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1° AVALIAÇÃO DE HERMENÊUTICA JURÍDICA – CLAÚDIA ALBAGLI Em 2005, o então Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, ajuizou a ADI nº 3510, contestando o art. 5º da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005), norma que regulamenta a atividade de pesquisa com células-tronco embrionárias. O que motivou o chefe do MPF a ingressar com a mencionada ação de controle de constitucionalidade foi, principalmente, a suposta violação do direito à vida com a permissão de tal atividade de pesquisa. Isso porque, para o MPF, a partir do momento em que a vida se inicia com a concepção, não haveria distinção ontológica entre um embrião fecundado in vitro e não introduzido no útero materno e um embrião fecundado de modo natural ou fecundado in vitro e introduzido no útero materno, para os fins de aplicação das disposições constitucionais que prescrevem o direito fundamental à vida, à dignidade da pessoa humana e à isonomia. Ou seja, o autor da ação defendeu na ocasião a vida como direito inato do embrião, ainda que seja o mesmo conservado in vitro, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana agregado ao princípio da isonomia, sob alegação de que o direito à vida é premissa que deve ser assegurada a todos, sem distinção, não devendo a vida do embrião ser tratada de maneira diferenciada e submetida a experiências científicas. Em maio de 2008, a ADIN foi julgada totalmente improcedente, confirmando o STF a constitucionalidade do dispositivo, notadamente sob o fundamento de inexistir violação do direito à vida com o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para fins terapêuticos, descaracterizando qualquer possibilidade de configuração do crime de aborto, além de que as normas constitucionais em questão tutelariam uma vida digna, com o direito à saúde e ao planejamento familiar, não se admitindo restrições às pesquisas e terapias por ela visadas. Para a resolução desta questão, no entanto, considere o seguinte trecho do voto do Min. CArlos Ayres Britto, relator da ADI em questão: “Equivale a dizer: a presente ADIN consubstancia expressa reação até mesmo à abertura da Lei de Biossegurança para a idéia de que células- tronco embrionárias constituem tipologia celular que acena com melhores possibilidades de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais, em situações de anomalias ou graves incômodos genéticos, adquiridos, ou em conseqüência de acidentes. Falo "pessoas físicas ou naturais", devo explicar, para abranger tão-somente aquelas que sobrevivem ao parto feminino e por isso mesmo contempladas com o atributo a que o art .2º do Código Civil Brasileiro chama de "personalidade civil", li teris: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Donde a interpretação de que é preciso vida pós-parto para o ganho de uma personalidade perante o Direito (teoria "natalista", portanto, em oposição às teorias da "personalidade condicional" e da"concepcionista"). Mas personalidade como predicado ou apanágio de quem é pessoa numa dimensão biográfica, mais que simplesmente biológica, segundo este preciso testemunho intelectual do publicista José Afonso da Silva: "Vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva (. . . ) ". Se é assim, ou seja, cogitando-se de personalidade numa dimensão biográfica, penso que se está a falar do indivíduo já empírica ou numericamente agregado à espécie animal-humana; isto é, já contabilizável como efetiva unidade ou exteriorizada parcela do gênero humano. Indivíduo, então, perceptível a olho nu e que tem sua história de vida incontornavelmente interativa. Múltipla e incessantemente relacional. Por isso que definido como membro dessa ou daquela sociedade civil e nominalizado sujeito perante o Direito. Sujeito que não precisa mais do que de sua própria faticidade como nativivo para instantaneamente se tornar um rematado centro de imputação jurídica. Logo, sujeito capaz de adquirir direitos em seu próprio nome, além de, preenchidas certas condições de tempo e de sanidade mental, também em nome próprio contrair voluntariamente obrigações e se pôr como endereçado de normas que já signifiquem imposição de "deveres", propriamente. O que só pode acontecer a partir do nascimento com vida, renove-se a proposição.” (Link contendo o inteiro teor do acórdão: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723; Trecho do voto do ministro Às fls. 28/30) https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723 Esclarecendo, o problema hermenêutico fundamental de tal caso era definir o que é “vida”, “pessoa”, “feto”, “células-tronco”, etc., no intento de verificar se a lei de biossegurança estaria ou não em conformidade com os ditames constitucionais. Com base nisso, responda às questões a seguir: letra a. No que se refere à interpretação do conceito de vida como “uma dimensão biográfica”, tal postura do Min. Carlos Ayres Britto infringe a hermenêutica dos exegetas franceses? Justifique. [Valor: 2,0; Limite de linhas: 20] Com o fim da Revolução Francesa, em 1804, foi elaborado o Código Civil francês e, com ele, decorreu a criação da Escola da Exegese. Essa escola teve como influência política o legalismo liberal e tinha como objetivo unificar as múltiplas jurisdições antes existentes, que eram divididas de acordo com os estratos sociais. O exegetismo consistia, então, no agrupamento de diversos juristas franceses que direcionaram o desenvolvimento da formação e execução do Código Napoleônico, entendendo o direito a partir de esquemas lógico-formais criados para interpretar a lei literalmente, nada acrescentando ou retirando da regra interpretada. Segundo a Escola da Exegese, deveria sempre haver uma interpretação racional do Direito, sua ideia de normas era suprimir o máximo possível a incerteza e a ambiguidade, assim, o modo de interpretação da hermenêutica dos exegetas era simplificado e perfunctório. Desse modo, tendo em vista que essa hermenêutica consolidava não caber ao intérprete nenhuma outra função além de aplicar a lei, o Min. Carlos Ayres Britto infringe parcialmente a hermenêutica da escola exegese francesa ao julgar a vida como “uma dimensão biográfica”, posto que, o ministro desvia brevemente do entendimento francês em sua interpretação previa a decisão, porém, a legislação prevê ser necessário o nascimento com vida para possuir personalidade civil, então, um embrião sem essa personalidade não possuiria o direito à vida, sendo este um dos principais direitos de personalidade, assim, o juiz segue a legislação literalmente ao julgar a ADI como improcedente. letra b. O fato do ministro-relator se referir a uma teoria prevista no art. 2º do Código Civil, isto é, utilizar uma norma positivada como um dos critérios para seu julgamento, o faz um ministro juspositivista? Justifique, indicando, em caso negativo, com qual Escola do pensamento jurídico o juiz mais se assemelha. [Valor: 2,5; Limite de linhas: 30] Não é possível caracterizar o ministro do caso como juspositivista, posto que, a teoria juspositivista de Hans Kelsen considera a atividade do operador do direito como uma mera declaração e reprodução passiva de um direito preexistente. Para Kelsen, a ciência do direito deve fundar-se no conhecimento da realidade, e não de juízos de valor. Na visão do filosofo, não deverá ser no âmbito do Direito que se deve tratar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça, divergindo então da execução de julgamento do ministro, que se baseou em uma norma jurídica para entendimento do caso. Dessarte, o ministro poderia ser identificado pelo métodohistórico de Savigny, tendo em vista que o pensador afirmava que a interpretação jurídica deveria se valer de técnicas próprias pois, por meio dessas, o intérprete alcançaria o ideal da precisão das ciências naturais. Assim, se basear na norma positivada como critério para sua decisão se assemelha ao ideal da Escola Histórica, que concebia que apenas os doutores em Direito seriam capazes de percebê-lo, o que limitaria o campo dos intérpretes à uma esfera erudita delimitada. letra c. Supondo que o ministro-relator faça uma análise lógica de “se tem concepção, há vida; se há vida, não pode haver pesquisa científica", ou no sentido de “vida humana necessariamente pressupõe a existência de um zigoto que, por sua vez, pressupõe uma concepção, e assim sucessivamente”, estaria ele praticando a análise dedutiva-sistemática dos pandectistas alemães? Justifique. [Valor: 2,5; Limite de linhas: 20] A Escola Pandectista priorizava o aspecto logico-sistemático do direito, possuía um caráter doutrinário e se inclinava sobre o corpus juris civilis1, dessa forma, estudava o direito com base no direito romano. O pandectismo tinha como incumbência promover a organicidade e metodizar o direito, com intenção de beneficiar a difusão do domínio jurídico. A análise dedutiva sistemática dos pandectistas alemães outorgava a definição de que o direito decorre de uma fonte dogmática, sendo a determinação do homem sobre o homem. 1 Corpo do Direito Civil: “designação dada por Dionísio Godofredo, no fim do século XVI d.C., à compilação do Direito Romano, ordenada pelo imperador Justiniano I e formada pelo Código, pelo Digesto, pelas Institutas e pelas Novellae.” Assim, segundo esse entendimento, o intérprete deveria, ao empregar a lei, refletir sobre os interesses de acordo com as valorações do legislador, porém, de modo algum com uma conduta de submissão conceitual-literal a lei, e sim por um acatamento esclarecido. Dessa forma, estabelecendo sua decisão de uma forma completamente literal o ministro não estaria praticando a análise da escola pandectista, posto que a Escola Pandectista refutava todo critério absoluto e abstrato à ideia do direito, o que levava os pandectistas a uma interpretação do texto legislativo mais flexiva do que a prescrita pela Escola da Exegese. letra d. Para você, ao julgar improcedente a ADI, refutando o argumento de que pesquisas com células-tronco embrionárias violam o direito à vida, agiu o STF de maneira correta à luz da hermenêutica contemporânea? Em sua opinião, como deve um juiz analisar um caso que envolve tantas concepções éticas, filosóficas e religiosas como esse caso? Responda, necessariamente, combatendo as falhas e apontando os avanços entre as Escolas e autores estudados ao longo da primeira parte do semestre. [Valor: 3,0; Limite de linhas: 30] O Supremo Tribunal Federal agiu de maneira correta a luz da hermenêutica contemporânea, tendo em vista que na hermenêutica contemporânea concretiza-se o preceito constitucional, interpretando com criatividade. Assim, a decisão foi corretamente tomada, analisando a legislação, tal como o conceito de ética e moral, para alcançar o melhor resultado. Ademais, na minha opinião, o juiz que analisar esse tipo de caso deve ser capaz de analisar tanto o ato quanto suas partes, ao mesmo tempo e dialeticamente. O intérprete do direito deve ser capaz de conhecer os fatos tão bem como conhece as leis, tendo em vista que a interpretação é um ato único, que se renova a cada instante, adicionando significado ao que se interpreta. Tal fundamento se assemelha à Escola da Livre Iniciação Científica, de François Gény, que ratificava o incorreto exagerado normativismo, não considerando apenas a lei como fonte do direito.
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