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14-A História demográfica da Idade Média

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História Antiga e Medieval 
Aula 14 
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Aula 14: A História demográfica da Idade Média 
 
Objetivo: Apresentar e analisar os dados pertinentes à História da população da 
Europa ocidental durante o período medieval. 
 
 
A demografia em perspectiva histórica 
 
Uma importante inovação na pesquisa histórica é a crescente utilização de 
dados quantitativos como fonte para o trabalho do historiador. 
Útil sobremaneira no campo da História Econômica e Social, os dados 
quantitativos tem possibilitado a exploração de dados contábeis, listas eleitorais, 
registros paroquiais, etc. na elaboração de um conhecimento mais apurado sobre a 
sociedade em perspectiva histórica. 
Uma área de grande expansão nesse contexto é a demografia histórica, que 
investiga e analisa os dados de populações do passado de modo a fornecer 
importantes subsídios para o debate historiográfico. 
Assim como no caso da História das Mentalidades, é bom ter em mente que 
apesar de ser um campo altamente especializado de trabalho, os dados da 
demografia histórica somente podem fazer sentido na medida em que são 
relacionados com as fontes qualitativas de diferentes origens. 
Nesse sentido, muito longe da perspectiva já bastante disseminada na 
sociedade segundo a qual os “números falam por si”, os dados demográficos 
somente ganham significado quando associados aos conhecimentos produzidos no 
campo da economia, da política, da organização social, da cultura, etc. 
É na conexão destes vários campos de investigação que a historiografia tem 
ampliado significativamente a problematização do objeto de estudo da História. 
 
A demografia do período medieval 
 
O medievalista Hilário Franco Júnior apresenta na tabela a seguir uma síntese 
da evolução da população durante o período medieval a partir de dados coletados 
na obra de especialistas neste campo de investigação. 
 
Vamos ler as informações apresentadas atentamente. 
 
Evolução demográfica da Cristandade ocidental em milhões de habitantes 
Ano 200 400 600 800 1000 1100 1200 1300 1400 1500 
Totais 24,1 20,1 16,3 18,0 22,1 25,85 34,65 50,35 35,4 48,45 
Fonte: FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 24 [adaptado]. 
 
Alguns registros importantes devem ser levados em consideração: 
 
 O título da tabela especifica a área geográfica de abrangência dos dados 
apresentados como sendo relativos à “Cristandade”. Esse conceito refere-se 
ao modo como os próprios homens medievais assinalavam seu pertencimento 
a uma realidade transnacional (vários reinos politicamente independentes 
pertenciam à Cristandade). A Cristandade representava assim o conjunto dos 
territórios cristianizados no contexto da Europa Ocidental. 
 Os dados apresentados para os anos 200 a 1000 aparecem na tabela com 
um intervalo de dois séculos no registro. Já os dados arrolados para os anos 
1000 até 1500 aparecem com intervalos de um século. Esta informação é 
importante, pois implica uma leitura específica para o ritmo da evolução 
populacional em cada um destes dois momentos. Estes intervalos distintos 
referem-se à quantidade e à qualidade desigual das fontes utilizadas para a 
elaboração dos estudos demográficos. Devemos lembrar que à crise do 
Império Romano do Ocidente seguiu-se uma desorganização administrativa 
generalizada que certamente teve impactos na produção de documentos 
escritos que pudessem servir como objeto de quantificação. 
 É notável como esta defasagem dos registros demográficos corresponde, 
grosso modo, com a periodização discutida em aula anterior. Assim, a Alta 
Idade Média (séculos V–X, considerando-se os anos 200 a 400 como 
prólogos deste processo histórico) assinala o período de dados com maior 
intervalo, enquanto a Baixa Idade Média (séculos X–XV) representam o 
período com maior disponibilidade de fontes. 
 
 
 
Feitas essas considerações, podemos indagar agora: o que nos dizem estes 
números? Para agrupar estes dados de modo a constituir conjuntos relativamente 
coerentes com a dinâmica demográfica registrada, vamos descrever os dados 
utilizando a periodização proposta por Hilário Franco Júnior. 
 
Primeira Idade Média – (Princípios do século IV até meados do século VIII) 
 
Pode-se perceber uma notável “retração demográfica” (FRANCO JUNIOR, 
2001, p. 19–20) a partir do ano 200, isto é, o último ano do século II: a população da 
Cristandade perde mais de seis milhões de habitantes neste período. 
Tendo em mente que a tendência de todos os seres vivos é incrementar a sua 
reprodução com o objetivo de perpetuar a espécie, verificamos aí um momento 
dramático na História da população humana. 
O motivo desse declínio acentuado da população está basicamente vinculado 
com questões econômicas. A crise do escravismo romano criou, notadamente a 
partir do início do século III, uma extrema desorganização da produção agrícola e 
dos serviços necessários ao seu transporte, armazenamento, etc. 
Somado a este quadro econômico de grande fragilidade, a intensa 
movimentação de populações que adentravam ao território do Império Romano do 
Ocidente no movimento das migrações germânicas (desde o século III até o século 
V) intensificaram a disputa pelos poucos recursos econômicos disponíveis. 
Ainda que essas migrações tenham se fixado no imaginário social sob o rótulo 
das “invasões bárbaras”, as mortes em combate representaram uma parcela 
pequena dos óbitos se comparadas com aqueles produzidos pela fome e os 
corolários de sua presença na população: a radicalização das afecções triviais em 
doenças mortíferas, isto é, um quadro clínico de gripe facilmente evolui para uma 
pneumonia na ausência de alimentação adequada, hidratação, etc. 
O fato mais significativo nesse quadro demográfico é a diminuição 
populacional ainda que as fronteiras da Cristandade estejam recebendo grande 
quantidade de novos habitantes no contexto das chamadas “invasões bárbaras”. 
A presença de doenças epidêmicas teve também uma contribuição relativa 
neste quadro de retração demográfica, na medida em que as epidemias registradas 
neste período estavam restritas a espaços geográficos bastante delimitados e 
reduzidos. 
 
Alta Idade Média — (Meados do século VIII até final do século X) 
 
Hilário Franco Júnior aponta que neste período houve uma “relativa 
recuperação” no quadro demográfico medieval (FRANCO JUNIOR, 2001, p. 20–21). 
Nesse momento, é notável o cessar das perdas humanas e uma retomada no 
ritmo de crescimento populacional. Porém, como adverte o medievalista, esta 
recuperação ainda é bastante tímida: apesar de retomar o crescimento, a população 
da Cristandade durante os séculos VIII a X ainda é menor que a presente no auge 
do Império Romano do Ocidente, ao final do século II. 
O motivo da interrupção naquele processo de intensa retração demográfica 
verificada no período anterior está certamente ligado aos sucessos obtidos na 
substituição da mão de obra escrava por um novo sistema. Isto é, o sistema de 
colonato, embora implementado ao longo de toda Primeira Idade Média, surtiu 
efeitos benéficos durante a Alta Idade Média, entre os séculos VIII e X. 
Outro aspecto importantenesse período foi a retomada de sistemas de 
administração pública no contexto da evolução do Império Carolíngio, permitindo 
assim a instalação relativamente eficiente de sistemas de transporte e segurança 
interna. 
Como o problema da retração demográfica estava diretamente relacionado à 
disseminação da fome e suas consequências no quadro da mortalidade e da 
natalidade, os avanços no sistema administrativo surtiram efeitos no sistema 
produtivo, contribuindo para aumentar a produção e a circulação de bens, ainda que 
fortemente restrito ao nível da subsistência. 
 
Idade Média Central — (Início do século XI até final do século XIII) 
 
Nesse período, é notável o “acentuado incremento” demográfico (FRANCO 
JUNIOR, 2001, p. 21–28). Comentemos alguns dados: 
 
 No ano 1100, último ano do século XI, a população da Cristandade (25, 85 
milhões) supera pela primeira vez o número de habitantes presentes no auge 
do Império Romano do Ocidente, no ano 200 (24,1 milhões). Isto quer dizer 
que durante 800 anos a população sob o Império Romano do Ocidente foi 
maior que aquela da Cristandade medieval. 
 
 A tendência ao crescimento demográfico foi efetivamente duradoura além de 
intensa: a população da Cristandade medieval praticamente duplicou em um 
segmento temporal de apenas dois séculos (ano 1100: 25, 85 milhões; ano 
1300: 50, 35 milhões). 
 
Os motivos desse crescimento demográfico estão vinculados a diversos 
fenômenos verificados em distintos níveis da vida social: 
 
 No campo político é necessário ressaltar que as sucessivas ondas de 
invasões, os conflitos bélicos externos e ainda os movimentos imigratórios 
apresentam um recuo significativo a partir do ano 1000. Nesse sentido, a 
Idade Média Central é um período de paz interna prolongada, ainda que 
recortado por expedições bélicas importantes, como no caso das Cruzadas. 
Tomando como exemplo este episódio para discutir o quadro demográfico 
medieval, é necessário ressaltar que as Cruzadas somente puderam ter lugar 
em um contexto de expansão dos contingentes populacionais, devendo 
inclusive ser este elemento considerado como causa daquelas expedições. 
 A relativa ausência de doenças epidêmicas significativas. 
 Um dos aspectos mais significativos deste incremento demográfico foi 
certamente o incremento na produção agrícola no contexto da estruturação 
definitiva do modo de produção feudal, ou Feudalismo. É neste quadro de 
aumento da produção agrícola que encontraremos os subsídios materiais 
para a sustentação deste processo de crescimento demográfico, 
considerando o impacto desta maior produtividade na mortalidade e da 
natalidade. 
 
Baixa Idade Média — (Início do século XIV até meados do século XVI) 
 
O século XIV apresenta um quadro generalizado de crise demográfica 
(FRANCO JUNIOR, 2001, p. 29–31): a tabela aponta que entre os anos 1300 e 1400 
a Cristandade medieval perdeu 15 milhões de habitantes. 
 
 
 
Certamente a Guerra dos Cem Anos (1337–1453) contribuiu para a instalação 
desta crise demográfica, seja pelo aumento da mortalidade entre os guerreiros, seja 
pela devastação das estruturas produtivas, mas o evento mais significativo dessa 
grande mortalidade é a introdução na Cristandade Ocidental da peste negra. 
Essa doença, a peste bubônica, chegou aos portos comerciais italianos entre 
o final de 1347 e início de 1348, vinda das estepes mongóis, no Oriente, ceifando 
cerca de um terço de toda população da Cristandade. 
As taxas de mortalidade foram bastante diferenciais: uma esmagadora 
mortalidade nos grandes centros urbanos e uma mortalidade menor nos lugarejos 
rurais afastados das grandes rotas comerciais. Este padrão de localidade e 
letalidade da doença explicita alguns aspectos envolvidos na disseminação da 
epidemia. 
Em primeiro lugar, é necessário apontar que a doença segue as rotas 
econômicas de maior dinamismo por suas atividades comerciais, meios de 
transporte e abundância de população. Nesse sentido, é possível dizer que o 
sucesso econômico do período anterior (séculos XI–XIII), ao produzir um 
crescimento demográfico bastante intenso em um curto intervalo de tempo, ofereceu 
as condições necessárias para a disseminação em massa desta doença epidêmica. 
A letalidade também se mostrou maior nos centros urbanos pela dificuldade nos 
abastecimento de víveres necessários ao restabelecimento das vítimas, preservando 
os núcleos rurais mais próximos dos produtos de subsistência essenciais. 
As condições de higiene das habitações e mesmo das ruas, a proximidade do 
convívio humano com grande número de animais, e a impotência dos tratamentos 
médicos e da assistência aos enfermos só acentuaram este quadro de dramática 
mortalidade nos centros urbanos. 
Por outro lado, é necessário assinalar a notável recuperação do contingente 
demográfico após o ápice da crise pestilenta: em 1500 a população da Cristandade 
retoma a tendência de crescimento populacional antes em curso. 
É nesse sentido que podemos dizer que este é um contexto de crise aguda de 
mortalidade, diferentemente do quadro crônico de fome generalizada que sustenta 
altíssima mortalidade por longos períodos, como verificado durante a Primeira Idade 
Média (séculos IV–VIII). 
 
 
 
Vale a pena conferir 
 
Sobre o assunto, indicamos os seguintes livros: 
 
1. MARCÍLIO, Maria Luiza (Org.). População e sociedade. Evolução das sociedades 
pré-industriais. Petrópolis: Vozes, 1984. 
2. KELLY, John. A grande mortandade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. 
 
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REFERÊNCIAS 
 
FRANCO JR., Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: 
Brasiliense, 2001. 
HEERS, Jacques. História Medieval. São Paulo: DIFEL, 1981.

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