Buscar

trabalho racismo

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

RACISMO
1. CONCEITO
os conceitos mais relevantes. 
Inicialmente, para que seja possível uma análise coerente do tema, os conceitos de preconceito, racismo, discriminação, raça e cor apresentam-se como essenciais. Em vista disso, especificar-se-ão em seguida as definições desses vocábulos que serão utilizadas por todo o texto.
1.1. Preconceito 
O preconceito pode ser conceituado como “formulação de ideia ou ideias , calcadas em concepções prévias que não foram objeto de uma reflexão devida ou que foram elaboradas a partir de ideias deturpadas”.
1.2. Racismo 
O racismo é uma doutrina que sustenta a superioridade de algumas raças ou grupos sobre outros tidos como inferiores a partir de determinados parâmetros preestabelecidos, ou seja, uma doutrina baseada no preconceito. Logo, tem-se que o racismo é um produto do preconceito, assim como um propagador do mesmo.
A ideologia do racismo não se centra na ciência ou em uma necessidade imperativa da verdade: ela é em si uma verdade, uma verdade de um pequeno grupo que, pela força ou pelo convencimento (da repetição ou da cooptação), se torna imposta como verdade legítima de todo um grupo social. 
Crime de racismo 
Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor
crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/1989, implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade. o racismo impede a prática de exercício de um direito que a pessoa tenha.
1.3. Discriminação 
O termo discriminação encontra as seguintes caracterizações: “1. Ato ou efeito de discriminar. 2. Tratamento preconceituoso dado a certas categorias sociais, raciais, etc.” Em função disso, discriminação está relacionada com o verbo discriminar que reflete a ação de diferenciar, distinguir ou discernir.
Contudo, é digno de atenção o fato de que a diferenciação de algo ou de um indivíduo não traduz necessariamente a realização de uma conduta negativa. Nesse sentido, o artigo I, item 4 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial dispõe que:
4.  Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas como o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que, tais medidas não conduzam, em consequência , à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sidos alcançados os seus objetivos. (grifos nossos)
1.4.   Cor 
A palavra cor evidencia um fenômeno físico, que no âmbito do tema aqui tratado é “empregado para definição da pigmentação epidérmica dos seres humanos”.
1.5.  Etnia 
No entendimento de Ricardo Andreucci, trata-se de “coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir”.
1.6.  Raça 
A definição do que seja raça no que se refere aos diversos grupos humanos já desfrutou de maior relevância no mundo científico, mas atualmente, a partir da nova ótica proporcionada pelo mapeamento do genoma humano, a tendência tem sido no sentido da inexistência de raças dentro da espécie humana.
Contudo, antes mesmo do mapeamento genético, já era altamente controversa essa diferenciação. O principal problema encontrava-se na própria determinação de quais características físicas podiam ou deviam ser utilizadas como o parâmetro para a classificação dos seres humanos em raças.
Melhor sorte não se obteve com a tentativa de identificar as raças por marcadores genéticos no sangue. Com isso, “tanto pela antropologia física como pela genética de populações, através de estudos de frequência gênicas, é impossível delimitar as raças”.  Portanto, “se não é possível delimitar biologicamente as raças, sua definição terá que necessariamente ser imprecisa”.]
Neste ponto, cabe ressaltar a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal no que tange à abrangência dos termos raça e racismo. O posicionamento do STF sobre o tema ocorreu no julgamento do Habeas Corpus n. 82.424-2/RS.
A priori, no entanto, a posição do STF parece seguir na esteira do que é proposto pela Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial – ratificada pelo Brasil – que no artigo primeiro define discriminação racial como:
[...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano, (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida.
2.  O Direito e a discriminação racial no Brasil até 1988
No período conhecido como Brasil colônia, as leis vigentes no país eram as determinadas pelos portugueses, chamadas de Ordenações do Reino. Nesse momento histórico o preconceito racial era, em verdade, elemento integrante do statu quo na sociedade europeia que aqui veio residir, sendo total a legalidade da escravidão de negros e índios.
Com a independência do Brasil, em 1822, pouco mudou, não contendo o Código Criminal de 1830 nenhuma infração relativa à prática de racismo.
Mesmo após a Lei Áurea, o Código Penal adotado no início do período Republicano, em 1890, não fazia menção à discriminação racial como delito. 
Com o fim oficial da escravidão, o controle penal dos negros foi refinado através de regras discriminatórias de atuação reflexa sobre o comportamento desse grupo. É nesse contexto que o artigo 402 do Código Penal vigente à época vedava e punia a “capoeiragem”, prática típica dos descendentes de escravos.
Somente com as constituições brasileiras de 1934 e 1946 se fizeram presentes condenações, ainda que genéricas, ao preconceito por motivo de raça. E a constituição de 1967 avançou, tendo disposto em seu artigo 150, §1º que a lei deveria punir o preconceito racial.
A disposição constitucional em 1967 consolidou a tendência de combate ao preconceito já corrente na comunidade internacional. Em especial, é necessário destacar os textos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966).
Contudo, já sob a Constituição de 1946, se dá a edição da primeira lei específica para punição penal da discriminação racial, a Lei Afonso Arinos (Lei n. 1.390/1951), que passou a considerar “a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil” como contravenção penal.
[...] tratou-se a iniciativa de importante marco na história da defesa dos discriminados, entre outros aspectos por reconhecer oficialmente a existência de racismo no Brasil e por possibilitar a punição criminal de algumas formas de exteriorização do preconceito de raça e de cor. [22]
Alguns apontam que as limitações da lei residiriam no fato de que o anteprojeto de lei foi fruto de emotividade e improvisação por parte do parlamentar mineiro Afonso Arinos, responsável pela autoria da proposta apresentada. 
De acordo com Eunice Aparecida de Jesus Prudente, “[...] esta lei teve como causa imediata a discriminação racial sofrida por seu motorista negro, que há trinta e cinco anos servia a família e que teve sua entrada barrada em uma confeitaria no Rio de Janeiro”. [23]
Na esteira da lei Afonso Arinos foram elaboradas algumas disposições legislativas que tratavam marginalmente da penalização de condutas discriminatórias em geral. Como por exemplo, as leis nº 2.889/1956 (Lei do Genocídio), nº 4.117/1962 (Código Brasileiro de Comunicações), nº 4.898/1965 (Lei do Abuso de Autoridade), nº 5.250/1967 (Lei de Imprensa), nº 5.473/1968, nº 6.001/1973 e nº 7.437/1985.
A lei n. 1.390/51 ficou em vigor até a Constituição Federal de 1988,
tendo sido considerada não recepcionada pela Carta Política. Ocorre que esta exigiu do legislador infraconstitucional a definição da prática do racismo como crime, inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão.
Tendo em vista que a lei considerava a discriminação racista como mera contravenção penal e a pena aplicável, segundo o art. 5º e incisos da LCP, era a de prisão simples, incabível sua subsistência como lei penal apta a regular a prática de racismo nos termos da CRFB/88.
A Carta de 1988 inaugurou um novo e inédito marco jurídico do combate à discriminação racial. Em função dessa nova conformação, o legislador ordinário rapidamente editou nova lei, a Lei n° 7.716, sancionada em 1989.
O contexto constitucional inclusivo e a obrigação de proteção suficiente dos bens jurídicos pelo Estado. 
No ano de 1987, a redemocratização política no Brasil culminou na reunião da Assembleia Constituinte, cujo objetivo era a elaboração de uma nova Carta para inaugurar definitivamente a nova República no país. Dentro de um ano, a partir de então, seria promulgada a Constituição de 1988.
Inicialmente convém demonstrar a multiplicidade de referências ao preconceito, à discriminação ou ao racismo presente no texto constitucional, sendo que já no preâmbulo, afirma-se que o objetivo dos constituintes é a formulação de “uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
Para a melhor sistematização dessas referências, à exceção das criminalizadoras, remete-se ao quadro a seguir:
	Termos
	Referências constitucionais
	Igualdade
	Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
II – prevalência dos direitos humanos
	Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidadedo direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
	Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VII - redução dasdesigualdades regionais e sociais;
	Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
	Preconceito e Discriminação
	Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
V - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
	Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.
	XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
	XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
	Racismo
	Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
Diante das passagens colacionadas, a Constituição atualmente vigente delimitou um espaço de destaque às questões relacionadas à igualdade, formal ou material. E dentro desse contexto, especialmente importante é o combate à discriminação negativa e ao racismo.
Além disso, o constituinte também mostrou preocupação em promover a preservação e valorização das diferentes culturas conformadoras da sociedade brasileira. Nesse sentido, temos o tombamento dos documentos e sítios ligados aos quilombos (art. 216, §5º, CRFB) e a proteção das manifestações afro-brasileiras e indígenas (art. 215, §1º CRFB).
Os mandados constitucionais de criminalização. 
Na esteira do novo contexto delineado pela Constituição Federal de 1988 exposto acima, o constituinte, imbuído de um compromisso com a repressão de determinadas práticas reconhecidas como especialmente danosas à sociedade, estabeleceu diversos outros comandos voltados para a criminalização destas condutas.
O texto constitucional revela além da obrigatoriedade de penalização da prática do racismo outros mandados de criminalização, identificados por Luiz Carlos dos Santos Gonçalves a partir de uma ótica restritiva. De acordo com esse critério, os mandados constitucionais expressos de criminalização seriam os seguintes:
Art. 5º XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Art. 5º XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Art. 5º XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
Art. 5º XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
Art. 7º X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
Art. 225 § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Art. 227 § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. (grifos nossos)
Os mandados previstos nos incisos XLII, XLIII, XLIV do art. 5º são de eficácia reduzida em decorrência da inexistência de definições dos preceitos primários e preceitos secundários dos tipos, em face do princípio constitucional da legalidade.
Todavia, as restrições constitucionais referentes à imprescritibilidade, inafiançabilidade, pena de reclusão ou de insusceptibilidade de graça ou anistia são plenamente eficazes, sem dependerem de nenhuma outra ação estatal para produzir seus efeitos.
Quando, no artigo 5º, inciso XLII, a Constituição dispõe que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, evidencia-se que com relação à fiança e a prescritibilidade, a norma constitucional é autoaplicável, tornando dispensável uma análoga previsão legal. Uma vez definido o que vem a ser “prática do racismo”, esses efeitos aplicar-se-ão diretamente. [29]
Por outro lado, os mandados do art. 5º, inciso XLI; art. 7º, inciso X eart. 227, §4º dependem inteiramente de legislação ordinária para que tenham sua eficácia plena. Em outros termos, são disposições de caráter de eficácia limitada.
Precedentes da inclusão no texto constitucional. 
A emenda aditiva nº 654 do constituinte Carlos Alberto Caó foi a responsável pela inclusão da criminalização da prática do racismo nos termos da atual Constituição. A votação dessa proposta ocorreu na sessão de 2 de fevereiro de 1988, e a votação contou
com apenas três votos contrários.
Ao apresentar a emenda para votação, Carlos Caó explicou os motivos determinantes para a elaboração dela:
Neste momento, Sr. Presidente, em que nos empenhamos em construir um Estado democrático, em trabalhar no sentido de transformar a sociedade civil brasileira numa sociedade civil civilizada é indispensável que tenhamos conta de que a construção do Estado democrático se inicia pela superação das discriminações raciais, pela superação desse tentativa de classificar o homem pela cor da pele no mercado de trabalho.[30]
A prática do racismo é criminalizada no artigo 5º da Constituição Federal, situado sob o Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. O referido dispositivo, por sua vez, representa a integralidade do Capítulo I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, daquele Título.
Mais especificamente no inciso XLII do artigo em exame o legislador constituinte originário determinou ao legislativo pátrio a criminalização da prática do racismo, cujas características principais são a imprescritibilidade, a inafiançabilidade e a pena de reclusão.
Capítulo IV – A regulamentação do art. 5º, XLII pela Lei n. 7.716/89. 
1. Considerações preliminares. 
Atualmente, no ordenamento brasileiro, o principal diploma penal acerca das práticas discriminatórias é a lei n. 7.716/1989, conhecida como Lei Caó. Esta normativa veio definir e regulamentar o crime de prática de racismo para fins de aplicação da disposição constitucional do art. 5º, inciso XLII.
O projeto de lei n. 668/1988, cuja tramitação completa ocorreu em pouco mais de um ano, deu origem à lei. O projeto foi de autoria do então deputado Carlos Alberto Caó, razão pela qual a referente legislação também é conhecida por seu sobrenome.
Na justificativa do PL afirmava-se que:
O negro deixou, sem dúvida, de ser escravo, mas não conquistou a cidadania. Ainda não tem acesso aos diferentes planos da vida econômica e política. É mais do que evidente que as discriminações raciais marcam a sociedade, o Estado e as relações econômicas em nosso País. Passados cem anos da Lei Áurea, esta é a situação real. [45]
À luz das razões apresentadas por Carlos Alberto Caó, depreende-se que o objetivo primário por trás da elaboração do mandando constitucional e de sua lei regulamentadora era o combate à histórica desigualdade social, suportada especialmente pela população brasileira negra. De maneira que o a principal forma de racismo a ser combatida era aquela dirigido contra à raça negra.
Não obstante esse relevante aspecto da mens legislatoris, a aplicabilidade da lei não se reduz ao combate do racismo contra os negros, as regras jurídicas incidem sobre o preconceito e a discriminação contra qualquer raça.
O principal efeito da lei Caó foi suprir a lacuna decorrente da classificação das condutas discriminatórias previstas na lei Afonso Arinos como contravenções penais e a exigência constitucional de criminalização da prática do racismo.
Contudo, o regramento trazido pela lei n. 7.716/89 não diferiu em muito da anterior, uma vez que todos os preceitos primários dos tipos penais da Afonso Arinos foram reproduzidos, com certas alterações pontuais. Numa análise objetiva, somente os arts. 12 e 14 na redação original da Lei Caó previram situações originais em relação à lei n. 7.437/85.
3.  Aspectos gerais da lei n. 7.716/89. 
Inicialmente, destaca-se que o texto da lei n. 7.716/89 foi modificado em cinco oportunidades, pelas leis n. 8.081/90, n. 8.882/94, n. 9.459/97 e n. 12.288/10 (Estatuto da Igualdade Racial) e n. 12.735/12. Todas trouxeram importantes alterações, sempre no sentido de endurecimento das diposições legais.
Pela redação atual, dos vinte e dois artigos constantes do diploma legislativo, treze deles contém criminalização de condutas. No entanto, para efeito de análise da lei n. 7.716/89, ainda necessitam de esclarecimentos os sentidos referentes à religião e procedência nacional.
Neste ponto, cumpre notar que a redação do art. 1º da lei n. 7.716/89, no qual se prevê genericamente quais os tipos de preconceito e discriminação que são delitos, foi essencialmente alterada pela lei n. 9.459/97, que inclui os termos etnia, religião e procedência nacional aos já existentes de raça e cor
O art. 1º, com redação dada pela lei n. 9.459/97, define os motivos exigidos para o enquadramento em todos os tipos penais da lei, que é a “discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Portanto, todos os outros artigos criminalizantes da lei devem submeter-se a tal fim enquadrarem-se na mesma, ainda que cada tipo, por si só, não tenha isso expressamente previsto.
A fórmula de elaboração legislativa, ou seja, a estrutura formal da lei em vigor, embora não seja de todo original, não é usual, já que os tipos penais previstos nos arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14 guardam relação de subordinação à previsão do art. 1º da mesma lei, que lhes limita a amplitude, criando uma “adequação típica mediata limitativa por subordinação intrínseca”.
Assim, não será crime, exemplificadamente, “negar ou obstar emprego em empresa privada” por si só (art. 4º da lei), mas apenas se a hipótese de incidência típica coexistir com os elementos do art. 1º da “Lei Antidiscriminação”, ou seja, se tal fato derivar de preconceito ou discriminação de raça, cor, etnia, religião, ou por procedência nacional.
Então, quem, motivado por preconceito, em atitude discriminatória, negar emprego em empresa privada a alguém por pertencer tal candidato a determinada religião, comete o crime do art. 4º, caput, da Lei n. 7.716/89, mas quem, dentro da mesma empresa, pelo mesmo motivo, “negar promoção” ou “deixar de oferecer equipamentos adequados”, não comete crime algum.[48]
Todas as incriminações da lei em análise tem como elemento subjetivo o dolo. Já o principal bem jurídico tutelado pela lei, segundo Christiano Jorge dos Santos, é o direito à igualdade, constitucionalmente assegurado a todos no Brasil (art. 5º, caput da CRFB)
4. Do cumprimento das penas. 
Todas as condutas previstas, à exceção do art. 4º, §2º, são punidas com a pena de reclusão, combinada ou não com a de multa. A quantidade das penas privativas de liberdade varia entre o mínimo de um ano e o máximo de cinco sendo que as mais brandas são quantificadas de um ano a três anos.
No que tange à pena cominada às condutas prevista no art. 4º, §2º, que é de ​” multa e prestação de serviços comunitários, ela pode ser tida como inconstitucional porque, conforme já visto, a CRFB exige a aplicação da pena de reclusão para crimes de prática de racismo.
Em decorrência desses parâmetros, nenhuma das condutas pode ser caracterizada como infração de menor potencial ofensivo, sob a competência dos Juizados Especiais Criminais. O que, por sua vez, obsta a aplicabilidade da transação penal.
Noutro giro, é possível a substituição da eventual pena privativa de liberdade aplicada por restritiva de direitos, em conformidade com os parâmetros exigidos para tal pelos incisos I a II do art. 44 do Código Penal. Igualmente, possível é a suspensão condicional da pena, em condenações não superiores a dois anos, nos termos dos arts. 77 e 78 do CP.
Além disso, é cabível a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95, nos crimes com pena mínima de um ano. Com isso, caso seja aceita a suspensão e, ao final, devidamente cumpridos seus termos, o acusado escapa à aplicação da pena de reclusão. Outrossim, o livramento condicional é aplicável nos limites do art. 83 do CP.
2. Considerações sobre o tipo penal da injúria preconceituosa. 
2.1. As críticas à quantidade de pena cominada. 
A quantidade de pena cominada pelo legislador é alvo de críticas na doutrina, sob o argumento de que lhe faltaria proporcionalidade:
De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de "negro", "preto", "pretão", "negão", "turco", "africano", "judeu", "baiano", "japa" etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com a cor,
religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de 1 ano de reclusão, além de multa. Menor do que a imposta no homicídio culposo (1 a 3 anos de detenção, art. 121, § 3º) e a mesma do autoaborto (CP, art. 124) e do aborto consentido (art. 125).
[...]
E há delitos mais graves com pena comparativamente menor: constrangimento ilegal (art. 146), ameaça de morte (147), abandono material (art. 244) etc. A cominação exagerada ofende o princípio constitucional da proporcionalidade entre os delitos e suas respectivas penas. [70]
Independentemente do mérito da crítica colacionada, há que sedestacar que o legislador penal brasileiro enfrenta grande dificuldade no que tange à elaboração de leis que considerem devidamente o sistema penal como um todo.
A edição de leis ocorre muitas vezes ao largo de uma abordagem dos novos tipos penais para com os já existentes. Com isso, prolíficos são os exemplos de condutas desproporcionalmente apenadas quando em confronto com outras já existentes.
Ademais, o CP vigente foi inicialmente concebido há mais de sessenta anos, de modo que as suas disposições já foram extensamente alteradas tendo em vista a necessidade de atualização legal em face das mudanças sociais e culturais que ocorrem no seio da sociedade.
Contudo, existem vozes que defendem a quantidade de pena ora discutida. Neste ponto, cabe transcrever a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, que comenta:
Não vemos qualquer ofensa ao princípio da proporcionalidade É o que ocorre neste caso. O Brasil intitula-se um país formado de várias raças, etnias e religiões, onde não haveria, em tese, como existe em outros lugares, discriminação. Entretanto, é sabido que há uma forma de discriminação velada, trazida por ofensas e comentários desairosos a pessoas e instituições, que demonstram a face segregativa de muitos.
[...] não basta punir rigidamente quem impede a entrada de uma pessoa negra em um lugar público (reclusão, de 1 a 3 anos, conforme art. 5º da Lei 7.716/89), mas também quem faz o mesmo através de comentários jocosos e humilhantes, que afastam a mesma pessoa do lugar onde pretendia ingressar. (grifos nossos) [71]
Essa observação do doutrinador revela que a cominação legal encontra suporte na própria realidade dos fatos. E a partir dela, assume relevância a questão acerca da aplicabilidade das restrições constitucionais à figura típica da injúria preconceituosa, o que será abordado mais à frente.
2.2. Do tipo de ação penal. 
Por se tratar de um crime cujo bem jurídico protegido, a honra, é de cunho eminentemente pessoal, a vontade do ofendido em promover a ação penal assume especial relevância. A par de tal circunstância, o legislador previu que a regra para a deflagração da ação penal relativa ao crime de injúria seja a ação penal privada.
A ação penal pública incondicionada somente é possível no caso da injúria real na qual resulta lesão corporal da violência, conforme dispõe o art. 145 do CP. Ademais, a requisição do Ministro da Justiça é necessária para a deflagração do processo em caso de injúria praticada contra o Presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro.
Por outro lado, a injúria contra funcionário público, em razão de suas funções e aquela com elementos preconceituosos são públicas condicionadas à representação do ofendido, nos termos do parágrafo único do art. 145 do CP.
Contudo, a ação penal pública condicionada para a injúria preconceituosa somente foi instituída pela lei n. 12.033/09. Antes, essa categoria de crime estava sujeita à regra da ação penal pública privada, o que, desde a origem, foi alvo de críticas por doutrinadores e grupos ligados aos movimentos de combate ao racismo.
[...] a relevância do bem jurídico protegido exigiria a obrigatoriedade da ação, devendo, portanto, ser de iniciativa pública e não privada, pois esta implica disposição do bem jurídico pela parte ofendida, o que no caso em tela não deveria ocorrer. [72]
A necessidade de queixa do ofendido ensejava problemas principalmente quando o Ministério Público acusava alguém com base na lei n. 7.716/89, e a conduta era desclassificada para a injúria preconceituosa. Como consequência, muitas vezes já havia decorrido in albis o prazo de 6 (seis) meses para a representação, e a vítima não mais possuía meios para buscar a condenação do ofensor.
Esclarece-se que a atual condição de procedibilidade da representação da vítima incidente sobre a injúria do §3º do art. 140 não existe no caso dos crimes da lei n. 7.716/89, porquanto todos os crimes constantes desse diploma legal são de ação penal pública incondicionada.
Sendo assim, a ação penal em caso de injúria preconceituosa estará submetida ao prazo decadencial de que trata o art. 38 do Código de Processo Penal. Se o ofendido não representar contra o autor do crime em até seis meses, contados a partir do momento em que tiver conhecimento da autoria, ele não mais poderá valer-se da persecução criminal do ofensor.
Mas, mesmo num contexto em que não se entenda ser o crime de injúria com preconceito um crime de racismo, a intenção constitucional em combater a discriminação indica que o melhor caminho poderia ser a ação penal pública incondicionada também para o delito do §3º, art. 140, CP.
Neste ponto, é importante apontar que o anteprojeto de novo Código Penal elaborado por uma comissão de juristas, composta em 2011, apresenta involução. A proposta é o retorno ao cenário original, no qual seria necessária a queixa do ofendido para dar início ao processo.
3. A diferenciação entre a injúria preconceituosa e o crime do art. 20 da lei n. 7.716/89. 
Muitas dúvidas pairam sobre a diferenciação entre o art. 20 da lei n. 7.716/89 e o art. 140, §3º do CP, uma vez que a mesma situação fática pode, em tese, acarretar em dificuldade para o intérprete no sentido de estabelecer qual dos dois tipos deve prevalecer para fins de tipificação da conduta.
A grande discussão travada hoje na doutrina e nos tribunais diz respeito à classificação típica da conduta de quem, normalmente de modo verbal, tece comentários ofensivos utilizando-se de elementos relativos a raça, cor, etnia, credo ou procedência nacional. [73]
Um dos critérios utilizados para a diferenciação entre um tipo e outro é o relativo ao alcance das palavras proferidas. No caso de uma pessoa ofender outra diretamente com a utilização de elementos de raça, cor, etnia, credo ou procedência nacional, caberia a aplicação da injúria qualificada do Código Penal. No entanto, se o sujeito ativo utiliza-se desses elementos para ofender um grupo ou categoria de pessoas, restaria configurada a conduta do art. 20 da lei n. 7.716/89.
Em verdade, neste tipo de ofensa que caracteriza o crime do art. 140, §3º, o agente não tem o dolo de segregar, de demonstrar uma falsa superioridade com relação a todo e qualquer membro de um grupo, mas, sim, de ofender determinada pessoa, atingindo o conceito que a mesma tenha de si mesma, de seus atributos, valores, etc. [74].
Nesse sentido, no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 19.166-RJ, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou posição clara sobre o tema. O RHC em questão havia sido interposto contra decisão do Tribunal Federal da 2ª Região, que confirmou a tipificação de denúncia oferecida pelo Ministério Público.
O caso concreto envolveu um desentendimento, dentro de uma aeronave, entre um passageiro brasileiro e dois comissários de bordo americanos, funcionário da empresa American Airlines. O MP denunciou os dois comissários como incursos nas penas do art. 20 da lei n. 7.716/89.
Durante a citada discussão, o acusado Shawn Tipton Scott proferiu a seguinte frase dirigida ao brasileiro: "Amanhã vou acordar jovem, bonito, orgulhoso, rico e sendo um poderoso americano, e você vai acordar como safado, depravado, repulsivo, canalha e miserável brasileiro."
Segundo a própria denúncia, o outro comissário, Mathew Gonçalves, teria concorrido materialmente para o crime. Este incitou seu colega e chegou a tentar agredir a vítima, tendo sido, entretanto, contido
por outros passageiros.
Em poucas palavras, a alegação da defesa para a impetração do habeas corpus era de que o MP não tinha legitimidade para apresentar a denúncia, pois o caso era de injúria preconceituosa (art. 140, §3º, CP), pois, pela redação do Código Penal à época, a ação penal nesse tipo de injúria era privada.
Porém o STJ não acatou o raciocínio esposado pela defesa dos acusados e, confirmou a decisão anteriormente tomada pelo TRF. Para o relator, min. Felix Fischer, não havia equívoco na tipificação do Ministério Público, tendo em vista a intenção dos agentes:
Com efeito, no delito de injúria preconceituosa, a finalidade do agente, a fazer uso de elementos ligados a raça, cor, etnia, origem etc., é atingir a honra subjetiva da vítima, bem juridicamente protegido pelo crime em questão. Ao contrário, o delito previsto no art. 20, da Lei nº 7716/89, na modalidade de praticar ou incitar a discriminação ou preconceito de procedência nacional, constitui manifestação de um sentimento em relação a toda uma coletividade em razão de sua origem (nacionalidade). [75]
O ministro segue para asseverar que no caso a intenção dos agentes não parecia ser uma de mera ofensa à honra subjetiva da vítima. Com efeito, o que os réus pretenderam foi marcar a condição de inferioridade do ofendido em função do mesmo ser brasileiro – “a ideia foi exaltar a superioridade do povo americano em contraposição à posição inferior do povo brasileiro.” [76]
Todavia, a distinção entre um e outro crime deverá continuar a depender de uma avaliação casuística e subjetiva do julgador. Observe-se que no próprio STJ, a Sexta Turma, por exemplo, já decidiu um caso semelhante ao analisado previamente, no processo relativo ao RHC n. 18.620-PR.
O resultado final, alcançado por unanimidade, seguiu a argumentação trazida no voto da relatora, min. Maria Thereza de Assis Moura. Ela destacou que o fato de o recorrente ter dito não gostar da raça negra, “no contexto dos fatos, não implica em disseminação do racismo, mas de opinião ou valoração pessoal, dirigida, ainda, a ferir a honra do recorrente” [77].
Porém, o resultado desse julgamento poderia ter sido em direção completamente oposta se a interpretação quanto ao alcance das palavras proferidas pelo acusado tivesse sido outra. De qualquer modo, a simples estruturação da frase utilizada pelo sujeito ativo pode determinar a diferença entre um crime sujeito à imprescritibilidade e outro não.
Isso porque a posição majoritária da doutrina é de que o disposto no art. 5º, XLII não tem aplicação quando tem lugar a injúria preconceituosa do Código Penal. Logo, a simples desclassificação do delito do art. 20 da lei n. 7.716/89 para esse tipo de injúria acarreta significativa diminuição do alcance da persecutio criminis estatal.
Por fim, destaca-se a Apelação Criminal n. 0007333-28.2009.4.02.5001 no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, na qual há um voto divergente do desembargador Messod Azulay Neto, que se sobressai por uma interpretação mais abrangente do art. 20 da lei n. 7.716/89.
No recurso, o MPF se insurgia contra a decisão do juízo de primeiro grau que efetivou a desclassificação da conduta das rés para o art. 140, §3º do CP em prejuízo da tipificação ministerial originalmente proposta na denúncia.
O des. Azulay Neto não aceitou a desclassificação com fulcro na argumentação trazida pelo MPF que dizia:
[...] não há que se falar em crime de injúria racial simplesmente porque as palavras, atos ou gestos preconceituosos foram dirigidos a uma única pessoa, ou então no calor de uma discussão - ou ainda, como no caso, “no bojo de uma antiga disputa pelo afeto de um homem”. Mesmo em tais hipóteses, verificado que as palavras proferidas revelam o preconceito em relação a uma raça ou etnia como um todo, incorre o agente no crime previsto no art. 20, da Lei nº 7.716/89. [78]
Para esse julgador, as ofensas proferidas pelas rés como “povo da senzala”, “macaca”, “manda um cacho de banana” e “blacks”, evidenciavam não só uma ofensa à honra subjetiva da vítima, “mas demonstram o sentimento de desprezo que as acusadas nutrem pela raçanegra”.
4. A injúria preconceituosa é prática de racismo? Questões sobre a aplicabilidade das restrições constitucionais. 
4.1. Da semelhança entre a injúria motivada por preconceito e a lei n. 7.716/89. 
Na justificativa para o PL de sua autoria - que gerou a multicitada lei n. 9.459/97, cujo art. 1º redefiniu a redação dos arts. 1º e 20 da lei n. 7.716/89 e a inserção do §3º no art. 140 do CP -, o então deputado federal Paulo Paim afirmou:
Este projeto que aumenta os tipos penais com a alteração e acréscimo de artigos à lei n. 7.716/89, de autoria do ex-deputado Carlos Alberto Caó, visando criminalizar práticas de discriminação ou de preconceito de raça, cor, etnia e procedência nacional objetiva resgatar todos esses valores e atacar a impunidade. Por este projeto as citadas transgressões não serão mais tipificadas como delitos de calúnia, injúria e difamação, e sim, como crimes de racismo. [79]
A modificação perpetrada no art. 1º da lei Caó objetivou ampliar a gama de incidência da maioria dos tipos penais da lei n. 7.716/89, pois passou-se a tutelar além da discriminação por raça e cor, aquela por etnia, religião ou procedência nacional.
Inicialmente, da manifestação do deputado extrai-se que o objetivo era fazer com que os crimes cometidos por preconceito de etnia, religião e procedência nacional também sejam crimes de racismo. Ou seja, o termo racismo afasta-se da identificação tradicional com o termo raça – posicionamento semelhante ao que seria posteriormente acolhido pelo STF no Caso Ellwanger.
Ao comentar as modificações trazidas por aquela legislação, Marta Rodriguez assevera que:
A injúria qualificada criada com a mesma lei visava, segundo a justificativa do próprio projeto de lei, a corrigir um dos pontos apontados como dos mais problemáticos à aplicação da regulamentação anterior: o fato de que as ofensas à honra em razão da raça e da cor continuavam a ser enquadradas pelos Tribunais como simples crimes contra a honra individual, com pena bem mais baixa que as previstas pela Lei Caó. [80] (grifos nossos)
A analisarem-se a justificação de Paulo Paim e o comentário acima transcrito, surge uma aparente contradição nos objetivos do deputado responsável pelo projeto de lei. Isso porque, ele afirma que pretende com o PL afastar a tipificação como calúnia, injúria ou difamação de condutas motivadas por preconceito para torná-las crimes de racismo.
No entanto, o próprio PL institui uma forma de injúria qualificada pelo seu conteúdo discriminatório. Ocorre que, para tornar esse quadro harmônico, uma interpretação seria no sentido de que o desígnio do legislador era que o novel §3º do art. 140 do CP fosse um crime de racismo, sujeito a todas as implicações jurídicas decorrentes disso.
Todavia, ainda que assim não fosse, muitos elementos apontam para a existência de estreita relação entre a injúria preconceituosa e os crimes de racismo constantes da Lei Caó, a começar pela sua previsão ter se dado no mesmo diploma legislativo.
Em segundo lugar, não escapa à observação que a discriminação e o preconceito são a força motora por trás das condutas tanto da lei n. 7.716/89 quanto da injúria qualificada. Como prova disso, destaca-se a própria semelhança inerente à redação legal dispensada àquelas.
Igualmente, merece relevo a pena cominada no §3º, art. 140 do CP, que é de reclusão, como a prevista na Constituição para o crime de prática de racismo. Essa previsão se destaca em vista de todas as outras formas de injúria serem apenadas somente com detenção, incluindo-se a injúria real.
Por derradeiro, a quantidade de pena também é compatível com as incidentes sobre os crimes da lei n. 7.716/89, fato explicitado por Guilherme Nucci quando o mesmo defende razoabilidade da sanção aplicável à injúria preconceituosa como já abordado.
4.2. A posição majoritária na doutrina. 
A questão da aplicabilidade dos termos do art. 5º, inciso XLII da Constituição
ao crime de injúria qualificada pelo preconceito não é referenciada diretamente por muitos doutrinadores. No entanto, quando certos autores tratam do art. 140, §3º e adentram nesse aspecto, a grande maioria aponta como correta a solução na qual esse tipo de injúria não é considerado como crime de racismo e, portanto, não é passível de aplicação as determinações constitucionais.
Dentre esses doutrinadores, pode-se destacar Julio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini, Rogério Greco, Christiano Jorge Santos e Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. Todavia, as razões para a não inclusão da injúria discriminatória como crime racista variam entre esses autores.
Dentre os citados, Christiano Santos e Luiz Gonçalves observam que a injúria preconceituosa implica “nítida demonstração de racismo ou outra forma de preconceito por parte do autor do delito” [81] e que “a inclusão dessas formas de condutas na lei n. 7.716/89 daria às vítimas a proteção especial da imprescritibilidade e da inafiançabilidade” [82].
De modo que, embora eles reconheçam a prática de racismo através da injúria do §3º do art. 140 do CP, concluem pela impossibilidade da incidência das restrições constitucionais pelo fato de a injúria racista não estar na lei Caó. Sendo que ao mesmo resultado chega Rogério Greco, porém sem analisar o mérito de haver ou não expressão de racismo naquele tipo de crime contra a honra.
Por outro lado, Julio Mirabete e Renato Fabbrini afastam a hipótese debatida em função da distinção entre os bens jurídicos protegidos, ainda que defendam a possibilidade de progressão criminosa entre a injúria e os crimes da lei 7.716/89.
A injúria qualificada pelo preconceito em contexto de progressão criminosa para o cometimento de crime previsto na lei n. 7.716/89 é por este absorvida. Não se confunde, porém, a injúria qualificada por preconceito, crime contra a honra subjetiva, com os crimes descritos na lei n. 7.716/89, que tipifica condutas dirigidas à segregação ou discriminação de alguém em razão dos mesmos elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. [83] (grifos nossos)
4.3. A tese de inconstitucionalidade do art. 140, §3º. 
Previamente, ao tratar-se das dificuldades inerentes à diferenciação entre a injúria qualificada pelo preconceito e o art. 20 da lei Caó, observou-se que a escolha entre essas possibilidades de tipificação implica na incidência ou não da nota de imprescritibilidade constitucional aplicável ao crime de prática de racismo.
Em outras palavras, a injúria preconceituosa, embora seja impregnada por elementos que evidenciam o preconceito do ofensor, não é considerada pela doutrina ou pela jurisprudência como crime de racismo. Nesse passo, esse tipo de injúria tem a sua prescrição regida pelas normas comuns ínsitas no CP.
 De encontro a esse panorama erige-se outra tese, esposada pelo promotor de justiça Roberto Brayner Sampaio, membro do Grupo de Combate à Discriminação Racial (GT Racismo) do Ministério Público Estadual de Pernambuco.
Ele entende que a existência do art. 140, §3º do Código Penal revela racismo institucional, “consistente na construção jurídica de uma forma de tornar menos grave conduta que a Carta Magna qualificou como crime imprescritível e inafiançável.” [84] E, por isso, a injúria preconceituosa é inconciliável com os princípios inerentes à Constituição brasileira.
Ademais, ataca a diferenciação, já analisada, que foi levada à cabo tendo em vista a compatibilização entre o art. 20 da lei n. 7.716/89 e a injúria qualificada, introduzidos pela mesma lei. Em primeiro lugar, ressalta-se que a conduta injuriosa baseada em preconceito é de fato encarada pela própria sociedade como racismo.
Para boa parte da doutrina somente haverá crime de racismo quando as ofensas forem direcionadas indistintamente a todo o grupo discriminado, a exemplo de expressões como “os índios são preguiçosos” ou “os negros são desonestos” dentre outras manifestações de intolerância. Nessa linha de pensamento, as ofensas diretas às pessoas como referências à cor, como “o negro safado, ponha-se no seu lugar!”, deveriam ser tidas como injúria qualificada. É um conceito restritivo do que é racismo que não encontra ressonâncias no pensamento das pessoas e que, por consequência, não traduz a consciência social de nosso povo.[85] (grifos nossos)
A visão dos tribunais. 
Apesar das semelhanças apontadas, não há no Brasil tendência significativa doutrinária ou jurisprudencial a entender a injúria preconceituosa do Código Penal como crime de racismo, na acepção de que empolgue incidência do art. 5º, XLII.
O STF embora não tenha emitido julgado no qual essa questão fosse a controvérsia central, a decisão da Segunda Turma da Corte no bojo HC n. 86452-0, de relatoria do min. Joaquim Barbosa, em nenhum momento aventa a possibilidade de inexistir prescrição sobre o tipo do art. 140, §3º do Código Penal.
No caso em tela, o paciente estava sendo processado com base nos artigos 140, §3º e 141, inciso III do Código Penal. O impetrante pretendia ver concedida ao paciente a suspensão condicional do processo, previsto na lei n. 9.099/95.
Não obstante, o Ministério Público em seu parecer suscitou outro ponto, em sede de preliminar, consistente no entendimento de que o crime estaria prescrito e, portanto, deveria ser reconhecida a extinção da punibilidade do paciente.
O relator ao enfrentar a questão conclui que a manifestação ministerial era equivocada na medida em que desconsiderou-se o componente racial das ofensas do paciente. Nesse sentido, o MP baseou-se na cominação legal da injúria simples, de um a dois anos para afirmar a ocorrência da prescrição.
E o ministro relator encerra afirmando que, tendo em conta a pena máxima de três anos prevista para o crime do art. 140, §3º, a prescrição ocorre em oito anos, de acordo com o previsto no art. 109, IV do CP. Assim, não se poderia falar em prescrição no caso concreto.
Considerando-se que o voto do relator foi seguido unanimemente pela Segunda Turma, transparece que até o momento inexiste no STF qualquer tendência de interpretação da injúria por motivo de preconceito como crime de prática de racismo.
O Superior Tribunal de Justiça acompanha o STF na tese de prescritibilidade do crime de injúria qualificada por preconceito. Como demonstração disso estão os próprios julgados, em habeas corpus, anteriormente analisados, RHC n. 18.620-PR e n. 19.166-RJ.
A mesma linha de raciocínio seguem os Tribunais de Justiça dos estados federativos, v.g. Ap. n. 200930063132 (TJPA), Ap. n. 70043206143 (TJRS) e Ap. 100.014 (TJRO). E, embora na justiça federal sejam mais raros os casos que envolvam o tema, o entendimento se repete, v.g. ACr. n. 42 PR (TRF 4ª Região).
Conclusão 
A partir dos elementos trazidos a lume no decorrer do presente trabalho, a única certeza é de que o preconceito sempre será uma constante no caminho da humanidade. Embora a discriminação seja hoje em dia mais sistematicamente combatida em comparação com tempos anteriores, ela persiste na mentalidade das pessoas, seja conscientemente ou não.
E o conceito prévio acerca do outro pode assumir inúmeras formas que vão desde uma avaliação negativa em relação à condição social de um indivíduo até a cor de sua pele. Ainda que a experiência possa derrubar determinados preconceitos, alguns grupos sociais não conseguem escapar à estigmatização e a perpetuação de estereótipos sobre eles.
No Brasil, especificamente, as raízes históricas da segregação da população negra, por exemplo, produzem efeitos até os dias atuais. E em função de certas particularidades, o preconceito dirigido a tal parcela da população brasileira não se dá às claras, mas surge escamoteado por pequenas ações do dia-a-dia.
Diante disso, muitos anotam que a democracia racial no Brasil seria apenas um mito, que é fruto da negação veemente de qualquer comportamento discriminatório para com os negros ou pardos.  Ademais, a força desse mito permite que a realidade dos dados socioeconômicos no país seja ignorada no que tange à desigualdade de condições
suportada por esses grupos.
Ciente desse contexto, o legislador constituinte originário de 1987 consignou que o crime da prática de racismo deveria ser punido mais severamente, no que é acompanhado por outras infrações às quais a Constituição reservou igualmente menção expressa.
Assim, a postura adotada pelos constituintes constitui exceção que confirma a regra de que a definição de quais comportamentos devem ser rotulados como crime depende da consciência social, que se encontra em constante mudança.
Nesse sentido, tão mais expressiva é a adoção no texto constitucional de dispositivos - a maioria sob o manto de proteção que recai sobre as cláusulas pétreas - que atuam diretamente sobre quais bens da vida necessitam obrigatoriamente de albergue da lei penal, em todo o seu simbolismo.
O sistema jurídico de combate ao preconceito e à discriminação no Brasil tem como base de sustentação a lei n. 7.716/89 (Lei Caó), que teve seu surgimento atrelado diretamente ao mandando constitucional de criminalização da prática do racismo.
Ocorre que, a determinação de quais crimes seriam prática de racismo não obrigatoriamente necessita ficar restrita àquela lei. O legislador ordinário não foi limitado na sua criatividade nesse aspecto, embora tenha sido instruído a aplicar sobre os crimes raciais determinadas características de imprescritibilidade, inafiançabilidade e apenação com reclusão.
Ao longo do tempo, a lei n. 7.716/89 sofreu inúmeras alterações ao seu texto. E é possível apontar a mais relevante mudança nesse período como aquela promovida pela lei n. 9.459/97, que de uma só vez estendeu o âmbito de incidência da Lei Caó, assim como alterou significativamente o seu art. 20, além de ter inserido no Código Penal a primeira referência à injúria qualificada pelo preconceito.
Ainda no que se refere à luta contra a discriminação, o Código Penal também teve alterado seu art. 149, no ano de 2003. Com isso, houve a criação de uma causa de aumento de pena para o crime de redução à condição análoga à de escravo cometido com motivação preconceituosa.
Dentro desse cenário legal, este trabalho objetivou determinar se seria possível afirmar que as restrições constitucionais incidentes sobre os crimes de prática de racismo poderiam ser aplicadas à injúria e ao crime de plágio quando motivados por preconceito.
E, ao final da pesquisa empreendida, cristalizou-se a percepção de que inexiste qualquer tendência robusta no sentido de responder afirmativamente à questão central do estudo. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência mostram-se quase pacíficas para entender que a lei n. 7.716/89 esgota em absoluto a determinação de criminalização imposta no art. 5º, inciso XLII da Constituição Federal.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando