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RENNO, C. Da queixa ao sintoma analítico

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Da queixa ao sintoma analítico 
Celso Rennó Lima 
Belo Horizonte • Português 
 
O sujeito nasce como efeito de um menos, um menos de gozo que advém da 
extração que o significante opera no campo do Outro. Esta operação instala, 
necessariamente, um certo mal-estar, um certo incomodo que vai gerar um 
movimento de busca incessante, ali mesmo onde algo se perdeu. É a partir deste 
‘menos’, portanto, que se inicia o que Lacan denominou, de Automaton - a 
repetição da impossibilidade na cadeia significante. Esta repetição, ou seja isso 
que "não cessa de se escrever" é uma necessidade que vem dizer da 
impossibilidade que o próprio recalque originário (Urverdrängung) aponta. 
Contudo, todo este movimento só se sustenta por que há pontos de encontros 
que, pelo fato mesmo de serem sempre faltosos, acenam com a possibilidade de 
uma certa realização. É neste ponto que o sintoma vai surgir como tentativa de 
restabelecer o laço entre o sujeito e o Outro. Neste sentido, podemos dizer que 
ele é uma solução para evitar o encontro com a castração. 
Assim, entre o que "não cessa de não se escrever" (o impossível) e o que "não 
cessa de se escrever" (necessário) vamos nos deparar com um sujeito que, como 
nos diz Freud, tem que se haver com um dispêndio de energia adicional para 
lutar contra o desprazer (Unlust) ou sofrimento (Leiden) que esta situação pode 
criar. Sendo isso o que todo ser falante tem como fundamento de sua estrutura, 
existe, ainda conforme Freud, uma pré-condição para a formação de sintomas 
em todos nós. O sintoma, portanto, poderá ser definido como "o resultado de 
um conflito, que surge em virtude de um novo método de satisfazer a libido 
(libidobefriedigung). As duas forças que entraram em luta (que poderíamos 
aqui representar pelos dois movimentos: "não cessa de não se escrever" e "não 
cessa de se escrever") encontram-se novamente no sintoma e se reconciliam, por 
assim dizer, através do acordo representado pelo sintoma formado". Em outras 
palavras posso dizer-lhes que este "acordo" seria uma negociação feita de tal 
forma que o sujeito diria assim: "pago um preço para não saber que existe algo 
que ‘não cessa de não escrever’, e este preço é uma satisfação substitutiva que, 
ao mesmo tempo em que provoca um certo desprazer (Unlust), é onde posso 
obter minha satisfação". 
O sintoma é, portanto, uma tentativa de criar uma harmonia ali, onde um menos 
se instalou provocando uma desarmonia. 
É neste ponto que vamos ver uma discordância fundamental entre os conceitos 
de sintoma para a medicina e para a psicanálise. Se por um lado a posição 
médica se refere à noção de harmonia como um objetivo a alcançar, quando 
estamos diante de um sintoma - este aparecendo como o que perturba e destroi 
a harmonia -, o sentido do sintoma vai mudar se não nos referirmos mais a uma 
harmonia que ele venha perturbar, mas sim a que ele é harmônico a uma falta, 
a um menos que, na psicanálise costumamos chamar de castração. J.A. 
Miller nos lembra que a palavra Sintoma tem no seu radical "sin" que quer dizer 
síntese, reunião, conjunto, mas também quer dizer o que vem junto, o que 
coincide. Desta forma, o sintoma é o que faz coincidir duas coisas, como já nos 
dizia Freud: a castração, que é "o ser do sintoma" e o que Lacan vem denominar 
de "envelope formal do sintoma" - o envoltório significante. Este termo, utilizado 
por Lacan no texto "De nossos antecedentes" surge de um certo retorno à 
psiquiatria clássica de Clarembault, e da "necessidade que levou Lacan à 
psicanálise" por ocasião do seu famoso caso Aimée: "Pois a fidelidade ao 
envelope formal do sintoma, que é o verdadeiro traço clínico do qual tomamos 
o gosto, nos leva a este limite de onde ele retorna em efeitos de criação". 
Partindo desta frase de Lacan, Miller faz um extenso comentario no seu texto: 
"Reflexoes sobre o envelope formal do sintoma" e nos chama a atencao para os 
dois eixos do sintoma: 1) se ha um nucleo que podemos denominar de castracao, 
de sofrimento, de "mais de gozo" em consequencia do "menos de gozo" da 
operacao significante, ha, no sintoma, 2) uma mensagem enderecada ao Outro 
que espera uma decifracao. 
Vamos retomar, em outras palavras, um possivel trajeto na formacao do 
sintoma: a partir de um "menos" que se instala como consequencia da extracao 
do objeto "a" pela operacao significante, vai surgir uma intencao de significacao 
que produz uma resposta que, exatamente por ser da ordem do impossivel, vai 
relancar a busca de significacao. Esta busca de significacao e explicada por 
J.A.M. como sendo a "transformacao da queixa que emerge do fundo do 
desprazer em mensagem (...) fazendo existir o sujeito de uma maneira nova no 
campo do Outro, e sob forma constituida". No entanto, quando se formata uma 
queixa, ou como nos diz M. Silvestre: quando fazemos coincidir uma queixa e 
um sofrimento, vamos perceber que ela se desnatura, pois ha o que se pode dizer 
e o que nao de pode dizer pela propria impossibilidade do significante em dizer 
tudo. Esta dificuldade e o que faz com que a logica propria ao Outro, ao 
estabelecer esta relacao entre queixa e sofrimento, vai congelar e fixar a queixa 
numa certa cena. 
Em outras palavras, do que se trata aqui e de um certo percurso pulsional que 
estabelece uma certa correlacao entre o sujeito e "um dos objetos que havia 
anteriormente abandonado", porque "a libido e induzida a tomar o caminho da 
regressao pela fixacao que deixou atras de si nesses pontos do seu 
desenvolvimento", nos pontos em que queixa e sofrimento, gozo e mensagem, 
castracao e envelope formal, se fizeram coincidir. 
Quando alguem vem a analise, esperamos dele um relato de sua infelicidade. 
Neste relato poderemos, entao, perceber que ha uma harmonia, ha um arranjo 
que faz existir uma satisfacao ai mesmo onde o sujeito se queixa de dor. Este e o 
paradoxo que Lacan define em Televisao ao dizer, que a demanda "de um que 
sofre" nos diz que "o sujeito e feliz", ou seja, "e mesmo sua definicao pois que ele 
nao pode nada dever senao ao momento oportuno (heur), a sorte (fortune) dito 
de outra forma, e todo momento oportuno e bom para isso que o mantem, ou 
seja, por que ele se repete". 
Talvez possamos afirmar, neste ponto, que "o sintoma analitico, entanto que 
formatado no campo do Outro, constituido como o que se instaura da cadeia 
significante, tem estrutura de ficcao". Isto o demonstra muito bem o sintoma 
histerico, na medida em que, na histeria, vamos ver o sintoma como ser de 
verdade do sujeito pois ele e deslocado desde baixo e colocado em evidencia. 
Em outras palavras, ela faz "o objeto a, entanto real, vir ao lugar da verdade". 
Acrescento, neste ponto, que e ao instalar-se como "ser de verdade" que o 
sintoma promove a construcao de uma suposicao de saber no campo do Outro. 
Partindo da premissa estrutural de que nao ha relacao entre o sujeito e o Outro, 
o sujeito esta, desde sempre, afastado de sua verdade. O laco possivel, entre o 
sujeito e o Outro, se faz pelo sintoma. E se faz, com a criacao de um "ser de saber" 
ali, onde a verdade lhe esta vetada. Estrutura de ficcao, queixa, sofrimento, nao 
importa como a ele nos referimos, a verdade e que o sintoma e o que vai dizer 
de algo que nao vai bem e o "clamor da humanidade" e pelo apaziguamento do 
mal-estar que isso provoca. 
Um passo a mais a mais pode ser dado para desvelarmos um pouco da 
importancia que o sintoma tem para cada sujeito. Por todas estas caracteristicas 
que acabo de trabalhar, podemos perceber que o sintoma e o que cada tem de 
mais particular, e tambem o de mais real. Por isso o sujeito neurotico se apega 
tanto a ele, como possibilidade unica, de fazer frente ao que lhe esta prescrito 
pelo Outro. Ao escutarmos o relato da infelicidade de alguem, e fundamental 
termos em conta que esta infelicidade e o que ha de mais particular, e o que 
sustenta estesujeito no mundo: "Eu sou assim", nos dizem de varias maneiras 
os candidatos a analise. Talvez por isso e que, ao diferenciarmos o lugar do 
analista, do lugar do terapeuta, estamos dizendo que nosso compromisso nao e 
com o movimento humanitario que, com seu clamor, espera poder uniformizar 
o que ha de mais particular. Nosso compromisso e com a particularidade de 
cada um. Por-se a servico desta verdade é um desejo que poderemos qualificar 
de inumano. 
Talvez por isso é que Lacan, em sua Nota Italiana, nos diz que o analista é o 
rebotalho da humanidade, na medida em que quer saber disso que todos 
querem esquecer. Em outras palavras, Lacan vai afirmar que o mal-estar na 
civilização consiste em gozar da renuncia ao gozo. Sim, porque ao estabelecer 
uma solução de compromisso entre as duas forças opostas que estão em conflito, 
o sujeito renuncia à possibilidade de um gozo possível. Gozo possível somente 
na medida que o Outro é esvaziado de gozo pela entrada do significante, ou seja, 
na medida em que o sujeito deixa de acreditar que o Outro quer dele sua 
castração, que o Outro quer retirar-lhe o que ele tem de mais precioso: seu 
pequeno nada Como já dissemos, o sintoma é o mais particular de cada um, é 
gozo e mensagem a ser decifrada e está submetida ao que costumamos chamar 
de horror da castração. Este menos, a castração, onde vamos encontrar a 
particularidade do sujeito, está sinalizado pela presença do traço unário 
("Einziger Zug"), constituindo-se no Lacan denominou "estilo". Estilo é o objeto 
‘a’ entanto que marcado pelo traço unário, marcado pela incidência do "dizer 
verdadeiro" que deixou uma "ranhura" indelével. É esta ranhura do dizer 
verdadeiro que o sintoma tenta preencher, a partir mesmo da cena da fantasia 
fundamental que os significantes primários do sujeito construíram, ordenados a 
partir deste mesmo traço ("Zug"). O final de análise passa, necessariamente, por 
este traço unário. 
Vamos nos ater, no entanto, ao que um sujeito faz para evitar este encontro com 
a castração. Uma das estratégias utilizadas é a instalação de um princípio de 
consistência que é exterior ao sistema que o sustenta. Ou seja, há uma busca de 
garantia que venha de um Outro, não importa qual. Quando esta garantia, 
construída na ficção do sintoma, deixa de cumprir sua função, o sujeito vem 
buscá-la na análise. Neste caso, o que se espera é que um princípio de 
consistência venha restituir a harmonia perdida. Esta busca de recurso no Outro 
dá ensejo à produção de uma significação que Lacan deu o nome de Sujeito 
Suposto Saber. Com isto, busca-se a certeza em uma afirmação que possa dizer 
do verdadeiro e do falso para tal ou qual proposição. Na verdade, o que se busca 
a partir do Sujeito Suposto Saber é a constituição de um ponto de estofo que 
possa manifestar uma consistência do discurso estabelecido. Este ponto de 
estofo vai estabelecer o lugar de onde o sujeito vai receber seu próprio discurso 
de forma invertida. O sujeito, portanto, recebe de volta uma significação, com a 
qual poderá ordenar o trajeto de sua existência: "sou assim". Todo este processo 
só pode acontecer por que o ponto de estofo nos diz onde o desejo do Outro se 
coloca como ‘x’. Trata-se de um significante que busca dizer do que está para 
sempre recalcado ("Urverdrängung"), questionando o Outro no ponto em que 
nada pode ser dito, a saber, o desejo. 
O que chamei há pouco de "desejo inumano", para designar o desejo do analista, 
é o que vai operar neste momento da análise, instalando ali, onde se espera uma 
consistência, a própria verificação da inconsistência do Outro. Este passo, por si 
só, vai estabelecer efeitos sobre o sintoma: 
1. No envelope formal do sintoma - s(A) sua composição significante - veremos 
efeitos terapêuticos quase que imediatos, pois, sendo o que, do sintoma, 
acreditamos poder nos dizer alguma coisa, é com alívio que recebemos, de volta, 
a própria mensagem invertida. No entanto, não podemos nos esquecer que no 
Grafo do Desejo, Lacan mostra a implicação da ficção do fantasma na mensagem 
do sintoma. Ou seja, este apaziguamento que a transferência instaura só se 
sustenta porque o significante da transferência entra obturando, cobrindo a 
"ranhura do dizer verdadeiro". 
2. Ao mesmo tempo, vamos perceber se delinear o que Lacan chama de "ponto 
de fixão", este nó de significações que denunciam o "sentido do gozo" (jouis-
sens) desvestindo-o do envelope formal e do envelope imaginário: nó real de 
gozo, a geometria do real, onde impera o "more geométrico". 
3. Dá-se, com a instalação da transferência o primeiro passo, portanto, para que 
a construção de um quadro, de uma cena, possibilite transformar-se em umbral 
por onde um atravessamento poderá acontecer e, uma identificação ao sintoma 
venha selar um longo processo.

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