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0 Brasil e a política externa dos EUA « ; * • no Governo Obama Antomo de Aguiar Patriota In the new period marked the start of the Obama Administration, ft Is not necessary to "reinvent the wheel" In bilateral BrazIMJ.S. relations. Whatmust brdone is to add - to those areas of convergence already mapped out - new issues, inltlatives and mechanisms, made possible biy the doser compatibility between the pofitical moments In the two natlons. Cíoser cooperatlorrwill have-to take place In the context o f the International financial crísís whlch, as it brlngs new problems, may also facHKate the_removal òf old obstades,-notably some obsolete ways of thinking.ABrazibU.SrrelatioraMp based on mutual respect and a new political affinity could constitute on^ofthekey International partnershlps of the 21st century. Em artigo publicadonaPo/rtífíi Externa de jun.-jul.-ago. de J2098 ("O Brasil e a_ política externa dos EUA"), examinei a evolução da política externa norte-ameri cana no segundo mandato do presidente Bush (2005-09) e o desenvolvimento das relações bilaterais. Com_a posse do presi dente BarackObama, em 20/01 /2009, que tantas esperanças ucspcfíou nos jc.s s h u o s Unidos e em outiaapartes do mundo; pro ponho um exercício de natureza mais prospectiva, ao considerar como será pos sível abrir novas áreas de cooperação en tre as duas grandes _democradas multiét- nicas-das Américas, semperderos avanços já realizados. Há, hoje, virtual consenso entre os Go vernos Lulá e Obama de que não é neces sário "reinventar a roda" nas relações bila terais, mas-sim, acrescentar, àquelas áreas específicas de convergênda já identifica das, novos temas, inidativas e mecanis mos, tomados possíveis pela maior com patibilidade entre os momentos políticos, vividos pelos dois países. Tal aproximação ocorrerá, no contexto de grave crise finan ceira intèmadonal,- a qual, ao-mesmo tem po em que traz problemas novos e acentua alguns, antigos,, poderá favorecer a remo ção de obstáculos - notadamente certos precpnceitos e modos rígidos de pensar, cuja obsolescênda ficou patente nos últi mos meses. A** n j rui Brasii-EUA riu • * final do Governo Bush Sem pretender repetir o artigo de ju nho passado, recapitulo alguns marcos importantes a partir de 2005: - a Cúpula da Granja do Torto de novem bro de 2005 entre os Presidentes Lula e Bush, -com ênfase nos biocombustí- veis; - -o-hábito de consulta e cooperação no aporo à estabilização, democra- da e desenvolvimento do Haiti, que demonstrou estarem os Estados Uni dos e o Brasil sintonizados em relação à questão de paz e segurança; V . Antonlo de Aguiar Patriota é embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América. 83 VO L ia NM JUN/JUL/AGO 2009 ARTIGOS a consulta intensa, praticamente perma nente, sobre comérdo internacional, no âmbito das negociações da Rodada de DohadaOMC; o abandono, pelo Governo Bush, da ênfase na Alca, "colocada entre parên teses", decisão que não impediu, nos anos seguintes, o crescimento robusto do comércio e dos investimentos entre Brasil e Estados Unidos; o estabelecimento de ^'diálogo estra tégico" regular entre as Chancelarias, no nível de Subsecretários para Assun- tos Políticos -.mecanismo que os Esta dos Unidos mantêm apenas com um punhado de países; as duas Cúpulas bilaterais de março dé 2007 - $ão Paulo e Camp David ~ que produziram, ~eíiü«*mtros resultados, o Memorando de Entendimento sobre Biocombustfveis e o Fórum de Altos Éxecutivos Brasil-EUA; a criação do Diálogo de Parceria Econô mica, por iniciativa do ministro Celso Amorim e da secretária de Estado Con- dòleezza Rke, aue .vem dando frutosf * JL - ' ------- concretos, tais como a intensificação dos voos comerciais entre os dois paí ses, com a inclusão de rotas novas ligando, o ncfrdeste brasileiro a cidades do sul dos Estados Unidos; o convite para que o Brasil, juntamente com índia e África do Sul, participassem da Conferência de Annapolis sobre o Oriente Médio, em novembro de 2007; ar assinatura do Plano de Ação Conjunta para a Eliminação da Discriminação Étnica e Racial e a Promoção da igual dade pela-secretária de Estado Rice e o ministro Edson Santos; a aprovação, pela Câmara de Repre sentantes dos -Estados Unidos (com maioria democrata desde as eleições dê 2006) de resoluções unânimes de apoio ao fortalecimento das. relações Em 2008, várias dessas iniciativas continuaram a render frutos. Uma cres cente confiança recíproca fez que os Es tados Unidos procurassem o diálogo com o Brasií em-relação a questões regionais, inclusive em momentos de tensão, como na controvérsia Colômbia-Equador e du rante as perturbações políticas na Bolí via,. Rouve apoio de Washington a ini ciativas brasileiras, como a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e o Con selho de Defesa da América do Sul. Até mesmo a Cúpula da América Latina e do Caribe, realizada naCosta do Sauípe, em V dezembro de 2008, terá sido vista como o evento construtivo que foi-não-obstante certa incompreensão .em’ setores mais conserva dor es jdo Congresso norte-ame ricano. • i_ Também em sinal de ambiente mais cooperativo, o diálogo bilateral estendeu- se a área por muito tempo excluída da agenda bilateral - a de defesa. Em 2008, o ministro da Defesa Nelson Jobim visitou os Estados Unidos em três ocasiões dis tintas, duas vezes p^a^reunião com o secretário da Defesa Robert-Gates e uma para conhecer a sede do Comando Sul (SouthCom). Foi possível, assim, conver sar com transparência e franqueza sobre novas-iniciativas de cada lado: do Brasil, o Conselho Sul-Americano de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e os planos de capacitação tecnológica na indústria de defesa; dos .EstadosJJnidos, entre ou tros temas, a polêmica criação da IV Fro ta;-cujo anúncio repentino provocara rea ções na opinião publica latino-americana e pedidos de-esclarecimentos provenien tes de vários:govemos da região. Desta cou-se positivamente o comportamento norte-americano, que sugeriu estar fican do para trás a época das objeções a pro gramas em esferas como a espacial e a nuclear. No mesmo_ espírito, os Estados entre Brasil e EUA. ^MfWclos começam a sinalizar que poderão 84 POLÍTICA EXTERNA O BRASIL B A POLÍTICA EXTBRNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA ~ 1' i---- ser um parceiro em projetos de capacita ção tecnólogica de interesse brasileiro. O ano de 2008 encerrou-se com uma manifestação emblemática do crescente papel global do Brasil, na Cúpula de :on do G-2Q financeiro. A convite do Presidente George W. Bush, o presi dente L u Ic l desempenhou papel dé des taque, como um dos principais oradores do aifnoço d e trabalho organizado pela Casa Branca em tomo do tema comércio internacional rNo exercício da presidência "tkr-G-20, o Bxasil pode, ademais, pôr à mostra sua eapacidade de diálogo com todas as correntes políticas e proveniên- das geográficas. A campanha eleitora! de 2008 Q ano de 2008, nos Estados Unidos, foi dominado por uma eleição presidencial que provocou uma mobilização Taramente vista da sociedade norte-americana. A candidatura-de Barack^bama trouxe for te conteúdo transformador. A perspectiva de eleição do primeiro presidente afro- ameiicancr representava a culminação his tórica de longo processo de integração social, superação da discriminação e am pliação da democracia, que data da Guer ra Civil-norte-americana e-se mantivera incompleto por mais de um século. Agregou-se o efeito de-mudança gene- racionalrObama, com seu& 47 finos, não * ^ • participou das controvérsias poKticas e culturais dos anos 1960 e do começo dos anos 1970. A Guerra do Vietnã, a explosão do consumo de drogas, os distúrbios ra ciaisque se seguiram ao assassinato do dr. MarturLuther JCing e o escândalo de Wa- tergate provocaram divisões profundas, mas “não deixaram cicatrizes no futuro presidente, cuja infância transcorria no Havaí e na Indonésia, em lar multirracial e aberto para o mundo. Tudo isso fez com que a campanha de Obama, na primária democrata e em seguida, na eleição geral, atraísse a juven tude e as minorias étnicas. Com organiza ção modema, em rede, possibilitada pelo uso inovador da internet, e provando ser possível conciliar inidatíva e disdplina, Obama logrou promover um verdadeiro movimento nadonal em tomo da ideia de mudança. Ao mesmo tempo, a crise financeira, que se tomou aguda em meados de se tembro, após a falênda do banco Lehman Brothers, acabou com o processo de ero são gradual de todo um conjunto-de falsas certezas que se havia propagado desde os anos 1990. A-noção de que exista um con junto pronto de receitas poKticas e econô micas com aplicação universal, concebido em Washington e pronto para exportação aos quatro cantos do mundo, ruiu como castelo de areia em face da maré alta. As ' t elites poKticas, financeiras e econômicas que haviam pontificado nas duas décadas anteriores passaram a ser apontadas como responsáveis pela catástrofe que, ao con trário de crises anteriores, começou no centro do mundo desenvolvido e daí se espalhou pelo globo. Se consenso há sobre causas e remédios da crise, foi no sentido de que país-algum detém o monopólio da sabedoria sobre como enfrentárla, e -de que é predso esforço comum e cooperação mais eficaz para que o árduo trabalho de superação tenha perspectivas de êxito. O Brasil teve condições de diálogo e acesso às prindpais campanhas eleitorais, que apresentaram, cada uma, aspectos inéditos. Somos cada vez mais vistos como um parceiro importante na busca de soluções para as grandes questões polí- ticas e econômicas da região e da comu nidade intemadonal. Representantes do gòveiW brasileiro, nas mais diversas 85 VOL 18 N-l ÍUN/JUL/AGO 2009 áreas, tiveram acesso aos assessores das campanhas eleitorais, em particular as dos três principais candidatos, os senadores Barack Obama, HUlary dinton e John Mc- Cain. Foi possível não só recolher infor mações, mas também prestar esclare cimentos sobre o Brasil e apresentar a perspectiva brasileira sobre os grandes temas regionais e globais. . * I • Barack Obama «■ ^ • A fadlidade de diálogo entre os presi dentes Lula e George W. Bush, até certo pronto surpreendente, enrvista de trajetó rias pessoais e posturas políticas Trraita distintas, foi fator relevante na reaproxi- mação entre Brasil e Estados Unidos, a partir de 2005. Alguns observadores che garam a levantar dúvidas sobre a possibi lidade de manutenção desse clima favorá vel com Barack Obama na Casa Branca. Argumentos sólidos, porém, permitem prever que Brasil e Estados Unidos conti nuarão a encontrar novas áreas dec^oge-.. ração nos próximos anos, além de prosse guir nas já existentes. Entre Lula e Obama, podem ser identificadas afinidades em pe lo menos três carppos: trajetória pessoal, temperamento e valores. No campo da trajetória pessoal, o traço mais marcante de ambos os percursosifoi a superação do preconceito. Enquanto a eleição de Lula marcou a ampliação-da democracia no Brasil, pela elevação de um representante do operariado ao cargo de presidente, Obama-representou a derru bada de uma barreira radal-que muitos ainda julgavam fora- de alcance nosiEsta- dos Unidos. Quando Obama nasceu, em 1961, o casamento entre seus pais ainda era proi bido por lei em Vários estados norte-ame ricanos (não, porém, no seu Havaí natal, de cultura maisf&óter&nle e mestiça). O próprio presidente Obama mencionou em seu discurso de posse, no Capitólio, que sessenta anos antes talvez os restaurantes da capital norte-americana não aceitassem que seu pai, o economista queniano Bara ck Hussein Obama (mesmo nome do fi lho), se sentasse à mesa para almoçar. Sua autobiografia, lançada em português co mo -Âjorigem dos meus sonhos, escrita aos 33 anos, contém uma reflexão comovente so bre a .decepção do jovem Barack diante do pav cuja carreira promissora terminou emimpasse, e- cuja vida, depois de diver sos casamentos e filhos, desembocou em alcoolismo e depressão. O jovem Barack seria visto pela sociedade norte-americana como afro-descendente, pela aparência fí sica, mas conviveu na infância quase que unicamente com a íííãe e os avós brancos. Sua mãe, a antropóloga Ann Durham, personagem criativa e progressista, casou- se novamente com um cidadão indonésio. Obama passou parte da infância, dos 6 aos 10 anos, numa rua de terra batida da peri feria dejacarta, correndo atrás de galinhas e cachorros, junto com os outros meninos da vizinhança, como relata na autobiogra fia. Que entie aqueles meninos, quase to dos de família muçulmana, soltando pipas na Indonésia, nos idds de 1970, estivesse um futuro presidente cios Estados Unidos, é cenário que só a combinação de momen to histórico, uma grande autoconfiança individual e uma piiàda de destino po- _dem explicar. -O resultado dessa genealogia e, mais tarde, do casamento-com Michelle LaVau- gh Robinson, de família afro-americana tradicionàl do South Side de Chicago, é uma "primeira família" única em seu uni versalismo. Uma das meio-irmãs quenia- nas de Obama é casada com um inglês; outro meio-irmão-por parte de pai vive na China e é casado com uma chinesa; sua I meia-irmã porparte-de mãe é indonésia e casada com cidadão canadense de ascen- 8 6 POLÍTICA EXTERNA O BRASIL B A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA dênda também chinesa. Mesmo na família de Michelle, de perfil menos internacio nal, há um primo que se converteu ao ju daísmo e é rabino, sobrepondo em tuna só aliança familiar as três fés abraâmicas. Uma segunda convergência se obser va nas semelhanças entre os tempera mentos dos ocupantes do Alvorada e da Casa Branca. Obama, que passou toda a vida construindo ponter entre negros e brancos, desenvolveu capacidade natural de conciliação e diálogo. Na Faculdade de Dkeito da Universidade-Harvard, em bora participasse de um grupo de estu dantes mais à esquerda, foi eleito editor da prestigiosa revists^Harvard Law Review com o voto dos conservadores. No Parti do Democrata, embora suas raízes este jam na ala progressista, foi sempre capaz - de atrair apoios de centristas e mesmo de membros da ala mais conservadora. * Durante a campanha eleitoral, além do apoio praticamente unânime dos setores progressistas, apareceu o fenômeno cu rioso dos "Conservadores por Obama", ou "Obamacons", dotados de sua própria página web. Em política externa, essa disposição se manifesta na política de "mão estendida" em relação dos adversários dos Estados Unidos, bastando apenas que eles "des- cerrem o punho", -na fórmula empregada no- discurso de posse e frequentemente ci tada desde então. A capacidade de diálogo e conciliação reflete-se também em uma preferência pelo multílateralismo, visto como mecanismo inclusivo, de vocação universal, e não como mero agrupamento dos que pensam igual (like-minded). Na conferência de imprensa em que apresen tou sua equipe de política externa e segu rança nacional, Obama anunciou, como uma das três prioridades principais do Departamento de Estado, o fortalecimento das instituições internacionais (as outras duas são a nãa^prqliferação nuclear e a paz no Oriente Médio). Também classifi cou as Nações Unidas de organização "in dispensável", qualificativo que não se es cutou em Washington, em relação à ONU, nem durante o Governo George W. Bush, nem no de seu antecessor democrata. Um terceiro campo de convergência,o dos valores, revela coincidência no com promisso com a eliminação da pobreza e com a justiça social. Obama demonstrou, com base em sua vivência na Indonésia e no Quênia^ em seu trabalho como assis tente social nos bairros mais pobres de Chicago e em seu temperamento de cons trutor de pontes, capacidade de compreen der esses problemas do ponto de vista dos pobres. Ele estudou na melhor escola par- ticulardo Havaí, sobretudo graças aos sa crifícios dos avós. Ao terminar seus cursos universitários, porém, abandonou a pers pectiva de empregos bem-remunerados em Wall Street ou em escritórios de advo cacia, e optou por oportunidades como organizador comunitário em uma das re giões mais deprimidas de Chicago. Desde então, Obama estabeleceu como plataforma cèntráMé sua atuação a soli dariedade social. A situação dos jovens afro-americanos em bairros pobres nas^ grandes cidades, como Chicago; a gera ção de empregos; a universalização da cobertura por seguxo-saúde; e a melhoria da educação pública, como detalhado em seu livro de campanha, A audácia da espe ra n ç a foram a tônica de sua atuação polí tica e de sua campanha presidencial. Du rante a campanha-eleitoral, ele ironizou o lema do ultraliberalismo, ou fundamenta- lismo de mercado,.a chamada "sociedade de proprietários" (ownership s&ciely), di zendo que para os ricos isso pareda signi ficar "cada um por si" {you are on your own). Em seu discurso de posse, sinteti zou sua visão de futuro: "uma nação não pode prosperar se dedicar atenção apenas aos mais prósperos". 8 7 VOL 18 N*1 JUN/JUWACO 2009 ARTIGOS 0 momento histórico e as relações bilaterais Além das afinidades entre os presiden tes Tiiila e Obama, aqui apontadas, fatores de ordem estrutural contribuem paraumà consolidação dos progressos realizados -em várias vertentes do relacionamento bi lateral e para a abertura 3e-novas frentes de aproximação. Por muito tempo, a política externa dos Estados Unidos mal disfarçava velei- dadesjde tutela informal sobré as nações- latino-americanas. Tal “era o sentido da "Doutrina Monroe" (a-resporisabilidade pela liderança^da defesa da-América Lati na contra “"'ameaças exíracontinentais" caberia aos Estados Tinidos, que exerce riam, para tanto, supervisão sobHTâSlüla- ções dos países latino-americanos com Estados de-outros continentes) e do cha mado "Corolário Roosevelt" (Theodore, nãoPrarüdin: a responsabilidade pela es tabilidade política interna dos países la tino-americanos caberia, também, a Wa- shinjçton). Tais políticas fizeram-se sentir com* mais peso, ao longo do século XX, na América Central e .rio 'Caribe, mas não deixaram de repercutir também mais ao sul. Eara o Brasil, áesde a consolidação das fronteiras-cornos vizinhos - obra con cluída por volta de 1910 - a tarefa princi pal da política externa, formulada com diferentes matizes em cada geração, tem sidõ a criação de condições externas favo ráveis para o desenvolvimento econômico -e-sodal do paísrPara tanto, o~pré-requisi- fo essendái foi a busca da autonomia de-I cisória na promoção do desenvolvimento, sem ingerências nem submissão ainteres- ses externos. Nos anos 1950, atitudes dos Estados Unidos em relação à criação da Petrobras, por exemplo, convenceram muitos brasi- leiros de que prevenir ou impedir o de senvolvimento industrial do Brasil consti tuía parte da agenda não declarada de Washington. As objeções aos programas nuclear e espacial, nos anos 1970 e 1980, e as divergências sobre propriedade inte lectual, a partir dos anos 1980, foram fontes de desentendimento. As dificulda des iniciais dos . Estados Unidos com a formação do Mercosul também geraram • • .alguma tensão. Ao mesmo tempo, outro conjunto de fatores nunca deixou de aproximar os dois países, e conduziu a momentos de relação estreita e mutuamente proveitosa % - seja a "aliança não-escrita" da época de Rio Branco (na expressão do historiador norte-americano E. Bradford Bums), seja a participação do Brasil na II Guerra Mun- ' dial (quando fomos o "aliado esquecido", segundo o historiador Frank McCann). O investimento e o capital norte-america nos nas mais diversas áreas tiveram parti cipação positiva na industrialização do Brasil, em processo simbolizado pela Companhia Siderúrgica Nacional, cons truída com financiamento e bens de-sapi- tal dos Estados Unidos. Controvérsias subsequentes fizeram que -alguns se es quecessem de que os primeiros passos dos programas nuclear 'e espacial do Bra sil, entre os anos .1950 e 1970, em muito se beneficiaram da cooperação com os Esta dos Unidos. E até hoje oâ fluxos de comér cio e investimento revelam complementa- ridades entre os dois países. É possível afirmar, em suma, que Bra- -sil e Estados Unidos podem manter, em certos momentos e temas, políticas diver gentes, no nível dos governos, mas sem chegar a ter conflitos fundamentais de interesse, no nível dos Estados. A ámbos interessa, primordialmente, a paz, estabi lidade e prosperidade nas Américas e no mundo. . -«-v , ■ . ... . Hoje, Brasil e Estados Unidos intensifi- - cam seus contatos políticos em >eóiít<Scfô 8 8 POLÍTICA EXTERNA I d e . kas D,e ate iam Ida- 31 a xam t i .^ í 0 de s > os >s de íitosa ca de .iador seja Mun- ?ddo", ; Cann). lerica- iparti- ão do » pela cons- 2 capi- ,'érsias se es- passos k> Bra- yj.ío se 5 Ssta- x>mér- nenta- le Bra- er, em diver- ss sem ais de ambos estabi- ís: e no >• ensifi- ntexto 1 • 4 - t S I , * * • 4 , \ ■ W V . _ - O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA < . ■ ‘ histórico de grandes transformações. O Brasil está em trajetória ascendente, com estabilidade econômica, progresso social e democracia consolidada. Cada vez mais nosso ponto de vista é global, de país con tribuinte para o aperfeiçoamento do sis tema internacional. Os Estados Unidos, por sua vez, continuarão pelo futuro pre visível a demonstrar vitalidade econômi ca, científica e tecnológica, sem falar no poderio militar. Como aponta Fareed Zakharia em O Mundo Pós-Americano, com a ascensão relativa de outros países, os Estados Unidos vão sendo levados a acei tar mais naturalmente a ideia de que vivem em mundo crescentemente multi- polar, como admitiu recentemente o secretário da Defesa Robert Gates. A tèn- tação do unílateraiismcrconduziu, no Ira que, a resultados que falam por si; a crise iniciada em 2008 tomou ainda mais pa tentes os limites do poder unilateral nor te-americano e a necessidade de coopera ção internacional. Restam, é verdade, no estamento de política externa norte-americana, persona lidades que acreditam na possibilidade de um retomo aos anos 1990, quando os Esta dos Unidos viveram seu "momento unipo- lar", na consagrada expressão de Charles Krauthammer. Para os que duvidam, po rém, da orientação da atual liderança polí tica, recomenda-se a leitura do capítulo 8, dedicado à política externa, do livro de campanha do então candidato presidencial Barack Obama, A audácia da esperança. De forma talvez inédita, constata-se a capaci dade de um presidente dos Estados Uni dos enxergar a realidade internacional não apenas da perspectiva de seu próprio país, mas também a partir de uma vivência que incorpora contatos importantes com o mundo em desenvolvimento (Indonésia e Quênia, em particular). Entre outras múi- tas observações de Obama que soam natu rais aos brasileiros, destaco as seguintes: "Nosso desempenho tem sido incons tante, tanto na Indonésia quanto no resto do mundo. Algumas vezes, a política ex- tema norte-americana foi previdente, ser vindo simultaneamente nossos interesses nacionais,nossos ideais, e os interesses das outras nações. Outras vezes, as políti cas norte-americanas foram mal-orienta- das, com base em premissas falsas que ig noram as aspirações legítimas de outros povos, diminuem nossa própria credibili dade e tomam o mundo mais perigoso (...) (Na América Latina) os Estados Unidos não chegaram a empreender a colonização sistemática praticada pelas nações euro- peias, mas perderam quaisquer inibições a respeito da ingerência nos assuntos inter nos de países que julgavam estrategica mente importantes. Theodore Roosevelt, por exemplo, acrescentou um corolário à Doutrina Monroe declarando que os Esta dos Unidos interviriam em qualquer país latino-americano ou cariV -mho de cujo go verno não gostassem i...j começo do século XX, portanto, os mo ti1 jp e guia vam a política extema dos Estada Unidos pareciam dificilmente distinguíveis da queles das demais grandes potências, guiadas pela realpolitik e pelos interesses comerciaisti Relações BrasiUEUA no governo Obama As preocupações sociais de Obama harmonizam-se com muitos temas de interesse da nova secretária .de Estado. Hillary Clinton estreou no cenário nacio nal, ainda no começa do mandato do ex- presidente Bill Clinton, com uma campa nha pela universalizaçãotio acesso à saúde que esbarrou no obstrucionismo dos repu blicanos, mas que - reconhece-se hoje - te ria beneficiado os Estados Uriidos<<&ríi- 89 V O L 18 N #1 J U N / J U L / A G O 2009 UM » ARTIGOS vesse ido adiante. A competitividade da indústria norte-americana, como se sabe, é prejudicada pela necessidade de que cada empresa arque com grande parte dos cus tos de saúde e aposentadoria de seus em pregados. A privatização da saúde levou a um sistema que é o mais caro entre os paí ses desenvolvidos, mas que deixa sem co bertura médica quase 50 milhões de norte- -americanos, segundo o Bureau do Censo dosEUA. HiMary Clinton, em sua carreira como senadora porJNova York e em sua campa nha presidencial, destacou-se,. também, pela defesa dos direitos da mulher, da in fância, dos-idosos e das populações mais vulneráveis. O primeiro discurso do presi dente Obama-no Congresso e o primeiro projeto de orçamento refletem es^as prio ridades, com ênfase em saúde, educação e energiaslimpas. Emerge, assim, um qua dro em que vários entre os principais tomadores de dedsão dos Estados Unidos - não só o presidente e a secretária de Es tado, mas também outros integrantes do governo, como os secretários da Educar ção, Ame Duncan, do Trabalho, Hilda Solis, e da Saúde, a ex-govemadora do Kansas Kathieen Sebelius - demonstram preocupação com tpmas similáres aos que captam a atenção do Governo brasileiro. Com a posse do novo governo, os Esta dos Unidos voltam a se engajar no cum primento das Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, objeto de ressalvas norte-americanas ainda recente mente, durante o processo de preparação da 60a Assembleia-Geral, em 2005. Abre-se, assim, espaço para a troca de experiências e a cooperação em temas sociais, entre dois _países com semelhanças não-negligendá- veis:-grandes, multiétnicos, democráticos, federativos e preocupados com a supera ção da desigualdade. Os Estados Unidos, como aponta o ministro Roberto Manga- beira Uriger, são o país mais desigual entre os desenvolvidos, e o Brasil, apesar dos significativos progressos dos últimos anos, ainda está entre os mais desiguais, entre os países em desenvolvimento. Isso pode ser encarado como uma oportunidade na me dida em que o diálogo se dê, como tudo indica que ocorrerá nos próximos anos, em ambiente de respeito pelas diferenças entre as experiêndas de um e de outro dois país, tanto em-âmbito federal, eemo estadual e munidpal. Outra das prioridades reiteradas por Obama em seus -planos de governo é a energia, em particular o desenvolvimento de fontes renováveis, a conservação, a sustentabilidade e a diversificação das fontes de suprimento, com a concomitante redução de dependências externas. Tam bém nessa área, o Brasil e visto lfder mundial. As conquistas do Brasil na esfera energética são admiradas nos Estados Unidos e o desejo de parceria é perceptí vel, tanto no Executivo como no Congres so e no setor privado. Note-se que uma das nomeações mais ousadas e bem-rece- f J d a s do Governo Obama foi justamente para o Departamento de Energia, para qual foi escolhido o físico Steven Chu, o primeiro prêmio Nobel a ocupar um posto ministerial nos Estados Unidos. A indica ção de Chu, comprometido com as fontes renováveis e limpas de* energia, foi geral mente interpretada- como indicadora de nova postura/mais cooperativa, no tema da mudança do clima. As relações econômicas entre os dois países também se benefidarão do impulso positivo dos últimos anos. Entre 2000 e 2008, as exportações brasileiras para os Estados Unidos passaram de-US$ 13,2 bi lhões para US$ 27,4 bilhões (crescimento de 108%), ao passo que as importações foram de US$ 12,9 bilhões para US$ 25,6 bilhões (crescimento de 98%), desempe nho mais dinâmico que o do intercâmbio com diversos países com os quais os Esta- 90 POLÍTICA EXTEKNA O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA dos Unidos mantém acordo de iivre co mércio. Em 2008, os Estados Unidos foram o maior investidor externo no Brasil (ÜS$ 7 bilhões) e também o maior receptor de investimento externo brasileiro (US$ 4,8 bilhões). Os estoques de investimento en tre os Estados Unidos e o Brasil são signi ficativamente maiores que entre os EUA e os demais BRICs (China1, índia e Rússia). Tanto o presidente Obama quanto a secre tária Clinton manifestaram interesse em • • t relações mais-estreitas com o Brasil, nos planos-econômico e comercial, como se depreende, por exemplo, do apoio de monstrado por ambos à manutenção do Fórum de Altos Executivos. No tema prioritário do fortalecimento das instituições internacionais - singulari- zado, como vimos, pelo Governo Obama como central - abre-se espaço mais amplo de coordenação. Obama elevou a posição de Representante Permanente junto às Nações Unidas ao nível ministerial, como fora em alguns governos anteriores (mas não no de George W. Bush). A indicada; Susan Rice. foi uma de suas colaboradoiras * mais próximas ao longo da campaiiha eleitoral. Já em seu primeiro pronuncia mento após a confirmação no cargo, Rice indicou-quatro prioridades: combate à po breza, mudança do clima, operações de paz e não-proliferação. Em cada uma das áreas apontadas, o Brasil é ator significati vo. A cooperação entre os dois países nas Nações Unidas poderá adquirir maior re levância em vista da projetada7éleição do Brasil para nosso nono mandato . como membro eletivo do Conselho de Seguran ça, em 2010-11. A participação do Brasil nos círculos decisórios internacionais, pro posição que vem ganhando apoio em Wa shington, abrirá dimensões inéditas para o relacionamento bilateral. O ministro Celso amorim e a secretária de Estado Hillary Clinton conversaram pór telefone logo após a confirmação de Clinton pelo Senado norte-americano e, em 24 de fevereiro, mantiveram uma reu nião de trabalho que permitiu o mapea mento de áreas para uma futura intensifi cação do diálogo e da cooperação: energia, mudança do clima, combate à pobreza, Haiti, Cuba, Oriente Médio, fortalecimen to « reforma das Nações Unidas, entre outras. A cooperação triangular para a promoção do desenvolvimento em tercei ros países, aproveitando as capacidades complementares do Brasil e dos Estados Unidos, já foi iniciada jnas áreas de etanol e saúde e poderá: estender-se a outros campos, permitindo atuação conjunta em favor do progresso regional e global. O presidenteLula recebeu telefonema do presidente Obama, poucos dias após sua posse, ocasião em que foi convidado para visitar Washington. A visita ocorreu em 14 de março e, com isso, Lula foi o primeiro chefe de Estado (e o terceiro che fe de Govemo, depois dos primeiros-mi nistros do Reino Unido e do Japão) a reu nir-se com Obama na Casa Branca. O encontro confirmou a expectativa de uma estreita proximidade :<fe visão de mundo entre os dois líderes, que conversaram, em particular, sobre a crise econômica mun dial com genuína disposição de cooperar para buscar soluções conjuntas. Lula e Obama estiveram juntos na Cúpula de Londres do G-20 e na Cúpula das Améri cas, em Trinidad e Tobago. Obama tam- ♦ bém aceitou convite para visitar o Brasil'. Nada disso implica alinhamento au tomático ou coincidência absoluta de po sições. Não é impossível que ocorram .dificuldades, por exemplo, na agenda co mercial, abalada no mundo inteiro pelo agravamento da recessão econômica e pelo ressurgimento de tendências protecionis tas. A finalização ffa Rodada do Desenvol vimento de Doha, ossubsídios agrícolas, a tarifa do etanol, a relação entre proprieda- de-intéteciuai e acesso à saúde; a renova 9 1 VOL 18 NM IUN/JUL/AGO 2009 ARTIGOS ção anual do Sistema Geral de Preferências (SGP) - todos esses são temas que continua rão a merecei; como tem ocorrido, atenção e esforço da diplomacia brasileira. Recentemente, o "Center for American Progress", principal centro de pesquisas da ala progressista do Partido Democrata, encomendou estudos sobre as relações Brasil-Estados Unidos2 a dois especialistas em relações internacionais sediados -em Washington, Kellie Meiman e David Ro- thkòpf. Ambos assinalam o momento-de oportunidade que se abre com a eleição de Barack Obama, em contexto internacional no qual o Brasil emerge como uma demo cracia sólida' e uma economia em expan- » —• * r . - * ^ v Notas • v 1. Excluído Hong Kong. 2. "The United States and Brazil: two perspectives on deaiing with partnership and rívalry". Disponível err, são. Com a multiplicação de contatos governamentais no mais alto nível, a cres cente interação dos setores privados e o envolvimento da sodedade dvil, as pers pectivas que se abrem são, efetivamente, promissoras. Ao benefidar-se de ambiente^de cres cente respeito mútuo e de novas afinidades políticas, a relação entre Brasil e Estados Unidos poderá trazer ganhos para as duas -sodedades nos próximos anos e, como propõe Rothkopf, constituir "uma das par cerias estratégicas intemadonais que serão chave" para o equadonamento das gran des questões de paz, desenvolvimento e sustentabilidade da agenda intemadonal. ** http://vvwv.americanprogres5.org/is5ues/2009/03/bra- zii_reporthtmL 9 2 p o U t i c a e x t e r n a
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