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Perfil Franscisco Julião Ed. Março.17

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CAROS AMIGOS – ED. MARÇO/17
PERFIL DE FRANCISCO JULIÃO
João Batista Cesar
Na lei ou na marra
NAQUELE final dos anos 1950, os usineiros nordestinos estavam apavorados. Mais de 20 milhões de camponeses ligados principalmente à cultura de cana-de-açúcar começavam a manifestar sua insatisfação de forma cada vez mais explícita. Organizavam-se em ligas camponesas, que se expandiam em progressão geométrica a partir de Pernambuco. A direita já via aí o embrião de sovietes e o começo da revolução e preparava sua reação. Os canaviais estavam em chamas.
Essa multidão faminta vivendo em situação de miséria absoluta, sem a menor perspectiva de mudança e superexplorada em suas condições de trabalho, não ia suportar viver muito tempo nessas condições. Os próprios setores conservadores esboçavam políticas regionais na tentativa de diminuir as disparidades sociais. Porque do jeito que as coisas estavam, era só alguém aproximar uma chama para a insurreição se espalhar como fogo pela palha dos canaviais.
Esse alguém parecia ser o advogado Francisco Julião. Nascido em família de usineiros em 1915 e formado em Direito, em 39, logo estava com banca de advogado em Recife. Tinha um talento especial para compreender os camponeses, um poder de oratória e muito idealismo. Mais tarde diria, numa entrevista a Genneton de Moraes, que aderiu ao marxismo aos 19 anos: “É o melhor instrumento ideológico para interpretar a sociedade, o homem, a natureza e o mundo”. Também asseguraria nunca ter sido comunista. Só sabia na juventude que não desperdiçaria a vida defendendo poderosos. De 1940 a 1955, defendeu exclusivamente camponeses, com a legislação em vigor. Era só olhar o mundo, para ver que o temor dos latifundiários era justificado. Naqueles anos 1950, em Cuba, os cortadores de cana estavam fumando charutos no palácio presidencial. Imagens de Fidel Castro e de Che Guevara surgem nas manifestações, na sede das ligas, nas paredes dos casebres miseráveis. Se juntam às foices, às enxadas, aos instrumentos de trabalho, ostentados como armas, como pavilhões nas concentrações. E, aos cartazes, com o lema das ligas: “Na Lei ou na Marra”.
O grande impulso no movimento acontece a partir de 1955, quando Julião é chamado para defender os trabalhadores do Engenho Galileia, em Vitória do Santo Antão. Eram 150 famílias organizadas numa associação chamada Saap – Sociedade Agrícola e Pecuária de Pernambuco – a primeira liga camponesa, que lutava pela posse da terra. Um tipo de associação, com origem em um projeto do Partido Comunista Brasileiro (PCB), dos anos 1940, que ainda não havia vingado. A Saap, num primeiro momento, só podia atender aos interesses dos camponeses mortos. Qualquer menção à defesa de interesse de trabalhador vivo, à criação de um sindicato ou à sindicalização era punida com surra, prisão ou assassinato.
Depois de quatro anos de luta, os camponeses obtêm uma vitória espetacular no Galileia. Julião garante na Justiça a posse das terras para seus moradores e se torna um herói. A luta dos camponeses de Pernambuco passa a ser referência e as ligas camponesas se tornam uma febre. Se espalham por todo Nordeste. Neste ponto da luta, o filho de Francisco Julião, Anacleto Julião, ressalta a participação da mãe Alexina Crêspo, na luta do Engenho Galileia. Conta que ela era engajada e participava ativamente da direção do movimento: “Era toda durona e com ótima pontaria. Ela que fazia a segurança do frágil Julião”. Em 1962, Alexina foi para Cuba com quatro filhos.
Em 1959, o jornal The New York Times leva a experiência das Ligas Camponesas para o mundo, apresentando Julião como um líder camponês. Num documentário é comparado a Mao Tsé Tung e a Fidel Castro. A situação no campo no Brasil era um barril de pólvora e ele se torna um personagem fundamental nesse processo e agora com relevância mundial. Se o governo Juscelino Kubitschek (1955/60) praticamente nada fez em termos de reforma agrária, teve ao menos o mérito de praticar uma política de desenvolvimento regional. Com isso a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) – dirigida pelo pernambucano Celso Furtado – punha em evidência as disparidades regionais e a urgência de um esforço nas questões desenvolvimentistas. Evidenciando o descalabro da situação agrária e a existência das ligas camponesas. Julião havia sido eleito deputado estadual, o primeiro do Partido Socialista Brasileiro (PSB), em 1954. Dera nova vida ao partido, depois de seu ingresso em 1947. É um orador que irá marcar a política pernambucana. Se destacará em pronunciamentos tocantes, em que as próprias vítimas da violência no campo o acompanham presencialmente. Em 1958, é reeleito com facilidade e, em 1962, se tornará deputado federal.
Em Pernambuco, a euforia dos setores progressistas aumenta com a vitória de Miguel Arraes, com apoio do PCB. Como governador, Arraes obriga os usineiros da Zona da Mata a adotarem o salário mínimo. Também dá forte apoio às organizações populares, sindicatos e às ligas. Aprova também o Estatuto do Trabalhador Rural, que entre outras medidas, elevava em 150% a diária paga aos cortadores pernambucanos, que passam também a ter direito ao 13º salário. Também combate à prática dos usineiros de utilizar policiais militares como pistoleiros: “Se usineiros quiserem assassinar cortadores de cana, que utilizem seus próprios capangas”, dizia ironicamente.
Uma rivalidade crescente entre Miguel Arraes e Francisco Julião começa a se tornar visível. As ligas camponesas perdem um pouco a força com a institucionalização praticada a partir de 1962. Em 1963, Julião adota uma atitude polêmica, que o levará a um certo isolamento na esquerda. Ele recomenda abstenção no plebiscito que decide pela adoção do parlamentarismo ou do presidencialismo. Ignora o golpe político que a direita havia dado, instalando o parlamentarismo para inviabilizar o governo de João Goulart.
O assassinato de João Pedro Teixeira, na Paraíba, em março de 1962, a mando dos latifundiários, foi um marco na trajetória das ligas. Ele foi o grande mártir dessa luta. A liga da comunidade Sapé, que ele dirigia, chegou a ter 7 mil membros, a maior do Nordeste. Foi assassinado com três tiros e sua mulher, Elizabete, assumiu a direção da liga. Mas teve que fugir e espalhar a família para sobreviver à perseguição que se seguiu.
Essa história foi retratada no filme Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. O diretor, na época, era do Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE), chegou à Paraíba alguns dias depois do assassinato e começou a filmar. A polícia, porém, dispersou os camponeses e impediu o prosseguimento das filmagens. No documentário, os personagens que representavam a história do líder camponês eram os mesmo que a haviam vivido na vida real.
Dois anos depois, a equipe resolveu retomar as filmagens. Na Paraíba, a situação ainda era tensa e não foi possível. Então transferiu-se a locação para o Engenho Galileia. Mas o Cabra Marcado para Morrer estava tendo uma história turbulenta. A eclosão do golpe de 64 provocou violenta repressão contra as filmagens. A população do Engenho Galileia foi escorraçada, gente foi morta, presa ou nunca mais apareceu. Os equipamentos foram destruídos e até explosivos foram utilizados para destruir a placa comemorativa da vitória na luta pela terra.
Com o golpe, Julião fica entre os mais perseguidos. Mas só o prenderam três meses depois do golpe. Foi denunciado por um homem que trabalhava na campanha de João Cleofas, cacique da UDN derrotado por Arraes em 1962, que culpava Julião por ter perdido o emprego. Julião e Arraes ficam presos na mesma cela em 65. Arraes o acusa de ser incendiário, de ter assustado desnecessariamente a classe dominante com suas ações espetaculares. Acusações que marcarão pelo resto da vida as atividades de Julião.
Em dezembro de 1965, se exila no México. Ao optar pelo México, sabia o que estava fazendo. Ele tinha vivência internacional, conhecia Cuba, Fidel Castro, Che Guevara, era amigo de Salvador Allende.No México, não precisava de nada para se tornar herói. Era um líder camponês num país que venerava Pancho Villa, de Zapata, revolucionários que comandaram os camponeses na tomada do poder na década de 1920. O México (além da China de Mao Tsé Tung) era o único país do mundo onde a revolução camponesa, ao menos teoricamente, ainda estava no poder. O Partido Revolucionário Institucional da revolução de Pancho Villa e Zapata era o mesmo do presidente Luis Echeverria, o amigo de Julião.
Se em termos de política externa o México simulava uma política progressista, em termos internos era extremamente repressivo. Em 1968, poucos dias antes da abertura das Olimpíadas, houve o chamado Massacre de Tlatelolco, um conjunto habitacional onde centenas de estudantes e trabalhadores foram mortos pelo Exército.
Dava status ao governo mexicano asilar alguém como Julião. Era uma prática comum. O mesmo asilo já havia sido concedido a centenas de revolucionários espanhóis, depois da Guerra Civil, e também à Anita Prestes, a filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário, que havia nascido num campo de concentração na Alemanha. Também recebeu asilo político no México o revolucionário russo, Leon Trotsky, que acabou assassinado em Coyoacan.
Logo após a chegada, Julião foi à casa do muralista mexicano e comunista histórico, David Siqueiros, em Cuernavaca. Julião foi tenso, já que não tinha dinheiro para voltar à cidade do México. No final do almoço, Siqueiros lhe estendeu mil dólares. Com o dinheiro, Julião alugou uma casa em Cuernavaca mesmo, capital do estado de Morelos, onde Emiliano Zapata havia liderado os campesinos na sangrenta revolução do início do século. Mas a altitude da cidade não lhe fazia bem.
Em suas primeiras entrevistas no México, radicaliza o discurso. Para o jornal francês, Le Nouvel Observateur declara (3/3/66): “O Brasil é o maior barril de pólvora da América Latina” e que a libertação da região do imperialismo norte-americano começou em Cuba, prossegue no Vietnã e, no Brasil, resultaria numa guerra muito longa, que obrigaria a uma intervenção militar. E os EUA precisariam utilizar cinco vezes mais soldados que utilizaram no Vietnã”. A entrevista lhe rendeu problemas no México.
Casado pela segunda vez, com três crianças pequenas para sustentar, sem poder exercer a profissão de advogado, Julião terá dificuldade para sobreviver. Vai se dedicar principalmente a escrever. Até o fim do exílio com a anistia, em 1979, escreverá mais de 250 artigos apenas para a revista Siempre. Um em especial deixará a ditadura brasileira furiosa. Nele Julião chama de “ato patriótico” o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick e a troca por quinze revolucionários. Gente que havia acabado de chegar ao México, entre eles, seu conterrâneo Gregório Bezerra, figura heróica do PCB, que organizara os trabalhadores rurais de Palmares e que havia sido barbaramente torturado em 1964.
Antes de voltar ao Brasil, Julião é convidado por Fidel a ir a Cuba para os festejos dos vinte anos da revolução. Vai com seu amigo Gabriel García Márquez. Com a anistia, chegam a Recife as três principais lideranças de esquerda do período anterior ao golpe: Arraes, Gregório Bezerra e Julião, que traz consigo um saco de terra mexicana.
Em 1986, começa seu calvário político. Ele se alia ao que há de mais reacionário e atrasado na política pernambucana, na disputa por uma vaga de deputado constituinte pelo PDT de Brizola. Rompe definitivamente com Arraes, se alia ao PFL e aos latifundiários e, entre seus correligionários, faz um “Pacto da Galileia”, em que cada membro da chapa daria 10% de suas terras para a reforma agrária. Para quem havia militado a vida inteira na esquerda, a proposta era de uma ingenuidade irritante. Para muitos, era traição.
Seu lema de campanha era outra provocação: “Paz na terra”, era para homens de boa vontade. Não para camponeses que lutavam há séculos pelo direito de existir. A derrota de Julião nas urnas é acachapante, pouco mais de 3 mil votos. Aos que o criticam e o chamam de louco e traidor, ele responde num artigo no Diário de Pernambuco: “Pus à prova minha insignificância. Dei um golpe de misericórdia no meu próprio mito. Já era tempo”.
Mas, abalado, volta ao México num autoexílio. Iria escrever suas memórias. Vive com a mexicana Marta Rosas, com quem havia se casado no fim dos anos 1970, e vai morar esquecido na velha Cuernavaca.
Em 1999, chegou ao Brasil a notícia de sua morte, envolta em mistério. O filho Anacleto Julião vai para o México ajudado por companheiros do pai, com passagem paga por Leonel Brizola. Em Cuernavaca, tem dificuldade em encontrar a casa do pai. Ele estava morando num lugar miserável, sem água encanada, no município vizinho de Tepoztlán. Havia morrido de um infarto fulminante aos 84 anos, a 10 de julho. Preparava uma macarronada, seu prato preferido.
Marta estava hostil. Havia cremado o corpo em Cuernavaca, mas não mostrava as cinzas. Não havia nenhum documento que comprovasse a morte. Ela também não permitia acesso aos textos que Julião estava escrevendo. A missa de sétimo dia de Julião no Rio de Janeiro esteve ameaçada. Sem prova da morte, não havia a aprovação de Brizola para a cerimônia. A desconfiança era muita. O atestado de óbito só foi conseguido meses depois. Miguel Arraes não foi na missa.
JOÃO BATISTA CESAR É JORNALISTA

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