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O BANDO DE HELLEQUIN

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O BANDO DE HELLEQUIN 
 
Orderic ouve o relato da própria boca da testemunha, um jovem padre, 
chamado Walchelin, pároco da igreja de Bonneval, que pertencia a Saint-Aubin 
de Angers. 
 Na noite de 1º de janeiro de 1091, ele voltava de uma visita feita a um 
doente de sua paróquia quando, sozinho e longe de qualquer habitação, ouviu o 
fragor de um “exército imenso", que tomou pelo de Robert de Bellême a caminho 
do cerco de Courcy. A noite estava clara, o padre era jovem, corajoso e robusto: 
abrigou-se entre quatro nespereiras, disposto a defender-se, se necessário. 
Nesse instante, apareceu-lhe um gigante armado de um porrete, que lhe ordenou 
permanecer onde estava para assistir ao desfile do “exército" (exercitus), por 
vagas sucessivas. 
O primeiro grupo é o mais díspar. Forma uma " imensa tropa de infantes“, 
com bestas de carga carregadas de vestimentas e de utensílios diversos, como 
se se tratasse de salteadores vergados sob o peso de seu butim. Eles apressam 
o passo, gemendo, e entre eles o padre reconhece vizinhos recém-falecidos. 
Segue-se um bando de coveiros (turma vespilliouum), a o qual se junta o gigante; 
eles carregam dois a dois umas cinquenta padiolas transportando anões cuja 
cabeça é desmedidamente grande ou reveste-se da forma de um pote (dolium). 
Dois etíopes - [Pg. 114] demônios negros - carregam um tronco de árvore no 
qual está atado e é torturado um infeliz que urra de dor; um demônio terrificante, 
sentado sobre o tronco, fere-o nas costas, golpeando-o com suas esporas 
incandescentes. Walchelin reconhece o infeliz: foi ele que, dois anos antes, 
matou o padre Étiennee depois morreu sem ter expia do seu crime. Segue-se 
uma multidão de mulheres a cavalo, senta das de lado em selas providas de 
pregos ardentes; sem cessar o vento as ergue à altura de um côvado, depois as 
deixa cair de novo dolorosamente sobre suas selas; seus seios estão varados 
de pregos incandescentes que as fazem gritar, confessando suas faltas. Essas 
mulheres, entre as quais Walchelin reconhece várias nobres, viveram na 
libertinagem e no fausto 
 O padre, terrificado, vê em seguida um "exército de clérigos e de monges", 
conduzidos por bispos e abades empunhando seu bastão episcopal. Os 
seculares estão vestidos com uma capa negra, os regulares com uma coagulam 
negra. Lamentam-se e suplicam a Walchelin, que chamam pelo nome, que ore 
por eles. O padre espanta -se de encontrar ali homens que tivera em grande 
estima antes de sua morte: especial mente o bispo Hugues de Lisieuxm (morto 
em 1077), os abades Mainer de Saint-Évroult (morto em 1089) e Gerbert de 
Saint-Wandrille. Mas só Deus pode sondar os corações e decidir submeter os 
pecadores "às diversas purificações do fogo purgatório ". 
 Mais terrível ainda é o grupo seguinte, que justifica a descrição mais longa 
e mais precisa: é o "exército de cavaleiros" (exercitus militum), todo negro e 
cuspindo fogo. Em cavalos imensos, eles se apressam, munidos de toda espécie 
de armas e de estandartes negros, como para ir à guerra. O padre reconhece, 
entre outros, Richard de Bienfaite e Baudoin de Meules, os filhos do conde 
Gilbert de Brionne, ambos mortos "recentemente", e sobretudo Landry, 
"visconde e advogado" de Orbec, morto naquele ano, que apostrofa Walchelin 
para o encarregar de uma missão perante a sua mulher. Mas os outros lhe dizem 
para não escutar esse mentiroso, um parvenu corrompido e sem piedade. 
 Quando vários milhares de cavaleiros passaram, Walchelin se dá conta 
de que se trata, sem nenhuma dúvida, do bando Hellequin (familia Herlechini): 
ele já ouvira dizer que muitas pessoas o haviam visto, mas não acreditara em 
seus informadores e até mesmo zombara deles. Receia, por sua vez, que não 
creiam nele, se não levar um aprova certa (certum specimen) de sua visão. Por 
isso, decide capturar um dos cavalos negros que passam sem cavaleiro. 
O primeiro lhe escapa. Ele barra [Pg.115] o caminho do segundo, que 
para como para o deixar montar e exala pelas ventas um a nuvem de fogo do 
tamanho de um carvalho. O padre introduz o pé no estribo e segura as rédeas, 
mas sente imediatamente uma intensa queimadura no pé e um frio indizível na 
mão. Tem de soltar o animal quando quatro cavaleiros surgem, acusam-no de 
tentar roubar seu bem e lhe ordenam que os acompanhe. Mas o quarto cavaleiro 
interpõe-se: quer confiar-lhe uma mensagem para sua mulher e seus filhos. 
Walchelin responde que não o conhece. O cavaleiro apresenta-se: é Guillaume 
de Glos, filho do falecido Barnon de Glos, ex-escudeiro de Guillaum e de Breteuil 
e de eu pai, o conde Guillaume de Hereford. Seu principal crime é a usura; 
adquiriu fraudulentamente e legou a seus herdeiros um moinho retido como 
penhor de um empréstimo que sabia que não poderia ser pago. Com o castigo, 
traz na boca o ferro desse moinho, ardente e "mais pesado que a torre de Roue 
n". Walchelin deve ir dizer à sua mulher Béatrice e a seu filho Roger que o 
socorram e restituam o moinho aos herdeiros legítimos. Mas o padre recusa-se 
a reconhecer o morto. Guillaume de Glos está morto, diz ele; se contar a seus 
filhos e à sua viúva que viu seu pai e esposo, não o tomarão por louco? O morto 
enumera então os "sinais" que acabam por convencer o padre, que escuta a 
mensagem que deve transmit ir. Mas Walchelin se recompõe. Não quer fazer-
se o mensageiro de um criminoso. 
Tomado de fúria, o outro o agarra pela garganta com uma mão ardente 
que deixará ali uma marca indelével, o signuin da autenticidade da aparição. 
Solta-o quando o padre invoca a mãe de Deus e porque um novo cavaleiro 
interpõe-se de espada erguida e a usa os quatro outros de querer matar seu 
irmão. O recém-chegado declina sua identidade: é o próprio irmão de Walchelin, 
Robert, filho de Rodolphe, o Loiro. Em apoio de suas palavras, recorda a 
Walchelin, à guisa designa, lembranças da infância deles. O padre se lembra 
muito bem, mas não o confessa. Seu irmão o acusa de ingratidão: depois da 
morte de seus pais, não foi ele quem lhe permitiu ir estudar na França? 
Walchelin irrompe em soluços e aceita, enfim, reconhecer seu irmão. Este lhe 
confirma que, por ter tentado subtrair os bens dos mortos (resnostras) — o que 
ninguém ainda ousara tentar —, ele devia partilhar suas penas. Mas porque 
cantou a missa naquele dia mesmo, será salvo. O castigo do morto consiste em 
carregar armas ardentes e muito pesadas. El e diz a Walchelin que, no dia em 
que foi ordenado padre e disse sua primeira missa, na Inglaterra, seu [P g.116] 
falecido pai Raoul foi libertado de seus suplícios. Ele próprio foi igualmente 
desembaraçado do escudo que o torturava. Traz ainda sua espada 
incandescente, mas espera ser livrado dele naquele ano. A seu irmão, que lhe 
pergunta por que suas esporas estão rodeadas por uma massa de sangue 
coagulado, o cavaleiro responde que não é sangue, mas fogo, que lhe parece 
"mais pesado que o monte Saint -Michel" e o pune pela pressa com que 
derramava sangue em vida. Enfim, obrigado a encerrar sua conversa para juntar- 
se ao exército dos mortos, ele adjura seu irmão a guardar memória dele e 
socorrê-lo com preces e esmolas, a fim de assegurar sua libertação no ano que 
se seguirá ao próximo Domingo de Ramos. Próprio Walchelin de ver emendar -
se, pois, morrerá antes que se passe muito tempo. Durante três dias, não deverá 
contar a ninguém o que viu e ouviu. As estas últimas palavras, o cavaleiro 
desaparece. 
Durante uma semana, o padre esteve gravemente doente. Quando ia 
melhor, fez seu relato ao bispo Gilbert de Lisieux, que cuidou dele com suas 
próprias mãos. Ele viveu ainda uns quinze anos, o que permite a OrdericVital 
interrogá-lo e ver a horrível queimadura deixadapela mão do cavaleiro morto. 
Orderic diz ter transcrito fielmente suas palavras para a edificação de seus 
leitores. Em seguida, retoma, onde o deixara, o relato do cerco de Courcy 
 
OBS: Relato retirado do livro “Os vivos e os mortos na sociedade medieval” 
escrito por Jean-Claude Schimitt.

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