indicação do valor do bem para fins de leilão e h) cláusula dispondo sobre o procedimento de leilão do bem, que é o previsto no art. 27, para os casos de inadimplemento. 
O contrato deverá ser registrado na matrícula do imóvel, considerando-se constituída, a partir daí, a propriedade fiduciária (art. 23). Antes disso, como várias vezes foi salientado no exame das garantias reais, existirá apenas direito de crédito entre as partes.
O desfecho natural da alienação fiduciária sobre imóveis é o pagamento da dívida e a resolução do domínio do fiduciário, com a investidura do fiduciante em seu domínio pleno (art. 25, caput). Diante dessa ocorrência, cumprirá ao fiduciário, no prazo de 30 dias, fornecer àquele o respectivo termo de quitação, que servirá de título para o cancelamento do registro (art. 25, § 2º.). A própria lei comina sanção ao fiduciário que se recusar a dar o termo de quitação, impingindo-lhe multa de 0,5 por cento ao mês sobre o valor do contrato, rectius, do negócio, não do bem (art. 25, § 1º).
Diante da previsão legal de multa, não será lícito aos contratantes fixá-la no contrato.
8.2 Cumprimento forçado
Dando-se o retardamento da obrigação, primeira e necessária providência a ser tomada pelo credor é mandar intimar o devedor para, querendo, emendar a mora (art. 26, par. 1º.). A intimação não é promovida pelo credor, mas por requerimento dirigido ao oficial do Cartório onde está registrado o bem. A intimação tem o efeito de constituir em mora o devedor fiduciante, que, aqui, é ex personam.
A intimação deverá ser recebida pessoalmente pelo fiduciante, por mandatário ou por quem o represente. Poderá o oficial do Registro Imobiliário solicitar ao oficial do Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de situação do imóvel, ou da comarca onde reside o devedor, que efetue a intimação. Poderá, também, fazer a intimação por correio, desde que com aviso de recebimento. É o que se entende da confusa redação do § 3º. do art. 26. 
É de perguntar por que razão o oficial do Registro de Imóveis, que tem o dever de fazer a intimação, cometeria o ato ao oficial do Registro de Documentos. Entenda-se que a regra se aplica aos casos em que o devedor ou seu procurador reside em localidade diversa da comarca de situação do imóvel. Para facilitar a prática do ato, o primeiro se vale da ação do segundo, competente para a prática de atos na localidade. Mas, diante da possibilidade de intimação pelo correio, é mais provável que o oficial adote esse meio. 
Pode dar-se, ainda, de o fiduciante ou seu mandatário constituído encontrar-se em lugar desconhecido ou incerto. Em caso tal, mercê do princípio do devido processo legal, a intimação deverá processar-se por edital. A iniciativa é do oficial do Registro Imobiliário, que, durante três dias ao menos, fará publicar o edital em jornal de circulação local ou em veículo de comarca vizinha, se na localidade não houver jornal de circulação diária (§ 4º.). 
 Tal como previsto no DL 911/69, o legislador confere ao devedor a faculdade de pagar a dívida antes que a propriedade se consolide em mãos do credor. De fato, diz o § 1º. da Lei que o devedor poderá evitar a consolidação oferecendo-se para quitar o débito, nele compreendidas as prestações vencidas, as vincendas, os acessórios da dívida (cláusula penal e juros), débitos condominiais e tributários e despesas com a intimação. Valem aqui as mesmas observações apresentadas no item 7.1.1., o que significa dizer que as prestações vincendas, para os efeitos de emenda da mora, não se compreendem no débito. 
O prazo para purgar a mora, ainda de acordo com o § 1º. do art. 26, é de 15 dias. Observe-se também que, ao contrário da alienação fiduciária sobre móveis, a intimação do fiduciário deverá ser acompanhada do demonstrativo atualizado do débito, não se aplicando, portanto, a Súmula 245 do STJ�. 
Questão interessante diz respeito ao momento em que o credor poderá considerar em mora o devedor e pedir sua intimação. Bastará, para isso, o atraso de uma única prestação? Teoricamente sim, mas, em nome do princípio da conservação do contrato, devem as partes convencionar um mínimo de parcelas em atraso para caracterizar a mora. É o que dispõe o § 2º. do art. 26. Insista-se que, diante da clareza desse dispositivo, a fixação de lapso de carência não é uma opção; antes, uma obrigação, tanto mais porque se trata de prazo que favorece o devedor, geralmente um consumidor. 
Esgotado o prazo legal de quinze dias, duas ocorrências poderão se verificar. Primeiramente, poderá o devedor emendar a mora. O pagamento deverá ser feito perante o oficial do Registro Imobiliário, que, no prazo de três dias, entregará ao fiduciante a respectiva soma, deduzido o importe das despesas de intimação (§ 6º). No caso de demora no repasse, obriga-se o oficial a pagar juros e correção monetária, além de responder administrativamente, sendo certo, ainda, que ele deverá recusar pagamento parcial ou fora de prazo. O oficial não é devedor do credor fiduciário; é, na verdade, uma espécie de “mandatário legal”, sujeito às obrigações e responsabilidades previstas na Lei 8.935/94. 
A emenda da mora convalescerá o contrato (§ 5º), que, a partir daí, seguirá novamente seu curso. 
No caso de o devedor não emendar a mora no prazo legal, certificará a ocorrência o oficial registrador e, agindo de ofício, quer dizer, sem pedido do credor, averbará na matrícula a consolidação do domínio (art. 26, p. 7º). A consolidação do domínio, ressalte-se, exige o prévio pagamento, pelo fiduciário, do imposto de transmissão inter vivos. Interessante notar que este tributo é pago nesta oportunidade, e não no momento em que se faz o negócio jurídico fiduciário.
O fato de o imposto de transmissão não ser devido quando da contratação do negócio fiduciário, aliada a outras particularidades, levou alguns autores a sustentar que o credor fiduciário não tem, à luz da Lei 9.514/97, propriedade resolúvel. 
Nesse sentido, cotejando a redação do art. 22 daquela lei com as disposições do DL 911/69, diz Milhomem da Costa que não é possível confundir “contratar a transferência” e “transferir”. Para ele, “não parece plausível dizer que pelo contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel o devedor (fiduciante) efetivamente transfere a propriedade resolúvel ao fiduciário, mas, ao revés, que apenas contrata transferir, e, esclareça-se, com escopo de garantia, a propriedade resolúvel em favor do credor (fiduciário), pois o proprietário fiduciário, nesse caso, não está autorizado a praticar os atos permitidos ao proprietário resolúvel” �.
Reforçaria esta tese o fato de a alienação fiduciária imobiliária exigir a interpelação do devedor para efeitos de constituição em mora, que é ex personam. Tal conclusão se extrairia do caput do art. 26, que diz que a propriedade se consolida após ser constituído em mora o devedor fiduciante. O DL 911/69, em seu art. 2º., § 2º,, diz, ao contrário, que a mora opera de pleno direito, é dizer, sem necessidade de interpelação do devedor. 
A opinião não deve ser acolhida, pois equipara a alienação fiduciária a uma hipoteca. O fato de a lei exigir o pagamento do imposto somente no momento da consolidação e de estabelecer como requisito a prévia intimação do devedor não faz diferença. São providências que não têm outro escopo senão o de dar maior estímulo ao financiamento imobiliário. À luz do art. 22 da Lei 9.514/97, “contrata a transferência” deve ser lido como “transfere”. Vale isso a dizer que, tanto na alienação fiduciária mobiliária quanto na imobiliária, o credor fiduciário tem propriedaderesolúvel, sujeita a condição em ambos os casos. 
Acresce que o negócio fiduciário cria um patrimônio afetado. O direito que tem o credor é direito de propriedade, mas propriedade submetida a condição resolutiva�.
A consolidação da propriedade, feita nos moldes do par. 7º., permitirá ao fiduciário a venda do bem. Note-se: não se trata de faculdade, mas de dever. O credor fiduciário é obrigado a oferecer à venda a coisa; do contrário ter-se-á a execrável figura do pacto comissório. A venda em questão será realizada dentro no prazo de 30 dias, contados da data da consolidação, ou seja, da data do registro. Não é necessário que a venda se faça em juízo; ao contrário, a intenção do legislador foi a de facilitar a alienação do bem, fixando ambiente extrajudicial para isso (art. 27, caput).
O imóvel será oferecido a público, sendo previstos dois leilões. No primeiro, o bem só poderá ser arrematado se igualar ou cobrir o valor do imóvel, que não corresponde necessariamente ao seu valor de mercado, mas ao valor fixado nos termos do art. 24, VI. Caso contrário, dentro do prazo de quinze dias, segundo leilão será realizado (§ 1º.). Aqui, será aceito o maior lance, ainda que de valor inferior ao do imóvel, mas desde que suficiente para cobrir a dívida, seus encargos e acessórios, além das despesas com o procedimento (§ 2º).
Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald criticam o dispositivo, acoimando-o de inconstitucionalidade, já que feriria a cláusula do devido processo legal presente no art. 5º., LIV, do Texto. Isso porque a Lei 9.514/97 pareceu afastar ao controle do judiciário o procedimento de venda do bem. Como ninguém será privado de seus bens sem a possibilidade de controle pelo juiz, o dispositivo afrontaria a Constituição�. 
Não parece que se deva chegar a tanto. O que deve ser questionado é o fato de o § 2º., ao permitir a venda pelo maior lanço, poderá causar séria lesão patrimonial ao devedor. Imagine-se, de fato, que o devedor tenha pago 300 mil reais, de uma dívida de 500 mil reais. O bem, avaliado em 500 mil reais, pode ser arrematado, em segundo leilão, pelo valor em aberto, que é de 200 mil reais. Ou seja, o devedor perderá um bem que vale 1,5 vezes o importe que deve, enquanto o credor ficará satisfeito, recebendo a dívida (300 + 200), assim como mais satisfeito ficará o terceiro, que terá adquirido imóvel por quarenta por cento de seu preço de mercado (200).
Logo, perderá o devedor o imóvel e tudo o que pagou, com evidente e injusto enriquecimento do terceiro
No raciocínio desenvolvido por Flávio Tartuce e José Francisco Simão, o § 2º. não se ressente de inconstitucionalidade e pode ser empregado, desde que não cause prejuízo ou lesão a qualquer das partes ou de terceiro. Afirmam, assim, que, se o valor do lance não for muito inferior ao valor do imóvel, o leilão será válido�. Sustentam os juristas paulistanos, portanto, que o bem não pode ser adquirido por preço vil, intelecção, aliás, presente no art. 692 do CPC, que trata do leilão judicial.
Repousa o problema em saber se o preço oferecido pelo terceiro, no leilão previsto naquele dispositivo, é ou não aviltante. A questão poderá ser levada ao judiciário, que deverá atentar para a possibilidade de lesão ao devedor fiduciante (CC, art. 157) e enriquecimento sem causa do adquirente (CC, art. 883), fatos que repugnam à ordem jurídica. Como dizem aqueles autores, se o dispositivo não é inconstitucional, no mínimo fere o princípio da socialidade�.
O problema se agrava pelo fato de que os leilões se fazem longe dos olhos do juiz. É esta uma das desvantagens do processo simplificado de execução na Lei 9.514/97. É um ponto em que a simplicidade resulta em dano ao devedor fiduciante. 
Merece destaque, nessa esteira, a chamada “cláusula de perdimento”, disposição convencional que prevê a perda das parcelas pagas pelo devedor inadimplente. Cláusula desse jaez, a teor do art. 53 do Código do Consumidor, é nula de pleno direito. Mas há juristas que entendem que a Lei 9.514/97, sendo lei especial, está imune às normas consumeristas. É o que sustenta, dentre outros, Camargo Dantzger, respaldado em Arnoldo Wald�. 
Em parecer fornecido à Associação Brasileira das Entidades de Crédito e Poupança, afirmou Arruda Alvim que o entendimento segundo o qual o fiduciante teria direito à restituição das parcelas é uma conclusão absurda, pois possibilitaria ao devedor usar do bem sem nada pagar, já que o capital viria do próprio fiduciário�. Contudo, as coisas não são exatamente assim, pois, se o devedor recebe dinheiro do credor, põe-se a amortizar gradualmente a dívida, pagando juros e correção monetária�. O devedor está a pagar um mútuo feneratício. Chegará um ponto, no curso do contrato, em que o valor das parcelas pagas se aproximará do valor do bem. 
Mas não se pode admitir, por outro lado, que o fiduciante use gratuitamente o bem, sob pena de ilícito enriquecimento.
A questão se resolve pelo § 4º. do art. 27, que impõe ao credor a obrigação de restituir ao devedor a diferença que sobejar dos leilões. O cálculo deverá levar em conta o valor do empréstimo, o importe já pago, as parcelas vincendas, o valor atual do bem e a vantagem experimentada pelo fiduciante no uso da coisa�. O STF já tomou posição a respeito�.
Não há previsão de um terceiro leilão, ou de novo processo licitatório, na hipótese de não ser obtido lanço que cubra o valor da dívida ou de não afluírem licitantes. Nesse caso, a dívida se considerará extinta, mas ficará o credor exonerado da obrigação de indenizar as benfeitorias eventualmente introduzidas pelo devedor (§ 5º). Como a dívida se extingue, a baixa da garantia deverá ser promovida, cumprindo ao credor fazê-lo dentro do prazo de 5 dias, fornecendo ao devedor o respectivo recibo (§ 6º). Isso significa que, improdutivos os leilões, a propriedade do bem se consolidará plenamente com o credor, que poderá, a partir daí, dele dispor como lhe aprouver. 
Como a lei é categórica no sentido de que a dívida, após o segundo leilão, se extingue com lanço inferior ao valor do débito, não é lícito ao credor exigir a diferença, solução esta peculiar, que não se encontra nas demais formas de garantia real e se afasta da diretriz constante no art. 1.430 do Código Civil. Cuida-se, portanto, de uma particularidade da alienação fiduciária sobre imóveis. 
Cumpre destacar, ainda, a questão da posse após a consolidação da propriedade em mãos do credor. Como se sabe, a consolidação refere-se ao domínio, não à posse. Sendo assim, se o devedor fiduciante, após a perda do domínio, recusar-se a deixar o bem, poderá o fiduciário, assim como seus cessionários e sucessores e o adquirente, requerer reintegração de posse (na verdade “imissão na posse”), assinando ao possuidor prazo de 60 dias para desocupação (art. 30).
Achando-se locado o imóvel, a consolidação da propriedade também permitirá a retomada da posse, com prazo de 30 dias para desocupação. Contudo, se a locação houver sido autorizada pelo fiduciário, e isso deverá constar de cláusula contratual redigida em destaque, o prazo para a desocupação será de 90 dias. É o que se colhe da truncada redação do § 7º, art. 27, da lei em comento, com a redação que lhe deu a Lei 10.931/2004. 
 
 
 
� Perfil Dogmático da Alienação Fiduciária. Doutrinas Essenciais. Obrigações e Contratos. São Paulo: RT, 2011, V. 5, p. 475. Gustavo Tepedino; Luiz Edson Fachin (org.);
� Idem, p. 478;
� Instituições de Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. V. IV, p. 426. Carlos Edison do Rego Monteiro Filho (atual.);
� ALVES, José Carlos Moreira. Da Alienação Fiduciária em Garantia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 33; 
� SILVA, Luiz Augusto Beck. Alienação Fiduciária em Garantia. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 4; 
� Idem, pp. 4-5;
� RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio. Garantia Fiduciária. 3. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 24;
� SILVA, Luiz Augusto Beck. Op. Cit., p. 10;
� BAREA, Juan Batista Jordano. El Negocio Fiduciário. Barcelona:Bosch, 1959, p. 27;
� ALVES, op. cit., p. 26;
� Idem, p. 32;
� SILVA, Luiz A. B., ob. cit., pp. 17-18;
� LIMA, Frederico Henrique Viegas. Da Alienação Fiduciária em Garantia de Coisa Imóvel. Curitiba: Juruá, 1999, p. 41; 
� Súmula 28 do STJ: “O contrato de alienação fiduciária em garantia pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor”;
� “A cessão não registrada é ineficaz contra terceiro de boa-fé, produzindo, porém, seus efeitos entre as partes que participaram do negócio” (STJ. 3ª. Turma. REsp. 145901-SP, Rel. Min. Menezes Direito, j. 10.dez.1998).
� Direito das Coisas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 473-474;
� A Alienação Fiduciária em Garantia no Direito Brasileiro. Revista de Direito Civil. São Paulo. Out.-dez. 1982, p. 36;
� Ob. cit., p. 268;
� Comentários ao Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, V. XII, p. 527. Álvaro Villaça Azevedo (coord.);
� STJ. Súmula 72. “A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”;
� Em idêntico senso: “A nova redação dada ao Decreto-lei nº 911, de 1969, pela Lei nº 10.931, de 2004, não veda a purgação da mora. A faculdade de purgação restrita às parcelas vencidas prestigia a continuidade do contrato, princípio do Código de Defesa do Consumidor. Providência também útil ao credor fiduciário, que tem interesse no recebimento do valor financiado Determinação de restituição do veículo. Correta a decisão. Recurso não provido” (TJSP. 33ª. Câm. Dir. Priv. Rel. Des. Sá Moreira, j. 12.04.2012);
� “ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. BEM VENDIDO EM LEILÃO. CONSIDERAÇÃO DE VALOR DE VENDA, E NÃO VALOR DE MERCADO. INTIMAÇÃO PARA PAGAMENTO DO DÉBITO REMANESCENTE. DECISÃO MANTIDA. Para cálculo do débito, deve ser considerado o valor obtido com a venda do bem, e não seu valor de mercado. Tendo o exequente informado o valor obtido em leilão, e descontado o que foi apurado com o débito existente, correta a intimação para pagamento da diferença, com observação em relação ao cálculo apresentado” (TJSP. 31ª. Câm. Dir. Pri. AI 0050008-64.2012.8.26, Rel. Des. Ayrosa Andrade, j. 03.12.2012);
� “Tem o credor-fiduciário, para a satisfação do seu crédito ante o inadimplemento do devedor-fiduciante, as seguintes alternativas processuais: a) demanda de busca e apreensão do bem objeto da garantia; b) demanda de depósito; c) demanda de execução por quantia certa contra devedor solvente. Pode o credor livremente optar por qualquer daquelas vias, não existindo graduação legal. Cuida-se de autêntico concurso eletivo de ações. Naturalmente que, lançando mão de uma, não poderá simultaneamente valer-se das demais” (TJSP, 27ª Câmara, AI 990.09.359223-1, Rel.Des. Gilberto Leme, j. 02/02/2010);
� MELO, ob. cit., p. 487. Diz a Súmula: “A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito”;
� COSTA, Valestan Milhomem. A Alienação Fiduciária no Financiamento Imobiliário. Porto Alegre: Fabris, 2004;
� MEZZARI, Mario Pazutti. Alienação Fiduciária da Lei 9.514/97. São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 52-53;
� Ob. cit., p. 384;
� Ob. cit., p. 545;
� Idem, p. 546;
� DANTZGER, Afranio Carlos Camargo. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. 2. ed. São Paulo: Método, 2007, pp. 87 e ss.;
� Alienação Fiduciária de Bem Imóvel. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, 2, ...
� Seria iníquo exigir-se do fornecedor a devolução integral, pura e simples, das parcelas pagas pelo apelante monetariamente atualizadas. Desse modo, com intuito de se estabelecer o equilíbrio contratual e atender à cláusula geral de boa-fé (arts. 4º, inciso III, e 51, inciso IV, do CDC), deve ser descontada a vantagem econômica auferida pelo consumidor com a fruição do bem, bem como a sua respectiva depreciação. Far-se-á esse cálculo por arbitramento judicial, nomeando-se perito, que avaliará qual será a devolução a que o consumidor terá direito, considerando o valor das prestações pagas, a vantagem econômica auferida por ele com a fruição do bem, além da depreciação do veículo (TJMG. Ap. Cív. 2.000.000. 310621, Rel. Des. Maria Elza, j. 27.09.2000).
� ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLÊNCIA. RESTITUIÇÃO DASPARCELAS PAGAS. DESCABIMENTO. HIPÓTESE DO ARTIGO 53 DO CÓDIGO DEDEFESA DO CONSUMIDOR NÃO CARACTERIZADA. A rescisão do mútuo com alienação fiduciária em garantia, por inadimplemento do devedor, autoriza o credor a proceder à venda extrajudicial do bem móvel para o ressarcimento de seu crédito, impondo-lhe, contudo, que entregue àquele o saldo apurado que exceda o limite do débito. Daí não se poder falar na subsunção da hipótese à norma do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, o qual considera nulas, tão-somente, as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas, no caso de retomada do bem ou resolução do contrato pelo credor, em caso de inadimplemento do devedor, tampouco no direito deste de reaver a totalidade das prestações pagas. (STJ. 3ª. Turma, REsp. 166753-SP, Rel. Castro Filho, j. 03.05.2005).

Continue navegando