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Aula 1 - Constitucionalismo - Dirley da Cunha Junior

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Direito Constitucional I
 Prof. Dirley da Cunha Júnior
Constitucionalismo
Conceito: Movimentos históricos de natureza política e filosófica, inspirados em ideais libertários, fundamentais para a consolidação de teorias constitucionais por defender, desde sua origem e ao longo de séculos, a necessidade de limitação de poder absoluto e da criação de um regime de proteção das liberdades individuais. Difere-se da Constituição por essa estar em um contexto estático, escrito e consolidado, enquanto o constitucionalismo é um processo dinâmico de construção permanentemente histórica. Independente do período e do lugar, o constitucionalismo sempre defendeu a fundação de modelos políticos fundamentais da sociedade baseados na manutenção do poder do governante e na proteção dos direitos das pessoas governadas, apresentando modelos ideais de governo com um sistema que promovesse o equilíbrio nas relações de poder entre governantes e governados. Ele não se opõe a existência do poder, compreendendo seu caráter inerente às relações humanas e, portanto, inevitável enquanto fato social, mas é contrário a o exercício abusivo e absoluto do poder, exigindo a existência de meios limitantes a esse a partir dos modelos ideias. Dessa forma, não pregava o constitucionalismo, a elaboração de Constituições, até porque onde havia uma sociedade politicamente organizada já existia uma Constituição fixando-lhe os fundamentos de sua organização. O principal objetivo desse moimento encontra-se no equilíbrio das relações políticas entre os polos de poder através da limitação da atuação dos governantes e da garantia das liberdades dos governados.
Origem: Segundo Karl Loewenstein, inicia-se em aspectos da organização política do povo hebreu durante a antiguidade clássica em razão do regime teocrático imposto que se propôs a limitar o poder dos governantes conforme os princípios religiosos (“Lei do Senhor”) que concediam, mesmo que de forma arcaica, o estabelecimento de um regime de liberdades individuais.
Desenvolvimento:
Constitucionalismo Antigo: Há um destaque aos modelos ideais políticos na Grécia Antiga e na Roma Antiga. Em Atenas, especialmente, por mais de dois séculos (V a III a.C.) se adotou, alinhado ao pensamento constitucionalista um regime politico-constitucional de democracia direta que privilegiou de forma máxima a soberania popular, na qual, materialmente, não havia distinção entre os polos do poder, ou seja, o cidadão estava ativamente em ambos (governante e governado). Assim, o poder político foi isonomicamente distribuído entre todos os cidadãos ativos, tendo os governantes sido limitados, não apenas pela soberania da leis, mas também pela instituição de um conjunto de mecanismos da cidadania ativa, pelos quais o povo, pela primeira vez na História, governou-se a si mesmo (Assembleia ou Ekklésia).
Em Roma, com a fundação da república romana (V a II a.C.), após a superação seu período imperial, se institucionalizou um sistema de freios e contrapesos a partir do qual os órgãos responsáveis pelo exercício do poder se controlavam mutuamente, possibilitando a intervenção entre eles, respeitando as funções previamente propostas na divisão dos poderes, para evitar abusos em cada um deles (controle de constitucionalidade), além de conceder o poder de participação direta ao povo (orçamento, iniciativa popular, plebiscitos) que fundou a democracia participativa. 
Constitucionalismo Medieval: A Magna Carta inglesa de 1215 destaca-se por limitar o poder absoluto e inquestionável do rei, característica das monarquias medievais, em uma região de forte centralização que apresentava superioridade e perversidade perante a nobreza e clero (inclusive a demanda de tributos das altas classes) pelo rei tirânico João Sem Terra. Logo, fruto de pressão popular, a partir da união entre as massas e a nobreza, houve a assinatura da Carta, pacto constitucional entre o Rei, a Nobreza e o Clero, que visava à proibição de prisões arbitrárias, da imputação de penas sem um devido processo legal, à liberdade de locomoção e a garantia da propriedade, chegando a ser uma declaração de direitos individuais (exclusão das camadas populares no estabelecimento constitucional desses privilégios).
A Magna Carta inaugurou a pedra fundamental para a construção da democracia moderna, pois, a partir dela, o poder do governante passou a ser limitado, não apenas por normas superiores, fundadas no costume ou na religião, mas também por direitos subjetivos dos governantes que previamente não estavam nem sequer contidos nas leis que editavam.
Constitucionalismo Moderno: Anterior a essa fase, a noção de Constituição era extremamente restrita, uma vez que era concebida como um texto não escrito, apesar de ter como ideais a limitação de alguns órgãos do poder estatal (Executivo e Judiciário) e o reconhecimento de certos direitos fundamentais, cuja garantia residia sob o respeito espontâneo do governante, pois inexistia sanção contra o príncipe que desrespeitasse o direito de seus súditos. Além disso, o Parlamente era absoluto, visto que não se vinculava às disposições constitucionais, impossibilitando o controle de constitucionalidade dos atos parlamentares, e podendo ele alterar a Constituição por vias ordinárias. 
A ideia e necessidade de Constituição ganhou força no liberalismo político e econômico que triunfa com as revoluções dos séculos XVIII e XIX. No plano econômico, o liberalismo afirma a virtude da livre concorrência e da não intervenção do Estado teorizadas por Adam Smith (laissez-faire) que almejava a expansão do capitalismo. No plano político, o liberalismo encarece os direitos naturais do homem e tolera o Estado como um mal necessário (teorias contratualistas), mas também busca a limitação desse pelo princípio da separação dos poderes de Montesquieu a fim de prevenir eventuais abusos. A consolidação de um ideal de liberdade ocorreu, primeiramente, através da revolução de independência das colônias inglesas (1776) que tornou-se Estados Unidos com a criação da primeira constituição do mundo (1787) e, em segundo momento, da revolução francesa (1789- 1799), ambas motivadas pelos pensamentos iluministas, alcançando todos os Estados europeus com exceção da Rússia. Com isso, inicia-se um processo de criação de constituições escritas e rígidas, estas consolidando governos democráticos e promovendo controles políticos, do qual os pioneiros foram as constituições dos Estados Unidos da América de 1787 e da França de 1791. Uma exceção a esse movimento de escritura e formalização constitucional é a Inglaterra, especificamente, a qual defende seus princípios constitucionais por meio dos textos legislativos, hoje históricos, Petiton of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679) e, principalmente, Bill of Rights (1689) que visavam assegurar direitos e liberdades fundamentais, sendo o último o marco do fim da monarquia absolutista com a Revolução Gloriosa e o início da monarquia parlamentar, no qual o Parlamento detém hegemonia política, fragilizando o papel do monarca enquanto representante. Habias Corpus Act foi a concretização do direito fundamental de ir e vir apresentado pela Magna Carta de 1215, mas assegurou processualmente e, portanto, efetivamente através deste termo a proibição e prevenção de prisões arbitrárias, ou seja, não fundamentadas pelas normas preestabelecidas. Essa é a grande diferença entre direitos e garantias, enquanto os direitos são proclamações legitimadas, as garantias são os meios pelos quais esses direitos são juridicamente assegurados. No âmbito do controle da ação interventora do Estado, a constituição garante os direitos sociais a partir da repartição dos poderes, tendo em mente que o poder, apesar de ser uma estrutura indivisível, única e inerente à legitimação do estado, pode ter suas funções divididas em busca de um equilíbrio político através da limitação do exercício do governante. No governo das leis, as leis limitavam os homens em nome da vontade geral, superando o governo dos homens, no qual esses regulavam,em maioria injustamente, as leis. Assim, surge a Declaração dos Direitos do Homem (direitos civis) e do Cidadão (direitos políticos) de caráter republicano que defende a dignidade do homem (a ser aprimorada, com o surgimento do movimento feminista, para a dignidade da pessoa humana). Na Modernidade, o Estado de Direito surge fundamentado na segurança jurídica das codificações que exaltavam as normas jurídicas, estas baseadas na Constituição, que norteava os princípios das leis como vontade geral (validade e efetividade). Logo, a Constituição pôde, finalmente, efetivar seus objetivos (organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio de direitos e garantias fundamentais) através da inscrição de suas regras e princípios, manifestando-se como uma norma hierarquicamente superior e validadora de todas as outras que só pode ser alterada por procedimentos especiais e solenes, não mais ordinários, previstos em seu próprio texto.
Com a apropriação das leis e códigos, os quais, em teoria, deveriam garantir direitos fundamentais e ser expressão da coletividade, houve um movimento contrário a partir do fim da Primeira Guerra Mundial, que os tornaram instrumento s de legitimação de um poder opressor a partir da produção de leis que servissem aos governantes, invertendo suas funções primordiais, que, apesar de ilegítimas, eram válidas. Segundo a teoria jurídica positivista, os aspectos valorativos, considerados metajurídicos, apenas circundam os questionamentos sobre a validade do conteúdo leis (deontológico e não axiológico), enquanto a estrutura da norma, centro do estudo jurídico, era fundamentada somente pela sua conformidade aos preceitos constitucionais (validade material) e processuais (validade formal), resultando na justificação e apoio jurídico a regimes totalitários (Nazismo e fascismo). 
Constitucionalismo Contemporâneo (Neoconstitucionalismo): Mudança revolucionária da ciência jurídica para prevenir as ditaduras legais do século XX. Logo, afasta-se o princípio da legalidade e da supremacia da lei e dos códigos, para então fundamentar-se na supremacia material e axiológica da Constituição e, para tanto, as novas constituições passam a assumir uma nova postura, não mais de meros textos jurídicos que expunham metas e objetivos políticos, mas sim de normas dotadas de valores e princípios, efetivamente incluídos no discurso jurídico, reguladoras das relações sociais. Dessa forma, há uma submissão do governo das leis (Estado Legislativo de Direito) ao governo das constituições (Estado Constitucional de Direito), propondo a inclusão da moralidade administrativa que subordina tanto poder estatal quanto as normas por ele estabelecidas, ambas periféricas à centralidade constitucional. Assim, o conceito de validade aplicou-se para atingir o a ideia de legitimidade e constitucionalidade (justiça e democracia). Com isso, há um resgate dos valores na aplicação e interpretação do direito preconizados pelo jusnaturalismo, sem abandonar a necessidade de uma exposição normativa das leis que a concedam segurança jurídica segundo a teoria positivista, existindo uma confluência entre as duas correntes do pensamento jurídico. Em síntese, houve três marcos do modelo neoconstitucional: O marco histórico do Estado Constitucional de Direito que sucedeu o fim da Segunda Guerra Mundial adotado pelos países antes nazistas e fascistas e, no contexto brasileiro, com a Constituição de 1988; o marco filosófico com a adoção de preceitos jusnaturalistas em consonância com a normatividade prevista pelo positivismo, decorrente da filosofia pós- positivista (aproximação do dito e da moralidade); o marco teórico representado pela força normativa da constituição (controle da constitucionalidade), superando as teorias do legalismo sem abandonar a segurança jurídica, além da renovação da teoria dos princípios (força normativa dos princípios), da expansão da dogmática dos direitos fundamentais (consolidação efetiva das garantias de direitos já criados), do crescimento da jurisdição constitucional (inclusão da validade material na fiscalização da densidade substancial legal) e da renovação da interpretação jurídica (superação do mecanicismo do magistrado e aplicação literal da norma pelo aprimoramento da hermenêutica). 
Conceito
O Direito Constitucional, além de ser um ramo da ciência do direito que tem por objeto o estudo dos preceitos e estruturas constitucionais, compreende um estudo sistemático, crítico e reflexivo das instituições políticas, da sociedade e dos valores sociais. 
Espécies e Divisões
Uma abordagem meramente metodológica que busca sistematizar o estudo Do Direito Constitucional em virtude de sua amplitude e complexidade, apesar de ser um ramo único. 
Direito Constitucional Positivo: É o conteúdo do Direito Constitucional que se preocupa em estudar a constituição vigente de um determinado país. 
Direito Constitucional Comparado: É o conteúdo do Direito Constitucional que se ocupa em examinar diversas constituições no tempo e no espaço para apurando as semelhanças e dessemelhanças entre elas (transconstitucionalismo, o qual estabelece pontos comuns entre constituições vigentes questionando os diferentes tratamentos entre eles por cada país em que foram adotados a fim de evitar contradições ao propor a interpretação homogênea da norma).
Direito Constitucional Geral: É o conteúdo do Direito Constitucional que se ocupa em estabelecer, a partir de uma perspectiva unitária, semelhanças entre diferentes constituições, propondo um tratamento igual sobre esse mesmo aspecto para aplicar a eles uma teoria geral. 
A relação do Direito Constitucional com outras disciplinas
Como a Constituição tem caráter de supremacia em face de outros ramos do direito, o Direito Constitucional irá, da mesma forma, nortear, influenciar e subordinar as demais disciplinas a partir de princípios constitucionais. Figurativamente, o direito seria uma árvore que se ramifica em diferentes estudos da ciência jurídica, mas que emanam de um tronco único e provedor, o direito constitucional. Ainda nesse paralelo, é possível dizer que o corte dos ramos dessa árvore do direito reduz seu alcance normativo, mas não o anula, enquanto o corte de seu tronco resulta na eliminação conjunta de seus ramos, tornando-os inválidos.
Fontes
Direitas/ Imediatas: Constituição e costumes (principalmente com a adoção de uma Constituição não escrita);
Indiretas/ Mediatas: Doutrina Constitucional e Jurisprudência Constitucional.
Há entre as fontes uma constante troca de informações (princípio do diálogo entre as fontes) seja, internamente, entre as direitas/indiretas ou, externamente, entre a direita e indireta, não sendo, portanto, fechadas hermeticamente entre elas.

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