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Módulo: Sociologia da Educação PLANO DA DISCIPLINA EMENTA: Sociologia e teoria das organizações. A escola como organização social. Sociologia aplicada à educação e à gestão da escola. Cultura organizacional e gestão de recursos humanos na escola. Criatividade e inovação nas organizações e na escola. OBJETIVO GERAL: Discutir com os diversos profissionais a complexidade do estudo da sociedade, cultura organizacional e gestão de recursos humanos na escola do século XXI. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Possibilitar aos acadêmicos condições de reflexão crítica, responsabilidade, criatividade nas organizações, compromisso com a educação, democracia e cidadania para a melhoria da qualidade de ensino, no contexto do atual estágio da sociedade capitalista. JUSTIFICATIVA: Vivemos instantes de grandes complexidades (pessoais e sociais) em que os coletivos perderam as dimensões de valores, ao passo que os processos de subjetivação enaltecem o particular e individual. As relações sociais vividas nesse paradigma competitivo, trazem grandes questões para o interior das organizações escolares. Em espaço de pluraridade de idéias e concepções, é preciso pensar e articular os coletivos, as buscas por espaços humanitários dentro de uma proposta pedagógica emancipatória. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO: 1. CONCEITOS E RELAÇÕES DA SOCIOLOGIA 2. OS PENSADORES CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA 3. EDUCAÇÃO, DEMOCRACIA E CIDADANIA 4. A VIDA E A LIDERANÇA NAS ORGANIZAÇÕES HUMANAS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: • Exposição dialogada; • Leitura e debate coletivo sobre textos; • Trabalhos em grupos (seminário) • Análise de texto (individual) AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: Produção escrita (individual e coletiva) – 5,0 Debate temático a partir dos textos escolhidos (grupo)– 5,0 BIBLIOGRAFIA: ADRIÃO, T. M. F; GARCIA, T. O. G; SILVEIRA, A. A. D. Ensino Médio em Escolas Públicas Paulistas: indicações de qualidade. Educação e Sociedade. Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 253-26, jul/dez 2008. Bauer, Ruben. Gestão da mudança :. São Paulo: Atlas. 1999. ( 7 ex.). CARBONELL, J. A aventura de inovar: a mudança na escola. Tradução: Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002. (Coleção inovação pedagógica) DEMO, P. Professor do futuro e reconstrução do conhecimento. In: MACIEL, L. S. B; NETO, A. S. (orgs). Formação de professores: passado, presente e futuro. São Paulo: Cortez, 2004, p. 113-127. Lyotard, Jean-François. A condição pós-moderna. 5. ed.. Rio de Janeiro: J. Olympio. 1998. ( 3 ex.). MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução: Catarina E. F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez, 2000. http://www.guiarh.com.br/PAG21M.htm/ data de acesso: 31/07/2007 1. CONCEITOS E RELAÇÕES DOS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA PARA EDUCAÇÃO Autores clássicos da Sociologia Marx (1818-1883) Engels (1820-1895) Totalidade do contexto social Interesse da classe trabalhadora Base teórica na historia = formas de produzir Conceito de classes Transformação da realidade Analise da sociedade capitalista emergente através do principio explicativo da contradição (Lênin, Trotski, Rosa Luxemburgo, Lukacs, Gramsci) Para o pesquisador não basta descrever a realidade social, mas como se produz e reproduz este tipo de sociedade Weber (1864-1920) Compreensão das ações individuais Motivos/intenções /valores nas ações sociais Relações significativas (tipos de sentido entre varias ações sociais) = Relações sociais Normas e regras sociais são o resultado das ações individuais= existem escolhas de formas de conduta Pesquisador tem um papel ativo em face da sociedade= não há neutralidade na ciência Durkheim (1858-1917) Ordem social (em virtude do período marcar grandes contradições/miséria/desemprego/riqueza) Integração social Fragilidade da moral contemporanea Interesse de estudo nas Instituições Analise dos fatos sociais como coisas/ neutralidade do pesquisador (sem que suas opiniões interfiram na observação dos fatos) 2. A VIDA E A LIDERANÇA NAS ORGANIZAÇÕES HUMANAS (Capra,, 2002) Administração da mudança • Complexidade e mudança • Metáforas da administração • Redes sociais • Comunidades de prática • A organização viva • Aprender com a vida • O aprendizado nas organizações • O surgimento espontâneo de coisas novas • Surgimento espontâneo e planejamento • Dois tipos de liderança • Como dar vida às organizações Duplo desafio das organizações: precisam passar por uma mudança fundamental, tanto para se adaptar ao novo ambiente empresarial quanto para tornar-se sustentáveis do ponto de vista ecológico. Organizações têm natureza dual: instituições sociais (criadas em vista de objetivos específicos) e comunidades de pessoas (relacionamentos). “Sempre ouvimos que, nas organizações, as pessoas resistem à mudança. Na realidade, porém, não é à mudança que elas resistem; resistem, isto sim, a uma mudança que lhes é imposta. Na medida em que estão vivos, os indivíduos e as comunidades são ao mesmo tempo estáveis e sujeitos à mudança e ao desenvolvimento; mas seus processos naturais de mudança são muito diferentes das mudanças organizativas projetadas por especialistas em “reengenharia”e determinadas pelo chefe supremo.” Precisamos compreender os processos naturais de mudança para, então, projetar de acordo com essa compreensão, os processos de mudança organizativa e criar organizações humanas que reflitam a versatilidade, a diversidade e a criatividade da vida. Capra propõe a solução sistêmica ao problema da mudança das organizações. Por que a compreensão sistêmica é importante para as organizações? • Resolução de um número maior de problemas na organização. • A concepção das organizações como sistemas vivos (redes não-lineares complexas) pode nos dar outras idéias sobre a natureza da complexidade e nos ajude a lidar com as complicações do ambiente empresarial. • Essa concepção pode nos ajudar a projetar organizações ecologicamente sustentáveis (princípios da organização dos ecossistemas = princípios de organização de todos os sistemas vivos). • Tendo em vista o surgimento de uma nova economia (moldada pela TI e comunicação), onde o processamento de informações e a criação de conhecimentos científicos e técnicos são as fontes principais da produtividade. Para a teoria econ6omica clássica, as fontes principais da riqueza são os recursos naturais (Terra),capital e trabalho. A produtividade resulta da combinação entre estes elementos através da administração e da tecnologia. Atualmente, administração e tecnologia estão fortemente ligadas à criação do conhecimento. Surge aqui novo elemento e conceitos importantes na teoria da administração: –a administração do conhecimento, o capital intelectual e o aprendizado nas organizações. As organizações hoje são fundamentalmente orientadas para a criação de conhecimentos (dinâmica da cultura/redes). Metáforas da administração: organizações como máquina (controle e eficiência), como organismos (desenvolvimento, adaptação), como cérebro (aprendizagem organizativa), como cultura (valores,crenças) e como sistema de governo (conflitos de interesse, poder). Capra vai além das metáforas para ver em que medida as organizações humanas podem ser compreendidas literalmente como sistemas vivos. A metáfora da máquina não deixa espaço para as adaptações flexíveis, para o aprendizado e para a evolução. Para superar a crise, os administradores precisam mudar suas prioridades e passar a administrar empresas, a fim de otimizar as pessoas, ao invés de otimizar o capital (De Geus). Redes sociais: as redes tornaram-se um dos principais fenômenos sociais donosso tempo. O sociólogo Manuel Castells afirma que a recente evolução da informática deu origem a uma nova economia, toda ela estruturada em torno de fluxos de informação, poder e riqueza nas redes financeiras internacionais. Ele cunhou o termo sociedade em rede (network society) para designar e analisar essa nova estrutura social. Comunidades de prática: termo inventado por Etienne Wenger (teórico da comunicação). As comunidades de prática são redes sociais autogeradoras e caracterizam-se por: • um compromisso mútuo assumido entre os membros; • um empreendimento comum; • um repertório comum de rotinas, conhecimentos e regras tácitas de conduta. As organizações humanas têm natureza dual frente a essa questão: de um lado, a natureza de comunidades jurídicas e econômicas; de outro, a natureza de comunidades de pessoas. Diversas comunidades de prática inevitavelmente surgem e se desenvolvem dentro das estruturas formais da organização. A organização viva: é essencial que os chefes e administradores compreendam a interação que existe entre as estruturas formais e explícitas da organização e suas redes informais e autogeradoras (redes de comunicações fluidas e oscilantes). A vida de uma organização – sua flexibilidade, seu potencial criativo, sua capacidade de aprendizado – reside em suas comunidades informais de prática. As partes formais da organização podem ser vivas em diversos graus, dependendo da intimidade do seu contato com as redes informais. Aprender com a vida: de acordo com a compreensão sistêmica da vida, o sistema vivo só pode ser perturbado. As organizações, nesta ótica, podem ser influenciadas através de impulsos, não de instruções. Perturbações significativas podem chamar a atenção da organização e desencadear mudanças estruturais. Lealdade, inteligência e criatividade são os maiores insumos das organizações atuais (voltadas para o conhecimento). O aprendizado nas organizações: a visão sistêmica do aprendizado das organizações reforça a lição que aprendemos com a compreensão da vida das organizações humanas. O meio mais eficaz para intensificar isso é apoiar e fortalecer as comunidades de prática. Há duas formas de conhecimento segundo Nonaka e Takeuchi: o conhecimento explícito e o conhecimento tácito. O conhecimento pode ser explícito (pode ser comunicado e documentado através da linguagem). O conhecimento tácito é aquele adquirido pela experiência e nem sempre se manifesta exteriormente (criado pela dinâmica cultural). O surgimento espontâneo de coisas novas: a geração constante de novidades é uma propriedade fundamental de todos os sistemas vivos (Whitehead). As coisas novas surgem após alguma perturbação significativa, ocasionando uma nova ordem. Os estágios desse processo são: abertura da organização para as perturbações, o ponto de instabilidade e um novo estado de ordem (novidade). Nas organizações humanas as soluções emergentes criam-se dentro do contexto de uma determinada cultura organizativa e, em geral, não podem ser transplantadas para outra organização dotada de outra cultura. Surgimento espontâneo e planejamento: as organizações humanas contêm estruturas projetadas (estruturas formais) e estruturas emergentes (proporcionam novidade, criatividade e flexibilidade). Os administradores hábeis compreendem a interdependência entre o planejamento e o surgimento espontâneo. Sabem que, no ambiente econômico turbulento em que vivemos atualmente, o desafio para eles é o de encontrar o equilíbrio entre a criatividade do surgimento espontâneo e a estabilidade do planejamento. Dois tipos de liderança: para encontrar o equilíbrio mencionado anteriormente, Capra diz ser necessária a fusão de dois tipos de liderança. A liderança tradicional (líder que valoriza o planejamento sistemático) e a liderança que facilita o surgimento da novidade. Ambos os tipos de liderança têm uma relação com a criatividade. Situações adversas exigem diversos tipos de liderança. Às vezes, é preciso criar redes informais e canais de comunicação; às vezes, as pessoas precisam de estruturas firmes com objetivos concretos e um cronograma definido em torno do qual possam organizar-se. O líder experiente fará uma avaliação da situação e assumirá o comando se isso for necessário, mas será ,depois, flexível o suficiente para abdicar do poder supremo. Como dar vida às organizações: a valorização da vida e da auto-organização fortalece e capacita o indivíduo. É preciso criar ambientes de trabalho sadios, que preservem a integridades das pessoas (comunidade de prática). O novo conhecimento surge de processos caóticos de surgimento espontâneo, que levam tempo. Cuidado com a tecnologia da informação. Ser criativo é ser capaz de permanecer tranqüilo em meio à incerteza e à confusão. Isto é muito difícil no ambiente organizacional, pois, as coisas andam muito rápido. A longo prazo, as organizações realmente vivas só poderão florescer quando mudarmos nosso sistema econômico de modo que, em vez de destruir a vida, ele passe a apóia-la. 3. UM NOVO PARADIGMA NO DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS Paulo Henrique Bolgar1 (Gerente de RH da Delphi Automotive Systems) 1 http://www.guiarh.com.br/PAG21M.htm/ data de acesso: 31/07/2007 I. INTRODUÇÃO Muitos pesquisadores tem pesquisado o comportamento humano e constatado sua complexidade. Por isso o comportamento humano não pode continuar sendo considerado pelos enfoques administrativos e pelas óticas empresariais e gerenciais com a simplicidade mecanicista ainda dominante. Esta ótica focou o comportamento humano como se o homem fosse uma máquina. Definiu procedimentos para garantir resultados, elaborou rotinas de trabalho com regras rígidas e um rol de punições para quem não cumprisse seus mandos, ou seja, "padrões" estabelecidos. Deu certo por muito tempo e quando deixaram de funcionar, criaram outras mais sofisticadas que, pouco tempo depois, também não funcionaram. Em geral os empresários e gerentes desejam coisas práticas e rápidas. Como diz Chanlat1, tendo instalado o econômico, o quantitativo e as organizações no centro do universo, nossa sociedade parece ter esquecido o resto, isto é, tudo o que não é redutível à formalização; por outro lado, como todo recurso a um pensamento externo e forçosamente crítico pode sempre ameaçar a ordem organizacional estabelecida, o mundo das empresas tem preferido as visões que lhe são menos incômodas. Esta visão reducionista e mecanicista - e esta vontade de assegurar um sistema de controle de inspiração taylorista ou burocrática produziram alguns impactos perversos sobre as pessoas que começaram a ser vistos como um recurso substituível e manipulável, incapaz de pensar e participar da concepção do trabalho. Apesar de reconhecermos a eficácia destes modelos num determinado momento da história, temos certeza que estes modelos são ultrapassados para o nosso momento. Precisamos mudar, o mundo mudou, nossa sociedade mudou e com isso temos que ver e tratar o indivíduo não somente como "mão-de-obra", ou ser pensante que é, mas também como um ser que sente, que fala e que tem desejos. Torna-se urgente uma mudança de paradigma pela visão do indivíduo dentro deste novo contexto de modernidade e da globalização, pela visão abrangente e universal do pensamento complexo levando-se em consideração o seu todo bio-psiquico-social, pelo seu desenvolvimento cognitivo, e finalmente pela substituição das relações de autoridade e poder atual por processos argumentativos que procuram o consenso. Neste trabalho procuraremos dar este enfoque abrangente e complexo do ser humano tendo- se como baseo referencial teórico que citamos acima, procurando sempre enfocar a continuidade dos negócios das organizações atrelada a realização individual dos seus indivíduos através do trabalho. 1 CHANLAT, Jean F. Por uma Antropologia da Condição Humana nas Organizações, in O Indivíduo na Organização, Volume I e II. Editora Atlas II. O CONTEXTO GLOBALIZADO Nosso objetivo não é dissertar profundamente sobre este fenômeno chamado globalização, mas fazer uma abordagem de como este contexto tão poderoso influencia nossas vidas e nossa sociedade. A globalização teve como seu grande alavancador a evolução da tecnologia da informação e das telecomunicações, levando-nos ao redimensionamento dos conceitos de espaço e tempo, a economias nacionais interdependentes, competição internacional e mudanças tecnológicas intensivas dentro de um período de tempo cada vez mais curto. Todas estas mudanças tiveram como conseqüência (para alguns países) um tremendo crescimento econômico ou estagnação, relações sociais e de negócios desorganizadas, problemas sociais novos ou intensificados tais como: pobreza, desemprego, violência, riscos e incertezas . Mas o que isso afeta a nós como seres humanos? Segundo Giddens 2, A globalização não é um processo único, mas uma mistura complexa de processos, que freqüentemente atua de maneira contraditória, produzindo conflitos, disjunções e novas formas de estratificação. Para Giddens, as tradições têm que explicar-se, tem que estar abertas aos questionamentos ou ao discurso, ou seja, devem ser repensadas e reformuladas. Temos a necessidade de repensar nossa civilização industrial agora que o antigo sistema de sociedade industrializada está se desmoronando no decorrer do seu próprio sucesso e levanta a questão do surgimento de novos contratos sociais, ou seja, a "modernização reflexiva" citada por Giddens; que significa a possibilidade de uma autodestruição criativa para toda uma era: aquela da sociedade industrial. Neste processo, a sociedade está acabando com sua forma de classe, camadas sociais, ocupação, familiar nuclear e também com os pré-requisitos e as formas contínuas de progresso técnico e econômico. A sociedade globalizada insere os indivíduos na turbulência da sociedade do risco global. È importante ressaltar que nesta inserção é o indivíduo particular desprovido de apoios sociais que se vê confrontando e convivendo com uma ampla variedade de riscos globais e pessoais diferentes e contraditórios. Segundo Giddens, uma outra mudança provocada pela globalização é a reflexividade social, ou seja, os indivíduos devem se acostumar a filtrar todos os tipos de informação relevantes para a situação da sua vida e atuar rotineiramente com bases neste processo de filtragem. Segundo ele, um mundo de reflexividade intensificada é um mundo de pessoas inteligentes e esta reflexividade é um fator fundamental que introduz o deslocamento entre o conhecimento e o controle. Seguindo este contexto de destradicionalização, a responsabilidade não é dever, ou seja, o cumprimento do dever nos obriga ao segmento rígido de normas e procedimentos, enquanto a responsabilidade implica o detalhamento dos motivos, as causas, as razões, a compreensão e não a lealdade cega. Neste novo contexto as pessoas terão que ter habilidade para interpretar, modificar, corrigir e repensar o conhecimento. Necessitaremos de pessoas com atitudes muito mais proativas, comprometidas, e abertas a novas idéias através do diálogo como um meio para o entendimento das emoções em busca de uma maturidade emocional. Pessoas capazes e abertas a reformular novos valores, estratégias e relações sociais e de trabalho. 2 GIDDENS, A., BECK,U. e SCOTH,L. Modernização Reflexiva, São Paulo, Editora UNESP III. O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE Talvez não devamos tratar a complexidade como um novo paradigma de ciência, mas talvez como uma nova visão de ciência. Porque uma nova visão? Podemos dizer que o pensamento complexo é uma nova maneira de ver a ciência, casando o singular com o todo. A teoria da complexidade é hologramática, ou seja, mostrando-nos que não é através de um único parâmetro que se tem a dimensão da realidade. Edgar Morin deixa claro que complexidade não é complicação. A ambição do pensamento complexo é dar conta das articulações entre domínios disciplinares que são quebrados pelo pensamento disjuntivo; este isola o que ele separa e oculta tudo que o liga, interage e interfere. A complexidade aparece onde o pensamento simplificador falha, isto é, a complexidade conduz á eliminação da simplicidade. Diante da dificuldade de compreender e dominar o complexo, nossa tendência é de nos adaptarmos a uma atitude reducionista e de nos voltarmos para os pontos de vista mais simplistas. A complexidade sempre existiu, mas ela se amplia continuamente. Esta complexificação incessante é o sentido da evolução da vida. À medida que certos aspectos da complexidade são entendidos, outros se manifestam através do imprevisto, o incerto ou o ingovernável. Embora não se limite a este aspecto, o termo "complexidade" designa primeiro aquilo que nos escapa, aquilo que temos dificuldade em compreender e dominar, Neste aspecto, complexidade de distingue da complicação de que, com esforço, conseguimos chegar ao fim. É claro que a empresa não está isenta desta complexidade. Ela se manifesta sobretudo do volume de teorias e modelos de administração – modismos temporários e milagrosos, a incerteza das organizações e a ampliação das interdependências. Adicionado a isto, o impulso rápido das telecomunicações e de novas tecnologias, a globalização da economia, o crescimento das atividades imateriais (serviços), e as profundas mudanças da ciência tem acelerado ainda mais este movimento a complexidade. O progresso muitas vezes, segundo Genelot 3, é obtido por complexificação. È aí que os dirigentes encontram o maior desafio que é dotar-se de métodos de pensamento que lhe permitam ao mesmo tempo inventar o progresso e limitar seus efeitos nocivos. A. CARACTERÍSTICAS DA COMPLEXIDADE Segundo Genelot, podemos chamar de complexo o que não podemos compreender e a dominar completamente, e que esta se manifesta em 3 níveis: • a realidade é presumida complexa em si mesma; • os fenômenos não são complexos se o observador não os vê como tal; • nossa representações da realidade, condicionam nosso comportamento, ou seja, acomplexidade é construída a partir de nossas representações/repertório. 3 GENELOT, Dominique. Manager Dans La Complexité – INSEP Editions, Paris, 1992 Num primeiro nível, podemos concluir que na complexidade: • a realidade percebida fica sempre inacabada e incompleta; • o todos e as suas partes estão ligados em uma dialética dinâmica; • os sistemas complexos se auto-organizam; • o complexo é uma conjunção de ordem e desordem; • a instabilidade e a evolução provocam mudanças de estado nos sistemas complexos; • lógicas diferentes, ás vezes antagônicas, coexistem em um diálogo no seio de um sistema complexo. B. A REPRESENTAÇÃO DA COMPLEXIDADE A realidade não é independente de quem a contempla, as coisas, os acontecimentos, as pessoas , as situações assumem a forma que lhe damos em virtude de nossa visão de mundo, de nossas intenções no momento e do contexto que tudo isto se desenrola. Aqui levantamos um ponto importante que é a dificuldade de representar as realidades complexas. Diante desta dificuldade, nós nos enganamos e deixamos de lado o sombrio, o incerto e construímos representações artificialmente simples, compreensíveis e transmissíveis. Cada pessoa tem uma forma diferente de compreender a realidade, e é este sistema individual que transforma a realidade que chamamos de sistemade representação. Segundo a natureza deste sistema, certos aspectos da realidade serão selecionados e ordenados de um certo modo em nossa representação. Há uma parte no nosso sistema de representação que não podemos modificar, que é inata a nossa personalidade, mas há outra parte sobre a qual podemos agir, que podemos ao menos controlar. Os componentes deste sistema de representação são: • os paradigmas presentes, a visão geral do mundo á qual nos referimos; • o contexto no qual nos encontramos e; • a intenção pessoal, o projeto íntimo que condiciona nossa interpretações. Este enfoque nos mostra uma dimensão importante das pessoas que por mais parecidas que sejam, trabalhando na mesma empresa, na mesma área, fazendo o mesmo tipo de trabalho podem ter visões completamente diferentes da realidade e inclusive, com medo do incerto e das mudanças, buscam não intencionalmente visões simples e reducionistas da realidade. IV. A ORGANIZAÇÃO COMPLEXA Onde se misturam e se sobrepõe lógicas muito diversas, o próprio pensamento deve se complexificar para apreender as situações e melhor orientar as organizações. O reconhecimento das particularidades, até mesmos dos antagonismos, a articulação de lógicas diferentes, devem substituir a exclusão que separa a realidade à uma parte se sua riqueza. Lógicas diferentes que podem ser ao mesmo tempo complementares, concorrentes e até mesmo antagônicas, se encontram reunidas e coexistem em uma mesma unidade, sem que suas diferenças não sejam por isso coladas por esta unidade. Edgar Morin 4 propõem o processo de "disjunção-conjunção" como alternativa a este modo mono-variável de assumir os problemas: as lógicas são distinguidas uma das outras e suas diferenças são afirmadas, mas não são separadas da problemática global a que pertencem. Sem negar suas respectivas existências, articula-se uma à outra em virtude de uma lógica superior que as integra sem reduzir suas especialidades. Essa tentativa se opõem completamente àquela que consiste em tirar um elemento de seu contexto, e excluí-lo do todo no qual ele toma sentido. O principal que se defende é a análise do todo, atualmente a tendência é considerar o homem ao mesmo tempo força de trabalho, inteligência, afetividade e individualidade não limitando sua vida às fronteiras das empresas, levando-se em consideração também sua unidade e, na relação com os demais a combinação de bio-psiquico-social distinguindo uma das outras sem separá-las da visão global do indivíduo. 4 MORIN, E. Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa, Instituto Piaget, 1990. V. SER HUMANO – UM SER PLURAL A obsessão pela eficácia, pelo desempenho, pela produtividade, pelo rendimento a curto prazo que estão presentes nas nossas organizações e na sociedade, levou a maioria dos pesquisadores a concentrar seus interesses nestas questões e reduzir seus esforços a simples técnicas de controle e a ocultar ou desprezar certas dimensões humanas, tais como: a dimensão cognitiva e da linguagem, a dimensão espaço-temporal, a dimensão psíquica e afetiva, a dimensão simbólica, a dimensão da alteridade e a dimensão psicopatológica. Podemos então compreender porque, cada vez mais contestam-se esta concepção instrumental, adaptativa, e mesmo manipuladora da ser humano, interrogando-se sobre as dimensões esquecidas e outras perspectivas teóricas. Deste modo, procuram tornar compreensível a experiência humana e captar cada vez mais sua complexidade e riqueza. "O ser humano é sujeito e não objeto da ação". A UNIDADE FUNDAMENTAL DO SER HUMANO A ciência em geral e mais particularmente as ciências humanas tem sido submetida até o momento ás leis da divisão intelectual do trabalho e as ciências do comportamento organizacional não escaparam a esta regra. Tal dispersão teve por conseqüência fechar os pesquisadores num mundo intelectual relativamente estreito tendo igualmente como conseqüência uma imagem fragmentada do ser humano. Esta concepção de pessoa em pedaços provocou um duplo efeito: no plano disciplinar, conduziu ao reducionismo e do imperialismo psicológico, biológico ou sociológico e, no plano organizacional, desembocou em práticas e ações sociais que ocultam grande número das dimensões humanas. A concepção dominante de um ser humano racional, reagindo a estímulos externos deve ser inteiramente revista e questionada. O ser humano é muito mais complexo para se deixar resumir em uma tal concepção (Edgar Morin, 1973). È o momento de restituir a unidade e a especificidade ao ser humano, destacando-se também as dimensões fundamentais e os diversos níveis de análise. O SER HUMANO, AO MESMO TEMPO GENÉRICO E SINGULAR O ser humano, acima das diversidades das disciplinas que o estudam, é uno. È único enquanto espécie e enquanto indivíduo. Se, por razões bem evidentes, os cientistas fragmentam o saber em partes distintas – biologia, psicologia, sociologia, etc. não é menos verdadeiro dizer que ele aparece como um todo cujos diferentes elementos estão intimamente interligados. Baseado nesta posição, torna-se evidente que todo reducionismo, quer seja de ordem psicológica, sociológica ou biológica não tem nenhum sentido. O seu humano que acabamos de definir é um ser genérico, ou seja, uma pessoa que se define por pertencer a uma espécie humana, pelas características que são sua conseqüência – pensamento, linguagem, personalidade. Aliás, este ser genérico se encarna sempre em um ser concreto: homem ou mulher, pai ou marido, operário ou executivo. È uma existência singular do indivíduo no mundo que lhe confere sua especificidade. Ou seja, se o homem abstrato existe enquanto representação e categoria intelectual, em troca ele aparece sempre na realidade quotidiana sob uma forma concreta particular, numa situação de fato. Toda pessoa tem assim ao mesmo tempo o genérico e o específico. O SER HUMANO, ATIVO E REFLEXIVO Uma das características do ser humano é pensar e agir. A reflexão e a ação são duas das dimensões fundamentais da humanidade concreta, ou seja, negar a reflexividade do ser humano seria jogar o homem no mundo pavloviano onde os reflexos condicionados exercerão a tarefa de socialização. Vale ressaltar que em todo sistema social, o ser humano dispõe de uma autonomia relativa. Marcado por seus desejos e aspirações, ele dispõe de um grau de liberdade, sabe o que pode atingir e que preço estará disposto a pagar para conseguí-lo no plano social. O SER HUMANO, UM SER DE PALAVRA A construção da realidade e as ações que pode empreender o ser humano não são concebidas sem se recorrer a uma forma qualquer de linguagem. È graças a esta faculdade de expressar em palavras a realidade, que se pode aceder ao mundo das significações. A linguagem constitui um objeto de estudo privilegiado e sua exploração no contexto organizacional é permitir que se desvendem as condutas, as ações e as decisões. Reduzir portanto a comunicação humana nas empresas a uma simples transmissão de informação, é elidir todo problema do sentido e das significações. É condenar-se a não poder apreender em profundidade nem simbólico organizacional nem a identidade individual e coletiva. O SER HUMANO, UM SER DE DESEJO E DE PULSÃO O ser humano não pode reduzir-se a uma organismo submetido a um bombardeamento de estímulos. Ele é também um ser de desejo, de pulsão e de relação. A constituição de todo ser enquanto sujeito passa por esta relação poliforme com o outro. É através dele que ele se constitui, se reconhece, sente prazer e sofrimentos, satisfaz ou não seus desejos e pulsões. O SER HUMANO, UM SER SIMBÓLICO O Universo humano é um mundo de signos, de imagens, de metáforas, de emblemas, se símbolos e de mitos. Todo ser humano etoda sociedade humana produziram uma representação do mundo que lhe confere significação. A organização enquanto espaço particular da experiência humana, é uma lugar propício a emergência do simbólico. Segundo Schein, este modismo de busca da cultura da empresa é sinal de um desconforto existencial em relação ao trabalho e do caráter eminentemente simbólico da atividade humana. Por esta razão é que a parte fundamental considerada neste trabalho é o reconhecimento da pessoa, do indivíduo, não como simples recurso a ser manipulado, mas em seu todo bio-psíquico- social, que tem condições de aprendizado através da problematização e não somente pelo adestramento condicionado, que pode ter seu desenvolvimento cognitivo para a participação efetiva e consciente do processo que o cerca. VI. O DESENVOLVIMENTO DAS ESTRUTURAS COGNITIVAS Após o reconhecimento do indivíduo como prioridade das organizações e a necessidade de uma visão pluralista deste ser, vamos nos questionar se tal indivíduo tem efetivamente participação consciente, intelectual no processo decisório das ações que lhe afetam diretamente ou que ele poderia ser capaz de colaborar. Vamos recorrer as teorias de Piaget 5 sobre o processo de desenvolvimento cognitivo, mas para nos concentrarmos no indivíduo dentro da organização, consideremos que tal indivíduo desenvolveu-se perfeitamente até o nível operatório concreto (é importante ressaltar que o tal desenvolvimento depende do meio no qual o indivíduo está inserido) próximo de onde se encontra o nível mais complexo e elaborado do sistema cognitivo – o operatório formal. Neste nível o indivíduo tem condições de análise não somente ao que tem-se de concreto, sendo uma das características principais a aplicação das operações em hipóteses formuladas em palavras mas também a possibilidade combinatória que é a relação de quaisquer proposições e operações com outras. A cognição é um processo com vistas à aquisição de novos conhecimentos e abrangem a percepção, a memória, a imaginação, o raciocínio e a solução de problemas. A grande questão entretanto, é como ajudar, como possibilitar que o indivíduo ingresse neste último degrau do desenvolvimento cognitivo, ou por outro lado, o que não fazer para ajudar tal desenvolvimento. Neste caso entramos nas organizações que... (...) explicitam os seus objetivos através de normas, regulamentos, instruções de trabalho, programas de treinamento que poderão ser estimuladores ou bloqueadores de desenvolvimento cognitivo de seus membros. (AGUIAR, 1997-192). A condição fundamental para que seja possível o crescimento cognitivo dos indivíduos na organização é mais do que simplesmente alguns treinamentos. È a adoção de uma postura empresarial adequada e compatíveis com a aquisição de conhecimentos, com o desenvolvimento do raciocínio e com a ação inteligente dos indivíduos. A centralização do poder, o processo de decisão centralizado nas esferas superiores, o sistema gerencial autocrático, as normas e procedimentos rígidos, as más condições de trabalho, o estresse do dia-a-dia, os processos de treinamento fundamentados na aprendizagem por condicionamento estão entre os vários fatores que explicitam a incoerência entre as políticas e diretrizes da organização e o crescimento mental dos seus membros. Temos que nos questionar e buscar maneiras práticas e simples de desenvolver o raciocínio, a inteligência, a criatividade, enfim tudo que levar ao crescimento cognitivo dos indivíduos dentro das organizações. EVANS, R. Jean Piaget, o Homem e suas idéias, São Paulo, Editora Forense VII. FORMAÇÃO ÉTICA – ÉTICA DISCURSIVA DE HABERMAS Como a última, mas não menos importante das abordagens deste trabalho, somente poderia caminhar para a resolução de problemas e oportunidades através do consenso. Sendo que, se os indivíduos são vistos dentro de uma visão complexa e respeitados como um todo bio-psíquico- social, se tais indivíduos têm o desenvolvimento cognitivo em seu ponto mais elevado, podendo elaborar as possibilidades combinatórias e finalmente tenham o pensamento complexo como diretriz, não há como trabalhar com tais indivíduos através da imposição de idéias ou de manipulação, somente será aceito e considerado como válido o processo argumentativo, o Discurso Prático. Segundo Habermas 6, a ética discursiva está centrada em dois princípios da moralidade – Justiça e Solidariedade. A nova norma ética só poderá ser aceita, quando as conseqüências são antecipadas, analisadas e aceitas por todos, assegurando o bem estar do grupo e a garantia da dignidade e integridade de cada participante, como participantes autônomos de uma sociedade. O que se apresenta não é um programa para que se obtenha resultados individuais ou de alguns grupos seletos na organização, vai além das visões simplistas e de pensamento linear, pois em tal cenário não será cabível a utilização de força, seja violência física, ou qualquer forma de manipulação. Os pilares dos relacionamentos estarão sob a influência da justiça, da verdade e da veracidade. Uma organização que trabalhe com estes princípios, transformará seus indivíduos em co- participantes do processo decisório e com isto passarão de apenas executores de tarefas direcionadas, a colaboradores do processo produtivo e organizacional, substituindo o Dever do fazer pela Responsabilidade do assumir [...] Mas será que tal processo é fácil de se alcançar? É muito mais cômodo que as decisões sejam tomadas por quem detêm o poder e que os níveis hierárquicos inferiores sejam apenas obreiros de ações predeterminadas. Mas este é o caminho que deve ser seguido pelas organizações que desejem ter a continuidade de suas operações, pois os indivíduos evoluem, e organizações que permanecerem no paradigma antigo (atual) de Recursos Humanos no trabalho, terão como resposta, a baixa produtividade, falta de engajamento e falta de responsabilidade e sendo assim, como continuar? A prática de tal processo argumentativo nas organizações, se dará quando os indivíduos estiverem conscientes da importância e da razão de cada uma de suas responsabilidades dentro do processo, quando as mudanças tiverem envolvimento dos indivíduos, para que estes coloquem as suas opiniões, quando tais indivíduos questionarem processos e políticas tenham como respostas os argumentos (a razão) de existirem e que justifiquem o funcionamento destes. As dificuldades de tal processo, será compensada imensamente, pelo aumento de comprometimento entre os indivíduos e a organização, e pelo reconhecimento da importância dos indivíduos para a empresa. 6 HABBERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo VIII. CONCLUSÃO Contrariamente à idealização que se propõem com freqüência no mundo do negócios, a organização aparece freqüentemente como um lugar propício ao sofrimento, à violência física e psicológica, ao tédio e ao mesmo tempo ao desespero não apenas nos níveis mais baixos como também nos níveis intermediário e superior. Em um mundo essencialmente dominado pela racionalidade instrumental e por categorias econômicas rigidamente estabelecidas, os homens e mulheres que povoam as organizações, na maioria das vezes, são considerados apenas recursos, isto é, como quantidades materiais cujo rendimento deve ser satisfatório do mesmo modo que as ferramentas, os equipamentos e a matéria-prima. Associado ao universo das coisas, as pessoas empregadas nas organizações transformam-se em objetos. Em alguns casos só acontecimentos extraordinários fazem emergir sua condição humana. Acontece que no mundo das pessoas, os acontecimentos não seguem uma ordem previsível. O ser humanopela sua essência e características peculiares, tem uma natureza que o faz diferente e único. Não é fácil prever suas reações nem estabelecer uma cadeia de atividades a ser seguida como um autômato. Por isso, o comportamento humano não pode continuar sendo considerado pelos enfoques administrativos e pelas óticas empresariais e gerenciais com a simplicidade mecanicista ainda dominante. Reunir o que estava até agora separado, colocar em evidência as dimensões esquecidas, reafirmar o papel do indivíduo, da experiência, do simbólico nas organizações e ao mesmo tempo restitui-los ao seu quadro sócio-histórico, é a ambição desta complexidade do seres humanos nas organizações que procuramos construir. A verdade é que pouco se mudou nestes últimos anos, e um dos fatores que contribuiu para este cenário foi o fato de que durante muito tempo se valorizou o capital financeiro como principal recurso das empresas. Pensava-se que as empresas fossem constituídas principalmente de dinheiro e capital. Contudo muitas empresas com elevado nível de capital financeiro simplesmente desapareceram do mercado nestes tempos de instabilidade e turbulência. A realidade é que algumas empresas começaram a perceber que elas eram basicamente constituídas de pessoas, mas estas nunca foram adequadamente utilizadas e motivadas e, por isso, a maior parte das empresas administra hoje uma pesada herança do passado; pessoas acomodadas e acostumadas a um baixo desempenho sem nenhuma criatividade ou inovação, preocupadas exclusivamente com a rotina cotidiana e a garantia no emprego, submetidas a uma cultura empresarial inflexível e com lideres igualmente despreparados. São empresas "burras" ou com baixo capital intelectual. O caminho desta mudança de paradigma se dará com as características da Recursão Organizacional já apresentada, pois será com a evolução dos indivíduos que haverá a evolução das organizações, estas por sua vez fará com que os indivíduos evoluam e este ciclo não terá fim. E tal processo, invariavelmente evoluirá também as relações sociais como um todo, pois os indivíduos não existem somente dentro dos quadros das organizações e assim a sociedade como um todo terá modificações no relacionamento pessoal e o próprio questionamento de poder, normas e conceitos gerais se darão. Como resultado espera-se a continuidade e evolução dos negócios das organizações e assim a garantia da subsistência dos indivíduos que aí adquirem seus recursos materiais, mas sem dúvida o que será de grande importância neste novo paradigma será o reconhecimento dos indivíduos como sendo o grande diferencial a receber investimento nas organizações e o principal reconhecimento será o respeito a visão de todo (bio-psíquico-social) que eles terão, além de terem suas opiniões sendo ouvidas, sendo atendidas ou quando não, recebendo argumentações que defendam os padrões e aceitação pelo consenso e pela ética discursiva. Finalizando, as organizações não têm vida própria, são os indivíduos que lá estão que dão a ação e a cultura a elas, o que se tem então são vários níveis de poder, e os processos decisórios se mantêm apenas em níveis mais altos, e assim para a aplicação e aceitação deste novo paradigma deverá fazer o reconhecimento de todo o grupo de trabalho, de todos os indivíduos, para que se evite a imposição de uns em relação aos outros. E para reforçar, tais modificações são urgentes e delas dependerá o sucesso das organizações que existem hoje, pois sem a valorização do indivíduo, não se pode garantir como elas estarão no futuro. Concluímos então que, administrar pessoas vem antes, durante e depois da administração do capital ou qualquer outro recurso empresarial. Segundo Thomas A. Stewart 7, as empresas que se deram conta disso e voltaram-se para seus funcionários, são hoje as mais bem sucedidas do mercado. "o verdadeiro investimento na sociedade do conhecimento não é em máquinas e ferramentas, mas no conhecimento do trabalhador do conhecimento...- o trabalhador industrial precisava infinitamente mais do capitalista do que o capitalista precisava dele... Na sociedade do conhecimento, o pressuposto mais provável das organizações – e certamente aquele que elas tem que se guiar – é que as empresas precisam muito mais dos trabalhadores do conhecimento do que eles precisam delas" Peter Drucker "The Age of Social Transformation" 7 STEWART, T.A. Capital Intelectual – A Vantagem Competitiva das Empresas, Rio de Janeiro, Ed.Campus, 1998. MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO, PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS DE PÓS-GRADUADOS EM ADMINISTRAÇÃO. 4. CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES E NA ESCOLA Texto 1: Universidade Federal do Rio Grande Licenciatura em Geografia – Didática Dra. Vânia Chaigar As escolas e o conhecimento inovador humanizado: Há luz no final do túnel?2 Este texto tem como objetivo apontar algumas considerações sobre a investigação “Conhecimento inovador e humanizado” na Escola, conceito apropriado de Demo (2004), realizado por estudantes de Licenciatura em Geografia, na disciplina de Didática. O autor, no qual se inspirou a proposta investigativa, alerta para duas questões sobre o tema. O primeiro é que não podemos desconstruir o conhecimento vorazmente e rapidamente, pois o “ser humano só pode ser reconstruído a partir do passado, precisamente para ser humano” (2004, p. 117) e o segundo é de que caberia à Universidade e à Escola “capturar o conhecimento, precisamente para educá-lo” (id, p. 118). O autor critica o excesso de técnica, sem que a mesma tenha uma função emancipatória e ao mesmo tempo, a Universidade por considerá-la anacrônica - “guardiã do conhecimento 2 Síntese sobre a investigação realizada por acadêmicos de Geografia na disciplina Didática. Rio Grande, junho de 2009. ultrapassado” (id, ibid), entretanto, considera que esta mesma Universidade e a Escola é que podem e têm a tarefa de reconstruir o conhecimento, educando-o para torná-lo mais humano. Para Demo, portanto, o conhecimento para ser inovador deve ser também, necessariamente, humanizado. Neste sentido propõe que o princípio educativo utilizado para educar o conhecimento seja o da pesquisa, “pelo meio do qual professores e alunos se formam de modo permanente”. E acrescenta: “Estaria implicado aí não apenas o progresso da ciência, mas igualmente da cidadania que seria específica da escola e da universidade, ou seja, fundada na reconstrução do conhecimento, com qualidade formal e política” (ibid). Tomando a pesquisa como princípio educativo, o profissional professor deixa de ter no ensino o eixo do seu trabalho, tornando-se um “profissional da aprendizagem” em que fazendo uso da investigação promove o desenvolvimento do “saber pensar e do aprender a aprender” (id, p. 120). Essas habilidades são especialmente relevantes se considerarmos a rapidez em que ocorre a renovação do conhecimento científico e as consequentes e profundas alterações que o mesmo provoca nos modos de vida das sociedades contemporâneas. Considerando os argumentos dos parágrafos anteriores que colocam desafios à Universidade, à Escola e aos professores, será que já está ocorrendo nas instituições escolares a produção desse conhecimento inovador? Haverá, ao menos, alguns indícios ou condições para o seu desenvolvimento? Quais são? Questões como essas são especialmente importantes se considerarmos que a instituição Escola vive uma profunda crise de desconfiança como lugar de produção de conhecimento. Sendo vista, não raro, como um espaço defasado e/ou “ineficaz”, segundoum vocábulo caro à sociedade mercantilizada. O senso comum não teria dúvidas em responder não à pergunta que dá título a este texto. Entretanto, um olhar investigativo confirmará essa suspeita? Vejamos alguns dados a respeito. Foram realizadas investigações nas seguintes escolas riograndinas: Escola José Maria Becker (CIEP São João), Escola Municipal Vanda Rocha, Escola Municipal França Pinto, Colégio Estadual Lemos Jr., Instituto de Educação Juvenal Muller, Escola Estadual de Ensino Fundamental Miguel Couto, Escola Estadual Mate Amargo, Escola Estadual Lília Neves, Escola Estadual Silva Gama e o Instituto Estadual de Educação São José, este localizado na cidade de São José do Norte. Este olhar por dentro da escola que Viríssimo3, em sua investigação, denominou de “escola vivida” em diálogo com a teoria, compreendida, por ele, como a “escola percebida” trouxe algumas questões que merecem reflexões, pois se a Escola não apresentou “inovações” óbvias, também não revelou o tão decantado “quadro da dor”, por vezes, tão evidenciado nas mídias do cotidiano. Cruzando as observações, realizadas nas escolas, com o pensamento de autores europeus como Carbonell (2002) e Morin (2000), além de brasileiros como Demo (2004) e Adrião, Garcia e Silveira (2008), considerando o contexto local e suas singularidades foram tomados como indicativos de conhecimentos inovadores ou processos rumos à inovação alguns projetos, tais como: A- Os que envolvem as equipes diretivas: Adoção de projetos governamentais que estimulam à mudança; postura de abertura e diálogo com discentes; construção de PPP voltado ao contexto da comunidade; relação de confiança e afeto com familiares dos estudantes; sentimento de pertencimento à escola; apoio ao trabalho docente. B- Os que envolvem a comunidade na qual se insere: Bandas Musicais; conselhos escolares compostos por todos os elementos da comunidade escolar; desenvolvimento de trabalhos ambientais, como coleta de pilhas, protótipo de aquecedor solar; palestras sobre temas como drogas, sexualidade e outros; festival de artes, etc. C- Os que envolvem os discentes: Invernadas artísticas; grêmio estudantil; bandas escolares; teatro; horta; saídas de campo; investigações sobre culturas locais; etc. D- Os que envolvem docentes: Parcerias interdisciplinares; visitas orientadas; experimentos ambientais; gincanas educativas; envolvimento em projetos de inclusão de crianças com necessidades especiais; inclusão nos programas de sala de aula sobre história de vida e identidade; trabalhos sobre gênero e sexualidade, outros. 3 Bruno Wally Viríssimo, acadêmico de Geografia. Paper. Ganharam destaque na pesquisa projetos relacionados a temas como meio ambiente, cultura, sexualidade, inclusão e arte. Estes, por sua vez, dão mostras de que os currículos das escolas estão sintonizados com preocupações contemporâneas? Cabe destacar que os indicativos encontrados não mostraram adesões coletivas à inovação, tanto entre docentes quanto entre discentes, assim como também sinalizaram que as iniciativas inovadoras são pontuais e/ou fruto de vontades individuais, sem estarem vinculadas, necessariamente, a um Projeto de escola. Um único Projeto Político Pedagógico construído em direção ao conhecimento inovador foi observado, pois seu currículo, de um modo geral, está organizado para atender as demandas que a frequentam, oriundas da zona rural. Mesmo se tratando de uma escola urbana projeta ações, através do tema meio ambiente, visando tornar mais significativas e contextualizadas as aprendizagens. Os projetos docentes e escolares apresentados demonstram um desejo por inovação ou como refletiu Freitas4: “O que se percebe analisando a prática a escolar... é um esforço da direção e coordenação de inserir na educação práticas e pensamentos que auxiliem os alunos na compreensão e cada um sobre a vida e sobre instruções mais imediatas” (2009). Os trabalhos investigativos foram praticamente unânimes em refletir sobre a necessidade de uma “reforma do pensamento” (MORIN, 2000) como condição para produzir um conhecimento inovador e que modernização na escola, como a existência de laboratórios de informática, não quer dizer inovação concordando com Carbonell (2002), visto que modernizar por si só não garante mudança de concepções, pois podemos fazer velhas coisas com coisas novas. Segundo Rodrigues Jr.5 “o processo de inovação só dará certo quando for criado de baixo para cima, de acordo com cada escola, ou seja, devem-se criar bases inovadoras conforme as características de cada escola” (2009). Assim, na brevidade e provisoriedade deste estudo responder à pergunta que abre este texto não é tarefa fácil, nem simples, mas indica que as escolas são multifacetadas e dentro de seus limites 4 Débora Laís Freitas, acadêmica de Geografia. Paper. 5 Luiz Carlos Rodrigues Junior, acadêmico de Geografia. Paper. históricos não parecem imobilizadas frente ao conhecimento, mas inventam com o que têm à mão movimentos em direção à vida – como ela se apresenta - e a sua significação. E neste contexto histórico de pragmatismo e solidão, ir ao encontro da vida não será uma grande inovação? REFERÊNCIAS: ADRIÃO, T. M. F; GARCIA, T. O. G; SILVEIRA, A. A. D. Ensino Médio em Escolas Públicas Paulistas: indicações de qualidade. Educação e Sociedade. Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 253-26, jul/dez 2008. CARBONELL, J. A aventura de inovar: a mudança na escola. Tradução: Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002. (Coleção inovação pedagógica) DEMO, P. Professor do futuro e reconstrução do conhecimento. In: MACIEL, L. S. B; NETO, A. S. (orgs). Formação de professores: passado, presente e futuro. São Paulo: Cortez, 2004, p. 113-127. MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução: Catarina E. F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez, 2000. Texto 2: E QUANDO A SEMENTE É GENTE? A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E AS “GENTETUDES” NO CHÃO DA ESCOLA PÚBLICA6 Vânia Alves Martins Chaigar – Universidade Federal do Rio Grande vchaigar@terra.com.br O nome ReDE é substantivo polissêmico em suas tramas de significados, metáfora relacional a indicar a presença de múltiplos Nós na sua feitura, assim como sigla de um projeto formativo ocorrido no chão de Escolas públicas pelotenses: Repensar a Docência em Exercício! O projeto transcorreu entre os anos 2000 e 2002 e envolveu cinco escolas da rede municipal de ensino de Pelotas, RS. Gerado no interior da Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Brum Azeredo e Colégio Municipal Pelotense, através de iniciativas das respectivas coordenações pedagógicas, do ReDE também fizeram parte a Escola Municipal de Ensino Fundamental Bibiano de Almeida (2001 e 2002), a Escola Municipal de Ensino Fundamental Fernando Osório (2001) e Escola Municipal de Ensino Fundamental João da Silva Silveira (2002). 6 Parte dos estudos enunciados pela tese Com quantos Nós se faz um rede: um estudo sobre formação de professores/as no chão de Escolas Públicas pelotenses, orientada pela Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha. Unisinos, 2008. Durante os três anos de sua duração o Projeto envolveu cerca de trezentos e cinqüenta professores e promoveu quarenta e oito relatos de experiências apresentadas por cento e um docentes. Acompanhado, no papel de coordenadora pedagógica do Colégio Pelotense, o desabrochar do ReDE e os movimentos produzidos nas docências dos professores que nele teceram fios de interlocução com outros pares - através de relatos de experiências, oficinas e conferências - em meu imagináriohavia a tese que o Projeto tivesse se constituído num exercício emancipatório. Foi esse imaginário, em boa parte, que me levou, a investigá-lo e registrá-lo no doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), concluído em 2008. Como sujeito-ReDE - alguém profundamente envolvido com a feitura de suas tramas - ao tentar destrançá-las procurei dialogar com ferramentas plurais tais como entrevistas com professores, coordenadores pedagógicas e diretores, análise de documentos do ReDE, como anais do evento, artigos sobre o Projeto, fotografias, cartas, cartões, entre outros, além dos Projetos Políticos Pedagógicos das Escolas. Procurei sobretudo conduzir-me pelo rigor ao longo de todo o processo. Rigor que para Freire é uma atitude compromissada de recriação de si e da sociedade (2003), no/com o mundo, e não uma postura sisuda e fria ou, ainda, autoritária. Concordando com o autor de que educar é sempre “educar-se” desdobro que pesquisar é descobrir-se! Entrevistei onze sujeitos-redes, isto é, professores que teceram o ReDE fosse através da sua organização, da socialização de experiências docentes ou da participação em alguma das suas edições em três das escolas cuja parceria foram mais constantes. Na Escola Brum Azeredo7 e Colégio Pelotense foram entrevistados quatro professores e na Escola Bibiano de Almeida, três. Essas entrevistas produziram narrativas que destacaram o caráter artesanal da comunicação, como diz Benjamin (1993), revelando memórias ressignificadas pela brisa fresca da interlocução e fenômenos que, pela voz do outro, revelam-se em nós (CUNHA, 1997). Escolhi para relatar neste artigo questões relativas às gentetudes, conceito e vocábulo de Freire, que fazem a Escola e emergiram durante o processo de construção da tese Com quantos Nós se faz um ReDE: um estudo sobre a formação de professores/as no chão de Escolas Públicas pelotenses. Começaria com uma indagação que considero bastante pertinente: Alguém pode imaginar escola sem professoras e professores? Não seria o mesmo que imaginá-la sem estudantes? Apesar de correr o risco de estar perguntando obviedades, tenho compreendido que o óbvio só o é na aparência; basta levantar o véu da sua aparente transparência, para sentir a enorme dificuldade que é vê-lo ou descrevê-lo adequadamente. Percebo que nos últimos anos, com a intensificação da mercantilização da vida social e da produção de culturas centradas no ter, sob o ponto de vista material, parcela da sociedade passou a ver e tratar os profissionais professores com desdém. Todos e todas têm lições a ensinar a esses profissionais e muitos são os dados que comprovam, estatisticamente, a enorme ineficácia ou falta de qualidade nas nossas produções, ou melhor, produtos aos olhos dos quantitativos paradigmas de ordem liberal. 7 A professora Denise, embora não faça mais parte da rede municipal de ensino, foi entrevistada e incluída como parte do Brum, pelo seu protagonismo na geração do ReDE. “Quem sabe faz, quem não sabe ensina”, ainda é jargão com espírito de fábrica presente no senso comum. Entretanto, a apartação entre fazer e ensinar desconsidera o caráter cognoscente do ensino, por isso mesmo um “ato criador, um ato crítico e não mecânico” (FREIRE, 2003, p. 81). Ao mesmo tempo a proletarização da profissão, associada a sua precarização (LÜDKE e BOING, 2004), tem contribuído à desvalorização, afinal não ganhamos em euro como alguns jogadores de futebol, não somos idolatrados como celebridades do mundo fashion ou festejados como autores de livros de auto-ajuda. No mundo do espetáculo permanente, das produções midiáticas de impacto, dos holofotes dos paparazzis, de fato, ficamos reduzidas quase a pó, pozinho como canta o Zeca Baleiro. Isto, entretanto, não é um privilégio dos professores e professoras, diga-se de passagem, mas de tudo o que, no universo da cultura, não é comercializável ou de consumo fácil. Refletindo sobre esse pouco prestígio, Arroyo diz que: “ Os mestres da escola são vítimas da mesma visão e cultura elitista que só vê conteúdo histórico, progresso e avanço nos grandes feitos e seus heróis, que despreza o povo, o popular, o homem e a mulher comuns que reproduzem sua existência silenciosamente. Densas existências (2000, p. 236)”. Professores representam essas pessoas comuns, as ordinárias, segundo Certeau (1998) que, pelo senso comum, não possuem saberes validados como de outras profissões. Voltando às perguntas iniciais, vez por outra, parece-me que a escola seria bem melhor sem a presença das professoras e professores, assim como em alguns debates, às vezes também parece que as crianças e os jovens é que são os problemas da instituição. Aliás, essas crianças e jovens são, diz Arroyo (2000, p. 15), o nosso retrato – “seu rosto desfigurado é tão parecido com o nosso rosto desfigurado”. Contou-me uma ex-colega da escola que, no primeiro dia de aula, com alunos da quarta série dos anos iniciais, costumava colocar no quadro de giz a seguinte questão: O que é uma professora? Dizia-me ela que as crianças ficavam perplexas com a pergunta e, mais ainda, quando ela começava a contar que dormia, comia, tomava banho, fazia cocô, ria, tinha dor de dente, etc., etc., etc. De posse dessas – novas – informações sobre a professora, então construíam textos reconfigurando a imagem da docente. Essa memória, produzida a partir de contextos infantis, ajuda-me a refletir sobre a dificuldade que temos de pensar na nossa profissionalidade - que entre outras interpretações, segundo Lüdke e Boing (2004), corresponde às “instabilidades e ambigüidades” da profissão. Na dificuldade em lidar com esse conjunto de imagens sobre a profissão que, mesmo constantemente ressignificado, do ponto de vista teórico, conforme os contextos e os tempos históricos, estão profundamente marcados e atravessam imaginários sociais. Perpassa a idéia de que o Magistério é coisa de mulheres (ao menos no ensino básico) afeiçoadas a crianças, conciliável com o trabalho do lar, prescindível de grandes estudos ou formação, destituído de historicidade. Resumindo, uma profissão que tem sexo: o feminino! Esta espécie ainda envergonhada8... “São mulheres em busca, muitas vezes, dissimulada de rastros, pensares, sentimentos... De epistemologias que dêem conta de explicar o complexo mundo feminino e das cargas que nos 8 PRADO, Adélia. Com licença poética. In: Poesia Reunida. São Paulo: Siciliano, 1996, p. 11. fizeram, por tanto tempo, cidadãs de segunda categoria, espécies de Pandoras a abrirem caixas de desassossegos sobre mundos tão masculinos (CHAIGAR e REDIN, 2005, p. 04)”. São muito fortes as representações e estigmas que pendem sobre as cabeças das mulheres professoras, assim como as razões que as levam até o Magistério. Pesquisa realizada por Martins (2000), a partir de histórias de vidas, trouxe à superfície influências de mães, tias e outros grupos parentais na opção pela profissão. Motivadas por desejos de mobilidade social, sentimentos de ruptura com modos de vida, necessidades de acessar bens materiais, entre outros, levaram mulheres a influenciarem outras mulheres na aproximação da profissão professora. Sobre esses motivos ponderou Martins: “A escolha da profissão, nas quatro entrevistas realizadas, foi marcadamente uma condição externa imposta e aceita, constituindo uma negação do direito de escolha. Inclusive existia um sentimento de oposição a essa possibilidade numa das entrevistas, cuja exposição de sua contrariedade é motivo de pensar sobre a própria profissão. A questão de ser uma profissão mais adequada para mulheres foi argumentada pelas mães, tias e avós, no sentido de mostrarum caminho mais seguro como profissão [...]As narrativas também indicam o quanto significou vitória pessoal estar na profissão ou ter uma profissão, passando pelo reconhecimento e possibilitando uma abertura de fronteiras/mundos, distintos dos vividos na infância. A descontinuidade com uma situação de falta de pertença seja de gênero, seguindo os exemplos de suas mães, sem direito a uma profissão, seja por questões de raça ou classe social (MARTINS, REDIN e CHAIGAR, 2006, p. 03)”. Mulheres professoras constituídas e se constituindo no redemoinho das memórias de multidões - passadas e presentes - vestindo-as como a própria pele, contendo negações e afirmações, reconhecimentos e possibilidades. Os modelos existem, são atravessamentos/ interpenetrações/ casuais/ imprevisíveis (id., p. 04). São grandes paradoxos de natureza epistemológica e ontológica, com os quais apenas recentemente temos feito alguns enfrentamentos e responder o que é e para que serve uma professora ou um professor não me parece que esteja sendo nem um pouquinho fácil ou óbvio. Arroyo tenta ajudar nesta elaboração, sustentando que “somos a imagem que fazem do nosso papel social, não o que teimamos ser. Teríamos de conseguir que os outros acreditem no que somos. Um processo social complicado, lento, de desencontros entre o que somos para nós e o que somos para fora. Entre imagens e auto-imagens (2000, p. 29)”. Bem, talvez não estejamos sabendo nos comunicar muito bem com os de fora. Concordocom Nóvoa (2004a), ao dizer que não temos sabido dizer à sociedade sobre o nosso trabalho e importância. Muitas vezes, os processos comunicativos da escola com familiares de estudantes, por exemplo, não são bem claros. Não sabemos explicar muito bem a relevância de determinadas ações, atitudes ou conhecimentos trabalhados na instituição. Parte dessa objeção nesse processo comunicacional pode advir das nossas próprias dificuldades em compreender os contextos nos quais estamos inseridos. Num tempo de fluidez, de pragmatismo e pouco afeito a reflexões, a porção “gentetude” (FREIRE, 1997) tem pouco espaço para ganhar corporeidade. Nesse sentido, foram os estudos sobre o caráter biográfico de ser ou estar sendo professor que reconheceram a sua porção pessoa, seu pedaço gente... gentes como a gente! “Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele” (FREIRE, 1997, p. 59). Inacabamentos que apontam o caráter processual da história e das nossas vidas, dos nossos percursos pessoais, portanto únicos. Esses percursos assumem, segundo Nóvoa (2004b, p. 16) uma dupla perspectiva: “caminhada do formador enquanto eu pensante e sensível que se convoca na sua construção pessoal e caminhada do formador na sua relação com os outros, ajudando-os a mobilizarem-se para o processo formativo”. Estudos como o de Nóvoa, têm mostrado a ligação entre construção de si e envolvimento ou aprofundamento na formação e na profissão. Há que se considerar no percurso da formação os Nós (e eu) de uma teoria de formação constituída pelo aprendente adulto através de uma aprendizagem experiencial, conforme Josso (2004). As experiências formadoras são muito variadas, de tal modo que a autora as agrupa em acontecimentos, atividades e situações ou encontros que “podem durar alguns instantes ou alguns anos, são quadros que colocam em cena um ou vários protagonistas em transações9 numa dramaturgia singular; numa brusca interrupção de duração ou de intensidade, numa observação, num exercício sistemático, numa simpatia, num afeto ou numa aversão por um alter ego (id., p. 45)”. Essa transação, onde pessoas influenciam e são influenciadas, “moldam” e “são moldadas”, em quadros de vida, tanto ocorrem em ambientes formais quanto informais de educação e se dão ao longo da vida. Numa mistura de subjetividades e intersubjetidades, num processo incerto e frágil, a formação vai-se constituindo. Arroyo chama a atenção para o reducionismo ao qual a educação tem sido submetida, transformando-se em ensino e o professor, meramente em ensinante ou, em síntese, simplesmente reduzindo a formação à docência. Entretanto, diz ele, ao perceber crianças e jovens como gente também nos compreendemos como “humanos, ensinantes de algo mais do que nossa matéria... reaprendemos que nosso ofício se situa na dinâmica histórica da aprendizagem humana, do ensinar e aprender a sermos humanos... Descobrimos que nossa docência é uma humana docência” (2000, p. 53). Nesta perspectiva de perceber, reaprender, descobrir na experiência formadora do ReDE encantou-me, por exemplo, a declaração da professora Lúcia de que, embora, falte seis anos para aposentar-se ainda está investindo na sua formação e pretende fazer uma especialização em “alfabetização e letramento”, área em que gosta de atuar. O desejo de Lúcia contraria inclusive estudos como o de Huberman (1992), que aponta essa fase como de desinvestimento na carreira, embora o autor também alerte que isto não é uma regra, já que a carreira é “processo e não uma série de acontecimentos” (id., p. 38). Ela ainda quer aprender sobre seu ofício e não pensa em parar de trabalhar, pois é uma professora que vive sua docência. Ela não dá aulas; faz aulas e isto, suponho, é uma grande diferença. Fazer que está relacionado à concepção da oficina, com 9 A autora prefere o termo transação à interação por entender que o mesmo expressa melhor a simultaneidade entre “sendo modelada por” e “modelando” (2004, p. 43). identidades construídas entre fazeres e saberes, na produção de objetos materiais e imaterialidades simbólicas, pois “em outras palavras, a realização de um ofício no interior de uma dada oficina cria, dentre outras coisas, uma identidade entre os indivíduos e os objetos que eles manipulam, as ferramentas que manuseiam, os processos com os quais interagem. E ainda mais, cria uma identidade entre os indivíduos que são parceiros de rituais comuns, realizadores de um dado ofício e situados no ambiente da mesma oficina (SOUSA NETO, 2005, p. 250)”. O ofício e a oficina ocorrem num lugar social onde são reconhecidos por suas especialidades, aquilo que de melhor sabem fazer. No caso das professoras e professores, esse lugar é a escola, onde parceiras e parceiros de rituais comuns em alguns momentos, pelo menos, também compartilham paixões, camisetas, desejos e ações. Dizendo de outro modo, nesses movimentos e interações vai-se realizando o “desenvolvimento profissional” e se constituindo a carreira de professor. Daí, Arroyo (2000) denominar de ofício de mestre a estes e estas profissionais da educação. Dentre os sujeitos que fizeram o ReDE, quase cem por cento têm produzido suas carreiras nas mesmas escolas/oficinas. À exceção de Denise, hoje atuando no ensino superior, os demais estão há um longo tempo interagindo nos mesmos lugares. Na Escola Bibiano de Almeida, Alice está desde 1989, Aline desde 1998 e Lúcia desde 1990. No Brum Azeredo, Andréa entrou em 1992, Débora em 1987 e Margarete em 1995. Já no Colégio Municipal Pelotense, Ana Cláudia chegou em 1997, Dílson em 2000, Mariza em 1993 e Suzele chegou à escola em 1983. Estas gentes - que escolhi escrever no plural para tentar dar conta da pluralidade e diversidade de tipos, histórias, memórias, desejos, sonhos, vidas circulantes pelos corredores e salas das escolas – fazem muita diferença e num trocadilho com Adélia Prado, diria que professoras são desdobráveis e, na ousadia desses desdobramentos, foi possível sonhar um ReDE. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos– dor não é amargura, escreveu a poetisa em “Com licença poética”. Penso ser relevante esmiuçar algumas tessituras dessas gentes desdobráveis ou ver de novo os mesmos fios de um outro jeito. Sousa Santos (2007) propõe contra uma sociologia das ausências, na qual produções humanas são desconsideradas e silenciadas, em nome de um único conhecimento validado como ciência, uma sociologia das emergências, onde sejam evidenciadas, visibilizadas toda e qualquer ocorrência de conhecimento forjado na contramão do pensamento único. Ir/estar na contramão supõe desconsiderar padrões únicos e externos para validar experimentações docentes ou, neste caso, formativas. Não se trata de uma olimpíada, ou mesmo de uma gincana, onde concorrentes devem chegar em primeiro lugar ou darem conta de tarefas idênticas. Não, aqui os parâmetros são construções dadas pelas próprias instituições, e as gentes que as fazem e são feitas por elas (influenciam e são influenciadas). Visíveis são alguns fios que fazem parte de um artesanal trabalho que, unidos, ganham forma e cor mesmo que mantenham suas características e propriedades individuais. Fullan e Hargreaves (2001) apontam sobre a importância do trabalho colaborativo, mas também da valorização da dimensão individual, para proporcionar crescimento ao grupo e à própria pessoa. A primeira evidência (e não diz respeito a nenhum critério quantitativo) é gostar do lugar. O lugar verificado nas narrativas ocupa um tipo de dobra ou bainha na memória, existindo pela ausência. Está ali, mas não se vê. Certeau diz que os lugares vividos são como presenças de ausências e continua afirmando que “o que se mostra designa aquilo que não é mais: aqui vocês vêem, aqui havia..., mas isto não se vê mais. Os demonstrativos dizem do visível suas invisíveis identidades: constitui a própria definição do lugar, com efeito, ser esta série de deslocamentos e de efeitos entre os estratos partilhados que o compõem e jogar com essas espessuras em movimento “(1998, p. 189). Entre os estratos partilhados, a relação afetiva entre a pessoa e seu local de trabalho, que uma vez significado ganha o nome de lugar, traduziu-se sob denominações também plurais: “sentir-se bem”, “fazer parte da própria vida”, “vestir a camiseta”, “brigar pela escola”, “pegar junto”, “ter paixão”. Sentimentos colados à pele de Andréa, Dílson, Lúcia, Margarete, Mariza, Susele que, sob as luzes de suas próprias memórias, descortinam pequenas mostras da impossibilidade de separar o sentir do fazer, ou do quanto a ação depende de componentes emocionais. O que a memória ama, fica eterno, escreveu Prado (1996, p. 99), ajudando a compreender a relação de cada uma ou cada um com o que vive e faz, com a produção do acontecimento como uma obra particularizada, que tem conexões com modos pessoais de viver a escola, a docência e a formação. Rubem Alves (2000, p. 155) disse que é o olhar da pessoa apaixonada que cria a imagem do objeto da paixão. A imagem da escola refletida, por esses olhares, é atravessada por momentos significativos que, neste estudo, ganha o nome de formação. O chão da escola, para essas gentes, revelou-se como possibilidade de apropriação ou recriação de si, dada, principalmente, pelo reconhecimento do valor da sua produção docente. Considero esse movimento - apropriação/recriação de si - a segunda asserção sobre a tessitura deste grupo de sujeitos-redes: “mudar comportamentos”, “elevar auto-estima”, “falar por si”, “saber-se criativa”, “enfrentar medos”, “assumir riscos”, “abrir portas”, “reconhecer-se capaz de produzir”, “encarar novos desafios”, foram algumas das múltiplas e variadas expressões extraídas das falas de Ana, Andréa, Dílson, Lúcia e Mariza que, em meu entender, podem ser resumidos pela afirmativa de Alice de que somos capazes de produzir outra escola. Trata-se de uma apropriação com um duplo sentido pois é, ao mesmo tempo, social (intersubjetiva) e individual (subjetiva). É uma trajetória individual, mas feita num caminho coletivo. Eu-e-escola. Eu-e-Nós! Não é um projeto apenas para qualificar nossa forma de ensinar ou lidar com situações da escola; é um projeto sobre nossa própria vida! Freire e Shor, na década de 80, analisando movimentos semelhantes, pensavam que formação e atualização não significavam apenas participar de seminários, manter-se bem informado, ler revistas educacionais, etc. Para eles, a recriação de si era parte dessa atualização, e num cenário de intensos movimentos políticos por democracia e emancipação diziam: “Os professores poderão dizer que lêem as revistas e os novos livros técnicos e se mantêm atualizados em sua própria área, desse modo renovando-se sempre. Vão a conferências e seminários de professores para ouvir novas idéias. (...) O processo libertador não é só o crescimento profissional. É uma transformação ao mesmo tempo social e de si mesmo, um momento no qual aprender e mudar a sociedade caminham juntos” (2003, p.66). Naquele contexto, os processos caminhavam juntos, havia um projeto maior onde todos os demais se incluíam. Mesmo considerando as grandes diferenças e perspectivas da sociedade nestes anos 2000, é difícil pensar formação sem a dimensão da invenção de si que necessita de um projeto de si, segundo explicação dada por Josso a este processo que é existencial e progressivo. “A invenção de si pressupõe como possível um projeto de si, o que implica uma conquista progressiva e jamais terminada de uma autonomia de ação, de uma autonomia de pensamento, de uma autonomia em nossas escolhas de vida e nosso modo de vida. Porque, finalmente, a invenção de si é uma posição existencial que se desdobra no cotidiano e não somente em situações e contextos particulares” (2006, p. 12). Como posição que se desdobra no cotidiano, a invenção de si passa por uma certa abertura, por uma saudável e necessária vontade de transpor barreiras identificada, algumas vezes explicitamente, noutras nem tanto, no posicionamento dos professores do ReDE. É a abertura, então, a terceira característica percebida nessas gentetudes por mim. “Conhecer outras realidades”, “sair do próprio ambiente”, “conviver com outras pessoas”, “gostar de ouvir outras pessoas”, “prazer em participar de eventos”, “estar aberto a novas linguagens”, foram algumas das manifestações interpretadas das falas de Ana, Aline e Débora, por exemplo, assim como nesta comparação feita por Margarete: Muito do pessoal nem tinha faculdade, como hoje, mas eram abertos a coisas novas, a inovações (Memórias, 09/7/2007, p. 03). Esse gostar de coisas novas, querer experimentar outros saberes e desejar encontrar outras gentes, incluindo circular por dentro de outra escola e aventurar-se em oficinas como de cinema, teatro, fotografia, charge, HQ, etc., mesmo sem pertencer às “Artes”, pode ter promovido novos movimentos também em si. Alguns desses movimentos, agora congelados em imagens fotográficas, “essa invenção que se inventou para enganar o chronos, pelo congelamento do instante”, como disse Alves (2000, p. 168), mostram-me para além dos casacos e blusões sobre pobres corpos congelados, colegas de diferentes escolas e áreas, tanto das ciências quanto da arte, comungando de um projeto. Josso, enunciando o projeto como parte da educação de adultos, reflete que, embora esse anuncie o futuro, “tanto nos podem dar felicidade como desgosto” (2004, p. 261). Tanto pode promover a criatividade, quanto cerceá-la ou, ainda, se constituir em experiência sectária ou intolerante. A autora alerta para algumas questões: “se a afetividade for totalmente investida neles, se o ego jogar nele a sua honra ou o seu orgulho, se o desejo
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