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resenha o julgamento em nuremberg

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
ALUNO: Larissa Santos Menezes
RESENHA DO FILME “O JULGAMENTO EM NUREMBERG”
O filme “O Julgamento em Nuremberg” (1961) dirigido por Stanley Kramer, é baseado nos acontecimentos reais ocorridos em Nuremberg, Alemanha, no período pós Segunda Guerra Mundial. Trata-se de uma série de tribunais militares, organizados pelos Aliados da guerra, ocorridos entre 1945 e 1949. É mais conhecido pelos processos contra membros proeminentes da liderança política, militar e econômica da Alemanha nazista, bem como contra médicos e empresários. 
“O Julgamento em Nuremberg” se passa em 1948, ano em que o presidente dos Estados Unidos da América era Harry S. Truman, um democrata. Isso tem relevância, pois a política adotada pelo presidente durante o fim da guerra e no pós-guerra construiu o cenário histórico em que se insere a estória. Ao fim da guerra, o presidente ataca o Japão com as bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki, o que causou uma euforia com a arma americana e um crescente medo dessa nação. Iniciou-se, assim, a Guerra Fria, mas ainda existia conflito entre os Aliados e a URSS. O filme acontece bem no meio desse conflito durante o Bloqueio de Berlim, no qual os Estados Unidos e a União Soviética disputavam pela ocupação de Berlim, que se encontrava dividia em quatro. Havia uma necessidade política de os americanos conquistarem o apoio do povo alemão, que já não estava muito feliz com a ocupação, e os julgamentos acabaram influenciados, pois os juízes não queria criar impopularidade entre os alemães. Inclusive, nenhuma condenação de prisão foi cumprida totalmente. 
Outro fato importante do período é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU. As bases filosóficas dos Direito Humanos consubstanciaram as aspirações do ser humano quanto aos seus direitos inalienáveis, fulminando o desejo de justiça contra crimes contra a humanidade.
O enredo do filme se desenvolve em torno dos personagens Dan Haywood (Juiz), Dr. Ernst Janning (réu), Hans Rolfe (Advogado de defesa) e do Coronel Tad Lawsen (Promotor). Farei minhas análises encima desses personagens e seus papeis, apesar de outros terem relativa importância.
Os acusados no filme são quatro juízes alemães que, durante o nazismo, através de suas decisões judiciais, corroboraram com os acontecimentos cruéis e trágicos desse período. O Promotor Lawsen os acusa de participar de uma conspiração contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O seu foca é a responsabilidade total de cada um por suas ações, estando eles em plena consciência quando abraçaram a causa nazista, e apresenta inúmeros documentos e testemunhos como provas. Em contrapartida, o advogado Hans Rolfe, a cara do positivismo jurídico, foca sua defesa no fato de que os acusados cometeram tais atos em nome da justiça vigente e que o crime seria não cumprir as leis. Além disso, com sua construção lógica implacável, ele questiona a atribuição de responsabilidade a indivíduos e defende a responsabilidade coletiva, ou seja, toda a população alemã estava sendo julgada naquele momento.
Os argumentos e contra-argumentos de ambos foram construídos de forma genial, quebrando a visão maniqueísta de bem versus mal que se espera de um filme do gênero. Os que assistem não conseguem escolher um “lado”, ficam transitando na medida em que o advogado e o promotor fazem suas jogadas com as provas ao longo do processo. 
No centro desse dilema encontra-se a figura do juiz que preside o tribunal: Dan Haywood, um juiz provincial norte-americano aposentado. Um papel que, a meu ver, representa o juiz ideal. Sua posição imparcial e sua disposição em ouvir ambos os lados o colocam numa situação um tanto sufocante, o que é perceptível na construção psicológica da personagem, que se encontra sempre em conflito. Por exemplo: após a defesa argumentar que Janning, um dos acusados, era muito respeitado como um grande jurista, Dan buscou ler suas obras e percebeu, inclusive, que Janning talvez não fosse de todo ruim, diante do que ele defendia em sua concepção jurídica. Diferentemente do que se esperava, ele não entrou no tribunal com uma decisão condenatória previamente formada e lhes deu o benefício da dúvida, dando ao promotor a impressão de que estava do “lado” dos alemães. Acredito que Dan seja um juiz justo. Talvez eu esteja enganada quanto a isso, mas sua posição me deixou em conflito com minha própria concepção de culpa em um crime.
Isso não seria totalmente contemplado sem o papel ilustre do advogado Hans. Ele rebateu de forma muito eficiente todos os argumentos e provas do promotor utilizando um raciocínio lógico perfeito, o que plantou o dilema no filme. Ele mostrou o outro lado da moeda. Percebi coisas e pensei em coisas que nunca haviam passado em minha cabeça. E isso ficou muito forte dos testemunhos de Irene Hoffmann, no caso da vítima que foi condenado à morte por contaminação da raça ariana e de Rudolph Petersen, um judeu que fora condenado à esterilização. Só as expressões enunciam crimes bizarros cometidos pelos alemães, mas Hans fez contar o fato de que era lei esterilizar incapazes e punir os judeus que tivessem relações sexuais com arianos. Era a lei vigente e cabia ao juiz segui-las. Leu, inclusive, uma passagem de um renomado jurista norte-americano que legitima a esterilização de criminosos como medida preventiva. É evidente que o que ocorreu no nazismo fora cruel ao extremo e nunca deve se repetir, mas essa desconstrução do certo e errado, de crime e legalidade, de culpa e inocência, me encantou e abriu minha mente. Diante disso o advogado coloca grandes questionamentos: de quem é a culpa da guerra? E das esterilizações, torturas e assassinatos? E do Holocausto? A culpa é de Janning ou de toda população alemã? É da Alemanha ou do mundo todo? 
De fato o Nacional Socialismo ocorreu, mas não foi do nada e não sem a ajuda dos países do Eixo e da ajuda indireta dos Aliados. Um grande exemplo: os Estados Unidos da América. Aquele que julga os alemães, mas que lucrou fortemente com a guerra. Com uma brevíssima pesquisa encontrei grandes empresas norte-americanas como a Coca-Cola, Ford, Kodak, IMB, General Motors e General Eletric lucraram fornecendo veículos, equipamentos, suprimentos, enfim, os meios para o nazismo funcionar; utilizaram a mão de obra escrava dos capturados nos campos de concentração e se aliaram ideologicamente ao partido Nazi. Lucrar à custa da morte de dezenas de milhões de pessoas inocentes é um crime igualmente cruel. 
Outro ponto colocado pela defesa é que muitos alemães não sabiam o que aconteciam nos campos de concentração e das atrocidades feitas em nome de Hitler e da Alemanha. Não saber não omite a culpa, mas há verdade. Existiam sim pessoas que não sabiam, ou sabiam e não podiam fazer nada, pois eram perseguidos e amedrontados ou não sabiam onde Hitler ia chegar quando aceitaram seu governo. Existem muitos filmes que mostram de forma romântica o nazismo, mas que não deixam de possuir verdade. Um exemplo interessante está em O Pianista, também baseado em fatos reais, que retrata o sofrimento de um pianista judeu ao longo da Segunda Guerra. Ele recebe ajuda de amigos alemães e até de um soldado nazista. Outro exemplo está no filme O Menino de Pijama Listrado. As propagandas produzidas sobre os campos de concentração para o povo alemão eram propagandas ilusórias e enganosas dos campos de concentração como lugares agradáveis e acolhedores onde todos eram tratados com humanidade. Sabemos que não era, mas havia quem acreditasse. Desde sempre a mídia tem papel importante e decisório na política, e não foi diferente na Alemanha.
No entanto, a astúcia do Advogado não foi capaz de se opor à carta final do Promotor. Lawsen, como um militar, esteve presente na liberação dos campos de concentração e mostrou um vídeo ao tribunal do que encontrou lá. Difícil descrever com palavras aqui, e não é necessário. A comoção foi intensa e é perceptível que o julgamento mudou de rumo a partir daí. O próprio Advogado ficou hesitanteem sua fala após o vídeo. Apesar de tudo o que foi dito, o apelo emocional funcionou. A dimensão dos crimes daqueles juízes era imensa. Eles não foram os carrascos, mas condenaram pessoas inocentes a morte e àquelas condições desumanas dos campos; utilizaram seus altos cargos para legalizar as atrocidades; determinavam quem vivia e quem morria. 
Mesmo assim, confesso que eu mesma estava em conflito e considerando penar reduzidas aos réus, e o juiz Dan também estava. Eu não sabia mais o que pensar e continuo sem saber. Mas isso depende da construção feita pela sociedade e pela história de crime, criminoso e castigo. Até a Primeira Guerra Mundial o conceito de guerra e de como tratar os derrotados era diferente. Havia a anistia que pressupõe o reconhecimento mútuo das partes envolvidas da culpa de cada um, e era fundamental em um acordo de paz. Mas os julgamentos feitos no pós-primeira guerra dos alemães pelos próprios alemães fizeram isso mudar. Com as desonestidades nos processos, os Aliados consideraram que o julgamento deveria ser internacional, pois era fundamental para a ordem do mundo. Assim, houve a criminalização dos perdedores e surge a necessidade de responsabilizar alguém, e isso está presente no pós-segunda guerra. Portanto, essa é uma questão muito mais complexa do que parece e seria necessária uma análise profunda de todos os fatos que levaram à forma de ver as coisas e de pensar de hoje, ou de 1948. 
De volta ao filme...
Dos quatro acusados, o que o filme destacou para exemplificar foi Ernst Janning, um ex-Ministro da Justiça alemã respeitado por ser um grande jurista, inclusive pelo Juiz Haywood. Ele é um compósito de vários juízes que serviram ao nazismo na vida real. A evolução do personagem ao longo do filme foi feita muito bem. No inicio é notória sua expressão de raiva e de desgosto ao tribunal, mas isso vai mudando ao longo do filme e Dan ganha o seu respeito. Após as exceções do seu advogado de defesa e de seu exagero com as testemunhas, Janning decide se pronunciar, e isso foi inesperado para todos, inclusive pra mim. É o momento ápice do longa. Uma confissão carregada de forte emoção. Ele não fala muita coisa diferente do que o advogado disse ao longo da defesa: se aliou a Hitler pensando no melhor para seu país e não sabia as dimensões que a guerra ia tomar. Mas admite a culpa de condenar inocentes e de todo o resto. 
É evidente seu sofrimento por suas decisões e isso comoveu a todos. Mas como afirma Don, “Mas a compaixão pela atual tortura de seu espírito não deve levar-nos ao esquecimento...”. Apesar de toda comoção e arrependimento de Janning, foi condenado à prisão perpétua, juntamente com os demais. É verdade que nenhum dos condenados à prisão durante os julgamentos cumpriram suas penas por completo e foram logo soltos. Mas a decisão do juiz naquele momento chocou o povo alemão e criou um sentimento de raiva e inconformidade, além de não agradar os militares americanos, que estavam no meio da disputa por Berlim com a União Soviética. Realmente, a decisão final chocou um pouco, eu esperava uma pena reduzida para Janning, talvez não para os outros. Mas o juiz Haywood fez sua declaração final de forma muito bem sustentada por seus argumentos e, no fim, era o que deveria ser feito naquele momento. Diante da confissão explícita e das provas de mais de 10 mil páginas, Dan foi a figura que fez o que precisava ser feito, mesmo não ganhando muitos fãs. Como já comentei nesse texto, no momento havia um clamor por justiça contra aqueles que cometeram crimes contra a humanidade, devido ao nascimento dos Direitos Humanos. 
“Simples assassinatos e atrocidades não constituem o gravame das acusações neste caso. A acusação é de participação consciente em um sistema cruel e injusto, imposto pelo governo a toda nação, e na violação de todo princípio legal e moral conhecido em qualquer nação civilizada.”. 
Assim o juiz Haywood inicia sua sentença. Percebe-se que aqui ele não está considerando os crimes como extermínio de judeus e das vítimas de Hitler, mas sim um crime contra a civilização. Ele admite as verdades existentes no que Hans Rolfe colocou em sua defesa, mas que não omite a escolha daqueles homens extraordinários de participarem disso. A meu ver, o juiz queria faze-los de exemplo. Isso me ficou claro quando ele afirma:
“Há aqueles que em nosso país, também, que hoje falam de proteção do país e de sobrevivência. Chega um momento de decisão em cada nação no exato momento em que o inimigo aperta sua garganta. Então parece que para sobreviver devem-se usar os métodos do inimigo, para sobreviver acima de tudo, olhar para o outro lado. A pergunta para isto é: sobreviver com o que? Um país não é uma rocha. Não é uma extensão de si próprio. É a causa que defende. É aquilo que defende quando defender algo é o mais difícil. Perante o mundo, deixamos que seja observado que o que defendemos é: Justiça, verdade e o valor de um simples ser humano.”
E esse exemplo vale para os dias de hoje. O atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem muitas ideias nacionalistas e preconceituosas. Se não vigiar suas ações, caminharemos para uma terceira guerra e, então, para que serviu as guerras anteriores? Será que foi em vão e tudo tende a se repetir? Ele, assim como todos os totalitaristas e nacionalistas extremos, deveria olhar para o passado e não cometer os mesmos erros. Mas enfim, a decisão do juiz foi muito boa e suas palavras melhores ainda. 
Na verdade, a decisão foi uma referência ao ponto de vista do Juiz Associado da Suprema Corte norte-americano Robert Jackson, chefe da promotoria responsável em realizar as acusações do alto escalão nazista, na qual a ideia de culpa é dos indivíduos, dos homens, e não da coletividade. O Promotor Lawsen representou essa visão e acabou vencendo no tribunal. Talvez isso tenha significado. Se os EUA forem distribuir a culpa a todos que de fato corroboraram, os Aliados estarão no meio, inclusive o próprio. 
Geralmente coloco pontos negativos em minhas resenhas, mas este filme e seu desenrolar foram perfeitos, a meu ver, tanto que ganhou um Oscar por melhor roteiro adaptado. O filme é tenso e longo, mas segura nossa atenção. As referencias feitas aos fatos reais foram muito bem colocadas e a estória estava muito bem colocada no contexto histórico da época, o que deixou o filme muito parecido com uma coisa real e não fictícia. 
O julgamento em Nuremberg, muito bem relatado no filme, trata-se de um exemplar do tratamento dado aos estados derrotados em guerra e apresenta um conjunto de controvérsias sobre as premissas jurídicas do tribunal. Além disso, e o mais importante, é um marco na história da justiça de transição, no que diz respeito à interação entre a politica, as ideologias e as instituições. 
Ademais, tudo que considerei importante foi colocado ao longo desta resenha.

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