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Agostinho Dias Carneiro (org.) Patrick Charaudeau Giani David Silva/Hugo Mari/Paulo Henrique A. Mendes Guy Lochard Maria Aparecida Lino Pauliukonis/ Leonor Wemeck dos Santos/ Sigrid Castro Gavazzi Ida Lucia Machado Jose Carlos Santos de Azeredo/Regina Celia Cabral Angelim Helenio Fonseca de Oliveira Jean-Claude Soulages CONSELHO DIRE TOR Ronalda Fonseca Paes de Lima Luiz Ricardo Leitiio Lia de Oliveira ASSESSORIA TECNICA Jane Lucas Assunciio o DISCURSO DA MfDIA CONSELHO EDITORIAL Carlos Eduardo Falcao Uch8a Cecilia Maria Boucas Coimbra [odo Ramos Filho Jose Novaes Leonor Werneck dos Santos Manoel de Carvalho Almeida Manoel Ricardo Simoes 92, Oficina do Autor Rio de Janeiro - 1996 PARA UMA NOVA ANALISE DO DISCURS01 Patrick Charaudeau Por que falar de "nova analise do discurso"? Antes mesmo, e preciso perguntar se a analise do discurso tern direito de cidadania entre as ciencias da linguagem. Nao e ela considerada por certos lingiiistas e particularmente pelos cognitivistas - sejam eles americanos ou europeus - como parte de uma II periferia" mais ou menos soft da disciplina, estando a parte hard voltada para os estudos dos sistemas da lingua e do pensamento? E alern disso, a pragmatica nao e suficiente para 0 estudo do aspecto discursivo da linguagem como ato que tern efeitos sobre 0 interlocutor? Enfim, se ja existe uma analise do discurso (na verdade existem varias), ''1 originaria de uma escola dita francesa representada inicialmente por urn grupo de pesquisadores da universidade de Rouen, depois por uma corrente de pesquisa que integrou as proposicoes teoricas de M. Pecheux, por que prop or uma nova corrente? E exatamente para situar-nos entre esses diferentes poles, num projeto global que tenta ligar os fatos da linguagem entre si segundo sua dimensao lingutstica, psicologica e sociologica, sem por isso deixar de ser estritamente lingiiista, psicologo ou sociologo, que nos propomos este qualificativo de II nova" analise do discurso. e/ 1Texto traduzido por Agostinho Dias Carneiro. 5 o LINGUfSTICO E 0 SITUACIONAL discursiva no momento em que essa e considerada por meio doque se convencionou denominar uso da fala. A significac;flOdiscursiva, pode-se afirmar, e uma resultante. Uma resultante de dois componentes dos quais urn pode ser dcnominado linguisiico, ja que opera com material verbal (a lin- gua), sendo ele mesmo estruturado de maneira significante segundo os principios de pertinencia que the sao proprios, e ou- tro, siiuacional, ja que opera urn material psicossocial, testemunha dos comportamentos humanos, que colabora na definicao dos se- res ao mesmo tempo como atores sociais e como sujeitos comuni- cantes. Trata-se, assim, de uma resultante, isto e, de uma forca cujos componentes sao simultaneamente aut6no~0~,. em .sua origem, e interdependentes em seu efeito, 0 que significa dizer que nao se pode chegar a construcao da significacao discursiva sem 0 estudo de urn ou outro desses componentes. Marca-se, assim, uma posicao, desde 0 inicio, diante de urn i ponto de vista demasiadamente /I sociologizante", para ~ ~ual 0 discurso nada mais e do que urn lugar de marcas das hipoteses sociologicas. ou demasiadamente "linguistico", para 0 qual tudo o que e "dizivel" e expresso pela lingua e, portanto, inscrito em Gf Q marc as formais. Essa tomada de posicao nao invalid a, evidentemente, esses dois pontos de vista, que possuem, entre outras coisas, 0 merito de destacar os limites de cada uma dessas abordagens. Ela permite ainda avaliar melhor as lacunas a preencher e se destina a anunciar de imediato que as observacoes, criticas e proposicoes que seremos levados a formular se inscrevem num processo que tenta relacionar a dimensao situacional e a dimensao linguistica do discurso. Se nos pudessernos permitir urn pouco de superficialidade, diriamos que 0 imperialismo que exerceu uma lmguistica "pura e dura" sobre a analise dos fatos de linguagem cornecou a desa- gregar-se com 0 surgimento, nesse campo, da nocao de enuncuicdo que pouco a pouco transformou-se em conceito, e mesmo em teoria, e, em qualquer caso, tornou-se 0 polo em torno do qual gravitam diferentes correntes das ciencias da linguagem: pragmatica, ctnomctodol6gica, conversacional, sociolingiiistica etc. Ao mes- mo tempo. estabeleceu-se de fato - e isso, apesar das especificida- d!'s mcrodologicas de cada uma dessas correntes - urn certo lUI1Sl'IlS0 sobre a maneira de abordar 0 problema da significacao 1 - Os consensos tratados diferentemente Para trabalhar com rapidez, pode-se dizer que este consenso foi construido em torno das tres oposicoes seguintes: proposicional X relacumal, expliciio X impliciio, inierno X exierno. A primeira oposicao produziu uma mudanca definitiva sobre a maneira de conceber a lingua: esta nao tem mais por vocacao quase exclusiva voltar-se para 0 mundo referencial para segmenta-lo, estrutura-lo e representa-lo de maneira factual. Reconhece-se nela, simultaneamente a esse aspecto que se torna somente uma funcao da linguagem, uma outra vocacao, funda- mental, que consiste em significar a relacao que se estabelece entre os parceiros do ate de linguagem. Mais do que isso, essa vocacao (ou funcao) prevalece sobre a outra, que fica dependente dela. Benveniste", inserindo a subjetividade no coracao da lingua- gem por meio da expressao da pessoa eu, e a filosofia analitica de Austin, colo cando em evidencia 0 fato de que 0 sentido se constroi por meio das forcas relacionais (ilocutoria, perlocutoria), contribuem para deslocar a problematica da construcao do sentido: ele nao se constr6i somente na relacao lingua / mundo, mas numa relacao triangular que subordina" a referencia ao mundo (a proposicional) a intersubjetividade dos interlocutores (a relacional): MUNDO .)J;;L~ EU' :::...:_----__:.:::~TU A segunda oposicao e a que obrigou os lingiiistas estru- turalistas e gerativistas a nao mais considerar a linguagem como teria feito Sao Tomas: 0 sentido, nao e somente 0 que e significado explicitamente pOI' uma combinacao do semantismo dos vocabu- 2 BENVENISTE, Emile (1966). Problemes de Linguistique Gencrale. Paris, Gallimard. 3 Pode-se considerar que a oposicao proposiciorutllrelacional nao e nova e que e encontrada em Descartes sob os termos entendimentoiooniade, enos gramaticos da Jdade Media sob as termos diciusimodus. 0 que e novo e que 0 primeiro termo seja subordinado ao segundo. 6 7 los (at incluidas a polissemia e as conotacoes), mas e tambem 0 que nao e dito de maneira explicita, 0 que esta implicito. Mais <linda, 0 sentido nao e somente 0 de uma ou outra dessas men- sagens, tampouco somente a soma das duas; ele esta na inter-rela- cao que as torn a solidarias uma da outra. E a observacao do intercambio Iinguageiro' nos mostra claramente que os jogos de comunicacao se realizam nessa inter-relacao, A terceira oposicao, por fim, correlativa das duas prece- dentes, e igualmente objeto de consenso, mas de maneira mais polemica: ela se encontra no centro das discuss6es atuais. Aceitar a existencia de urn sentido relacional e de uma di- mensae implicita da significacao discursiva e aceitar que existe urn "fora da linguagem" (realidade extralingiiistica) que se com- bina de modo pertinente (mesmo se nao sabemos bern como) com o local da manifestacao discursiva. E e ai que esta 0 problema. Porque se nenhuma das abordagens da lingua gem definidas anteriormente chega a negar a existencia desse "fora da lingua- gem" empirico, os metodos de analise e sua teorizacao nao lhe dao todos 0 mesmo estatuto. Para alguns, trata-se somente de urn dado empfrico que nao pode ser integra do no estudo da linguagem; para outros, ele pode ser estudado, mas permanece exterior a linguagem enquanto outros se contentam em realizar pequenas incurs6es nesse terreno. b) inter-relacao entre dois espa~os enunciativos, de producdo (EU) e de inierpretacdo (TU) com a interposicao de uma aoaliaciio. Tal postulado fundador da significacao esta no centro das reflex6es te6ricas de certos autores. Situando-se no prolongamento de Benveniste e passando pela critica de Bakhtin, F. jacques" prop6e fundar a significacao enunciativa do discurso sobre uma comunidade de enunciadores e, mais geralmente, das instancias enunciativas que sao englobadas pela relacao interlocutiva e seus efeitos dinamicos de interacao verbal e de transacao sernantica, e nos quais sentido, referencia e forca ilocut6ria se acham incluidas. H. Parret (1983)6 prop6e urn "agenciamento piramidal de subsistemas enunciativos" cuja base seria constituida pelo que ele denomina uma comunidade enunciativa ... transcendental, a qual atribui uma funcao fundadora, ja que ela "constitui 0 alicerce de toda a piramide ..." a qual engloba as atividades de co-conven- cionalizacao, e co-referenciacao (como em F. Jacques), e de 1/ co-percepcao do c6digo" . Encontraremos em nosso postulado de intencionalidade as dimens6es de co-reierenciaciio (Saber), de co-conuencionalizaciia (poder) e de comunidade de enunciadores possivelmente trans- cendental (Encenacao). Mas e necessario mostrar, antes, em que os divers os enfoques precedentes (pragmatico, etnometodol6gico etc.) assumem pontos de vista diferentes do nosso. 2 - As expectativas de uma teoria do discurso o ponto de vista que sera desenvolvido aqui e 0 de que nao se pode construir uma teoria do discurso como jogo de cornu- nicacao sem levar em conta simultaneamente urn espa~o externo e urn espa~o interno de construcao do senti do - 0 que nos leva as dimensoes situacional e linguistica da significacao discursiva. De fato, sera postulado que a significacao e construfda par meio de duas inter-relacoes que se articulam ao mesmo tempo uma sobre a outra: a) inter-relacao entre dois espa~os de producao de sentido, I'XiCnlO e interno; PERCURSO CRITICO Nao podendo passar aqui em revista todas as correntes da ciencia da linguagem que se interessam pelo discurso e pelo intercambio linguageiro, contentar-nos-ernos em mostrar as diferentes orientacoes da pragmatica, com sua pertinencia e legitimidade, mas que nao satisfazem a condicao que propomos como principio do estudo da linguagem: 0 espa~o exierno como 4 () n-rmo /illSllngeim C uma traducao do frances langagier, significando aquilo que e pr6prio cia linguagem de forma geral. (N. de T.) 5 JACQUES, F. (1982). Difference ei sUbjectivite. Paris, Aubier 6Procurou-se respeitar 0 texto de Patrick Charaudeau, que nem sempre indica a referenda bibliografica de suas citacoes. Sempre que possivel, serao destacadas as referencias, mas em alguns casos, como esse, ficara apenas 0 ultimo sobrenome do autor citado e a data da publicacao, (N. de T.) 8 9 fundador do espac;:ointerne e, ao mesmo tempo, construido por cstc: 0 espw;o inierno como dependente do espac;o exierno propondo suas proprias categorias. 1 - Austin: condicoes, procedimentos e forcas Desde as primeiras conferencias de Austin (1962), consa- gradas a descricao dos enunciados performativos, encontra-se formulada a ambivalencia que estara na origem da diversidade de pontos de vista em pragmatica da linguagem. De fato, Austin utiliza certos vocabulos que podem receber pelo menos duas interpretacoes: condicdo, procedimenio e forc;a ilocut6ria. Condiciio e empregado para fazer compreender que os enunciados nao possuem urn seniido em si, mas urn sentido que depende de algo mais - a enunciacao - e que e na relacao do enun- ciado com esse algo mais que podem ser avaliadas (para os perfor- mativos, por exemplo) as enunciacoes apropriadas ou nao. Ora, tal nocao, ligada a urn algo mais do enunciado, pode ser interpretada de dois modos: a) inierna ao processo lingiiistico: a linguagem nao se reduz a articulacao de alguns enunciados (encerrada a lingiiistica logico- frastica), mas e 0 resultado de uma ampla combinacao textual que se articula sobre dois pIanos, 0 do enunciado e 0 da enunciacao, e isso nao mais numa perspectiva onde 0 enunciado seria domi- nante, mas sim numa perspectiva onde ele estaria subordinado a enunciacao. E sendo a pr6pria enunciacao expressa linguis- ticamente por marcadores de toda especie, e na lingua que sera preciso encontrar as condicoes de realizacao dos enunciados (dai as taxinomias dos verbos de enunciacao e 0 desenvolvimento dos estudos sobre os conectores). b) exierna ao processo lingiiistico: os intercambics linguageiros sao considerados como uma realidade rnais ampla que a pura realidade Iinguistica que se encontra englobada por aquela. Assim tambem, sem perder de vista 0 fato lingiiistico como tal, as condicoes de felicidade dos enunciados devem ser procuradas na observacao dos elementos de ordern situacional, os quais con- dicionam a significacao dos fatos de linguagem. Essa dupla interpretacao esta igualmente desenvolvida no nome procedimenio ("Deve haver urn procedimento, reconhecido t'., 10 por convencao." Austin, 1970). Pode de fato existir urn procedi- mento convencional no interior do processo linguistico (que preside a relacao enunciado / enunciacao), ou exterior a ele como condi- cao valida a configuracao do processo lingiiistico (que exige, por exemplo, que 0 sujeito falante seja "presidente de mesa"). Finalmente, a expressao [orca ilocuioria e, tambern ela, ambivalente, segundo destaquemos urn ou outro dos nomes que a comp6em. Forca leva a urn algo mais externo ao processo linguistico e obriga a observar 0 que ocorre acima e abaixo do ato de enunciacao, enquanto ilocut6rio leva a urn /I algo mais" intra- Iinguistico na medida em que pode ser recu perado a partir de cer- tas marcas do aparelho enunciativo. Esta serie de dupla interpretacao leva a propor a seguinte questao: Q ate ge.H!lg.1::l~~emem geral (e a forca ilocut6ria em particular), e de ordem_12D2C£.dimen.t(lLQl:LAg§_c.[~tiva? A primeira orientando os estudos em direcao as condicoes de emprego e de uso, a segunda em direcao ao sentido dos vocabulos, Eviden- temente poder-se-ia ter como resposta que as duas, se se faz referencia aos performativos. Mas os performativos constituiram, desde 0 inicio, a arvore que esconde a floresta. De qualquer modo, essa dupla interpretacao esta na origem dos estudos que se desenvolveram em tres direcoes que vamos cxplorar, destacando em cada uma delas urn problema particular. 2 - A pragmatica linguistica e 0 problema do sujeito [alanie A posicao de defesa de uma pragmatica Iinguistica postula que tudo 0 que e significado no mundo pelo intercambio linguageiro e feito pela interrnediacao da lingua e, assim, com marcas linguisticas (0 que estabelece urn primeiro principio de pertinencia), Q sujeitoJaJante ~, .':lssjIllLi!l1tes de mais nada, fun9€!fJ1_el1!~.IJ:ll~r:t.~.lil1g~[stico_.7A partir desse postulado. pode-se observar, grosso modo, tres atitudes metodol6gicas. A prime ira consiste em apostar que sera possivel ir do Iinguistico ao situacional por uma serie de ligacoes de unidades 7 Faz-se aqui alusao a uma corrente, mais do que uma escola, que se constituiu com e a partir dos trabalhos de M. Pecheux, B. Cone in, JM. Marandin, JJ. Courtine, R. Robin, para s6 falar de alguns. Ver: Iviaterialitee discursiues. Presses Universitaires de Lille, 1981 e Lllllgages, nQ81, marco 1986. 11 com dimensoes variaveis. Esse foi 0 projeto inicial de Harris, que tomava a frase como modelo de base para construir operacoes transfrasticas. 0 discurso nascia de um alem da frase obtido pela aplicacao das mesmas operacoes sintagmaticas e paradigmaticas da frase a concatenacoes de frases. E assim, quando tal pro- cedimento foi explorado no dominio da analise do discurso - particularmente no caso do discurso politico -, somente submetidas ao vies do que foi denominadoJ2Ii_:requisi.tcLOll.px£=CQllw.:utaidg916gi- co, e que se realizaram as interpretacoes discursivas. Como se ve, ;tio e resolvido aqui 0 problema do sujeito, porque de urn lado ele e 0 ser Iinguistico ordenador da frase, e, por outro lado ele e um ser ideol6gico abstrato, 0 segundo estando sobre 0 primeiro. ~nda. atilgde_.corresponde ao desenvolvimento da descricao dos atos de linguagem, que, inicialmente, tenta definir e classificar tais atos em funcao das marcas lingiiisticas que os configuram (listas de verbos enunciativos, analise de conectores) e, em seguida, numa segunda etapa, abre-se preferencialmente para 0 contexto com a tomada de consciencia do fato de que tais atos podem ser expressos indireiamenie; 0 que teve por conse- quencia urn desvio de focalizacao, que estava acentuadamente diri- gida para as vocabulos, para as condicoes de realizacao dos atos, condicoes que algumas vezes sao gerais, e, outras vezes, particulares". Nessa segunda atitude, 0 sujeito falante nao e estritamente linguistico, Ele e sempre considerado como responsavel e organi- zador dos enunciados, mas, alem disso, the e reconhecida a possi- bilidade de ter urn projeio deialo? e entao de poder usar estrategias, isto e, de poder jogar com as relacoes enunciado / enunciacao e explicito / implicito. Mas esse ser linguageiro e totalmente des- provido de identidade social. Dito de outro modo, e sucintamente, o enunciado Alea jacta est sera analisado como urn ato de linguagem cuja significacao discursiva variara segundo 0 locutor, seja Cesar dirigindo-se a seus comandados, urn professor de frances a seus alunos, um ministro aos membros de seu gabinete ou urn chefe de estado a seu colega italiano. E se se deseja acrescentar a prova do contrario, seguindo 0 exemplo dos performativos cuja descricao se ap6ia sobre 0 estatuto juridico do sujeito falante (magistrado, H Vcr os tr.ibalhos de Stampe, Warnock, Bach et Harnisch e Revanati, na sequencia dos cnsuios de Searle (1979).Expression and meaning. Cambridge, Cambridge University Press. 'J !isla cxprcssao nao aparcce em Iugar algum como tal, mas ela convern perfeitamente nestc cas". Vel':Charaudcau (1983). Langage ei discours. Paris, Hachette. 12 sacerdote, prefeito etc.), pode-se fazer notar que se trata ai de um caso particular que se pode denominar aios de linguagem insiiiuidos, porque muito particulates para que sirvam de modelo geral. Alem disso, a questao permanece intocavel no que diz respeito a saber se, mesmo no caso dos performativos, 0 estatuto juridico e uma categoria interna da linguagem (da ordem de um papellinguagei- ro) ou externa (da ordem de uma identidade socioI6gica). Por ou- tro lado, tais estudos de pragmatica se dirigem preferencialmente a verificar se, e como, as condicoes gerais de presuncdo Iingidsiica, de periinencia, de sinceridade e de niio-coniradiciio sao respeitadas, e desenvolvem muito pouco os estudos sobre as condicoes parti- culares que obrigariam os analistas a interessarem-se de mais perto pelas identidades psicossociais dos sujeitos. A terceira atitude consiste em tomar claramente _posic;aoem----- ...~~--------.-..-~,~-..-.--~... ---.- ... ---_--._ .. , '~'-"""'" -;. .-'_-_,';_.'_-.--._.-- .. ""-~."~' -,'" .. '_-"-_'-"---, _-_,' -,' relfjs.a,g.a()quee de ordemsituacional.E 0 que parece fazer Ducrot" quando.declara t::?<:pE<:.~!ClIllenteque,se e ver~ade .qlle atras de todo locutoj; hA um sujeita empirico, 0 lingiiista nao deve ocupar-se de tal;;gjeitp. E assim numa inter-relacao entre um locutor exclu- sivamente linguageiro e varies enunciadores que ele desenvolve sua teoria da palifania e dos iopoi (1988). Por muito legitime que seja esse posicionamento - que tern ao menos 0 merito da clareza -, nao deixa de ser incomodo, Nao para a analise dos iermos do discursa, como faz seu autor - porque se trata nesse caso de definir as instrucoes enunciativas minimas que sao veiculadas pelos vocabulos -, mas para a analise dos intercambios linguageiros. De fato, de um lado isto seria supor que 0 sujeito fala exclu- sivamente no que concerne as condicoes de emprego dos voca- bulos, e jamais em funcao das condicoes da situacao em que se encontram os parceiros do ato de linguagem e sua identidade", Sao elas no entanto a garantia do implicito do discurso. Se posso inter pre tar 0 enunciado Voce pade me dar um PF? como Voce pode me seruir um prate feita? e porque sou um gart;;am ao qual acaba de dirigir-se urn fregues, numa eiiuacao onde cada um se encontra no cxercicio de suas funcoes. 10 DUCROT, O. (1984). Le dire ei pas ledit. Paris, Ed. de Minuit. II Ver igualmente a critica de Roulet (1985). L'ariiculaiion du discoure en fl'alu;ais CIlIl tempera in. Berne, Peter Lang. p.4: "E assim que nao se encontrarao em Ducrot e Anscombre analiscs de intercambios autenticos". 13 Por outro lado, isto seria reduzir 0 discurso a (mica finali- dade revelada pela enunciacao de tal sequencia de enunciados, e privar-se de trabalhar sobr~ a intencionalidade .mu~tipla q~e habi- ta todo sujeito empirico. E tambem uma pohfoma do discurso psicossocial que faz aparecer 0 sujeito como dioidido"', de que uma das provas e 0 [alar desconexo": Pode-se perguntar se, ao desenvolver sua teoria sobre os iopoi, Ducrot nao sera obrigado a levar em conta este .sujeito empirico, ja que os iopoi sao definidos como crencas partilhadas sobre 0 mundo e que elas possuem forcosarnente urn conteudo psicossocial. Em conclusao, podemos perguntar-nos se essa orientacao linguistica da pragmatica nao repousa sobre um mal-entendido: 0 fato de que a lingua tenha a possibilidade de descrever ou de representar um ate nao quer dizer que ela se torne um ato; inver- samente, urn ato de lingua gem pode fazer ou [azer fazer sem que isso seja explicitamente descrito pelos vocabulos da lingua. E, em consequencia. 0 sujeito falante, ser estritamente lingiiistico, nao pode, por si mesmo, ser a testemunha da complexidade discursiva do ato de linguagem. Nao ha relacao de reflexo entre 0 fazer e 0 dizer, este sendo 0 espelho daquele, pelo menos termo a termo. 3 - A pragmatica etnometodol6gica e 0 problema das regras Por etnometodologia entendemos uma filiar;;iio (e nao uma escola, nem mesmo uma corrente) antropo-etno-sociologica da comunicacao, na qual se encontram, apesar de suas diferencas, Garfinkel e Jefferson, Sacks e Schegloff, Labove Fanshel, Goffman, e - na sequencia de Austin - Searle e Grice em torno das nocoes de condicoes, regras, mdximas e tmplicaiuras conuersacionais. Nao retomamos as discussoes que se desenvolveram a pro- posito das regras de Grice, desde Wilson e Sperber" e que con- tinuam hoje. Faremos nossas algumas dessas observacoes e acres- ,i-C:j IABROL, C. (1990). "Rcguler la construction de l'identite du sujet de discours", In: I. 'intcmciion communicative. Berne, Peter Lang. I \ IlI,A N CIIE- BENVENISTE, C. & JEANJEAN, C. (1986). Le franqais parle. Paris, INA LF- Didier. 14 WI LSON, D. & SPERBER, D. (1979). "L'interpretation des enonces". In: Communications, 1\" 30. Paris, LeSeuil. 14 centaremos as nossas proprias para mostrar em que esse ponto de vista rompe com a pragmatica linguistica sem classificar-se como psicossocial. o estabelecimento de regras ou de maximas conversacionais colocara sempre 0 problema de saber-se qual e 0 seu campo de aplicacao: a) Ele e geral- assim, as regras se erigem em prindpios gerais constitutivos que governam todo ate de linguagem, qualquer que seja seu contexto ou sua situacao. Elas possuem um valor fundador da linguagem, 0 que e ao mesmo tempo bastante sobre 0 plano teorico e pouco sobre 0 plano operatorio, ja que elas nao permitem discriminar a particularidade situacional dos intercarnbios lin- guageiros. Neste caso, 0 nao respeito as regras tem por conse- quencia invalidar a palavra (como ato de comunicacao) e nao mais erial', e fazer descobrir implicitos, ja que 0 direito a palavra nao existe mais. b) Ele e particular - assim as regras atuam como limitacoes (normas) locais que regem 0 sucesso do ato de comunicacao (reencontram-se as condicoes de felicidade); 0 seu desrespeito ora invalid a 0 ato de lingua gem na situacao dada (e somente nessa situacao), ora torna-se 0 indice de indirecao do ate", construindo o implicito. Esta segunda hipotese coloca 0 problema da determinacao do (ou dos) criterio (s) que permitiria (m) definir 0 respeito ou desrespeito a uma regra. Retomemos 0 exemplo 0 senhot pode me seroir um PF? sob 0 ponto de vista da maxima de quanti dade de Grice ("tanta inforrnacao quanta necessaria e nada mais"). Se dizemos que a regra de quantidade nao foi respeitada, como explicar 0 sucesso da recepcao da mensagem? Se, ao contrario, diz-se que a maxima foi respeitada, ja que nessa situacao (nesse coniraio, diria eu) toda eoliciiaciio de dizer torna-se uma soliciiacdo de [azer, onde se encontra a pertinencia intern a dessa regra? Tomemos agora os casos dos atos de desculpa e de polidez. Urn estudo" mostrou que, no curso das negociacoes entre vende- dor e cliente num mercado frances, as formulas de desculpa e de 15 GRICE, H.P. (1975) "Logic and conversation". In: COLE, P. &MORGAN, J. (org). Syntax and Semantics, v. 3: Speech acts. New York. 16 MARTINEZ AYALA, J. (1988). L' interaction uendeuriclieni dans le marche alimeniaire en plein air a Paris et a Mexico. Universite de Paris XIII. (Tese de Doutoramento) 15 polidez sao dirigidas reciprocamente (perdiio / perddo; desculpe-me / niio, ° culpado fui eu; bom-dia / bom-dia); no mercado mexicano, ao contrario, nao ocorre a reciprocidade, ja que ela seria suspeita de querer dar uma licao ao outro - 0 que e culturalmente inaceitavel. Qual das duas regras devera impor-se para descrever os atos de desculpas e de polidez: a da reciprocidade ou a da sua ausencia? E, nesse ultimo caso, dir-se-a que 0 principia da cooperacdo (PC) foi desprezado, ja que 0 silencio se impos? Wilson e Sperber" ja tinham nota do que as regras sao sempre mais ou menos respeitadas, visto que tudo repousa sobre uma maxima da relacdo; Flahaut (1979) partilha desse mesmo ponto de vista, afirmando que todo ato de lingua gem repousa sempre sobre uma visiio de periinencia; e, mais tarde, Verschueren (1980) prop6e uma nocao suscetivel de unificar regras, maximas, condicoes e implicacoes conversacionais, denominada por ela de condiciies de apropriaciio. No que nos diz respeito, proporemos distinguir, de urn lado, urn modelo sociocomunicativo que seja suscetivel de descrever os componentes do mecanisme linguageiro (nao como regras ou rna- ximas, mas como principios gerais que fundamentam 0 direito a fala), e, de outro lado, uma ieoria dos generos em torno da nocao de coniraio que permite descrever, nao as condicoes de realizacao do contrato (ja que 0 contrato se imp6e sempre como estando la por suas pr6prias condicoes), mas as diferentes estrategias que podem desenvolver-se a partir dele. Mas, por ora, far-se-a observar que 0 ponto de vista etno- metodol6gico prop6e considerar os intercambios linguageiros como estrutura do comportamento humano, e de aborda-los pelo vies de condicoes de realizacao e, assim, nao se sabe se eles de- pendem de uma moral (regras prescritivas, normativas) ou de uma antropologia (regras descritivo-ontoI6gicas, constitutivas). Alern disso, nao existe, nessa orientacao, nenhum procedimento que permitisse sistematizar a passagem das categorias condicionais a categorias linguisticas. E que os atos de linguagem indiretos confundem essa passagem, e volta-se a mesma questao: 0 que e que permite conduir pela indirecao de urn ato de linguagem, as limitacoes situacionais do intercambio ou 0 valor dos enunciados? Enfim, este ponto de vista, que po de ser qualificado de 16 "antropoI6gico", nao diz nada sobre a dimensao psicossocial dos intercambios linguageiros: uma nocao como proieciio da face (Goffman, 1981) e tao geral (e portanto antropol6gica) quanta a de simeiria e complemeniaridade da escola de Palo Alto (Watzlawick, 1967). 4 - A pragmatica sociol6gica e 0 problema da legitimidade Trata-se aqui tambem de uma filiar;iio na qual se encontram diferentes pesquisadores que se interessaram, cada urn a seu modo, pela relacao linguagem-sociedade, mas cujo ponto comum con- siste, em ultima analise, no fato de que e 0 uso social que sobre- determina a linguagem e 0 construido (Veron, 1984). Para Halliday e Hasan", a linguagem seria "modelada e de- terminada pelo uso que se faz dela" e inversamente 0 social se l'eflete na organizacao intern a da linguagem. Esse postulado - que lembra a concepcao dos gramaticos do seculo XVII, para quem a linguagem e 0 reflexo do pensamento (em Halliday, do social) - define ao mesmo tempo 0 discurso como 0 lugar de iracos funcionais da estrutura social. Segundo Bernstein (1971,1973), a estrutura social condiciona os c6digos lingilisticos (restritos / elaborados) e estes condicionam o sucesso social. Para Fishman (1971, 1972), uma sociologia da linguagem e possivel no relacionamento de uma macrossociolinguistica (lugar de sistemas de valor da comunidade Iinguistica) e de uma micros- sociolingiiistica (lugar de categorias linguisticas), esta sendo determinada por aquela. Labov (1972), mesmo dedarando nao fazer "sociologismo", considera que a hierarquia social condiciona os usos sociais que constituem a personalidade do locutor e prop6e urn metoda em- pirico que permite estabelecer as correlacoes entre as variacoes sociais e as variacoes linguisticas. Nao nos deteremos sobre esses diferentes pontos de vista cuja caracteristica comum parece bern ser - apesar das dedara- coes de intencao - que 0 sociol6gico sobredetermina de uma maneira ou outra 0 linguistico. 1M HA LLID AY &HASAN (1973). Cohesion. in spoken and umten English. Londres, Longman. 17 Desejamos preferencialmente interessar-nos pelos recentes desenvolvimentos das teses de Bourdieu sobre a relacao lingua- gem/ sociedade que deram lugar a diferentes trabalhos em torno da nocao de legitimidade. Lembremos, inicialmente, que para Bourdieu (1982:103-104) a pragmatica fez uma interpretacao unilateral e naiue das proposicoes de Austin sobre afo1"l;ailoculoria. Ela procurou 0 poder dos vocabulos nos vocabulos, enquanto ele se encontra nas condicoes sociais de uso dos vocabulos: ... a fon;a de ilocucdo das expressiies ndo poderia ser enconirada nos proprios ooctibuloe. como os "perjormaiioos ", nos quais ela e indicada au melhor representada com duplo sentido(. ..). 0 poder das palaoras niio e nada aiem que 0 poder delegado do poria-palaora, e suas palavras - isto e, indissociavelmente, a materia de seu discurso e sua maneira de falar - sao no maximo uma testemunha entre ouiras da garantia de delegacao de que ele e investido. Ao mesmo tempo, pode ser criticado na pragmatica Iinguis- tica ter ela estudado os fatos da linguagem num "contexte ideal de interacao ideal" (Encreve, de Fornel, 1983), e na pragmatica etnometodol6gica limitar-se ao exame de uma categoria modesta de conversacoes (chamadas telefonicas, pedidos de informacoes, narrativas) cujo contexto propria mente social parece pouco decisivo a ponto de poder ser "negligenciado" (id.). Dai a propo- sicao desses autores de levarem em conta a realidade sociol6gica dos falantes numa esiruiura objetiva, e nao conjuntural. E, para fazerem isso, os autores utilizarao os conceitos de hdbiio, de mercado e de capital propostos por Bourdieu. Nao se trata de negar a utilidade desses conceitos, mas pa- rece, sobretudo a vista das analises propostas por esses autores, que esse ponto de vista e ainda correlacionista. Porque, se e ver- dade que a estrutura social nao e mais tratada em categorias so- cioprofissionais (CSP) algo simplistas, mas de preferencia em ca- pital social e culiural represeniado, nada impede que este esteja ligado as CSP (medico, professor, operario), pre-determinadas, conside- radas como mais ou menos condicionantes. Se se aceita que todo modelo sociolinguageiro deva procurar articular urn espa<;ointerno e urn espa<;oexterno da linguagem, a rcivindicacao por esses autores de uma esiruiura objetivante torna tal articulacao - no melhor dos casos onde nao se pretendesse fa- zcr prcdorninar 0 social- algo fixista. 18 De qualquer forma, essa posicao se encontra na linha direta do pensamento de Bourdieu, para quem a legitimidade da palavra do sujeito reside no social, ja que 0 sujeito nada mais e do que urn poria-palaora que recebe uma delegac:;aode poder. Pode-se objetar a isso que basear uma teoria de discurso no pressuposto de que s6 existe atraves de sua legitimidade de porta- palavra e inviabilizar uma analise dos fenomenos psicossocio- linguageiros de credtbilidade. Ora, de urn lado, muitos intercambios linguageiros se fazem sem que os parceiros conhecam a identidade social de urn au de outro (conversacao de bar, encontros de rua); de outro lado, muitos intercambios repousam sobre as jogos cornu- nicativos que neutralizam 0 estatuto social do parceiro e operam com caracteristicas psicol6gicas (0 humor, a carater etc.). Algumas vezes a identidade social desaparece completamente em proveito de urn papel abstrato, por exemplo, a comunicacao publicitaria, de urn lado uma instancia complexa do ponto de vista economico, que se configura em papel de anunciante e, de outro, alvos diferentes configurados em papel de consumidor potencial; enfim, 0 que dizer do caso em que os sujeitos adquirem poder (poder de influencia, de persuasao, como as lideres) por meio da operaciona- lizacao de estrategias linguageiras, sem, por isso, ter nenhum poder institucional e mesmo tendo algumas vezes uma posicao social de inferioridade? Em outras palavras, parece que reconhecer no sujeito falan- te uma identidade sociol6gica nao quer dizer que esta deva ser considerada como absoluta nem mesmo como necessariamente predominante. Caso contrario, impede-se 0 estudo das estrategias linguageiras e fabrica-se, ao fim de contas, urn modelo de analise no qual nao ha lugar para uma concepcao de linguagem dinamica que, integrando dados da realidade psicossocial, e suscetivel de ter, em troca, uma influencia sobre a dimensao psicossocial dos intercambios linguageiros. Ora, e necessario urn modelo no qual 0 espa<;oexterno (lugar de legitimidade) penetre 0 espa<;ointerno, sendo construido por es- te (lugar de credibilidadei. 5 - Balance critico e proposicao de urn ponto de vista o postulado de partida era que a significacao discursiva e a 19 resultante de do is componentes: 0 situacional e 0 lingidstico. Ora, 0 que e que se observa? Do lado lingiiistico, a descricao das marc as do discurso (elas sao ditas II do discurso" porque sao reveladoras de uma parte do processo de enunciacao), ou das ligacoes de enunciados, depende de context os idealizados, con- siderados fora de situacao, ja que nao sao levadas ern conta as caracteristicas psicossociais do sujeito falante. Do lado situacional, nos sao propostas descricoes sobre os mecanismos gerais dos intercambios linguageiros que nao se atern ao aspecto psicossocial do intercambio (ponte de vista antropol6gico), descricoes de situacoes de intercambios muito localizados (ponto de vista niti- damente etnol6gico) e que ao mesmo tempo nao podem fundal' conceitos gerais, ou descricoes de tipo correlacionista entre do is espa<;os pre-estruturados (ponto de vista sociol6gico) que nao permitem compreender como a linguagem age, pOI'seu lado, sobre o psicossocial. Este ultimo ponto de vista e bern uma teoria socio- 16gica da linguagem, e nao uma teoria social do fato linguageiro. Cada urn desses pontos de vista tern evidentemente sua razao de ser, ja que define claramente seu principio de pertinen- cia; mas 0 que faz corn que nao possamos adotar plena e exclu- sivamente nenhum deles e que cada qual descreve os fatos da linguagem como se fossem portadores de urn s6 jogo de signifi- cacao da parte de urn s6 sujeito falante. Ora esse jogo e representado pela intencionalidade argumeniaiioa de um sujeito linguieiico (a polifonia de Ducrot e estritamente linguistica. ja que ela discute varios enunciadores, todos seres de fala; sobre 0 plano da signi- ficacao dis curs iva s6 ha monofonia, ja que 0 sujeito dito empirico e rejeitado); ora ele e representado pelos comportamentos de proiecdo de face como condicoes preparat6rias de mecanismos interativos; ora e 0 implicito que se encontra nos atos indiretos; ora, enfim, a revelacao de urn certo capital social ou cultural. Ern contra partida, os fatos de linguagem sao portadores de varies jogos c eles testemunham urn sujeito complexo, na verdade dividido. Urn mesmo enunciado numa situacao comunicativa dada tcstcrnunhara de urn sujeito que tera, simultaneamente, uma certa inlcnciio discursioa, urn certo comporiamenio de proiecdo, varies itnplicilo« a deixar entender, e uma certa identidade social a manifestar (voluntariamente ou nao), A SOiU\;lO,para quem procura analisar a complexidade da 20 significacao discursiva, estaria do lado de urn projeto federativo, como propoe 0 grupo de Genebra (E. Roulet,1985)? Pode ser, mas vemos af alguns inconvenientes: a) pode-se perguntar como e possivel construir urn princi- pio de pertinencia na intersecao de varies principios de pertinen- cia tao diferentes como os apresentados nas seis correntes do grupo de Genebra (por isso nossa posicao e a do antrop6fago e nao do federativo ); b) urn tal projeto nao leva ern conta a dimensao psicossocial do sujeito falante. Alern de 0 grupo estar num estagio onde desenvolve seus trabalhos entre 0 nivel das incursoes e dos aios de linguagem, deixando 0 nivel da negociacdo ao postulado goffma- niano da face, parece que seu objetivo nao e 0 de prestar contas dos textos. Ele reivindica a escolha II de trabalhar sobre discursos completos resultantes de interacoes autenticas ..."19, mas os extra- tos dos discursos citados, tao longos quanta sejam, s6 se destinam a ilustrar e a verificar as categorias construidas, e nao a dizer alguma coisa sobre 0 objeto discursivo propriamente. E que - e necessario declarar em alto e bom som - nao se pode dizer nada sobre os objetos discursivos se nao se dispoe de uma teoria dos generos; c) enfim, e este e um a priori de nossa parte, tememos sempre que um modelo fortemente hierarquizado, como 0 que propoe esse grupo, impeca a descoberta da multiplicidade do que chamamos os posslveis inierprelaiiooe", o pr6prio Austin declarou: 0 que se necessita, parece-me, e uma teoria nova, ao mesmo tempo completa e geral, do que se faz ao dizer algo, em todos os sentidos dessa frase ambigua, e do que eu denomino aio de discurso, nao somente sob este au aquele aspecto, abstracdo feita de todo a resto, mas tomada em sua totalidade+. Nao se po de trabalhar sobre essa "totalidade"se nao se dispoe de uma teoria do situacional em relacao corn 0 lingidsiico, e de uma teoria do Iingitietico ern relacao corn 0 situacional. Ern ou- tras palavras - e para evitar cair na problematic a de urn ponto de 19 ROULET, E. et al. (1985). L 'articulation du discours en [rancaie coniemporain. Berne, Peter Lang. p. 4. 20 CHARA UDEA U, Patrick (1983). Langage ei discours. Paris, Hachette. 21 Revista Communications, n'' 32. Paris, Seuil, 1980. 21 vista macrossocial oposto a urn ponto de vista microlingiifstico, au a de uma sociologia aplicada a linguagem (ou correlacionada a ela) -, e necessaria problematizar a linguagem num modelo que constroi a social em sociolinguageiro e 0 linguistico em socio- discursivo. Quer dizer que, de urn lado, ha categorias psicossocio- logicas que penetram a linguagem e se encontram transformadas em categorias psicossociolinguageiras, e, de outro lado, as cate- gorias linguisticas que se apresentam como instrucoes de sentido procedurais e que, consideradas em contexto e situacao particulares, tornam-se indicios possiveis de significacao psicossociodiscursiva numa pertinencia ora intern a, ora externa ao corpus. o problema de fundo, pais, sera: Sobre que nos apoiamos para fazer "tnierencias inierpreiatioas "] Eis ai porque dissemos anterior- mente que nosso ponto de vista era a do antropofago, que pode ser leva do a alimentar-se de certos conceitos tornados aqui e ali (tais como Iegitimidade, mercado linguisiico. proiecdo da face, encenacdo, negociaciio, marcadores, coneciores etc.) para tornar a servi-los transformados num outro lugar de pertinencia, num outro modelo, que seja estritamente linguageiro. Qualquer que seja ele, a primeiro movimento (do psicosso- cial a linguagem) leva a construcao do que denominamos modelo sociocomunicativo e, correlativamente, a uma definicao do objeto discursivo numa ieoria dos generos; a segundo movimento (da lingua ao dis curs iva) define urn procedimento de analise que con- sidera a texto como uma superficie semiolingiifstica composta de signos-ineirucoes que se tornam signos-indices em funcao das carac- teristicas do genera e da encenacdo do sujeito. Propomos, assim, explorar a que segue: qual e a fundamento da linguagem e qual a modelo dai proveniente. o QUE FUNDAMENTA 0 ATO DE LINGUAGEM 1 - A escolha de urn postulado Urn postulado determina e justifica a raciocinio que leva a construcao de urn edificio teorico e de sua metodologia. Urn postulado, par definicao, nao po de ser demonstrado, mas ele nao n<1SCl' do nada. Ele se elabora no espirito a partir de observacoes 22 ernpiricas que, colocadas em relacao umas com as outras, acabam por construir os pilares que constituirao as alicerces do edificio teorico. Evidentemente tais observacoes, par empiricas que sejam, nfio sao fruto do acaso. Sao a resultado de uma construcao in- telcctual que foi elaborada em torn a do estudo (au dos estudos) de urn fenomeno particular, ele mesmo objeto de uma estrutu- racao dependente das hipoteses que presidiram seu estudo. Trata- se da intertextualidade da ciencia em relacao a qual deve ser avaliado todo discurso demonstrativo e que, e evidente, impede a pesquisador de fazer a jogo da inocencia au da independencia (me sma quando escreve em prime ira pessoa). Queriamos, assim, apoiar-nos num certo numero de obser- vacoes para melhor justificar nosso postulado de intencionalidade. A prime ira observacao fala da necessidade de utilizar a nocao de "contrato de comunicacao". Ia se tera notado que entre as reacoes possiveis de urn inter- locutor vis-a-vis de urn locutor que the dirige a palavra, ha uma que consiste para a interlocutor em negar a seu proprio papel. Tal comportamento - que po de manifestar-se de modos diversos= - nega ao mesmo tempo a existencia do locutor: se nao ha TU, nao ha EU. 0 que nos leva a pensar que todo sujeito falante deve preferir encontrar-se em presenc;a de urn interlocutor que nao esteja de acordo com ele - porque so par esse fato ele a reconhece, ao menos, como parceiro de linguagem - do que de urn sujeito que, negando-se (circunstancialmente), nega as interlocutantes e, assim, a proprio contrato de comunicacao, . Concluir-se-a que uma das condicoes minimas para que exista urn tal contrato reside no fato de que as dais parceiros do intercambi? se reconhecam urn ao outro em seu papel de inter- locutante. E para reivindicar essa exist en cia do sujeito falante que se remete a expressao Eu niio falo para as paredes! A segunda observacao aborda a fenomeno geral do "mal- :ntendido". Os dais parceiros se reconhecem em seu papel de mterlocutor na medida em que produzem signos de intercambio (termos de referencia, replicas, interrupcoes etc.), mas, levan do em consideracao seu proposito, eles so podem constatar (mais ou menos conscientemente) que suas intencoes de comunicacao nao 22 Ver CHARAUDEAU (1984). "L'interlocution comme interaction de strategies discursivcs". In: Verbum, VII.Un. de Nancy II. 23 se encontram sempre refletidas (ilusao da transparencia) no proposito do outro. Entre os clash e as tentativas de "ajustamento consensual", nao pode deixar de operar-se nos sujeitos falantes esta tomada de consciencia: sobre a cena de comunicacao, 0 sentido circula com dificuldade, os personagens se entendem mal, se compreendem com atraso e respondem algumas vezes a uma replica que vern de outro ponto; para cada urn deles 0 outro nao e jamais 0 seu duplo, raramente aquele que ele pensava; 0 outro tern sua propria liberdade (ou alienacao) na construcao do senti- do; 0 outro e urn problema. Ao mesmo tempo, 0 sujeito falante sabe (surdamente) que, mesmo quando quer dizer tudo, ele nao pode faze-lo por definicao: porque ele mesmo nao e mestre dos efeitos que produz. Pode-se ver, ja aqui, 0 que nos distingue de Goffman na formulacao, Porque nos nao chegaremos a dizer que" 0 outro no ponto de partida e uma ameaca". Dizemos que, tomando conscien- cia do duplo fato que para comunicar ha necessidade do outro (EU so existe atraves de TU e vice-versa), e que ele nao po de domi- nar esse outro totalmente, 0 sujeito falante considera que falar e arriscar-se: a incompreensdo ou a negacao. A ameaca e 0 proprio ato de comunicacao. Testemunha des sa tomada de consciencia: 0 "falar des- conexo". As hesitacoes, repeticoes, diferencas de elocucao, reto- madas, antecipacoes e autocorrecoes as quais se po de entre gar 0 sujeito falante constituem a marca dessa situacao conflitiva na qual ele se encontra. A terce ira observacao se refere ao que se poderia denomi- nar aptoximaciio relacional. Tal fenomeno e correlato aos preceden- tes. 0 reconhecimenio reciproco dos parceiros, nao podendo ser urn dado de partida, e necessario construi-lo, e faze-lo socialmente. Dai 0 fato de os membros de uma comunidade se dotarem de indices relacionais que funcionam como signos de reconhecimento a priori. E 0 que alguns denominam indices eticos e contribuem para a construcao da mascara social (codigos de polidez) que justifica o papel dos interlocutantes. Reencontram-se aqui os elementos da [uncao fatica de [akobson, assim como as Iimitaciies dos rituais de abordagem de Coffman, que so consideramos como marcas de urn compor- huncnto rcvelador do problema da legitimidade. 24 A quarta e ultima observacao se refere ao que se poderia denominar a pertinencia do saber. E 0 fato de que nenhum sujeito possa falar sem referir-se explicitamente ou implicitamente a urn dominic de saber pre-existente. Simplesmente porque outros ja falaram e, a forca de falar, sedimentou-se urn saber (de maneira mais ou menos frouxa, mais ou menos constituida), saber esse que se torna, na instancia me sma da profericao de urn nova palavra, referencia dessa quanta a seu conteudo, E 0 que a tradicao da analise do discurso denomina interiexiualidade. Em consequencia, para evitar ser desqualificado, todo sujeito falante deve empenhar-se para que 0 interlocutante possa atribuir pertinencia a seu proposito, ligando-o a urn certo dominic do saber. Assim, ele nao podera ser criticado de "falar para nada dizer". Essas observacoes nos levam ao problema do reconhecimenio do sujeito, em seu estatuto de ser comunicante. E necessario que lhe seja reconhecido 0 dire ito a palavra. 2 - 0 postulado de intencionalidade: 0 direito a palavra Trata-se de que 0 sujeito falante - comunicante ou inter- pretante - seja reconhecido como sujeito falante. Isto e, ja que ele e admitido segundo urn outro postulado basico (fundamentando a significacao segundo 0 principio da percepcao das diferencas), ele nao e 0 sujeito falante sem 0 outro - nada de locutor sem inter- locutor, nada de EU sem TU -, ele necessita de que cada parceiro do ato de comunicacao seja reconhecido pelo outro como digno de ser escutado, em outras palavras como tendo direiio a palavra. E a relacao com 0 outro que fundamenta esse direito. Com essa unica condicao podera ser suposto que 0 sujeito falante nao e aliena do, ele nao escapa ao criterio de normalidade do humano, e entao sera possivel atribuir uma pertinencia in ten- cional a seu plgjeto dejala . .--.--~-~ As hist6rias de loucos existem precisamente para testemu- nhar 0 contrario do que e a ausencia de pertinencia intencional: 0 sujeito falante nao pode ter projeto de fala fundado em razao. Para salvar (recuperar) a historia de louco, e preciso proceder como diante da poesia: dar-lhe a possibilidade de discutir 0 criteria de normalidade social, discussao que permitiria entrever a perspectiva de urn outro lugar de pertinencia e, assim, de uma outra signi- 25 ficacao do mundo. E para que essa nova significacao possa se impor seria necessario que 0 sujeito-louco fosse legitimado por urn estatuto qualquer de poder, e tornado crivel por urn certo saberfazer, sem 0 qual ele seria desqualificado pelas etiquetas do genero: "doce sonhador", "utopico" etc. Em qualquer caso, encontram-se aqui reveladas as tres c~:mdi<;6esque fundamentam 0 direito a fala: ~--. a) uma e relativa ao Saber: sera denominada reconhecimenio do Saber; b) outra e relativa a posicao de Poder do sujeito: sera deno- minada reconhecimento do Fader; c) a terceira e relativa a competencia do sujeito: sera deno- minada reconhecimento do Saber faze1'. o reconhecimento do Saber o dorninio do saber e 0 lugar onde circulam os discursos de verda des e de crencas. Mas nao se trata aqui de urn debate filosofico em tor no do Verdadeiro e do Falso destinado a fundamentar 0 Conhecimento, nem de uma regra de conversacao (quase deon- tologica) Que a contribuicao seja ueridica (Grice), nem de uma condicao pragmatica de sinceridade - que nos vern da retorica classica - e que consiste em afirmar que deve-se crer no que se diz (ponto de vista subjetivo) e que a que se diz vale pela verda de sabre a mundo (ponto de vista objetivo). Trata-se aqui, entao, da definicao de urn dominio em termos de discurso sabre a mundo. Os sujeitos de uma comunidade social, a forca de trocar praticas discursivas e representa<;6es sobre essas praticas, acabam por construir (sedimentacao progressiva) significados consensuais. Esses constituem os pontos de referencia que permit em aos parceiros da comunicacao movimentarem-se nas repreeeniacoes supostamente partilhadas (RSP) concernentes a percepcdo do iangioel (consenso sobre 0 mundo fisico), a experiencia do vivido (consenso sobre 0 mundo dos afetos e sobre 0 mundo das acoes), a prova do raciocinto (consenso sobre 0 mundo do intelecto ). Estes consensos nao sao /I a verdade" sobre 0 mundo. Eles /I sao", simplesmente. E, em sendo, ocupam 0 lugar de uma verda de ndlida segundo urn mais ou menos forte grau de ueroesimilhanca, a vcrossimilhanca sendo ela mesma definida como opiruuiel majo- 26 l:itar~a,. grupal ou social, ~e que fala Barthes. E assim que e ne- cessano entender nosso discurso de uerdades e de crencas: discursos como contratos de p~odu<;ao / reconhecimento construidos por consensos, que permitern a cada urn dos interlocutantes tomar posicao, isto e, proceder a uma operacao de validacao. . Nada nem ninguem pode obrigar urn sujeito falante a ser smcero, nem a crer no que ele diz. Em troca, ele e obrigado, se ele ~uer ser reconhecido como tal, a mostrar que seu proposito esta hga~o a um_certo dorninio do saber em relacao ao qual ele sera avahado. Nao se trata entao de uma crenca polarizada sobre 0 Verdadeiro / Falso ou sobre 0 Bern / Mal etc., trata-se de uma cren<;~sobre a existencia de urn certo discurso, 0 qual pode ser pol~nzado sobre urn desses eixos. As reflex6es do genero Ele sabe / nao sabe do que fala tern por funcao discursiva confirmar / desn;e.ntir 0 conhecimento que 0 sujeito falante pode ter do dominio do saber em questao. Estudamos em 1982 uma publicidade cujo texto dizia: Eis OBERNAI. A primeira grande ceroeja que coniem 1/3 de calorias a me- nos. ~izer qu.e, para compreender essa publicidade, e preciso que o~ leltor~s salb~m que na. s~c~eda?e a qu~ se relaciona essa publi- cidade e valonzada a dieieiica, e propnamente referir-se a urn dominic de saber que e configurado sob forma de dis curs os mais ou menos explicitos. E, no entanto, nada obriga a crer na virtude ou beneficios da dietetica, Basta poder reconhecer a existencia desses discursos. Veremos mais longe que, a esse dominio do Saber, corres- pondem 0 que nos chamamos 1J)liJJ.el·sg~!!e.4ist;:_l_I:rsq:Porenquanto, lemb:e~os que este reconhecimento do ponto de vista do Saber eontribui para fundar a legitimidade do sujeito falante, seu direito a palavra. o reconhecimento do Podenalegitimidade socioinstitucional . . Os indi~i~uos de .uma sociedade nao sao, enquanto atores iocla~s, seres umcos e simples. Porque eles participam de varios r.mms de relacao, sao levados a ter comportamentos divers os e a descmpenhar papeis diferentes uns dos outros, papeis que, em tro~a, lh~s dao status espedficos. Isso nao e novo, pelo menos em "oclOlogia e em psicossociologia. 0 que ainda nao foi suficien- temente definido sao os conceitos de identidade, de papeis e de 27 esiaiuios num quadro linguageiro, isto e, quando os atores sociais sao ao mesmo tempo sujeitos que comunicam. Os atores sociais s6 sao aqui considerados desde que embar- cados nos intercambios linguageiros. N6s nos situarnos, assim, integralmente, numa problematic a linguageira (e nao sociol6gica nem psicossociologica, mesmo que esses pontos de vista sejam levados em conta), numa problematica de duplo espa<;:oexterno / interne, de que ja falamos, e que faz com que 0 sujeito seja impregnado de realidade psicossocial, mas no jogo comunicativo que 0 define. Assim, pode-se anunciar, como faz Parret (1983), que II a teoria de discur so nao e uma teoria do sujeito antes que ele enuncie, mas uma teoria da insiiincia da enunciacdo": Se, por exemplo, um medico pergunta a um paciente 0 se- nhor fuma?, nao e a totalidade de seu estatuto socioprofissional de medico que esta aqui em causa. S6 uma parte dele deve ser consi- derada, aquela que define 0 medico como expert em medicina capaz de estabelecer um diagn6stico. Mas se esse mesmo medico coloca a questao a um colega que ele encontra durante um congresso, nao sera mais segundo a mesma parte de estatuto que ele havia mobilizado na situacao precedente. Ese, enfim, ele coloca a mesma questao a seu vizinho de mesa numa confeitaria, nada de seu estatuto socioprofissional sera percebido por seu interlocutor. Numa problematica linguageira, nao convern utilizar so- mente 0 estatuto sociol6gico de maneira apriorista e sistematica, como fazem as teorias correlacionistas. Trata-se de poder prestar contas de sujeitos que se definem numa inter-relacao entre, de um lado uma ideniidade psicossociol6gica, e de outro um papel lingua- geiro que n6s denominamos comunicacional. Assim sera analisado o fenomeno da construcao do sujeito II por inferencia sobre a pes- soa empirica, suporte da enunciacao (...) das caracteristicas psi- col6gicas e sociais da enunciacao" 23. E, assim, nessa inter-relacao e somente nela que pode ser julgado 0 bom fundamento da palavra e a legitimidade daquele que a profere. Nao e 0 estatuto socioprofissional que faz auto- ridade, senao um sujeito seria investido ou nao de autoridade por seu estatuto, e isso, qualquer que fosse a situacao de comunica- cao, Nao e mais do que uma parte desse estatuto, em relacao com um papellinguageiro, que faz autoridade ou nao. zT(~T!ARROL, C. (1990). Op. cit. 28 Isso nao deve impedir a constatacao de que, algumas vezes, essa inter-relacao pode ser mais ou menos sobredeterminada pelo polo socioinstitucional, como no caso dos performativos em que 0 poder de dizer coincide com 0 poder de [azer do sujeito comunicante. Mas nao se perdera de vista que esse poder de fazer depende da situacao de comunicacao: 0 "Presidente da Republica" em pessoa nao tem outro poder em seu dizer, a nao ser 0 que the confere 0 s~u estatuto de consumidor, se ele se encontra numa loja, inc6g- nito, comprando um produto qualquer. Evidentemente as coisas nao sao assim tao simples, porque 0 estatuto social, fora da situa- c;ao de comunicacao, po de influenciar 0 sujeito comunicante e iransparecer; e necessario ainda que 0 interlocutor conheca este estatuto para que ele possa exercer uma influencia sobre 0 jogo do intercambio linguageiro. Logo, a legitimidade vem ao sujeito, nao somente do espa<;:oexterno, mas do grau de adequacdo que se esta- belece entre a identidade psicossocial do sujeito (espaco externo) e seu comportamento enquanto ser linguageiro, comunicante (espaco interno). Resta ver 0 que assegura essa adequacao (ou inter-relacao) . o reconhecimento do Saberfazer: a Credibilidade o duplo reconhecimento que da ao sujeito falante uma Jegitimidade ?e Saber e de Poder nao e suficiente para fun dar 0 direito a fala. E necessario urn outro reconhecimento, 0 que permite julgar 0 sujeito competente em sua acao de sujeito que comunica. -ful:tJJ83, apresentamos 0 conceito de projeio de fiala como 0 que define o-suj-eif()I~J~rif~:~~!1j~u~Ji1Ti.nfTiinf£l1dqf{e""c9;:n~;;i~qtlva (seja ela consciente ou nao). E~se conceito vai a~e~c~~tro cla postulacao de reconhecimento do Saber fazer. De fa to, 0 projeto de fala do sujeito falante nao e uma construcao abstrata, uma pura intencionalidade desprovida das circunstancias de comunicacao. Ao_cQutr?ri?, ela depende partkularmenJ~,_cl~ 1l!l1: !~_c:!9!_A:<:)que entao c:hCl-l11a.v:a.rnosocontratodefalatql1~ __e?ta ligi:lcl9aurrlCl- __~itua<;:ao de comunicacao Pi:ll'tic:ular;deoutr()ladocdc) qlle ch(ln;~gto_?(_q~sde 1981,0 olhar avalladorqueJiga econstituios S_!1j~i!()s_interlocutantes. Em outras palavras,_S!}:J_roj_etodeJaIa e 0 resultado de um "ato conjunto"24, gue se faz num Il1oviment()de vai-e-vemco~stante entre 0 espa<;:oextern~ e internO da cena comunicativa. E na apti- uJACQUES, r. (1982)_ Op. cit. 29 dao em saber ligar esses dois espacos e seus componenies que po de ser julgado 0 Saber fazer do sujeito e que pode ser reconhecida sua cornpetencia enquanto sujeito tendo um projeto de fala. E 0 que lhe dara credibilidade, sem a qual, nao obstante toda legitimidade que possua pelo Saber ou pelo Poder, ele nao sera entendido, e nao the sera reconhecido, de fato, 0 direiio a palavra. Ve-se que estamos longe da posicao de Bourdieu: nem tudo e jogado no pre-aio de enunciacao, e 0 sujeito falante nao e sim- plesmente 0 porta-palavra de uma posicao de poder. E mesmo no caso onde pare<;a que a posicao socioinstitucional seja sobre- determinada, nada esta definitivamente jogado, porque ela podera ser rediscutida por um certo Saber Fazer (perda ou ganho de credibilidade). Mas nao se dira, ao contrario, como parece fazer Kerbrat- OrecchionP5, que as posir;;oes baixas ou altas dos sujeitos, deter- minadas pelos intercambios linguageiros, nao sao mais que fatos do discurso sempre recuperaveis nas marcas discursivas. Na verdade, 0 fato de escolher uma lingua e nao outra, 0 tu e 0 vos, de falar muito ou pouco, com uma elocucao rapida ou lenta, de escolher questionar, recusar ou aceitar uma opiniao etc. (sao esses os casos apresentados por Kerbrat-Orecchioni), nao pode ser julgado como colo cando 0 sujeito em posicao alta ou baixa, ~g_ n.~_ose levam em conta asidentidades psicossociais dos parceiros e d'Os.~qn~raf()sd~ comunicacao que lhes atribuem.p~peis d~fer- minados. Basta citar aqui 0 caso da entrevista radiofonica: I1ogenero eiiuacionul, a identidade socioprofissional do entrevistador assim Col)1O a-papd linguageiro do sujeito questionador que the atribui .o 90n- iraio dejala impedem (salvo cas os de comportamento anormal) encontrar na formulacao das perguntas traces deposicao alta ou baixa. o fojeto de fala"ds sujeito falante e construido em torno de um certo numero aeob}etivos que VaG engendrar 0 mesmo numero de gpjefL7J_QsC_9?J1Yl1lcCltiILQs26. Pode-se citar quatro: factitivo, informativo, persuasioo, seduior, dos quais daremos as grandes linhas. Factitivo, este objetivo corresponde a uma finalidade de :----- ....--.-.y ...--.~.~--.-- •...-•.. -----~ ...----- -'-'. ' . _". ~'-'---'~ C;;;KERBRAT-ORECCHIONI, C. (1990). Les interactions oetbales. Tome L Paris, Armand Colin. ;'r, Em fmnc0s, 0 tcrrno uS<l~~EeJa~I!~~r_~_1:I~s~::~~~llllic~!i:v-,-,~.(N. de T.) 30 Irtllnipulqr;qo 40 ?l:':t.rQ. p?<ra0 J(:lzer agir num sentido que seja lavoravel ao Stlj~it9f;:lJCll1te.Ele consiste, para 0 sujeito falante, em lazcr ll!_zel~_oq.~_gt_J(l_!:t;l~_dlzer qualquer coisa a um outro, seja ordcnando, se ele tem uma posicao de poder, seja sugerindo, se de nao a possui. A comunicacao publicitaria, por exemplo, se inscreve num contrato situacional onde 0 parceiro publicitario nao esta em posicao de autoridade para ordenar ao consumidor potencial que compre determinado produto. As.si:rn,_ap-ll_Q1!c:~q,ade poderatersimultaneamente tanto JJmQb.jeJiYQ~:lg..l?~;rStl<:l.?~.Q~como urn obj~tivo (:Ie seducao (jogo_ de palClv_ras,n~rrativas mais ou menos mitiC::Cl?tapelosaos sentidos, .elogio do gost()! prazer de convivencia etc.) para in sitar oleitor da publicidade aapropriar- se do produto elogiado. ~ __C.2'P: E~li:l<;~()..i:l esse. gbjetivofactitivo que convern estudar os intercambios linguageiro~ de negociacao, porque esses colocam em acao parceiros que desempenharn um papel de sujeito inciiador. . (i;;Iil:~'~-tTv9)0 ())?j~tiV()corresponde a uma finalidade de transmissii~ deSaber, que consiste,para 0 sujeito falanteem fazer sabet.Cl!g~~i:1:_c:o~~Cl.Cl9 Q:t!!ro. Este objetivo repousa sabre-tim principio de novidade, como ideal de saber fazer: 0 fato de trans- rnitir ao outro um fragmento de saber que este parece ignorar. Desse modo, 0 sujeito falante tem um papel (arquetfpico) de prover informacao, cuja validade depende da relacao com 0 outro. Nada de mais constrangedor, de fato, para 0 sujeito que pretende informar, que a replica: Eu ja sabia. Assim tambern as replicas do tipo Ele diz sempre a mesma coisa, Todo 0 mundo ja sabe disso, Nada de novo etc. tern por funcao dis curs iva desacreditar 0 sujeito que e 0 alvo, torna-lo inexistente quanta a seu papel de sujeito informante. Em troca, se os diferentes suportes da midia correm depois do scoop, e porque um dos aspectos do contrato de comunicacao sobre o qual repousa a sua credibilidade e precisamente este [azer saber. Reencontram-se aqui certas leis do discurso propostas por Ducrot e maximas conversacionais propostas por Grice. De fato as regms de exaustividade e de quantidade respondem a necessidade de definir uma especie de razao de ser minima da proliferacao da palavra: se nada de mais do que sabe 0 interlocutor e dito, entao nao ha nenhuma razao de falar. E nesse sentido que essas regras se encontram integradas, deixando de lado a relacao maximo de informm;iio I maior economia da maxima de Grice, lembrando que qualquer que seja a exaustividade ou a quaniidade deste principio, 31 este depende do contrato que liga os parceiros de comunicacao. Enfim, precisemos que esse principio de informacao po de referir-se a transmissao de saberes relativos: a fatos (0 que e percebido do ponto de vista da qualificacao: ele tem quinze anos, ou da acao ele partiu), a experiencias (Se voce falal' antes dele, ele ndo dira nada), a conhecimentos (A America foi descoberia em 1492), ou a isso que Searle denomina estados iniencionau/" (introduzidos por Eu creio, eu espem, eu desejaria etc.). , Pers.@fJiPPL 0 objetivo corresponde a finalidade de controle .do outro pelo-Yi~,~'L,<:liOl.E.~~~9,~!iI~.<:l:.'l:de,que consiste para 0 sujeito falante emJazererer aIguma coisa ao outre. Este objetivo repousa sobre urn princfpio de nao-contradic,;ao, de rigor logico, de vcrossimilhanca de proposito, como ideal de saber fazer, que permite fazer 0 outro aderir a seu proprio universo de discurso (verdades e crencas). Evidentemente nao se trata aqui de imagens de nao-contradicao e de verossimilhanc,;a, que os parceiros sao suscetiveis de partilhar socialmente como ideal de persuasao. Este objetivo podera engendrar os comportamentos dis cur- sivos de argumentacao. de composic,;ao, de organizacao do texto etc., todas coisas que tendem a confirmar 0 papel de sujeito persuasioo, isto e, de sujeito provando 0 verdadeiro. Reencontram- se aqui certas leis do discurso e maximas conversacionais: a homogeneidade, logica, progressao. clareza, falar a proposito, sao nocoes que participam do fazer crer, e que nao se deve passar a conta do fazer saber. Pode-se fazer saber sem ter que fazer crer e vice-versa; mas evidentemente os dois podem tambern combinar- se, mesmo sobrepor-se num mesmo enunciado. Falta observar, enfim, que esse objetivo deixa ao parceiro mais possibilidades interlocutivas que 0 precedente; em relacao ao saber fazer ele so pode mostrar que sabe ou nao: em relacao ao [azer crer ele pode, alern disso, conte star e contra-argumentar. S~pr, 0 objetivo corresponde a finalidade de controle do outre, mas neste caso pelo vies de a:gradar. EJe c_DIlsiste,para ,0 sujeito falante, em fazer prazer ao outro. 0 principio que define essa atividade consiste em acionar 0 outro, a faze-lo "sentir" estados emocionais positivos, como ideal de saber fazer. ~e objetivo produzira comportamentos discursivos de nao-racio- .-.--"--.------"--~-.-"-,,.-----,-,.-.----,--.--. .--".._." ... , ...- ... ,_ ..•.. , .•..... ,.... _ ..... _- 27 SFARI.E, J-R. (1991). "L'mtentionalite collective". In: La communaulc en paroles. Bruxelles, Mardaga. ualidade; ..de nao-ve!o~siI.J1ilh(;l,l1S:a.:(ou de uma verossimilhanca fit'cional), todas essas coisas que tendem a construir imaginaries (mais ou menos miticos) nos quais 0 outro po de projetar-se e com os quais pode identificar-se, E para responder a esse objetivo que os membros de uma cornunidade social se dot am de indices eiicos (codigos de polidez) que constituem prevencoes canty'a'as possiveis tensoes que poderiam provo car os intercambios linguageiros. E igualmente a esse objetivo que devem ser ligados os comportamentos humo- rfsticos (piadas) e mais globalmente os jogos de palavras. Este ebjetivo se realiza por rneio da narraiioa, das qualijicacoes, das aoa- lialloes e.dos julgamentosconsensuais(mais ou menos estereotipados) .obre tudo 0 que e de ordem hedonica ("os sentidos") e estetica ("0 gosto"). ' d . Concluindo esta descricao dO,p()!'tl-llado de intencionalidade, iremos: - qU~_C:l.~giti111idadei pre-determinada e.naonegociavelno qlle ela e q'lclaJ1Q S'lli€!t9 (seja por efeito - "Ele fala como um X" ::1..§~i~.PQr~l1it;rencia- "Eu sei que e um X"), a partir da posicao que ele ocupa nas diferentes redes de praticas sociais. Essa legitimidade pode apoiar-se sobre uma auto- ridade que procede do Saber e do Poder. Dir-se-a que essa posicao confere ao sujeito comunicante uma identidade socioinstitucional que so pode ser julgada em relacao com seu estatuto linguageiro. - qg_~.~__c;r~E@ilidJJd.c.t_gm.Jroca,....nao ...e .pre~determinada. Ela n~Q_~,_,c!Cl<:la'll1as(l_dqtliEida,e po de ser, a to do momenta, rediscutida. §la representa uma capacidade de capiializat uma auioridade de fa to, pela demonstracao de um saber fazer (competencia). Ela e, dessa mane ira, fundadora do direito a palaora, ja que a legitimidade tem necessidade de ser con- firmada por ela e, as vezes, esta po de ser rediscutida por aquela. 33 A ESTRUTURA<::Ao SOCIOLINGUAGEIRA E 0 QUADRO METODOLOGICO 1 - Urn rnodelo de estruturacao Urn ato de linguagem, como acabamos d.e ver, indic~ uma intencionalidade, ados sujeitos falantes, parceiros de u~ ~nter- cambia. Depende da identidade deles, resulta de u~ ob]e.tzvo de iniiuencia, e portador de urn prop6sito sobre °mundo: Alem dlSSO,s: realiza num tempo e num espa<;o dados, determmando a que e comumente denominado siiuaciio. Eis porque, para que urn ato de linguagem seja valid~ (ist~ e, produza seu efeito de comunicacao, realize. a tra~sa<;ao), e necessaria que as parceiros se reconhecam obngatonamente a direito a palavra (0 que depende de sua identidade), e que .eles possuam em comum urn minima dos saberes colocados em. Jog~ no ato de intercambio linguageiro. Mas ao me smo tempo - e lSt~ e devido particularmente aos principos de influencia e de regulacao - esses parceiros tern uma certa margem de manobra que_lhes permite praticar estrategias, Dir-se-a entao que a estru:ura<;ao de urn ato de lingua gem comporta dais espa<;os:!!mqtle ser~ ~hama_do espfIqo de limitaqoesrporqueele compreende as dad~s illlmmo~_~~s quais e necessario-satisfazer para. que .0. ato de,Jl:f\gu,::gel1:_lseJa valido outre que se denominara espaqo ti~~.st.l·£!t~g!(l~l£()Eqg~.~le corresponds as possiyeis escolhas" que as sujeitos podem fazer na encenacao do CltO delinguagern. Enfim, se se acrescenta que a principia de pertinenci~, que implica ato de reconhecimento reciproco da parte dos parce~ros_e saber comum, ultrapassa largamente a instan~ia. de enunciacao do ato de linguagem e inclui todo urn saber prevlO sabre a expe- riencia do mundo e sabre as comportamentos dos seres humanos vivendo em coletividade, saber que nao e necessariamente expresso mas que e necessaria a producao e ~ompreensao do ato de linguagem, entao se dira que este se realiza num duplo espa<;o de 34 significancia, externo e interno a sua verbalizacao, determinando por issa mesmo dais tip as de sujeitos de linguagem: de uma parte, (IS parceiros, as interlocutores, as sujeitos agindo como seres sociais possuindo intencoes - as que designamos sujeito comunicante e sujeiio tnierpreianie; de outra parte, as protagonistas, as intra- locutores, as sujeitos seres de fala, responsaveis par seu ato de enuncia<;ao - as que designamos (sujeito) enunctador e (sujeito) des- linaidrio . E se ha relacao de condicionamento entre esses dais ti- pos de sujeitos, nao ha, no entanto, relacao de transparencia absoluta. Essa serie de hip6teses definindo a ato de linguagem como nascendo de uma situa<;ao concreta de troca, demonstrando uma intencionalidade, organizando-se ao redor de urn espaco de lirnitacoes e de urn espaco de estrategias, e significando numa interdependencia entra.nm.espaco externo e-um espaco interno, nos leva a pf(?p()r.1J.I!l.llJod~10.(:ig~strutura<;aQ.emJ.r€s.D.iveis: - a niYeldo.,s.itY(lf!.Q!:lEI.l.guese ocupa dos dados de espaco extern 0, e que constitui ao mesmo tempo a espaco de Iimita<;oes do ato de linguagem. E a Iugar onde sao de- terminadas: a firzalid(lc1.r;g.Q_atode linguagem, que consiste em responder a pergunta: para que dizer ou fazer?; corre- lativamente, a identidade dos parceiros do intercambio linguageiro, respondendo a pergunta: quem fala a quem?; sempre correlativamente, a dominio do saber veiculado pe- 10objeto de intercarnbio, respondendo a pergunta: a pro- p6sito de que?; enfim (mas nao se trata de uma cronologia), a dispositivo constituido de circunstancias materiais do intercambio, respondendo a pergunta: em que quadro fisico de espaqo e tempo? - c:>~~_.clQ.£omunicaciorzaL Iugar onde sao determinadas as maneiras de [alav (escrever) em funcao dos dados da si- tuacao, respondendo a pergunta: como dizer? Corre- Iativamente, a sujeito falante (seja ele comunicante ou interpretante) se coloca a questao de saber que "papeis linguageiros" ele deve ter que justifiquem seu "direito a palavra"(finalidade), rnostrern sua "identidade" e Ihe permitam tratar de urn certo tema (prop6sito) em certas circunstancias (dispositivo). - a .I1i~:l...<i()_di."~ZJ._l:~~'lJO constitui a Iugar de intervenc;ao do 35 sujeito falante, tornado sujeito enunciador, 0 qual deve satisfazer as condicoes de legitimidade (principio de alte- ridade), de credibilidade (principle de pertinencia) e de capiaciio (prindpios de influencia e de regula~ao), para realizar urn conjunto de "atos de discurso", isto e, final- mente, urn texto. Este e feito com 0 auxilio de urn certo numero de meios linguisticos (categorias de lingua e modos de organizacao discursiva), em funcao, de urn Ia- do, das limitacoes do situacional e das possiveis maneiras dedizer do comunicacional, e, de outro lado, do "projeto de fala" proprio ao sujeito comunicante. Com isso, 0 sentido de urn texto produzido sera, por urn lado, sobrede- terminado pelas limitacoes da situacao de troca e, por outro lado, da especificidade do projeto de fala. Por exemplo, toda publicidade devera comportar os indices Iinguisticos e semiologicos do seu quadro de limitacoes (0 que a faz ser reconhecida como publicidade), mas, por outro lado, cada publicidade escolhera sua estrategia de captacao. Para fazer isso, 0 sujeito comunicante fara escolhas que serao reveladoras de sua propria finalidade, de sua pro- pria identidade, de seu proprio proposito, e que permi- tirao construir sua propria legitimidade, sua propria credibilidade e sua propria captacao. 2 - 0 quadro metodo16gico A analise do discurso, do ponto de vista das ciencias da linguagem, nao e experimental mas ernpfrico-dedutiva". Isso quer dizer que 0 analista parte de urn material empirico, a linguagem, que ja esta configurada numa certa substancia se~iologica (verbal), e e tal configuracao que ele percebe e pode mampular para deter- minar, por meio da observacao das compatibilidades e das incom- patibilidades de infinito possivel das combiriacoes, os cortes formais simultaneamente as categorias conceptuais que lhes correspondem. Urna analise do discurso deve entao determinar quais sao os seus objetivos em relacao com 0 tipo de objeto que ela se constr6i, ""J Vr-r,;'I~~-~;;-~picmento,nosso artigo na revista Langages, n? 117, Paris, Larousse, 1993. 36 equal e a instrumentacao que ela utiliza em relacao com 0 caminho que escolhe. Objetivos e tipos de objeto Em termos de objetivo, urn dos problemas que se colocam para a analise do discur so e 0 seguinte: procuram-se descrever as caracteristicas gerais do funcionamento do dis cur so em geral, ou as caracteristicas particulares de urn discurso particular, isto e, de urn texto? A prime ira opcao corresponderia a uma perspectiva an- tropologico-social. Trata-se de descrever os comportamentos lin- guageiros proprios aos individuos que vivem em sociedade, que sao levados a reagir sempre do mesmo modo quando sao inseri- dos nesta ou naquela situacao de comunicacao, E a tendencia seguida pela filosofia da lingua gem e uma parte da etno- metodologia". Tal perspectiva coloca uma dupla questao: 0 que e que permite dizer que as caracteristicas descritas possuem urn tal grau de generalidade? Elas foram submetidas (idealmente) a prova da confrontacao com urn grande numero de situacoes de inter- cambio (diversas no tempo e no espaco)? Correlativamente, e se e assim, qual pode ser a utilidade de analise de categorias tao gerais? A segunda opcao corresponderia a uma perspectiva de analise textual. Trata-se de centralizar-se sobre uma realizacao particular (urn texto), para ten tar descrever, da maneira mais exaustiva possivel, os traces que a caracterizam. E uma outra tendencia da etnometodologia e de certas analises de texto. Tal perspectiva coloca igualmente duas questoes: 0 que e que se pode retirar de fatos particulares se eles nao nos mostram os mecanis- mos recorrentes que presidem a fabricacao de textos? Correlativa- mente, esses fatos particulares nao dependem de regularidades que foram instaladas e que, organizando os intercambios, obrigam os analistas a leva-las em consideracao?" As respostas a essas perguntas sao dadas pel os pesquisa- dores, porque todos sabem que 0 caminho de analise e duplo - do particular ao geral e do geral ao particular. Isso nao impede que as 3D Conceitos como os de proieciio da face e mdximas e regras participam dessa tendencia, 31 Por exemplo, uma tomada de palavra, numa interlocucao, nao tern sentido somente em funcao do que precede ou segue, mas tarnbern em funcao do que na situacao a torna possive!. 37 tendencias privilegiem esse ou aquele processo e i.n~uzam assim esse ou aquele modelo. Daremos aqui a nossa pO~I<;ao. Nosso objetivo de analise do discurso c~nsls:; em le~ant~r as caracteristicas dos comportarnentos linguage~ro~ ( como d~er ) em funcao das condir;oes psicologicae que as limitam seg~m ? os tipos de snuacao de intercambio ("contrato"). A.perspe~t~va e as- im dupla numa relarao de reciprocidade: quaIS condicoes paraSI ,'s , . . porta uais comportamentos linguageiros posslVel.s, _e q,-:als c~m _- ~entos linguageiros efetivos para quais condl<;oes.E ~r:clso entao que se disponham os meios de estudar essas condl<;oes e esses comportamentos. Condicoes e contrato de comunicar;Cto . _ ,- truturadas em contrato deAS_c;gry:llr;oes, para nos, sao es _. '__ ; .-- - comunicaqiio, 0 qual preside a toda pro~u<;ao lmguage~ra. Par~ desciev@-i~s, e preciso reunir as producoes que ". supoem ~er tencer ao mesmo tipo de situacao. no que se denomma um Cal pus de textos. Esse trabalho e feito simultaneamente po~ u~ levan- tamento empirico das constantes que possibilitam reurur tats textos (por exemplo, para a publicidade, relaci.o~am-se ~s c~nstantes: roduto, marca, slogan, agencia de ~ubhCldade, difusao). e por kvantamento tambem empirico as diferenr;as entre esses tex.tos e os textos que a eles se assemelham, mas que possuem 0 conJunto de constantes anterior mente assinaladas (por exemplo, ~s textos de propaganda politica). Estabelecem-se ass~n: as frontelras que circunscrevem, no ponte de partida, urn (ou vanos) cor~us de textos relativamente homogeneo Esse duplo trabalho determm~ u~~ das condicoes que consideramos fundamentais para a,~onshtUl<;a~~e e que e'constitutiva do processo de analise: a condicaourn corpus, de "contrastividade". Desse modo, 0 estudo de caracteristicas discursivas pro?r~as h m tempo quais sao as condicoesa esse corpus testemun a ao mes 0 . do contrato de comunicacao. na medida em que e~as os rea~IVam ou os transgridem, e quais sao as estrategias.propnas (consClentes ou nao) ao projeto de fala do sujeito comumcante. Uma tipologia . o objetivo global estando determinado (na~ s~ :rata aq~l de hip{ltcses), resta pre cisar alguns criterios de conshtUl<;aodo COl pus. 38 o estabelecimento de fronteiras que acabamos de evocar remete a possibilidade de agrupar os textos segundo certos criterios de semelhanca, isto e, construir uma tipologia. 0 problema e que nao ha uma so tipologia de textos, mas tantas tipologias quantos sao os criterios estabelecidos. Tudo depende do que se escolhe: as formas, 0 sentido, os mecanismos, E, alem disso, quais formas, qual sentido, quais mecanismos? Correlativamente, coloca-se 0 problema da hierarquizacao desses tipos (ou desses generos) uns em relacao aos outros: 0 que e que identifica 0 modele geral e 0 que e que identifica 0 subtipo ou subgenero? o que nos propomos e construir uma tipologia, nao de formas nem de sentido, mas de condicoes de realizacao dos textos - isto e, os coniraios de comunicacdo -, considerando que existem contratos mais ou menos gerais que se ligam uns nos outros e que cada urn deles pode dar lugar a variantes. Por exemplo, 0 contrato de comunicacao "propagandista" engloba contratos particulares como os do "discurso publicitario" e do "discurso eleitoral" e, no interior do discurso publicitario, encontram-se variantes como a publicidade de rua, de loja ou de televisao. Do mesmo modo, 0 contrato de comunicacao do "debate" se liga a contratos particu- lares como os do "debate da midia", 0 "debate cientifico", 0 "debate politico" (parlamentar), e, no interior do "debate da midia", encon- tram-se variantes como 0 debate "cultural", 0 debate de "socie- dade" ou" talk show". Urn modelo assim
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