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Análise dos votos da ADPF 54 Nesta ADPF, conhecida como do anencéfalo, trata-se de arguir a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. Este trabalho busca analisar os argumentos utilizados pelos ministros para justificar seus votos enquanto essencialmentes positivistas, jusnaturalistas e jusracionalistas; é válido ressaltar que não foram encontrados voto nos quais a argumentação fosse estritamente de uma das correntes. Assim sendo, portanto, classificou-se, no presente trabalho, todos os posicionamentos identificados dentro de cada voto, tentando encaixá-los na visão que melhor se adequasse a partir de uma análise geral do voto. Para realização da análise foram utilizados os conceitos de positivismo, jusnaturalismo e jusracionalismo, a serem colocados separadamente, antes da análise dos votos, de forma a evitar que a leitura torne-se repetitiva. Jusnaturalismo ou Direito Natural é a corrente filosófica que afirma que o direito se origina da natureza social das populações humanas, sendo espontaneamente gerado pelas relações sociais e a capacidade racional do ser humano, diante disso, o direito natural é consagrado no formato de legislação, mas existe anterior à ela, pois trata de princípios humanos, estando, assim, intimamente ligado com a moral de fazer o bom e o bem pela sociedade tendo como de partida a racionalidade humana. Jusracionalismo ou Racionalismo Jurídico é uma escola da Filosofia do Direito, que deriva do Jusnaturalismo, que tinha como objetivo chegar a um direito puramente racional, o qual poderia ser aplicado em qualquer lugar, época e cultura, pois sendo secularizado (se afastando da visão do Jusnaturalismo Teológico) e utilizando a razão, que é comum a todos os seres humanos, seria válido e bom em qualquer situação, não possuindo o viés moral do Jusnaturalismo Teológico que afirma que o ordenamento é legal e válido porque as leis são determinadas por Deus, e, portanto, verdadeiras. Positivismo Jurídico/Juspositivismo é um movimento que surge com a necessidade de tratar o estudo do direito como um estudo científico, aproximando-o das ciências duras. Esse movimento fala que o direito é decorrência exclusiva da vontade humana, sendo uma teoria monista que rechaça a ideia de direito natural ou Jusnaturalismo. Nessa perspectiva, toda regra feita pelo legislador competente utilizando o procedimento legal para sua feitura é válida, legal e pertencerá ao ordenamento jurídico. Segue análise dos votos: Min. Marco Aurélio (relator): A fundamentação do voto se deu em cinco partes, sendo elas: 1. A República Federativa do Brasil como Estado laico - nessa parte faz um apanhado histórico da relação entre o Estado Brasileiro e a Religião, desde o Império em que havia religião oficial no Brasil, até a secularização do Estado, demonstrando respeito pelas religiões, mas enfatizando que em âmbitos legislativos e judiciais não devem ser levadas em consideração se não através de consulta e com argumentação que não se fundamente nas questões de dogmas religiosos, nota-se clara influência do positivismo jurídico nessa parte da argumentação. 2. A anencefalia - Traz explicações técnicas sobre o que é a anencefalia, suas características clínicas, pareceres médicos, pautado juspositivismo, salienta os fatos empíricos e físicos de como o direito pode lidar com o caso. 3. Doação de órgãos de anencéfalos - Trata da inviabilidade da utilização dos órgãos do feto anencefálico e mesmo havendo viabilidade como isso feriria a dignidade da gestante enquanto um ser humano que seria utilizado como uma incubadora para órgãos, sendo tratada como uma coisa e não mais uma pessoa de direito, demonstrando fortes tendências Jusracionalistas, relacionando, inclusive o trabalho de Kant. 4. Direito à vida dos anencéfalos - Discute a concepção de vida e morte para o direito e o fato de que um feto anencéfalo não está propriamente vivo por ter respiração e batimento cardíaco, pois o que marca a inviabilidade da vida extra-uterina, assim como a morte legal é o fim da capacidade cerebral, não ter um cérebro significa não ter vida, uma conclusão embasada nas leis e diretrizes médicas, aproximando a norma da realidade enquanto exata e científica, nos moldes do positivismo jurídico. 5. Direito à saúde, à dignidade, à liberdade, à autonomia, à privacidade - Traz um viés jusnaturalista, pois explana esses direitos enquanto princípios da dignidade humana. Min. Gilmar Mendes: Em seu voto o Ministro não faz ponderação de princípios, afirma que interromper a gravidez de anencéfalo é fato típico, pois o desenvolvimento de um ser humano passa pelo estágio fetal, portanto é tutelado pelas leis penais. Nessa perspectiva, afirma que os motivos para a interrupção da gravidez nesses casos são os mesmo em casos de gestação fruto de estupro, proteção à saúde psicológica da gestante. Fala também que o STF pode atuar como “legislador positivo” nesse caso, deixando clara a influência Juspositivista e Jusracionalista durante o voto. Min. Ricardo Lewandowski: Durante a explanação de seu voto evidencia o embasamento Juspositivista, pois se atém a norma escrita, não aceita interpretação da lei, destaca o caráter de “legislador negativo” do STF como forma de intervenção mínima e que julgar a ADPF como procedente seria uma usurpação do poder legislativo, pois cabe ao Congresso decidir por alterações na lei penal e não ao Supremo, já que as normas atualmente estabelecidas seguiram todos os protocolos legais para estarem no Código Penal e para que ocorresse uma mudança, essa deveria ser feita pelo legislativo. Min. Luiz Fux Observa princípios durante o voto, como o da proporcionalidade, ressalta o caráter de “ultima ratio” do direito penal, dessa forma, deve-se tentar todas as outras vertentes do direito antes de levar a questão ao direito penal, especialmente com tipificações que possuem penas privativas de liberdade, trata a celeuma como de saúde pública e por isso deve ser resolvida com uma política de assistência social eficiente. Esse voto possui fortes características Jusnaturalistas por retomar sempre a ideia de princípios e da natureza social do direito. Min. Ayres Britto Aproximação mais evidente com o Jusnaturalismo, pois apresenta interpretação para a lei penal, visto que, os dispositivos da lei são polissêmicos, assinalando que cabe ao Supremo utilizar a interpretação conforme a ADPF, pois o judiciário não é apenas a boca da lei, mas o Poder que adequa a norma ao caso concreto, sendo sua função principiológica. Min. Cezar Peluso (presidente): Apresenta questões “pré-jurídicas” no voto, sendo uma clara alusão ao Jusnaturalismo, pois fala de situações pré-direito, como a vida, que é trazida no texto como valor supremo que se sobrepõe a qualquer outro bem jurídico, e balanceamento de princípios primitivos observados na humanidade, não podendo nenhum deles se sobrepor ao da vida. Min. Rosa Weber: Trabalha com os graus de reprovabilidade dos crimes contra a vida, demonstrando que a vida não é um bem jurídico absoluto e por isso possui gradações até mesmo no estabelecimento das penas. Apresenta os conceitos científicos como mutáveis e relativos, sendo assim, não podem ser estabelecidos como verdadeiramente absolutos pelo direito, devendo levar a discussão do bem jurídico em questão para as fontes do direito. Possui características Jusracionalistas e Juspositivistas, pois relaciona a racionalidade humana com a gradação da reprovabilidade e sugere um estudo científico do direito no que tange utilizar as fontes do direito e não confiar cegamente na ciência médica. Min. Celso de Mello: Recorre a análises científicas para embasar seu voto, tantodas ciências médicas, quanto da ciência do direito, questão que fica latente nos dados científicos trazidos por médicos e na análise da lei penal que tutela o aborto, é pragmático no decorrer do voto salientando que o direito não pode depender de tema controverso como o início da vida para decidir sobre questões legislativas e judiciárias, demonstrando forte embasamento do Positivismo Jurídico em seus argumentos que utilizam do próprio direito, da racionalidade e das certezas médicas para tomar sua decisão. Min. Joaquim Barbosa: Faz uma avaliação sobre os direitos da mulher em detrimento a diminuição do direito à vida do feto anencéfalo na perspectiva de que é intra-uterina e inviável fora do corpo materno demonstrando que não há real conflito entre os bens jurídicos, visto que, o feto anencéfalo não está tecnicamente vivo, pois não possui capacidade cerebral. Traz decisões de Cortes Constitucionais e Supremas que já se debruçaram sobre o tema. Diante disso, o Racionalismo Jurídico é claro no voto, pois utiliza a forma como a lei foi feita no passado, abarcando o aborto sentimental que tem o mesmo princípio da interrupção da gravidez no nascituro, demonstra a racionalidade universal humana em seu voto quando mostra decisões de outras Cortes no mesmo sentido de seu voto.
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