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Horta Barbosa Petrobras e unidade continental Ed. AGO.17

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Caros Amigos – Edição AGO/17
PÁTRIA GRANDE
Por H. Raphael de Carvalho
Horta Barbosa: Petrobras e unidade continental
QUEM LÊ Caros Amigos conhece a pujança da Petrobras e seu significado. Sabe de sua importância para a soberania nacional e a necessidade de sua defesa sob pena de se perder o pilar de uma possível (re)construção de um projeto nacional. No entanto, sua história é pouco conhecida. Um exemplo é o papel do marechal Horta Barbosa. Ele é herói da Pátria Grande. Essa afirmação se baseia na constatação de que as bases da campanha que originou a maior empresa do continente foram justamente o nacionalismo, a geopolítica da integração e a base ideológica que lhe dá sustentação: a insubordinação fundadora.
Segundo a Wikipédia, “Horta Barbosa notabilizou-se como um defensor do monopólio estatal do petróleo. Ironicamente partiu dele a ordem de prisão contra Monteiro Lobato cujos ideais nacionalistas depois veio abraçar entusiasticamente na Campanha do Petróleo”. O primeiro documento de Horta Barbosa defendendo a necessidade do controle do petróleo pelo Estado é do início dos anos 1930. Lobato fundou uma empresa privada, segundo os padrões dos EUA, onde foi adido cultural. Dizer, escrever e propagar que H. Barbosa “depois veio abraçar as ideias de Monteiro Lobato” só pode ter uma definição: mentira.
Ainda na internet, pode-se ler que Monteiro Lobato foi preso por ter enviado carta para Vargas protestando contra as novas diretrizes do Departamento Nacional de Produção Mineral em 1938. Essas diretrizes originaram o Conselho Nacional de Petróleo (CNP) após relatórios de Horta Barbosa defendendo o monopólio estatal. Foram combatidas pelos aliados das empresas estrangeiras. Não se informa que Lobato, defendendo o capital privado nacional, escrevera outras cartas atacando Horta Barbosa. Nem que a pena foi reduzida de seis para três meses a pedido do próprio Horta Barbosa. Essa visão equivocada é representada até no mural da sede do Sindicato dos Petroleiros no Rio de Janeiro.
Recapitulando: Em 1931, Lobato criou uma empresa de capital privado. No mesmo perí-odo (pós-Revolução de 1930), Horta Barbosa, na Diretoria de Engenharia do Exército, fiel às origens florianistas, articulado com o nacionalismo do Cone Sul, e influenciado particularmente pelo seu congênere argentino Enrique Mosconi, fundador da estatal YPF, faz um relatório chamando atenção para a importância estratégica do controle estatal do petróleo. Lobato insistiu na iniciativa privada nacional, posição do PCB, que defendeu essa tese na Constituinte de 1946. Horta Barbosa, em 1938, fez detalhado relatório em que prevê a proximidade do conflito mundial. Com isso, Vargas criou o CNP que Horta Barbosa acreditava poder viabilizar o monopólio estatal.
Com a Segunda Guerra a questão fica em segundo plano, mas ao final do conflito retorna com força. Os aliados dos EUA abandonam a posição de não existência de petróleo no Brasil e passam a defender que, como na Venezuela de então, o petróleo deveria ser explorado pelas empresas dos EUA. Alegavam incapacidade técnica e financeira do Estado brasileiro e a necessidade imediata de petróleo para o Ocidente na nova guerra a ser travada contra a URSS. Diante da impossibilidade de viabilizar o monopólio estatal via CNP (ataques da imprensa e pressões cada vez mais intensas das agências dos EUA e seus aliados internos, incluindo setores do governo e da cúpula militar), Horta Barbosa renunciou. Para seu lugar foi nomeado um defensor das posições dos EUA.
Getúlio foi derrubado logo depois. Foi sucedido por Dutra que, com o apoio da imprensa, partidos políticos (PSD e UDN) e cúpula militar, acatou ordens da embaixada estadunidense e encaminhou projeto que entregava o petróleo para as empresas dos EUA. O caminho já estava aberto pela legislação aprovada pela Constituinte (1946) que também sofreu pressão de agentes dos EUA.
Então, os militares nacionalistas que haviam assumido o Clube Militar decidiram organizar palestras para debater a questão. Primeiro falou Juarez Távora, defendendo abertura para as empresas internacionais. Em seguida Horta Barbosa fez duas palestras (julho e agosto de 1947). Utilizou amplamente as pesquisas efetuadas sobre a indústria petrolífera baseando-se principalmente nas experiências dos países vizinhos e demoliu os argumentos do capital internacional.
Dali em diante, apesar do boicote da imprensa e da violência do aparato repressivo do Estado, a questão ganhou corpo e acabou se transformando numa campanha organizada por uma entidade fundada com essa finalidade, o Cedepen (Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional). Sob a direção de militares nacionalistas, de comunistas, socialistas, estudantes (UNE), sindicalistas, intelectuais e com ampla participação popular, a campanha, logo denominada O Petróleo é Nosso, ganhou ruas, praças, auditórios, sindicatos, grêmios estudantis, paralisou e inviabilizou a aprovação da legislação proposta pelos entreguistas, foi importante para a eleição de Vargas em 1950, e chegou à vitória, em 1953, com a aprovação pelo Congresso da legislação que resultou na Petrobras.
E onde entra a Pátria Grande? A tese do monopólio estatal do petróleo é comum aos nacionalistas de todo o continente. As palestras de Horta Barbosa no Clube Militar e depois, já na campanha de massas, os argumentos dele e de seus companheiros, são exatamente os mesmos utilizados por Mosconi anos antes na Argentina e que também justificaram a criação da Ancap no Uruguai.
Além disso, a defesa do monopólio estatal e a consequente criação da Petrobras são manifestações eloquentes do que Marcelo Gullo chama de “insubordinação fundadora” e integram o conjunto de políticas desenvolvidas no Cone Sul sob as lideranças de Perón e Getúlio. No caso brasileiro essa insubordinação fundadora enfrentou os que queriam o País como mero exportador de commodities e deu origem, por exemplo, à CSN, à Eletrobras, à FNM e a todo um processo de modernização, desenvolvimento e autonomia.
H. Raphael de Carvalho é pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST/UFF) e Laboratório de Política Internacional (Lepin/ UFF); mestre em Política pela PUC/RJ e doutor em Ciência Política pela UFF.

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