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BREVES COMENTÁRIOS À LEI DE COMBATE ÀS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS (LEI Nº 12.850/2013) 2 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Sumário I - TIPO PENAL DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA....................................................3 II - DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA..........................9 III - DA COLABORAÇÃO PREMIADA....................................................................10 IV - DA AÇÃO CONTROLADA..............................................................................20 V - DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES......................................................................25 VI - DO ACESSO A REGISTROS, DADOS, DOCUMENTOSE INFORMAÇÕES.........29 VII – CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................31 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................32 3 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS BREVES COMENTÁRIOS À LEI DE COMBATE ÀS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS (LEI Nº 12.850/2013) I - TIPO PENAL DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA Evolução legislativa e conceito legal de organização criminosa Em 1995, o Congresso Nacional editou a Lei 9.034, dispondo sobre “a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”. Todavia, referida lei não definiu o que viria a ser organização criminosa. Ou seja, apesar de trazer instrumentos para o combate às organizações criminosas, o objeto da lei continuou sem definição. Diante deste vácuo legislativo, parcela da doutrina e jurisprudência se valeu da definição trazida pela Convenção de Palermo, que trata da criminalidade organizada transnacional. Contudo, o STF, no julgamento do Habeas Corpus 96007, envolvendo a lavagem de dinheiro por meio de uma organização criminosa, entendeu pela atipicidade do crime antecedente de organização criminosa, por ausência de definição na legislação penal brasileira. Entendeu a Suprema Corte que a Convenção de Palermo não poderia ser utilizada para suprir a omissão legislativa quanto à definição jurídica de organização criminosa. Seria “acrescentar à norma penal elementos inexistentes, o que seria uma intolerável tentativa de substituir o legislador, que não se expressou nesse sentido”. Em seguida, veio a Lei 12.694/2012, trazendo o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição e definindo organização criminosa para o Direito Penal Interno, em seu art. 2º, da seguinte forma: “para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”. Finalmente, em 2013, veio a Lei 12.850, redefinindo organização criminosa e dispondo sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas, o procedimento criminal a ser aplicado, revogando ainda expressamente a Lei 9.034/95. De acordo com o art. 1º, § 1º, desta norma, “considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais 4 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. Analisando as definições trazidas pelo legislador brasileiro, verifica-se que as grandes mudanças entre os conceitos trazidos pela Lei 12.694/2012 e 12.850/2013 são: o primeiro conceito exige o mínimo de 3 (três) associados, enquanto o segundo exige o mínimo de 4 (quatro) pessoas; a definição de 2012 fala de “prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos”, já a nova definição afirma “prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos”. ATENÇÃO: as Leis 12.694/12 e 12.850/2013 atualmente coexistem, tendo sido a primeira revogada tacitamente apenas no que se refere ao conceito de organização criminosa. Aplicabilidade por extensão Embora esta a Lei 12.850/2013 tenha sido editada para tipificar organização criminosa, regulando o procedimento de sua apuração, o legislador optou também por estender a aplicação dos seus institutos (ação controlada, infiltração de agentes, colaboração premiada etc.) a outras infrações penais, consideradas de elevada danosidade social. Daí o art. 1º, § 2º definir que esta lei também se aplica: ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA EVOLUÇÃO CONCEITUAL CONVENÇÃO DE PALERMO LEI 12.694/2012 LEI 12.850/2013 grupo estruturado de três ou mais pessoas associação, de 3 (três) ou mais pessoas Associação de 4 (quatro) ou mais pessoas existente há algum tempo e atuando concertadamente estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente Estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza Com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional 5 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos (alteração esta trazida pela Lei 13.260/2016, conhecida como Lei Antiterrorismo). Da criminalização da organização criminosa Embora a Lei 12.694/2012 tenha trazido para o Direito Penal Interno o conceito de organização criminosa, apenas com a Lei 12.850/2013 a promoção, constituição financiamento ou a integração à organização criminosa passou a ser crime autônomo. De acordo com o art. 2º da lei em comento, constitui crime: Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. Ou seja, este dispositivo pune a organização criminosa, cuja definição encontra-se no já referido art. 1º, § 1º. Com a Lei 12.850/2013, a figura da organização criminosa deixou de ser apenas uma forma de se praticar crime para se tornar delito autônomo, com pena de reclusão de três a oito anos. Está-se diante de novatio legis incriminadora irretroativa, não podendo alcançar, portanto, fatos pretéritos. Partindo do conceito do art. 1º, § 1º, pode-se afirmar que, além da pluralidade de agentes, o tipo penal demanda estabilidade e permanência. Ausentes taisrequisitos, pode-se estar diante de um mero concurso de pessoas. Sujeito ativo: qualquer pessoa, desde que se identifique, no mínimo, quatro pessoas (crime de concurso necessário). Obs.: esse número mínimo de 4 associados pode ser constituído, inclusive, por inimputáveis, bem como associados não identificados, bastando haver provas de que naquela organização havia, no mínimo, 4 pessoas. Sujeito passivo: é a sociedade. Está-se diante de um crime vago (ou de vitimização difusa). 6 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Bem jurídico tutelado: a paz pública Elemento subjetivo: delito doloso (não admite forma culposa). Classificação: crime comum (qualquer pessoa pode praticar); formal (não exige a consumação de qualquer resultado naturalístico); de forma livre; comissivo; misto alternativo (pode o agente praticar uma ou mais conduta das previstas que ainda assim configura apenas um crime); permanente, cuja consumação se prolonga no tempo enquanto perdurar a organização; de perigo abstrato (potencialidade lesiva presumida por lei); plurissubjetivo (demanda várias pessoas para sua concretização); plurissubsistente (praticado em vários atos). Consumação e tentativa: tratando-se de delito formal, consuma-se com o ato de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa. Não admite tentativa. Por se tratar de delito permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, cabe flagrante enquanto não desfeita a associação. ATENÇÃO: por ser delito autônomo, a punição da organização criminosa independe da prática de qualquer outro crime por parte de seus membros. Caso pratiquem crimes, ocorre concurso material (art. 69, CP), cumulando-se as penas. Obstrução ou embaraço de investigação de infração penal referente à organização criminosa Art. 2º, § 1º, “Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. Pratica este crime pessoa que não pertença à organização criminosa, mas que, de qualquer forma, passa a embaraçar a investigação de uma organização criminosa ou crime por ela praticado. Majorante do emprego de arma de fogo Art. 2º, § 2o “As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo”. Logo, não se aplica esta majorante para o uso de qualquer arma, mas apenas armas de fogo. Ademais, de acordo com os tribunais superiores, é dispensável a apreensão da arma, bastando apenas a prova inequívoca de sua utilização. 7 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Agravante referente ao comando da organização criminosa Art. 2º, § 3o “A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução”. Sobre esta agravante, Sanini (2014) afirma que “(...) está aí mais uma clara influência da teoria do domínio do fato, pois, nos seus termos, autor é não só quem executa a ação típica (autoria imediata), como também aquele que tem o poder de decisão sobre a realização do fato. Aliás, o dispositivo em questão foi além, punindo de maneira mais severa a conduta daquele que exerce o comando da organização criminosa”. Demais causas de aumento de pena “Art. 2º, § 4o A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): I - se há participação de criança ou adolescente; II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização”. Sobre a causa de aumento de pena prevista no inciso V (transnacionalidade da organização), afirma Nucci (2014) ser “inaplicável, evitando-se o bis in idem, quando se tratar de organização transnacional. Afinal, a transnacionalidade é elementar do tipo incriminador (art. 2.º, caput, c.c. o art. 1.º, § 1.º., da Lei 12.850/2013)”. Afastamento cautelar do servidor público de suas funções Art. 5º, § 5o Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual. 8 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Este parágrafo apenas reforça o disposto no art. 319, VI, CPP, que já previa como medida cautelar diversa da prisão a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”. Tal medida pressupõe o binômio das cautelares, qual seja, a presença do fumus boni juris e o periculum in mora. Perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e interdição para o exercício de função ou cargo público Art. 5º, § 6o A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena. Trata-se de efeito automático da condenação, imposto por força de lei. Logo, independe de imposição expressa do magistrado na decisão condenatória. Da investigação de policiais envolvidos com organização criminosa Art. 2º, § 7o Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão. Logo, quem investiga agente policial, de acordo com esta disposição legal, é a própria Polícia, sob fiscalização do Ministério Público. Trata-se de desdobramento do controle externo da atividade policial exercido pelo MP. Este dispositivo visa a garantir a eficiência das investigações, impedindo-se omissões decorrentes de corporativismos. Organização criminosa x associação criminosa Além de trazer nova definição para organização criminosa, a Lei 12.850/2013 alterou ainda o art. 288 do CP, excluindo a denominação “quadrilha ou bando”, passando o tipo a se chamar “associação criminosa”. Segue quadro comparativo entre organização criminosa e a figura da associação criminosa: 9 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Obs.: além dos dispositivos citados, a lei 12.850/13 criou ainda outros novos tipos penais, em especial, buscando resguardar a eficiência dos meios extraordinários de obtenção de prova (Art. 18. Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito; Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas; Art. 20. Descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes; Art. 21. Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo...). II - DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA O art. 3º da Lei 12.850/2013 traz um rol de meios de obtenção de provas que poderão ser utilizados no curso da persecução penal(fase investigatória e processual), sem prejuízo de outros já previstos em lei. Tais meios de prova podem ser utilizados tanto para investigar a organização criminosa em si como também para as infrações penais dela decorrentes. Segue o rol previsto pela lei: I - colaboração premiada; II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III - ação controlada; IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; QUADRO COMPARATIVO ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA - 4 ou mais pessoas - exige estabilidade e permanência - exige divisão de tarefas e estrutura ordenada - visa a prática de infrações penais com pena superior a 4 anos ou caráter transnacional - visa vantagem de qualquer natureza - 3 ou mais pessoas - exige estabilidade e permanência - dispensa divisão de tarefas e estrutura ordenada - fim específico de cometer crimes 10 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11; VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal. Observa-se que os meios de provas elencados no art. 3º já existiam. A grande novidade da Lei 12.850/213, então, não foi a criação destes meios, mas sim regulamentá- los. Muitos aspectos que antes eram discutidos apenas em sede doutrinária e jurisprudencial foram, enfim, regulamentadas pelo Congresso Nacional. A seguir, uma síntese destas novidades. III - DA COLABORAÇÃO PREMIADA Conceito Colaboração é uma técnica especial de investigação através da qual o coautor ou partícipe da infração penal presta auxílio, colabora trazendo dados desconhecidos e de importância para as investigações, buscando uma vantagem ou recompensa. A Lei 12.850/2013 utiliza o termo colaboração premiada, embora a expressão mais comumente utilizada até então seja delação premiada. Parte da doutrina defende que colaboração premiada seria gênero, ao passo que delação premiada seria uma das espécies de colaboração. Isto porque, quando se fala em delação, obrigatoriamente, o agente delataria os demais coautores ou partícipes. Mas não é o que sempre ocorre. Num crime de lavagem de capitais, por exemplo, o interesse pode não ser em descobrir os demais coautores, mas sim a localização do produto do crime, como dinheiro desviado para contas no exterior. Previsão legal Alguns doutrinadores defendem que o nosso Código Penal, desde a reforma da parte geral de 1984, já traria alguns instrumentos de delação premiada, como a atenuante prevista no art. 65, III, b, e os institutos do arrependimento eficaz e arrependimento posterior, previstos, respectivamente, nos arts. 15 e 16. Porém, a primeira lei que tratou da colaboração premiada expressamente foi a Lei dos Crimes Hediondos, no ano de 1990 (Lei n. 8.072/90). O instituto, com o passar dos anos, acabou ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro, estando previsto, atualmente, em diversas outras leis, como o art. 159, § 4º, do Código Penal; arts. 13 e 14 da Lei de Proteção às Testemunhas(Lei 9.807/99); art. 16 da Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo (Lei 8.137/90); art. 25, § 2º da Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/86); art. 1º, § 5º da Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9613/98); art. 41 da Lei de Drogas (Lei 11.343/06); art. 87 da Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência(Lei 12.529/11); bem como na Lei 13.850/2013, ora objeto de estudo. 11 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS COLABORAÇÃO PREMIADA / DELAÇÃO PREMIADA QUADRO COMPARATIVO PREVISÃO LEGAL CRIMES REQUISITOS PREVISTOS EM LEI PRÊMIO - art. 159, § 4º, Código Penal - crime de extorsão mediante sequestro - denúncia facilitando a libertação do sequestrado - diminuição de um a dois terços - art. 8º, PU, da Lei de Crimes Hediondos Lei 8.072/90 - associação criminosa que pratica crime hediondo ou equiparado - denúncia da associação criminosa, possibilitando o desmantelamento Obs.: lei fala em “bando ou quadrilha”, mas, segundo a doutrina, deve-se entender atualmente como “associação criminosa” - diminuição de um a dois terços - arts. 13e 14 da Lei de Proteção às Testemunhas Lei 9.807/99 - qualquer crime - réu primário (para concessão do perdão judicial) - colaboração efetiva e voluntária - identificação de coautores ou partícipes - localização da vítima com integridade física preservada (para perdão judicial) ou com vida (para a redução da pena) - recuperação total ou parcial do produto do crime - consideração das circunstâncias subjetivas para o perdão judicial (personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso) - perdão judicial (extinção da punibilidade) - redução de um a dois terços da pena - art. 4º a 7º da Lei das Organizações Criminosa Lei 12.850/13 - crime de organização criminosa e os delitos por ela praticados - colaboração efetiva e voluntária - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada - análise das circunstâncias subjetivas (personalidade, natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social). - perdão judicial - redução em até 2/3 da PPL - substituição da PPL por PRD - não oferecimento da denúncia pelo MP se o colaborador: a) não for o líder da organização criminosa; b) for o primeiro a prestar efetiva colaboração (obs.: tema divergente se seria um “prêmio” ou apenas um não oferecimento temporário) - se a colaboração for depois da sentença: redução da pena até a metade ou progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos 12 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS - art. 16 da Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e c/ Relações de Consumo Lei 8.137/90 - crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo - confissão espontânea revelando à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa - diminuição de um a dois terços da pena - art. 25, § 2º da Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional Lei 7.492/86 - crimes contra o sistema financeiro nacional - confissão espontânea, revelando à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa - diminuição de pena de um a dois terços - art. 1º, § 5º da Lei de Lavagem de Capitais Lei 9613/98 - crime de lavagem de capitais - colaboração espontânea - apuração das infrações penais - identificação dos autores, coautores e partícipes ou- localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime - diminuição de pena de um a dois terços - cumprimento da pena em regime aberto ou semiaberto - não aplicação da pena (perdão judicial) - substituição da PPL por PRD - art. 41 da Lei de Drogas Lei 11.343/06 - crimes da lei de drogas - colaboração voluntária - identificação dos demais coautores ou partícipes - recuperação total ou parcial do produto do crime - diminuição de um a dois terços da pena - art. 87 da Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência Lei 12.529/11 - crimes contra a ordem econômica e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel - celebração de acordo de leniência, com diversos requisitos, dentre eles: - colaboração efetiva - identificação dos demais envolvidos - obtenção de informações e documentos que comprovem a infração - cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes 13 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Prós e contras da colaboração premiada Dentre os pontos negativos trazidos pela doutrina, destacam-se os seguintes: a colaboração premiada seria um procedimento antiético, imoral, e, portanto, incompatível com o Estado Democrático de Direito, que estaria incentivando e premiando a traição. Ademais, feriria a proporcionalidade da pena, por possibilitar que o delator receba uma pena menor que os delatados, apesar de terem praticado condutas de similar gravidade. Além disso, traição, como regra, serve para agravar ou qualificar práticas delitivas, o que seria um contra-senso utilizá-la como prêmio legal. O instituto estimularia também vinganças pessoais e delações falsas. Rebatendo as críticas, os defensores do instituto argumentam, dentre outras coisas, que no universo criminoso não se pode falar em ética ou valores moralmente elevados, dada a própria essência das organizações criminosas, que atuam desrespeitando as normas vigentes, ferindo bens juridicamente protegidos pelo Estado. A “traição”, aqui, teria bons propósitos, agindo contra o delito e em favor do Estado Democrático de Direito. Ressalte-se, ainda, que o delator, ao colaborar com o Estado, demonstraria menor grau de culpabilidade (juízo de reprovação social), sendo justificável uma reprimenda menos grave. Caso ocorram falsas delações, estas devem ser punidas severamente. Requisitos legais Para a concessão dos benefícios da delação premiada, é necessário que o agente tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. A lei estipula ainda que a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. Obs.: voluntariedade significa agir livre de qualquer coação física ou moral, embora não seja necessária a espontaneidade. 14 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Obs.2: colaboração com a investigação e com o processo criminal? A princípio, haveria cumulatividade, cabendo ao delator cooperar tanto na fase investigativa quanto no processo, tal como ocorre com a confissão, vez que de nada adiantaria apontar cúmplices durante o inquérito para, depois retratar-se em juízo. De acordo com Nucci (2014), “A cumulação é razoável. Entretanto, se o investigado não colabora durante a investigação, mas o faz na fase processual, pode-se acolher a delação premiada, dispensando-se a cumulatividade”. Possibilidades de prêmios advindos da colaboração Havendo colaboração premiada, o juiz pode tomar uma das seguintes medidas (art. 4º, caput): a) conceder o perdão judicial, com a conseqüente extinção da punibilidade b) condenar o réu, porém, reduzindo a pena em até 2/3 c) substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos do art. 43 do CP Se a colaboração for depois da sentença, caberá: a) redução da pena até a metade ou b) progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos. Sobre o perdão judicial, se a colaboração prestada for muito relevante, o MP ou o Delegado de Polícia poderão se manifestar pedindo ao juiz a concessão do perdão judicial ao colaborador, com a consequente extinção da punibilidade. É o que se extrai do art. 4º, § 2º da Lei 12.850/2013, segundo o qual: Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando- se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Não oferecimento da denúncia Prevê o parágrafo § 4º do art. 4º que o Ministério Público, quando presentes as hipóteses do caput (colaboração efetiva e voluntária com um ou mais resultados dos incisos), poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: a) não for o líder da organização criminosa; e b) for o primeiro a prestar real cooperação. Sobre a questão, indaga-se: deixar de oferecer a denúncia por quanto tempo? Indefinidamente? -> 1º corrente – parte da doutrina, como Renato Brasileiro (2014, p. 529), defende que o Ministério Público pode deixar de oferecer a denúncia em relação ao colaborador de forma definitiva, pedindo o arquivamento das investigações em relação a ele. . Haveria aqui mais uma exceção ao princípio da obrigatoriedade. Aplicar-se-ia o mesmo raciocínio do art. 87 da 15 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011), em que a celebração do acordo suspenderia o prazo prescricional e impediria o oferecimento da denúncia, e que, uma vez cumprido o acordo, extinguir-se-ia a punibilidade do agente. -> 2ª corrente – segundo Nucci (2014), o não oferecimento da denúncia não seria permanente e não equivaleria ao arquivamento, vez que toda colaboração somente recebe o prêmio, seja ele qual for, passando por juiz. Além disso, o arquivamento, puro e simples, não fornece nenhuma segurança ao delator, que poderá ser chamado a depor e não poderá recusar-se, nem invocar medidas de proteção. Há um termo de acordo de colaboração premiada a ser feito por escrito e a ser devidamente homologado pelo juiz, que deve avaliar a sua regularidade, legalidade e voluntariedade. Ademais, segundo se sabe, o arquivamento pode provocar processo-crime posteriormente, desde que surjam provas novas. Nucci defende a aplicação do prazo previsto no § 3º para o não oferecimento da denúncia, ou seja, de até seis meses, prorrogáveis por igual prazo. Suspensão do prazo para oferecimento da denúncia ou processo Durante as investigações, é possível que a colaboração do delator dependa de mais dados ou informes, até que seja possível solicitar ao juiz o prêmio. Em razão disso, a lei autoriza a suspensão por até seis meses, prorrogáveis por igual período, do prazo para oferecimentoda denúncia ou do processo, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional (art. 4.º, § 3.º, da Lei 12.850/2013). Quem realiza as negociações? Segundo a letra da lei, realizam negociação o delegado, o investigado e o seu defensor, contando com a manifestação do Ministério Público; ou o Ministério Público, o investigado (ou acusado) e seu defensor (art. 4.º, § 6.º). Efetivado o acordo, lavra-se o termo por escrito, nos termos do art. 6.º da Lei 12.850/2013. ADI 5508 e a legitimidade do delegado de realizar acordo de colaboração premiada A ADI 5508, ajuizada no STF pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, questiona a legitimidade do delegado para realizar acordos de colaboração premiada. No mérito, a ADI pede a declaração de inconstitucionalidade dos trechos questionados (parágrafos 2º e 6º do art. 4º da Lei 12.850/2013) ou, sucessivamente, que seja dada interpretação conforme a Constituição, a fim de considerar indispensáveis a presença do Ministério Público em todas as fases de elaboração de acordos de colaboração premiada e sua manifestação como de caráter obrigatório e vinculante. 16 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS REALIZAÇÃO DE ACORDOS DE DELAÇÃO PREMIADA E A LEGITIMIDADE DO DELEGADO DE POLÍCIA – ADI 5508 PRINCIPAIS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À LEGITIMIDADE DO DELEGADO TRAZIDOS PELO PGR PRINCIPAIS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À LEGITIMIDADE DO DELEGADO TRAZIDOS PELA AGU - os trechos impugnados da lei, ao atribuírem a delegados de polícia legitimidade para negociar acordos de colaboração premiada e propor diretamente ao juiz concessão de perdão judicial a investigado ou réu colaborador, contrariam os princípios do devido processo legal e da moralidade. - contrariam, ainda, a titularidade da ação penal pública conferida ao Ministério Público pela Constituição (artigo 129, inciso I), a exclusividade do exercício de funções do Ministério Público por membros legalmente investidos na carreira (artigo 129, parágrafo 2º, primeira parte) e a função constitucional da polícia como órgão de segurança pública (artigo 144, especialmente parágrafos 1º e 4º). - a investigação deve ocorrer em harmonia com as linhas de pensamento, de elucidação e de estratégia firmadas pelo MP, “pois é a este que tocará decidir sobre propositura da ação penal e acompanhar todas as vicissitudes dela, até final julgamento”. – “Perfeitamente possível e constitucional, pois, que o delegado de polícia possa realizar tratativas visando à realização de acordo de colaboração, dando uma maior eficácia ao processo penal, garantindo maior celeridade à justiça e na consecução da verdade processual e no desmantelamento da criminalidade, na medida em que possibilita a obtenção de informações privilegiadas acerca de crimes com grande dimensão”. - “a presidência do inquérito policial é exclusividade da Polícia Judiciária, como não se cansa de afirmar a Suprema Corte, competindo tal presidência ao delegado de polícia. A legislação confere ao delegado de polícia, por ser o titular do inquérito policial, as ferramentas necessárias ao exercício dessa competência”. - “a autoridade mais indicada para saber quais as necessidades da investigação em desenvolvimento, e a utilização da colaboração premiada constitui um dos possíveis caminhos a serem trilhados na busca pela verdade e na formação do convencimento jurídico acerca dos fatos durante a investigação policial” - “a legitimidade de o delegado de polícia ao realizar tratativas de colaboração premiada desburocratiza o instituto e o torna mais ágil e eficaz, não importando em perdas para o Estado de Direito Democrático, na medida em que será submetida à apreciação do Ministério Público e à homologação pelo Poder Judiciário” 17 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Momento para a celebração do acordo Em geral, a celebração do acordo de colaboração premiada ocorre na fase investigatória, destinada à colheita de elementos de informação necessários para o início do processo. No entanto, este acordo de colaboração premiada também pode ser celebrado durante a fase processual. E, findada a instrução do processo-crime, permanecendo o acordo homologado entre delator e Estado, o juiz apreciará a sua abrangência para aplicação do que fora acordado (art. 4.º, § 11, da Lei 12.850/2013). Vale ressaltar ainda que é perfeitamente possível que a colaboração premiada seja celebrada durante a execução penal, cabendo como prêmio, neste caso, a redução da pena até a metade ou a progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos (art. 4º, § 6º). Atuação do juiz O juiz deve ser imparcial. Em razão disso, a lei, corretamente, o exclui das negociações entre o Estado e o delator (art. 4.º, § 6.º). Porém, uma vez celebrado o acordo, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, cabendo ao magistrado verificar a regularidade, legalidade e voluntariedade do ato, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor (art. 4.º, § 7.º). É possível que o juiz recuse a homologação do acordo, caso entenda não preenchidos os requisitos legais, ou, ainda, que realize uma adequação ao caso concreto (art. 4.º, § 8.º). Formalidades do acordo de colaboração premiada As formalidades do acordo de colaboração premiada estão previstas no art. 6º da lei em estudo, que determina que o respectivo termo deverá ser feito por escrito e conter: I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados (identificação de coautores; crimes cometidos; delitos a praticar etc.) - o prêmio deve ser adequado à amplitude do resultado II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia – como dito em tópico antecedente, existe uma ADI questionando a legitimidade dos delegados para negociar. III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor – é a prova cabal da voluntariedade do colaborador. IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor. 18 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário – são as medidas de proteção previstas na Lei de Proteção às Testemunhas(Lei 9.807/99) Direito ao silêncio A lei afirma que, “Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade” (art. 4º, § 14.). Mas, se uma das características dos direitos fundamentais é a inalienabilidade, seria possível renunciar ao direito ao silêncio? Pacelli (2013) afirma que houve neste dispositivo ausência de técnica legislativa e que a colaboração seria um ato voluntário do agente, e não uma imposição legal. O ideal é pensar que o colaborador optará pelo não exercício do direito ao silêncio. Assim como sempre foi possível confessar, ao invés de se valer do direito ao silêncio, também seria possível colaborar sem que isso importasse em renúncia a tal direito, que, como direito fundamental, é irrenunciável. Dos direitos do colaborador Os direitos do colaborador estão previstos no art. 5º da Lei em comento. São eles: I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica – tais medidas estão previstas na Lei 9.807/99 (Lei de Proteção a Testemunhas e Vítimas), particularmente, no disposto pelos arts. 7º,8º e 9º. II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados. III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes. IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados. V - não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito - trata-se de decorrência do inciso II. Aliás, constitui crime tal divulgação, conforme se verifica no art. 18 desta lei. VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados - evita-se, com isso, represálias contra o colaborador. Isto porque o delator se torna um inimigo geral dos delinqüentes, podendo ser agredido até mesmo morto. Do sigilo O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto (art. 7º, caput). As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas (§ 1º). Trata- se, porém, de prazo impróprio, ou seja, uma vez descumprido, não gera qualquer 19 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS consequência. Porém, conforme o caso, diante da urgência, cabe ao magistrado homologar o mais breve possível. Tendo em vista o sigilo das investigações e dos termos do acordo submetido à homologação, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento (§ 2o). Por exemplo, uma escuta telefônica judicialmente autorizada, enquanto estiver em desenvolvimento, não cabe acompanhamento pela defesa do investigado, sob pena de se tornar inútil. Afirma o § 3º do art. 7º que “o acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5º”. Porém, Nucci (2014) afirma que, excepcionalmente, “o juiz pode decretar sigilo durante a instrução em juízo, medida assegurada pelo próprio texto constitucional, com o fim de preservar a intimidade e garantir o interesse público”. Oitiva do colaborador e necessidade de advogado Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações (art. 4º, § 9º). Aliás, a lei afirma outrossim que, ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial (§ 12). Vale ressaltar que, em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor (§ 15). É a garantia da ampla defesa. A delação envolve admissão de culpa, entrega de comparsas, dentre outros fatores. Logo, por tratar de questões delicadas, a assistência jurídica é de extrema importância. Por cautela, a lei especifica que “sempre que possível” (quando os meios estiverem disponíveis no local da investigação), o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações (§ 13). 20 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Possibilidade de retratação da proposta. Retratar significa voltar atrás, desdizer. Por exemplo, o colaborador pode entender que a delação lhe trará mais prejuízos que vantagens com o acordo, ou os órgãos de persecução podem não ter sucesso na obtenção de provas, tal como prometido pelo delator. Daí, a lei trazer a possibilidade de retratação da proposta. A lei ressalta, todavia, que, neste caso, as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor (art. 4º, § 10). Valor probatório da colaboração premiada O CPP, em seu art. 197, já estabelecia que “o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”. De igual forma, o § 16 do art. 4º reproduz o caráter de relatividade conferido à confissão do réu também ao instituto da colaboração premiada, ao afirmar que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. Isto porque a colaboração pode ter vários interesses escusos, inclusive vingança, abrangendo mentiras e falsidades. Daí por bem o legislador atribuir expressamente valor probatório relativo. IV - DA AÇÃO CONTROLADA Conceito De acordo com a lei objeto de estudo, “consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações” (art. 8o, caput). Assim, quando, futuramente, ocorrer a intervenção dos órgãos estatais responsáveis pela persecução penal, será possível, por exemplo, atingir um maior número de envolvidos, a apreensão de maior quantidade de armas, drogas, etc. Verifica-se que a nova lei permite, de maneira inovadora, que a providência da ação controlada seja efetivada também no âmbito administrativo, e não apenas por parte da polícia. Assim, autoriza-se o monitoramento e controle do ato ilícito em apurações administrativas, como agentes das receitas estaduais e federal, integrantes da Agência Brasileira de Inteligência, etc. 21 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Previsão legal Além dos arts. 8º e 9º da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), o instituto também possui previsão no art. 53, II, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) e art. 4º- B, da Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998), com redação dada pela Lei n. 12.683/2012, que veio dar maior eficiência à persecução penal dos crimes de lavagem de capitais. Da (des)necessidade de autorização judicial e limites à ação controlada Na Lei 9.034/95, que tratava do combate às organizações criminosas, revogada expressamente pela Lei 12.850/2013, não havia qualquer menção à necessidade de prévia autorização judicial. Em virtude disso, alguns doutrinadores, inclusive, faziam menção à ação controlada ali prevista como uma verdadeira “ação controlada descontrolada”. A seu turno, o art. 53 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), caput, é expresso ao mencionar que o retardamento da atuação policial se dará “(...) mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público”. De igual forma, a Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998), em seu art. 4º- B, preleciona que “(...) poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público” a ordem de prisão e as medidas assecuratórias (art. 4º-B). Logo, denota-se que, tanto na Lei de Drogas quanto na Lei de Lavagem de Capitais, é indispensável a autorização judicial para se valer da ação controlada. Questão interessante surge com a Lei 12.850/2013, cuja previsão legal do art. 8º, § 1º, assevera que o retardamento da intervenção policial ou administrativa “(...) será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá osseus limites e comunicará ao Ministério Público” (art. 8º, § 1º). Verifica-se que o legislador, neste caso, não fez referência à necessidade de prévia autorização judicial, sendo certo que, caso quisesse, teria feito de forma clara e expressa, como ocorre na infiltração de agentes, em que a Lei 12.850/2013 afirma que “será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites”. Conclui-se, portanto, que a Lei 12.850/2013 não exige para a ação controlada a prévia autorização judicial, bastando a comunicação prévia. Acertada a decisão do legislador, vez que, de um lado, a exigência de prévia autorização judicial poderia comprometer as investigações, vez que os fatos, muitas das vezes, podem se desenrolar de uma maneira muito rápida, exigindo-se, também, rápidas tomadas de decisões, tornando-se inviável aguardar uma decisão judicial, que pode demorar alguns dias. Por outro lado, o aviso prévio possibilita uma fiscalização da ação controlada por parte do Poder Judiciário, 22 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS evitando-se abusos e atos de corrupção. Ex.: determinada unidade policial recebe propina para não atuar na repressão de um esquema de contrabando de armas, do qual tinha ciência, e, uma vez descoberta a sua não atuação por outros órgãos fiscalizatórios, questionada sobre os fatos, alega estar em “ação controlada”. O aviso prévio ao magistrado possibilita, de igual forma, que o judiciário estabeleça limites à ação controlada, que podem ser de duas espécies: limites temporais (prazo máximo de duração da ação controlada) e limites funcionais (ou seja, estabelecer que ocorra a pronta intervenção da autoridade policial diante da possibilidade de danos a bens jurídicos de maior relevância). Pergunta-se: e se, por acaso, uma organização criminosa atuar no tráfico de drogas, há a necessidade de ordem judicial? Neste caso, antes mesmo do advento da Lei 12.850/2013, já havia precedentes do STJ no sentido de desnecessidade de autorização judicial, conforme exemplo a seguir: (...) à míngua de previsão legal, não há como se reputar nulo o procedimento investigatório levado à cabo na hipótese em apreço, tendo em vista que o artigo 2º, inciso II, da Lei n. 9.034/95 não exige a prévia autorização judicial para a realização da chamada "ação policial controlada", a qual, in casu , culminou na apreensão de cerca de 450 kg (quatrocentos e cinquenta quilos) de cocaína. 2. Ademais, não há falar-se na possibilidade dos agentes policiais virem a incidir na prática do crime de prevaricação, pois o ordenamento jurídico não pode proibir aquilo que ordena e incentiva. (STJ, HC 119.205/MS) Logo, será possível que a autoridade policial invoque o art. 8º, § da Lei 12.830, bastando apenas a comunicação prévia ao magistrado. AÇÃO CONTROLADA QUADRO COMPARATIVO LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS LEI DE TÓXICOS LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS CONCEITO LEGAL “Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações” (art. 8º) “Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios (...) a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível”. (art. 53, II) “A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações” (art. 4º-B) 23 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Procedimento da comunicação ao juiz Primeiramente, ocorre a comunicação ao juiz, conforme já mencionado (art. 8º, § 1º). Em segundo lugar, essa comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada (art. 8º, § 2º). Caberá ao juiz, então, se entender pertinente, estabelecer os limites da ação controlada, comunicando também ao Ministério Público. Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações (art. 8º, § 3o ). E, ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada art. 8º, § 3o ). Ação controlada é sinônimo de flagrante prorrogado (retardado ou diferido)? O flagrante prorrogado funciona como espécie de mitigação ao flagrante obrigatório, em que se deixa de efetuar a prisão de quem se encontra em estado flagrancial para efetuá-la num momento subseqüente. Diversos doutrinadores tratam tal modalidade de flagrante como sinônimo de ação controlada. Todavia, parcela da doutrina defende que a ação controlada seria mais abrangente que o flagrante prorrogado, vez que nem sempre a ação controlada dirá respeito à prisão em flagrante, podendo recair também sobre a prisão preventiva, temporária, e, ainda, sobre medidas assecuratórias, como o sequestro de bens ou a busca e apreensão. O art. 4º-B, da Lei de Lavagem de Capitais é exemplo disso, o qual prevê que “A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações”. Tal dispositivo fala em ordem de prisão de pessoas. Porém, as duas únicas espécies de prisão cautelar que dependem de ordem prévia são as prisões preventiva e temporária. Em razão disso, alguns doutrinadores, como Renato Brasileiro (2014, p. 552), defendem que na Lei de Lavagem de Capitais a ação controlada sequer pode recair sobre a prisão em flagrante. Em seus dizeres, ORDEM JUDICIAL? A lei fala que o retardamento da intervenção policial ou administrativa “(...) será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público” (art. 8º, § 1º) - não há necessidade de ordem judicial - basta a prévia comunicação A lei fala que o retardamento da atuação policial se dará “(...) mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público” (art. 53) - há, portanto, necessidade de autorização judicial A lei fala que “(...) poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público” a ordem de prisão e as medidas assecuratórias (art. 4º-B) - extrai-se também a necessita de ordem judicial 24 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Diversamente da Lei 11.343/06, a Lei 9.613/98 silenciou quanto ao adiamento da prisão em flagrante. De fato, ao se referir à suspensão da ordem de prisão de pessoas, inequivocadamente referiu-se à prisão preventiva, eis que a prisão em flagrante não depende de ordem judicial. Assim, para a autoridade policial e seus agentes, a prisão em flagrante continua configurando como obrigatória nos casos de lavagem de capitais, eis que não abrangidapelo dispositivo em análise. Em que consiste a entrega vigiada? A entrega vigiada também é uma espécie de ação controlada, prevista na Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004), definida neste documento como “a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática” (art. 2, “i”). O art. 20, que trata das técnicas especiais de investigação, afirma também que “1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação (...) a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada”. Ressalta ainda que “4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias”. Exemplo: a EBCT (Correios), durante suas vistorias internas, suspeita que no interior de uma correspondência há uma grande quantidade de drogas sendo enviada para o exterior. Daí, referida empresa pública comunica à polícia sobre o fato, a qual pode permitir que essa encomenda siga seu itinerário normal exatamente para que, no momento da entrega da encomenda, seja possível identificar quais seriam os demais envolvidos no esquema criminoso. No exemplo dado, seria possível ainda que a polícia substituísse a droga por outra substância permitida (entrega vigiada limpa) ou ainda que mantivesse a substância original (entrega vigiada suja). Obs.: Inicialmente, a entrega vigiada foi idealizada apenas para os casos de drogas. Todavia, com o passar dos anos, sua utilização acabou sendo estendida para outros crimes, como o tráfico de armas, tráfico de animais, obras de arte, lavagem de capitais, dentre outros bens que possam ser enviados através de correspondência. 25 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Ação controlada envolvendo transposição de fronteiras Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime (art. 9º da Lei nº 12.850/2013). Ademais, respeita-se, com tais providências, a soberania de outros países, evitando-se um conflito internacional. V - DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES Conceito A infiltração de agentes é uma técnica de investigação que se vale da introdução de um agente, de maneira dissimulada, no âmbito de uma organização criminosa, que passa a agir como um de seus integrantes, ocultando sua real identidade e acompanhando as atividades do grupo, conhecendo sua estrutura, divisão de tarefas, hierarquia, bem como outros elementos capazes de permitir a desarticulação da referida organização. Previsão legal O instituto em tela foi inicialmente tratado pela Lei 9.034/95 (antiga legislação das organizações criminosas, art. 2º, V) e na Lei 11.343/06 (Lei do Tráfico de Drogas, art. 53, I). Porém, agora, com a Lei 12.850/2013, o legislador, enfim, regulamentou de maneira detalhada o assunto, trazendo requisitos, procedimento, direitos do agente infiltrado, sua responsabilidade etc. QUADRO COMPARATIVO FLAGRANTE POSTERGADO AÇÃO CONTROLADA ENTREGA VIGIADA Refere-se apenas à prorrogação da prisão em flagrante. Obs.: há diversos doutrinadores que tratam flagrante postergado como sinônimo de ação controlada. Nem sempre a não atuação dos órgãos persecutórios diz respeito à prisão em flagrante, podendo recair também sobre prisão preventiva, temporária, e, ainda, sobre medidas assecuratórias, como o sequestro de bens ou a busca e apreensão Espécie de ação controlada que “consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática” (art. 2, “i” da Convenção de Palermo). 26 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Atribuição para a infiltração Extrai-se da alteração legislativa que, enquanto a revogada Lei 9.034/94 falava em “infiltração por agentes de polícia ou de inteligência” (art. 2º, V), a Lei 12.850/2013 fala apenas em “infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação” (art. 10, caput), excluindo a possibilidade de infiltração por agentes que não sejam policiais. Vale ressaltar que, ao mencionar agentes de polícia, a lei está se referindo a agentes de polícia no exercício de polícia judiciária (Polícia Federal e Polícias Civis), na medida em que se trata de uma técnica especial de investigação. Ou seja, não é adequado que um policial militar seja utilizado como agente infiltrado (a não ser que esteja na investigação de um crime de natureza militar). Requisitos Renato Brasileiro (2014, p. 562-563) elenca os seguintes requisitos para infiltração policial: a) prévia autorização judicial - a autorização deve conter os argumentos fáticos e jurídicos que indiquem a necessidade da diligência. A lei fala de “de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial”, que estabelecerá os limites da infiltração (art. 10, caput). b) “fumus comissi delicti” e “periculum in mora” – ou seja, é a demonstração da presença dos pressuposots das cautelares. A infiltração de agentes está condicionada à existência de elementos indiciários da existência de crimes praticados pelas organizações criminosas (fumus comissi delict). Afirma o art. 10, § 2º que “será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º (...)”. Em relação ao periculum in mora, há de ser levado em consideração o risco ou prejuízo que a não realização imediata dessa diligência poderá representar para a aplicação da lei penal, para a investigação criminal ou para evitar a prática de novas infrações penais. c) indispensabilidade da infiltração – ou seja, quando a prova não puder ser produzida por outros meios. Por ser uma medida invasiva à intimidade alheia, a infiltração deve ser a ultima ratio. É a clara aplicação do princípio da proporcionalidade. d) anuência do agente policial - nenhum policial pode ser obrigado a atuar como agente infiltrado. Logo, o agente pode recusar-se a cumprir esta diligência (“Art. 14. São direitos do agente: I - recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;”). Da representação do delegado e do requerimento do MP A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação pode ser representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo MP, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso do inquérito policial (art. 10, caput). Quando 27 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS for hipótese de representação do delegado, o juiz competente, antes de decidir, ouvirá o MP (art. 10, § 1º). Tanto o requerimento do Ministério Público quanto a representaçãodo delegado de polícia para a infiltração de agentes deverão conter a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração (art. 11). Procedimento O pedido de infiltração (representação do delegado ou requerimento do MP) será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado (art. 12, caput). Distribuído o pedido, as informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao juiz competente, que decidirá no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após manifestação do Ministério Público na hipótese de representação do delegado de polícia, devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado (art. 12, § 1º). A autorização judicial deve conter os argumentos fáticos e jurídicos que indiquem a necessidade da diligência. A lei fala de “de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial”, que estabelecerá os limites da infiltração (art. 10, caput). A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade (art. 10,§ 3º). Tem-se, aqui, um prazo mais coerente com a complexidade desta técnica de investigação (ao contrário do que ocorre com o exíguo prazo de 15 dias, prorrogáveis, previsto para a interceptação telefônica na Lei 9.296/96). Findo o prazo, será elaborado relatório circunstanciado para apresentação ao juiz competente, que imediatamente cientificará o MP (art. 10, § 4º). Este relatório deve conter todos os detalhes da diligência até então empreendida. Tal documento é fundamental para que o magistrado tenha subsídio para, eventualmente, prorrogar o pedido de infiltração e, ainda, para que tome ciência do andamento da atividade. É possível ainda, no curso do inquérito policial, antes mesmo de terminado o prazo, que o delegado de policia determine aos seus agentes a elaboração de um relatório de atividade, podendo ainda o Ministério Público requisitá-lo (art. 10, § 5º). Cuida-se de providência de acompanhamento importante, a fim de manter a proximidade com a diligência efetuada, afinal, os agentes estatais estão atuando dentro de uma organização criminosa. Para preservar a eficácia da diligência, os investigados (ou acusados) e seus respectivos defensores não podem tomar conhecimento da diligência em andamento. Porém, finda a medida, abre-se lugar para o contraditório e a ampla defesa com todos os 28 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS recursos que lhes são inerentes. Aliás, é o teor da Súmula Vinculante 14, que estipula que “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. Sobre o acesso às informações da infiltração, afirma o § 2º do art. 12 que “os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente”. Momento para a infiltração Em regra, ocorre durante as investigações policiais. Porém, nada impede que, assim como a colaboração premiada, seja realizada durante a instrução criminal. Sustação da atividade A lei determina que “havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial” (art. 12º, § 3º). O interesse maior aqui é preservar a integridade física e a própria vida do agente infiltrado. Trata-se, aliás, de próprio direito do agente infiltrado fazer cessar a atuação infiltrada (O art. 14 traz os seguintes direitos do agente infiltrado: “I - recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;”) Direitos do agente infiltrado O art. 14 traz os seguintes direitos do agente infiltrado: I - recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada; II - ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9o da Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas; III - ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário; IV - não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito. Responsabilidade criminal do agente infiltrado Para que seja útil a infiltração, o agente, muitas das vezes, deverá contribuir na prática de infrações penais, seja para mostrar lealdade e confiança no grupo, seja para acompanhar os demais. Daí a lei estabelecer que “não é punível, no âmbito da infiltração, 29 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa” (art. 13, parágrafo único). Trata-se de causa de exclusão da culpabilidade, capaz de imunizar o agente infiltrado pelo cometimento de algum delito. Se, todavia, o agente “não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade de investigação, responderá pelos excessos praticados.”. Logo, a lei estabelece a proporcionalidade como critério para avaliação se houve ou não a excludente da culpabilidade. Ilustrando a questão, Nucci (2014) traz o seguinte caso: (...) o agente se infiltra em organização criminosa voltada a delitos financeiros; não há cabimento em matar alguém somente para provar lealdade a um líder. Por outro lado, é perfeitamente admissível que o agente promova uma falsificação documental para auxiliar o grupo a incrementar um delito financeiro. No primeiro caso, o agente responderá por homicídio e não poderá valer-se da excludente, visto a desproporcionalidade existente entre a sua conduta e a finalidade da investigação. No segundo, poderá invocar a inexigibilidade de conduta diversa, pois era a única atitude viável diante das circunstâncias. VI - DO ACESSO A REGISTROS, DADOS, DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES Afirma o art. 15 que “o delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito”. Ou seja, o dispositivo possibilita a captação de tais informações por parte do delegado de polícia e Ministério Público de forma direta, não havendo necessidade de autorização judicial. A recusa ao fornecimento destes dados pode caracterizar o crime previsto no art. 21 desta lei, punido com pena de até dois anos de reclusão e multa. Ressalte-se, porém, que o poder requisitório previsto neste dispositivo se restringe aos dados cadastrais do investigado, que informem exclusivamente a qualificação pessoal (nome completo, nacionalidade, data de nascimento, profissão, etc.), filiação (nome dos pais) e endereço (local de residência e trabalho). Embora possam ser requisitados de empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito, informações resguardadas pelo sigilo bancário ou telefônico, por exemplo, ainda continuam sujeitas à cláusula de reserva jurisdicional. Segue julgado do STJ ratificandoa possibilidade de requisição direta a dados cadastrais: “O teor das comunicações efetuadas pelo telefone e os dados transmitidos por via telefônica são abrangidos pela inviolabilidade do sigilo - artigo 5.º, inciso XII, da Constituição Federal -, sendo indispensável a prévia autorização judicial para a sua quebra, o que não ocorre no que tange aos dados cadastrais, externos ao conteúdo das transmissões telemáticas. Não se constata ilegalidade no proceder policial, que requereu à operadora de telefonia móvel responsável pela Estação Rádio-Base o registro dos telefones que utilizaram o serviço na localidade, em dia e hora da prática do crime. A autoridade policial atuou no exercício do seu mister constitucional, figurando a diligência dentre outras realizadas ao longo de quase 7 (sete) anos de investigação” (HC 247331/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª. Turma, DJ 21.08.2014, DJe 03.09.2014). 30 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Obs.: a lei de lavagem de capitais possui em seu art. 17-B previsão muito semelhante. Segue quadro comparativo: O art. 16 da lei em estudo, por sua vez, estipula que “as empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia aos bancos de dados de reservas e registro de viagens”. Tal disposição, sem dúvidas, facilitará bastante a investigação criminal, vez que tornará mais viável o acompanhamento do deslocamento de pessoas suspeitas de envolvimento com a criminalidade organizada. O art. 17, a seu turno, estabelece que “as concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15, registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais”. Obs.: em 2013, a Associação Nacional das Operadoras de Celulares (Acel) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5063 contra os artigos 15, 17 e 21 da lei, argumentando que a matéria não poderia ser regulamentada por lei ordinária, mas sim por lei complementar. Em relação aos citados arts. 15 e 17 da Lei 12.850/2013, alega ainda que, em ambos os dispositivos, há violação ao artigo 5º, inciso X, da Constituição, que trata da inviolabilidade do direito à intimidade do indivíduo. Para a Acel, a norma, ao permitir que o delegado de polícia e o Ministério Público possam requisitar “quaisquer informações, documentos e dados pertinentes à investigação criminal, sem que haja ponderação judicial que determine esta medida”, afronta o princípio constitucional de proteção à privacidade e ao sigilo das comunicações. Quanto ao artigo 21, a Acel afirma que a imposição de pena de seis meses a dois anos de reclusão mais multa pela omissão dos dados cadastrais fere o princípio constitucional da proporcionalidade. A Procuradoria Geral da República, em parecer encaminhado ao STF, manifestou-se pela improcedência da ação. O PGR alegou, em síntese, que não há violação aos princípios da privacidade e da intimidade, pois não ocorre acesso ao conteúdo das chamadas, apenas a dados cadastrais do investigado mantidos pelas empresas. Defendeu, também, que esse direitos não são absolutos e podem ser relativizados para que outros sejam assegurados. QUADRO COMPARATIVO LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS Art. 15. O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito. Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) 31 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Defende o PGR que a medida é necessária, pois não há outro meio disponível às autoridades investigadoras capaz de fornecer as informações de maneira tão célere e eficaz. Ademais, não haveria acesso indiscriminado e descontrolado aos dados, uma vez que estão baseados em investigações formalizadas e sujeitas a permanente controle judicial. O PGR aponta, ainda, que a jurisprudência do STF tem apreciado a possibilidade de acesso a informações privadas por instituições e órgãos públicos, independentemente de prévia autorização judicial. Também é compatível com a Constituição, para o PGR, o artigo 21 da Lei 12.850/2013, questionado pela Acel. "A recusa dos dados indispensáveis à investigação do crime organizado pode causar graves danos à eficiência da elucidação dessa forma especialmente lesiva de criminalidade, com risco à segurança da sociedade, à vida e à integridade física das vítimas desses atos", argumenta. Ressalte-se, por fim, que a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) requereu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae, cujo pedido foi deferido pelo Relator, Ministro Gilmar Mendes. VII – CONSIDERAÇÕES FINAIS Estipula o art. 22 da Lei 12.850/2013 que os crimes previstos na lei em estudo e as infrações penais conexas serão apurados mediante procedimento ordinário previsto no CPP. Afirma ainda que o prazo para encerramento da instrução criminal não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver prezo. Cabe prorrogação do referido prazo, por igual período, por decisão fundamentada, desde que se possa constatar a complexidade da causa ou a prática de atos procrastinatórios atribuíveis aos réus (art. 22, parágrafo único). A lei prescreve ainda que o sigilo da investigação poderá ser decretado pela autoridade judicial competente, para garantia da celeridade e da eficácia das diligências investigatórias, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento (art. 23). Sem dúvida, não haveria sentido em autorizar o defensor a acompanhar a diligência em plena realização, sob pena de frustração da medida. Por derradeiro, prevê o diploma legal em estudo que, determinado o depoimento do investigado, seu defensor terá assegurada a prévia vista dos autos, ainda que classificados como sigilosos, no prazo mínimo de 3 (três) dias que antecedem ao ato, podendo ser ampliado, a critério da autoridade responsável pela investigação (art. 23, parágrafo único). 32 LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS BIBLIOGRAFIA ADEPOL ALAGOAS. Acesso a dados cadastrais de investigado por delegado de polícia e pelo MP é constitucional, diz PGR. Disponível em: <http://www.adepolalagoas.com.br/noticias/2014/08/acesso-dados-cadastrais-de- investigado-por-delegado-de-policia-e-pelo-mp-e-constitu>. Acesso em: 13/07/2016. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL. AGU entende que delegados podem fechar acordo de colaboração premiada. Disponível em: <http://www.adpf.org.br/adpf/admin/painelcontrole/materia/materia_portal.wsp?tmp.edt. materia_codigo=8104&tit=AGU-entende-que-delegados-podem-fechar-acordo-de- colaboracao-prem#.V4CwyvkrLIU> . Acesso em: 13/07/2016 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE
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