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Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral Artigo de Revisão Bibliográfica MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA DENTÁRIA João Cabral Morgado Porto, 2015 Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral I MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA DENTÁRIA ARTIGO DE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA “AVALIAÇÃO DA APLICAÇÃO DE BIOMARCADORES SALIVARES NO CONTEXTO DO DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CANCRO ORAL” JOÃO CABRAL MORGADO Estudante do 5º ano do Mestrado Integrado em Medicina Dentária mimd09002@fmd.up.pt Monografia apresentada à Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto no âmbito da UC “Monografia de Investigação ou Relatório de Atividade Clínica” Orientador João Miguel Silva e Costa Rodrigues Professor Auxiliar Convidado com Agregação da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto Co-Orientador Maria Helena Raposo Fernandes Professora Catedrática da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto Porto, 2015 Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral II Resumo O desenvolvimento de novas ferramentas na área biomédica tem permitido estudar diferentes formas de diagnosticar precocemente o desenvolvimento do cancro oral. Tendo aumentado a incidência desta patologia ao longo dos últimos anos, de carácter invasivo e com rápida progressão e, passando maioritariamente despercebida ao exame clínico em estadios muito iniciais do seu desenvolvimento, tornou-se imperativo a criação de meios complementares de diagnóstico mais rápidos, preditivos, informativos e com níveis de especificidade e sensibilidade aceitáveis para detetar estas lesões em fases precoces da sua evolução. Neste contexto, têm sido estudados alguns componentes salivares como proteínas e elementos genéticos, avaliando o seu potencial e aplicabilidade como biomarcadores tumorais em lesões pré- malignas ou potencialmente malignas como, por exemplo, as leucoplasias orais. Deste modo, o diagnóstico e intervenção médica numa etapa primária da patologia, possibilitará o acesso a mais opções de tratamento e, consequentemente, a maior sucesso terapêutico reduzindo significativamente a taxa de mortalidade. Como meio de pesquisa foram consultados variados artigos científicos indexados à base de dados online Pubmed® e alguma literatura disponível. Palavras-chave: “cancro oral”, “proteinas salivares”, “biomarcadores”, “carcinoma oral escamoso”, “saliva”, “leucoplasia oral”, “microRNA”, “ lesão pré- maligna”, “diagnóstico”, “displasia”. Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral III Abstract The development of new tools in the biomedical field is allowing the study of different ways to early diagnose the development of oral cancer. Having an increased incidence of this disease over the past years, and due to its invasive nature and fast progression, well as the fact that it is largely unnoticed by the clinical examination in very early stages of its development, it has turned imperative to create faster complementary diagnostics, predictive, informative and with acceptable levels of specificity and sensitivity to detect these lesions at early stages of development. In this context, has been studied some salivary components such as proteins and genetic elements are being studied to evaluate their potential and applicability in pre-malignant tumors as well on potentially malignant lesions, for example, oral leukoplakia. Thus, diagnosis and medical intervention in a primary level of the disease may enable access to more treatment options providing in this way, more successful treatments which will reduce mortality rate. As a mean of research were consulted several scientific articles indexed to the online database Pubmed® and some available literature. Keywords: “oral cancer”, “salivary proteins”, “biomarkers”, “oral squamous carcinoma”, “saliva”, “oral leukoplakia”, “microRNA”, “pre-malignant lesion”, “diagnosis”, “dysplasia”. Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral IV Agradecimentos Ao meu orientador, o Professor Dr. João Rodrigues, dirijo o meu enorme reconhecimento por toda a paciência, atenção, disponibilidade, ajuda e orientação que me concedeu no decorrer da realização deste trabalho, À minha família, em especial á minha avó Helena Morais, à minha mãe Helena Cabral e ao meu irmão Rui Morgado pelo apoio incondicional que me deram na luta pela concretização dos meus objectivos e por estarem sempre presentes em todos os momentos da minha vida, Á minha cara-metade, Tânia Pereira, por toda a força, compreensão e carinho que sempre me transmitiu, Aos meus amigos, especialmente à Mariana Silva e à Ana Torres, que ao longo do meu percurso académico sempre demonstraram a sua grande amizade para comigo, por todo o apoio que me deram nos momentos mais dificeis e pelas gargalhadas que me proporcionaram. Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral V Índice 1. Introdução.................................................................................................2 2. Materiais e Métodos..................................................................................5 3. Biofluído Salivar........................................................................................6 4. Identificação de um Biomarcador.............................................................9 5. Micro-RNAs como Biomarcadores no Cancro Oral................................11 5.1. Deteção de Lesões Orais Potencialmente Malignas.......................14 6. Actina e Miosina como Biomarcadores em Lesões Pré-Malignas e Malignas.......................................................................................................20 7. DNA Mitocondrial como Biomarcador em Lesões Orais Pré-malignas e Malignas.......................................................................................................25 8. Conclusão................................................................................................30 9. Referências Bibliográficas........................................................................31 10. Anexos......................................................................................................34 Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral VI Índice de Tabelas Tabela I - Fluídos biológicos utilizados como ferramenta de estudo nos diversos tipos de cancro......................................................................................6 Tabela II - Componentes salivares com potencial de diagnóstico......................7 Tabela III - Mecanismos que determinam a presença de marcadores genotípicos e fenotípicos na saliva......................................................................8 Tabela IV -Expressão de alguns miRNAs em amostras salivares de indivíduos portadores de leucoplasia oral com progressão maligna e sem progressão maligna em comparação com o observado em amostras salivares de indivíduos saudáveis...........................................................................................................18Tabela V- Dados estatísticos sobre os níveis médios de Cox I e Cox II identificados em meio salivar no grupo controlo e no grupo com carcinoma oral.....................................................................................................................27 Tabela VI- Comparação estatística entre os níveis de Cox I e Cox II salivar em estadios iniciais (I e II) e avançados (III e IV) do carcinoma oral.....................27 Tabela VII – Correlação entre os níveis de Cox I e Cox II identificados na saliva e no tecido do tumor primário............................................................................29 Índice de Figuras Fig.1 - Métodos de investigação que permitem o estudo e a identificação de novos biomarcadores cancerígenos.................................................................10 Fig.2 - Estadios da transformação cancerígena de uma lesão do ponto de vista histológico..........................................................................................................15 Fig.3 - Cortes histológicos da evolução de uma leucoplasia oral até à formação de um carcinoma de células escamosas..........................................................15 Fig.4 - Nível relativo de expressão salivar de alguns miRNAs em 3 grupos de estudo (controlo, leucoplasias não progressivas e leucoplasias progressivas).....................................................................................................17 Fig.5 - Relação entre o aumento da expressão de mIR-181b, mIR-21 e mIR- 345 com o grau de transformação maligna de uma lesão oral........................19 Fig.6 - Diagramas de caixa com os dados obtidos da análise dos níveis relativos de actina e miosina encontrados em lesões orais pré-malignas e malignas.............................................................................................................22 Fig.7 - Percentagem de expressão de CapG por imunoreação nas diversas amostras estudadas...........................................................................................23 Fig.8 – DNA mitocondrial.............................................................................,....25 Fig.9 - Diagrama de Pontos com a dispersão de valores registados para os níveis de Cox I salivar nos estadios iniciais (I e II) e avançados (III e IV) do desenvolvimento de carcinoma oral..................................................................28 Fig.10 - Diagrama de Pontos com a dispersão de valores registados para os níveis de Cox II salivar nos estadios iniciais (I e II) e avançados (III e IV) do desenvolvimento de carcinoma oral..................................................................28 Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral VII Lista de Abreviaturas o Atc-Atg – Anticorpo-Antigénio o ATP – (Adenosine triphosphate) – Trifosfato de adenosina o cDNA – (complementary DNA) - DNA complementar o CapG – (gelsolin-like actin-capping protein) – Proteína de ligação à actina. o Cox I - Citocromo c oxidase I o Cox II – Citocromo c oxidase II o DNA – (Deoxyribonucleic acid) - Ácido desoxirribonucleico o HIV – (Human Immunodeficiency Virus) – Vírus da Imunodeficiência Humana HIV-1 – Tipo 1 HIV-2 – Tipo 2 o mRNA – (messenger RNA) - RNA mensageiro o miRNA – micro-RNA o mtDNA – (mitochondrial DNA) - DNA mitocondrial o non-pro-LK – (non-progressive leukoplakia) – Leucoplasia sem progressão maligna o NIH – National Institutes of Health o OPL – (Oral premalignant lesion) – Lesão oral pré-maligna o OSCC – (Oral squamous cell carcinoma) – Carcinoma Oral Escamoso o pro-LK – (progressive leukoplakia)- Leucoplasia com progressão maligna o PCR – (Polymerase Chain Reaction)- Reação de Polimerização em Cadeia o RNA – (Ribonucleic acid) - Ácido ribonucleico Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 2 1. INTRODUÇÃO O cancro oral é uma condição definida pela Classificação Internacional de Doenças como o conjunto de neoplasias malignas que acometem qualquer região da cavidade oral, desde os lábios à garganta, incluíndo as amígdalas e a faringe. Mais de 90% destes tumores são designados de carcinomas, afetando predominantemente o epitélio da mucosa oral. Os restantes estão associados a outras formas mais raras de tumores, como é o caso dos linfomas, sarcomas e melanomas. Adicionalmente, algumas neoplasias sistémicas como as que ocorrem no pulmão ou mama, por exemplo, apresentam um elevado potencial de metastização para a mandíbula, pelo que o papel do Médico Dentista se demonstra essencial e priveligiado no diagnóstico desta condição. Atualmente, o cancro oral encontra-se associado a elevados índices de mortalidade que se devem, sobretudo, a um diagnóstico tardio devido a fatores associados quer ao paciente, quer à sensibilidade do Médico Dentista na deteção e diagnóstico destas lesões, bem como factores relacionados com a especificidade clínica deste grupo de patologias. De acordo com alguns dados estatísticos disponíveis, podemos constatar que o carcinoma da cabeça e do pescoço é o sexto (6º) tipo de cancro mais comum e prevalente em todo o mundo, correspondendo a aproximadamente 2,8% de todos os cancros detetados. Este tipo de tumores tem maior incidência em indivíduos do sexo masculino, no grupo etário acima dos 45 anos de idade, aumentando consideravelmente a partir dos 65 anos. Como principais fatores de risco apontados para o desenvolvimento desta condição patológica, podem ser citados alguns hábitos como o alcoolismo e o tabagismo. Ambos possuem um efeito carcinogénico Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 3 marcado sobre as células epiteliais da mucosa oral, levando a transformações celulares e tecidulares como são o caso das displasias, hiperplasias, ulcerações e outras atipias celulares. Deste modo, é estimado que 8 em cada 10 doentes diagnosticados com cancro oral consumam ou tenham consumido tabaco, tendo estes indivíduos um risco acrescido (5 a 7 vezes superior) de virem a desenvolver esta patologia quando comparados com os não fumadores. [1] Apesar dos avanços conseguidos nos últimos anos no que concerne ao diagnóstico e tratamento do cancro oral, este continua a demonstrar uma taxa de mortalidade bastante elevada, sendo que 6 em cada 10 doentes portadores desta condição patológica morrem nos 5 anos seguintes após a data do seu diagnóstico. Este insucesso prende-se como já foi referido anteriormente com um diagnóstico pouco precoce. Para contrariar esta tendência há que sensibilizar os pacientes para uma ida periódica ao Médico Dentista, pelo menos uma ou duas vezes por ano, bem como criar rastreios para a promoção da saúde oral, e desenvolver ferramentas de diagnóstico mais eficazes.[2] Segundo o National Institutes of Health (NIH), um biomarcador é um indicador avaliado e quantificado, presente em mecanismos biológicos normais, estando patentes também em processos patológicos ou através da resposta farmacológica a uma terapêutica instituida. Através destas entidades, é possível obter informação sobre o estado fisiológico de um organismo vivo. Desta forma, os biomarcadores são considerados ferramentas valiosas na deteção, avaliação do risco, diagnóstico, prognóstico e monitorização de uma doença. Um biomarcador pode apresentar-se de diversas formas tais como anticorpos, microrganismos, DNA, RNA, lípidos, metabolitos ou proteínas.[3] Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do DiagnósticoPrecoce do Cancro Oral 4 Diversos estudos têm demonstrado que a saliva possui diversos compostos moleculares e microbianos bastante indicativos do desenvolvimento de patologias locais e sistémicas. Na sua composição 99% é água, 0,3% proteínas e 0,2% substâncias inorgâncias. É um biofluido heterogéneo com um pH levemente ácido (6.0-7.0). Além das muitas funções desempenhadas pela saliva, esta contém inúmeras vantagens na sua utilização como potencial fonte de biomarcadores quando comparada com o sangue, nomeadamente no seu processo de recolha/colheita que é um processo não invasivo, não doloroso, de fácil aplicação a quase todos os indivíduos em exames médicos que requeiram a extração salivar. Adicionalmente, as amostras salivares são mais facilmente manuseadas e armazenadas, não coagulam (como o sangue), é um procedimento económico e pode ser efetuado por qualquer pessoa, inclusivamente por auto-colheita. [3] Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 5 2. MATERIAIS E MÉTODOS A Pubmed® foi a base de dados online selecionada para pesquisar os artigos de interesse para a realização desta revisão bibligráfica. Como critérios de inclusão foram validados os artigos publicados ao longo dos últimos 10 anos que estabelecessem ligação entre a presença de lesões orais pré-malignas e malignas e a aplicação de biomarcadores salivares no seu diagnóstico precoce. Numa segunda fase da pesquisa, a procura da informação foi direcionada de forma mais específica aos biomarcadores que neste trabalho são abordados mais detalhadamente. Outras fontes de informação foram consultadas tais como livros e trabalhos académicos abordando tópicos de interesse bem como artigos publicados online pela revista de Medicina Dentária “Journal of Dentistry”. Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 6 3. BIOFLUÍDO SALIVAR O estudo de biomarcadores presentes nos fluídos orgânicos (saliva, plasma sanguíneo, sémen e urina) de pacientes portadores de patologia neoplásica bem como a sua aplicação para estabelecimento de um diagnóstico clínico, tem-se revelado bastante útil e promissor pois revela a capacidade de se poder identificar a partir destes a presença de alterações neoplásicas e, sobretudo, de modo pouco ou mesmo não invansivo. A utilização destes componentes com o intuito de detetar e diagnosticar precocemente lesões neoplásicas surge, também, como uma alternativa à técnica da biópsia, que constitui uma abordagem mais invasiva.[4] Tabela I – Fluídos biológicos utilizados como ferramenta de estudo nos diversos tipos de cancro. (Kulasingam, 2008)[5] Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 7 Atualmente, tendo em conta a tecnologia disponível, é possível obter diversa informação clínica quanto ao estado de saúde oral e sistémica de um indivíduo através da análise e avaliação de determinados componentes biológicos presentes no fluído salivar. Como exemplo, já conseguiram ser identificados em meio salivar uma quantidade considerável de analitos, desde hormonas esteróides a anticorpos contra o HIV[6,7]. Desta forma, a saliva apresenta-se como um biofluído com um elevado potencial de diagnóstico para inúmeras condições patológicas, de entre as quais se podem destacar as infeções provocadas pelos agentes víricos HIV-1, HIV-2, vírus da Hepatite A, B e C.[8] Tabela II – Componentes salivares com potencial de diagnóstico. (Sandhu et al., 2011) [7] Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 8 A Tabela III a seguir apresentada resume o conjunto de mecanismos que conduzem ao aparecimento de marcadores biológicos na saliva. Marcadores Genéticos e Proteicos em Meio Salivar De Origem Plasmática De Origem Local o Secreção Salivar o Difusão Passiva o Transporte Activo o Ultrafiltração ao nível das Junções Celulares o Fluído Crevicular o Lise e Necrose Celulares o Apoptose o Factores Traumáticos o Secreção Celular Activa Tabela III – Mecanismos que determinam a presença de marcadores genotípicos e fenotípicos na saliva. (Markopoulos et al., 2010) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 9 4. IDENTIFICAÇÃO DE UM BIOMARCADOR A aplicação na prática clínica de biomarcadores salivares como ferramenta de diagnóstico precoce, isto é, para detetar uma lesão neoplásica de forma atempada e que permita ao profissional estabelecer um quadro clínico correto e assertivo com vista a oferecer ao paciente uma terapêutica mais ajustada e com maior probabilidade de sucesso, exige que sejam desenvolvidos os meios que permitam conhecer os marcadores específicos para a patologia em questão. Assim sendo, estão atualmente em prática duas importantes correntes de investigação nesta área, a proteómica e a genómica que estudam respetivamente a utilização de proteinas e componentes genéticos salivares como biomarcadores de interesse.[8,9] Estas análises têm por base a interpretação inicial da expressão de uma proteina e do mRNA, para que se possa observar as suas variações e inferir sobre a sua relevância para determinar estados de saúde ou de patologia. Ambos os marcadores proteicos e genéticos são úteis no fornecimento de informação, embora os proteicos, sendo produtos finais de expressão genética têm maior potencial informativo quanto ao efeito e progressão da doença.[10] Independentemente do tipo de biomarcador que utilizemos, para este apresentar validade em termos de diagnóstico deve cumprir um conjunto de pré-requisitos, entre os quais: elevada especificidade e sensibilidade, fácil aplicação, capacidade de ser incluido em protocolos estandardizados e ser informativo sobre os seus resultados para o clínico.[11] Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 10 Para a deteção de biomarcadores proteicos, existem alguns métodos conhecidos à disposição, entre os quais se podem destacar técnicas de imunofluorescência, em que se associa um antigénio sinalizado com fluorescência a um anticorpo formando um complexo (Atc-Atg), que ao ligar-se à proteina de interesse, emite um sinal luminoso detetável. Outras alternativas passam pelo uso da espectrometria de massa ou pela técnica de eletroforese em gel de agarose. [12] Na análise que permite determinar o nível de expressão dos genes salivares, poder-se-à recorrer à técnica de microarrays, técnica de PCR (reação de polimerização em cadeia) aplicando a transcriptase reversa, assim como a análise de DNA complementar (cDNA). [13] Figura 1 – Métodos de investigação que permitem o estudo e a identificação de novos biomarcadores cancerígenos. (Kulasingam, 2008) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 11 5. MICRO-RNAS COMO BIOMARCADORES NO CANCRO ORAL De uma forma genérica, os micro-RNAs (miRNAs) constituem uma subclasse de pequenos RNA não codificantes que podem possuir em média cadeias de 18 a 25 nucleótidos de extensão. Estes elementos participam na regulação da expressãogénica através da sua ligação e afinidade a mRNAs (RNAs mensageiros) específicos. Intervêm não só em processos fisiológicos, mas também em processos patológicos como no caso da carcinogénese, através de mecanismos de regulação da tradução de oncogenes e genes supressores tumorais. De acordo com estudos desenvolvidos e publicados ao longo dos últimos anos, tem-se vindo a constatar o seu papel nos processos de proliferação celular, diferenciação e regulação da apoptose. Desta forma, sabe-se que estes componentes genéticos vão ser capazes de regular e controlar a tradução proteica promovendo a degradação dos mRNA alvo. Em adição, segundo Vasudevan et al., 2007 é conhecido um grupo considerável de micro-RNAs que vão estimular a tradução de mRNAs quando determinados requisitos e condições celulares estejam reunidos.[14] No que respeita ao cancro oral, foi demonstrado que os miRNAs controlam tanto o seu processo de proliferação celular (Selcuklu et al., 2009) como o seu mecanismo de apoptose celular (Wong et al., 2008). Além disso, consoante o tipo de tecido celular em que se encontra, pode apresentar alterações no que concerne ao seu armazenamento ou grau de expressão (Jiang et al., 2005). Quanto à sua deteção no fluído salivar, esta Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 12 é possível pois os miRNAs podem passar diretamente para a saliva a partir do microambiente tumoral local ou, por outro lado, contidos em vesículas exossomais a partir da lesão tumoral, as quais impedem a sua degradação enzimática pelas RNAses ao longo do transporte extracelular (Valadi et al.,2007; Palanisamy et al.,2010). Em tumores distantes, a saliva constitui também um bom meio para se isolar os miRNAs tumorais pois estes são enviados para a corrente sanguínea que por sua vez os conduz para as glândulas salivares, sendo posteriormente enviados para o meio salivar através dos ácinos. Os miRNAs devem ser encarados como oncogenes quando a sua expressão estiver manifestamente aumentada num dado tumor e sempre que este aumento se traduza num aceleramento/progressão do processo carcinogénico. Estes micro-RNAs oncogénicos promovem o desenvolvimento tumoral intervindo de 2 formas: inibição de genes supressores tumorais ou inibição de genes que controlam a diferenciação celular ou apoptose.[15,16,17] No caso do carcinoma oral de células escamosas, estão envolvidos determinados tipos específicos de miRNAs, entre os quais o miR-125a, o miR-200a e o miR-31, sendo que os dois primeiros são observados em níveis mais baixos e o último com expressão acentuada nesta condição patológica (Park et al.,2009; Liu et al.,2010). A sobreexpressão de mIR-31 na saliva está patente inclusivamente em pequenos tumores e pode ser detetada em todos os estadios clínicos em pacientes portadores de carcinoma oral. Em comparação com outros fluidos orgânicos como o plasma sanguíneo, verificou-se que é um biomarcador com maior sensibilidade para o diagnóstico de condições orais malignas pois está Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 13 presente de forma mais abudante na saliva que no plasma. Foi possível notar igualmente que a quantidade de mIR-31 na saliva diminuiu significativamente após recorrer à cirurgia de excisão do carcinoma, o que sugere que a sua expressão é regulada essencialmente pelos tecidos tumorais.[10,13] Segundo testes levados a cabo por Momen-Heravi et al., foram avaliados mais de 700 tipos de miRNAs de amostras salivares de indivíduos portadores de carcinoma oral, em que 13 desses estavam diferencialmente expressos em comparação com grupos controlo que não possuiam a referida patologia. Nos 13 miRNAs com alteração da sua expressão, 11 deles estavam inativos e os restantes 2 estavam significativamente expressos ( miRNA-24, miRNA-27b).[18] Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 14 5.1. DETEÇÃO DE LESÕES ORAIS POTENCIALMENTE MALIGNAS De entre as neoplasias malignas mais conhecidas e que afetam a região da cabeça e pescoço podemos referenciar o carcinoma oral de células escamosas, conhecido por causar uma marcada morbilidade e de características agressivas. Aproximadamente 16 a 62% destes carcinomas desenvolvem-se a partir de lesões consideradas potencialmente malignas como é o caso das eritroplasias e das leucoplasias[19]. As eritroplasias apresentam-se clinicamente segundo um padrão avermelhado enquanto que nas leucoplasias este padrão é esbranquiçado.[19] Normalmente a avaliação do risco de progressão, isto é, de malignização de uma leucoplasia da cavidade oral, é estabelecido por observação clínica por parte do Médico Dentista e através de testes histopatológicos ao material biopsado. Para caracterizar o grau de alteração morfológica de um tecido, ou seja, o grau de displasia celular numa dada lesão, podemos categorizar segundo quatro estadios por ordem crescente de atipia, e são estes: Displasia Epitelial de Grau Baixo, Displasia Epitelial de Grau Moderado, Displasia Epitelial de Grau Elevado e Carcinoma in Situ. Estas duas últimas formas são as que constituem maior risco de progredir para patologia invasiva (metastização), por outro lado, as displasias de baixo grau podem manter-se estáveis durante anos ou até mesmo desaparecer. No entanto, uma pequena proporção delas evolui para carcinoma. Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 15 Num estudo levado a cabo por Yang et al com o propósito de compreender a importância dos miRNAs salivares como biomarcadores no processo de transformação maligna de leucoplasias orais, recorreu-se à análise de Figura 2 – Estadios da transformação cancerígena de uma lesão do ponto de vista histológico. Mucosa Normal, Hiperplasia (aumento do número celular), Displasia (alteração da arquitetura tecidular), Carcinoma in Situ e Carcinoma Invasivo (metastização), respetivamente. (Franky et al., 2011) Figura 3 – Cortes histológicos da evolução de uma leucoplasia oral até à formação de um carcinoma de células escamosas. (A) Displasia epitelial de baixo grau; (B) Displasia epitelial de grau moderado; (C) Displasia epitelial de alto grau; (D) Carcinoma In Situ; (E) Carcinoma de células escamosas invasivo. (Yang et al., 2013) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 16 leucoplasias com displasia de baixo grau e com diagnóstico histopatológico similar, porém com aspectos clínicos diferenciados. Foram classificadas em dois subgrupos: leucoplasias com transformação maligna e sem transformação maligna. Para tal, foi utilizada uma amostra inicial de 45 pacientes com diagnóstico de leucoplasia com displasia de baixo grau. Desta amostra, 10 pacientes desenvolveram carcinoma in situ ou carcinoma de células escamosas após uma média de cerca de 30,1 meses da determinação do diagnóstico inicial, sendo 2 destes afastados do estudo por fraca qualidade do RNA obtido. Dos restantes 35 que não desenvolveram carcinoma, 12 foram excluídos do estudo por ocorrência de novas lesões e outros 5 também foram excluídos devido à fraca qualidade do RNA obtido. Dos 8 indivíduos restantes que desenvolveram carcinoma, 7 deles que permaneceram entre 3-5 anos em observação clínica com displasia de baixo grau foram selecionados parase identificar as diferenças ocorridas na expressão de miRNA com as respetivas lesões pré-malignas. Igualmente foram colhidas amostras salivares de 7 controlos saudáveis para aferir a expressão normal de miRNA salivar. Para avaliar a expressão de miRNA foram escolhidos 8 marcadores (mIR-10b, mIR- 145, mIR-99b, mIR-708, mIR-181c, mIR-30e, mIR-660 e mIR-197) cuja produção se encontra significativamente alterada em leucoplasias com transformação maligna em comparação com aquelas que não apresentaram transformação. Constatou-se que o mIR-10b, mIR-660, mIR-708 e o mIR-30e estavam marcadamente expressos em leucoplasias com transformação maligna, antagonicamente o mIR-145, mIR-99b, mIR-181c e o mIR-197 encontravam-se menos ativos neste tipo patológico.[20] Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 17 Foi ainda possivel de acordo com os dados obtidos sobre os miRNAs constantes nas amostras salivares dos indivíduos com lesão oral pré-maligna (leucoplasia), que a sua expressão era diferenciada comparativamente à das amostras tecidulares recolhidas. Verificou-se então que estes miRNAs afetados estavam presentes na saliva embora em quantidades muito mais baixas, contudo com padrões de diferenciação concordantes com os das amostras tecidulares.[20] Em seguida é apresentada uma tabela (Tabela III) que regista as alterações encontradas ao nível da expressão dos respetivos marcadores de miRNA nas duas formas leucoplásicas. Figura 4 – Nível relativo de expressão salivar de alguns miRNAs em 3 grupos de estudo: grupo controlo – sem patologia (control); grupo de pacientes com leucoplasia sem progressão maligna (non-pro-LK); grupo de pacientes com leucoplasia de progressão maligna (pro-LK). (Yang et al., 2013) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 18 De acordo com Cervigne et al, existem 3 marcadores de micro-RNA que estão fortemente associados com o aumento do grau de malignidade de uma lesão, e são estes: mIR-181b, mIR-21 e mIR-345. (Vêr Figura 5, página 18) Leucoplasias com progressão maligna Leucoplasias sem progressão maligna miRNAs com expressão aumentada (+) mIR-10b mIR-708 mIR-30e mIR-660 mIR-19a mIR-26a mIR-181c mIR-197 mIR-99a/b mIR-145 miRNAs com expressão diminuida (-) mIR-99b mIR-197 mIR-145 mIR-181c mIR-708 mIR-181c Tabela IV – Expressão de alguns miRNAs em amostras salivares de indivíduos portadores de leucoplasia oral com progressão maligna e sem progressão maligna em comparação com o observado em amostras salivares de indivíduos saudáveis. (Yang et al., 2013) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 19 Figura 5 – Relação entre o aumento da expressão de mIR-181b, mIR-21 e mIR-345 com o grau de transformação maligna de uma lesão oral. (NP: amostras sem progressão maligna da lesão, seguindo-se amostras com progressão maligna da lesão em diferentes estadios de displasia celular (Queratose, Displasia Ligeira, Displasia Moderada, Displasia Severa e Carcinoma Oral Escamoso). (Cervigne et al., 2009) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 20 6. ACTINA E MIOSINA COMO BIOMARCADORES EM LESÕES PRÉ- MALIGNAS E MALIGNAS Existem atualmente diversos tipos de componentes proteicos estudados com o objetivo de no futuro poderem vir a ser validados e aplicados como marcadores de células tumorais. Entre estes estão a miosina e a actina, proteínas estas de origem intra-celular que apresentam uma estreita ligação do ponto de vista funcional na célula. Estas duas proteínas integram os filamentos que compõem o citosqueleto celular, estrutura que confere a forma/morfologia da própria célula, participa da manutenção das junções celulares bem como de todos os seus movimentos. Deste modo, a actina e a miosina são consideradas proteinas-chave nos processos de motilidade e invasão celulares.[21,22] Num estudo publicado em 2010 por De Jones et al., este apresentou a miosina e a actina como biomarcadores salivares promissores na deteção específica de lesões orais pré-malignas e malignas. Como metodologia de investigação, recolheram 12 amostras salivares de indivíduos portadores de lesões orais pré-malignas e outras 12 de indivíduos com lesões orais malignas. Os valores de sensibilidade e especificidade para diferenciar estes dois estadios lesionais foram respetivamente 100% e 75% (p=0,002) para a actina e de 67% e 83% para a miosina (p<0.0001). A actina e a miosina foram passíveis de serem detetadas no fluído salivar uma vez que a identificação de células epiteliais exfoliadas da cavidade oral, mais especificamente provenientes do local da lesão, também foram encontradas na saliva. A predominância destas células epiteliais em meio salivar é explicada pelo fato de toda a saliva em contato direto com a lesão oral levar a um aumento da probabilidade de serem Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 21 detetadas proteínas provenientes quer de lesões orais pré-malignas ou malignas. Assim, os autores partiram do pressuposto que as alterações na expressão destas duas proteínas na saliva poderiam estar associadas à progressão do grau de malignização das referidas lesões, sendo que a quantidade relativa destas duas proteínas nas células epiteliais exfoliadas presentes na saliva poderia refletir o que ocorre ao nível celular no local da lesão. Efetivamente o que foi observado neste estudo foi que ambas as proteínas, actina e miosina, aumentaram de forma clara as suas quantidades comparativamente com os seus níveis normalizados, sendo que o aumento foi mais significativo nas lesões orais malignas do que nas lesões pré-malignas. Estes resultados permitiram aos investigadores concluir que o que ocorre na saliva para a miosina e a actina é uma consequência direta do que se verifica nas células afetadas da lesão. Foi ainda referido no estudo que não foi registado qualquer aumento do número de células epiteliais exfoliadas na saliva de indivíduos com lesões malignas em comparação com as da saliva de indivíduos com lesões orais pré-malignas.[23] (Figura 6) Outros estudos publicados suportam os resultados obtidos por De Jong et al. mencionando um expressivo aumento na quantidade de isoformas de actina em experiências in vitro para observar o processo de migração de células tumorais, tal como em carcinomas de células escamosas invasivos da cavidade oral.[24,25] Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 22 No caso da actina, a sua função é regulada por uma proteína da família das gelsolinas, a CapG, que está presente principalmente ao nível do citosol e das mitocôndrias. Sendo uma proteína de ligação à actina, vai interferir na organização desta ao nível dos filamentos do citosqueleto, o que se repercutirá nas funções celulares em que intervém o citosqueleto.[26] Existem no entanto evidências do papel oncogénico da CapG indicando o seu envolvimento no controlo da migração e invasão celulares.[27] Para comparar a expressão de CapG presente entre lesões orais pré-malignas com a existente em OSCCs, Nomura etal., recolheu amostras tecidulares tanto de leucoplasias como de Figura 6 – Diagramas de caixa com os dados obtidos da análise dos níveis relativos de actina e miosina encontrados em lesões orais pré-malignas e malignas. (A)- Níveis relativos de actina observados na saliva; (B) – Níveis relativos de miosina observados na saliva; (C) – Níveis relativos de actina detetados nas células afetadas pela lesão; (D)- Níveis de miosina detetados nas células afetadas pela lesão. (De Jong et al., 2010) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 23 carcinomas orais. Aplicando a técnica de imunohistoquímica, observou-se uma expressão aumentada desta proteína em 52% dos casos de carcinoma oral no estadio primário e em 64% dos casos de leucoplasia oral nas respetivas amostras. Como fator de calibração foram ainda obtidas amostras tecidulares de mucosa oral normal que revelaram quantidades mínimas ou mesmo ausência total de expressão de CapG, sendo estas consideradas CapG- negativas.[28] Analisando os dados da figura 7, conclui-se que a expressão de CapG é significativamente mais elevada nas amostras de tecido tumoral com estadiamento mais avançado (T3 e T4) comparativamente ao observado nas amostras de tecidos procedentes de lesões orais pré-malignas, neste caso, de leucoplasias.[28] Apesar de neste estudo as amostras não serem de origem salivar mas de origem tecidular e decorrente de não terem sido encontrados Figura 7 – Percentagem de expressão de CapG por imunoreação nas diversas amostras estudadas. OPLs: Lesões orais pré-malignas; OSCCs: Carcinoma oral de células escamosas (Estadios – T1, T2, T3 e T4). (Nomura et al., 2008) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 24 estudos que abordassem a expressão desta proteína no meio salivar, seria importante investigar a existência da CapG na saliva e, no caso da sua identificação neste fluído, verificar se a expressão salivar traduz o comportamento observado nos tecidos afetados com vista à sua validação como novo biomarcador salivar tumoral. Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 25 7. DNA MITOCONDRIAL COMO BIOMARCADOR EM LESÕES ORAIS PRÉ-MALIGNAS E MALIGNAS As mitocôndrias são componentes celulares que produzem e fornecem a energia necessária para que possam ocorrer os processos que permitem a manutenção das funções da própria célula. É por intermédio de um conjunto de reações de fosforilação oxidativa que é principalmente gerado o ATP necessário ao funcionamento dos mecanismos celulares. Num estudo publicado (Porporato et al.,2014), foi demonstrado que o processo de fosforilação oxidativa intervém na regulação da transformação cancerígena.[29] O sistema de reações que permite a fosforilação oxidativa encontra-se distribuído em 5 complexos proteicos (I-V), sendo que alguns dos seus componentes são codificados pelo mtDNA.[30] Este DNA mitocondrial consiste numa molécula de 16.5 kb, de dupla cadeia e com apresentação circular, sendo que é transmitido apenas por via materna. Algumas mutações ao nível deste DNA como, por exemplo, deleções génicas ou diferenças quanto ao número de cópias está relacionado com o aparecimento de diversos tipos de cancro. Por norma, a disfunção mitocondrial está presente em tumores agressivos e de rápida progressão.[31,32] Figura 8 – DNA mitocondrial (Phillips et al.,2014) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 26 O DNA mitocondrial é passível de ser identificado e isolado em amostras de fluídos biológicos nomeadamente a partir da saliva.[33] Tendo em conta este facto, existem estudos que procuraram correlacionar a sua presença na saliva com o desenvolvimento de carcinoma oral escamoso. De acordo com dados apresentados, foram detetadas células exfoliadas em meio salivar provenientes de epitélio de carcinoma oral de células escamosas através de mutações no DNA mitocondrial.[34,35] Observou-se, entretanto, que este DNA mitocondrial mutado estava patente em 46% de todos os tumores de cabeça e pescoço e em 67% dos casos de carcinoma oral de células escamosas diagnosticados a partir de amostras salivares.[33] Noutra investigação, foram submetidos a estudo 2 genes específicos do mtDNA, nomeadamente o Cox I e Cox II (genes que codificam para a citocromo c oxidase I e II respetivamente) por técnica de quantificação em PCR. Para tal foram recolhidas amostras salivares de 94 indivíduos com quadro de carcinoma oral de células escamosas e, em seguida, foi estabelecido um grupo controlo de 656 indivíduos sem a referida patologia. O que se assistiu foi a um aumento notório dos níveis médios de Cox I e Cox II nas amostras salivares dos pacientes portadores de carcinoma, como se pode confirmar pelos resultados a seguir representados na Tabela IV .[36] Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 27 Quando se comparou a quantidade de mtDNA salivar expresso com a evolução do estadiamento tumoral, isto é, numa fase inicial e avançada do desenvolvimento cancerígeno, o que se pode constatar foi que o DNA mitocondrial (Cox I e Cox II ) aumentou consideravelmente a sua expressão na saliva com o aumento do grau de transformação maligna da lesão.[36] (Observar resultados na Tabela V) Grupo com Carcinoma Oral em Estadio Inicial (Estadios I e II) Grupo com Carcinoma Oral em Estadio Avançado (Estadios III e IV) Níveis médios de Cox I 0,048 [0,03-0,07]; IC=95% þ = 0,03 0,086 [0,07-0,11]; IC=95% þ = 0,03 Níveis médios de Cox II 0,029 [0,02-0,04]; IC=95% þ = 0,04 0,063 [0,05-0,08]; IC=95% þ = 0,04 Grupo com Carcinoma Oral Grupo Controlo Níveis médios de Cox I 0,076 [0,06-0,09]; IC=95% þ < 0,0001 0,054 [0,05-0,06]; IC=95% þ < 0,0001 Níveis médios de Cox II 0,055 [0,04-0,07]; IC=95% þ < 0,0001 0,046 [0,04-0,05]; IC=95% þ < 0,0001 IC: Intervalo de Confiança; þ: nível mínimo de significância Tabela V - (Jiang et al., 2005) IC: Intervalo de Confiança; þ: nível mínimo de significância Tabela VI – (Jiang et al., 2005) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 28 Figura 10 – Diagrama de Pontos com a dispersão de valores registados para os níveis de Cox II salivar nos estadios iniciais (I e II) e avançados (III e IV) do desenvolvimento de carcinoma oral (Jiang et al., 2005) Figura 9 – Diagrama de Pontos com a dispersão de valores registados para os níveis de Cox I salivar nos estadios iniciais (I e II) e avançados (III e IV) do desenvolvimento de carcinoma oral (Jiang et al., 2005) Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 29 Tendo em conta os dados disponibilizados por este estudo, pode-se facilmente perceber a existência de uma relação clara entre o grau de desenvolvimento tumoral e o nível de expressão de mtDNA encontrado na saliva. Para determinar o grau de relação entre os níveis de mtDNA (Cox I e II) encontrados na saliva e no tecido do tumor primário, Jiang et al. aplicou o testede correlação de Pearson, teste este que mede a força de associação entre 2 variáveis. Os resultados obtidos demonstraram a presença de uma correlação positiva aceitável entre a quantidade de mtDNA registado na saliva e no tecido do tumor primário, traduzidos pelos valores apresentados na Tabela VI.[36] Teste de Pearson Correlação entre os níveis identificados na saliva e no tecido do tumor primário Cox I r = 0,30 þ = 0,005 Cox II r = 0,33 þ = 0,002 Tabela VII – (Jiang et al., 2005) r : coeficiente de correlação de Pearson ( r = 1: correlação perfeita; 0 < r <1: correlação positiva; r = 0: correlação nula; -1 < r < 0: correlação negativa); þ: nível mínimo de significância Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 30 8. CONCLUSÃO O diagnóstico atempado do cancro oral resulta de um conjunto de fatores, alguns deles alheios ao próprio Médico Dentista. Atualmente, sabe-se que cerca de 60% dos pacientes com cancro oral morrem ao fim de 5 anos após este diagnóstico.[2] Segundo a American Cancer Society, se estes tumores fossem detetados em estadios iniciais do seu desenvolvimento, a taxa de sobrevivência a 5 anos poderia aumentar até 83%.[37] Como tal, é importante dar continuidade ao estudo de novas técnicas de diagnóstico que permitam obter resultados cada vez mais informativos e confiáveis. Neste trabalho foi avaliada a aplicação de três tipos diferentes de marcadores salivares, o caso dos miRNAs da classe dos RNAs, a miosina/actina e a CapG da classe das proteínas bem como o mtDNA da classe dos DNAs, sendo que os resultados associados a cada um deles são, de um modo geral, bastante promissores. A aplicação de biomarcadores salivares na deteção precoce do cancro oral assume deste modo um papel fulcral no prognóstico desta condição patológica. Assim, seria de enorme utilidade a sua implementação regular na área da Medicina Dentária associada à técnica convencional da biópsia para uma maior asserção e confiança nos diagnósticos elaborados. Apesar de algumas limitações atuais, é de prever que num futuro próximo com a evolução da biotecnologia médica, possam vir a ser aplicados como único método não- invasivo de diagnóstico do cancro oral em substituição da biópsia. Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 31 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Megha Singh, Keya Sircar, Ankita Tandon, Aman Chowdhry, and Deepika Bablani Popli. The role of tobacco as an etiological agent for oral cancer: Cytomorphometrical analysis of the buccal mucosa in tobacco users. Dent Res J (Isfahan). 2014 Nov-Dec; 11(6): 649–655. 2. Diana V. 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Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 34 10. ANEXOS I. Declaração de Autoria do Trabalho Apresentado II. Parecer do Orientador Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 35 ANEXO I Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 36 Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 37 ANEXO II Avaliação da Aplicação de Biomarcadores Salivares no Contexto do Diagnóstico Precoce do Cancro Oral 38
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