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Aula 1 – O Imaginário Ibérico à Época das Grandes Navegações
Durante muito tempo os historiadores brasileiros utilizaram a palavra descobrimento para explicar a chegada dos europeus às Américas. Entretanto, a partir do ano 2000, durante as comemorações dos 500 anos dessa chegada, o termo entrou em discussão. A grande questão que se apresentava era conceitual, ou seja, descobre-se algo que estava escondido ou algo que ninguém sabia da existência. Ora, o continente americano nunca esteve escondido e, sem entrar agora na discussão que desde a antiguidade existiam mapas que descreviam as Américas, pois trataremos desse assunto mais tarde, havia ali habitantes que o conheciam. Se usarmos a lógica de que os europeus não conheciam as Américas e por isso a descobriram, teremos que levar em consideração que os americanos também não conheciam a Europa e nem por isso ao saberem de sua existência declararam que a descobriram.
O que percebemos é que a adoção dessa palavra no século XVI estava carregada de um sentimento de superioridade. Os europeus consideravam suas maneiras de agir e de pensar superiores às dos povos que habitavam as Américas. Será por que desde o primeiro momento fica claro que, no caso do Brasil, os índios não fundiam metais, não viviam em cidades e andavam nus?
Astecas e maias moravam em cidades, fundiam metais e vestiam roupas, mas nem por isso foi estabelecida uma relação de igualdade entre eles e os europeus. O cerne da questão está no que chamamos de eurocentrismo. Os europeus acreditavam que todas os povos que não partilhassem dos seus hábitos, costumes, religião e formas de agir e de pensar eram inferiores. Essa postura justificava a imposição da sua cultura a essas sociedades mesmo que para isso precisassem submetê-los, escravizá-los e até mesmo dizimá-los.
Outra argumentação contrária ao uso da palavra descobrimento é a de que nas terras nas quais Cabral aportou (hoje o Brasil) ainda eram desconhecidas. O País, como nós o conhecemos hoje, é uma construção histórica. Entretanto, se analisarmos mais profundamente esse argumento, perceberemos que todo e qualquer país, inclusive as nações europeias, é uma construção histórica. As sociedades são dinâmicas e estão em constante processo de mudança.
Refletir sobre as transformações culturais, sociais, econômicas e políticas dos países nada mais é do que estudar e compreender suas histórias, portanto, se o Brasil é o resultado: “do trabalho, do esforço, da dor, da alegria; das festas, das comidas, das danças; do português falado com diferentes acentos e cantado na bossa nova, no samba, no axé; do feijão-com-arroz, do vatapá, do tucupi, da carne-de-sol, do acarajé, do tacacá e do churrasco; do branco, do negro, do índio; mais ainda, do mestiço, do cafuso, do cariboca, do mameluco, do mulato, do pardo e do retinto; do romance regional, da poesia concreta e do cordel; das cidades futuristas planejadas, do barroco e do utilitário; das praias ensolaradas, das serras com geadas e da garoa enfumaçada...” E poderíamos acrescentar, das alterações sociopolíticas, econômicas e sociais, ou seja, de um conjunto de ações de agentes que produziram fatos históricos únicos, teremos que concluir que também Portugal, França, Inglaterra, China, Rússia, Estados Unidos, Colômbia, etc. são produtos de seus próprios processos históricos.
Foi também durante as celebrações dos 500 anos do Brasil que outra expressão, achamento, utilizada principalmente por historiadores portugueses do século XX, se apresentou como possibilidade de problematizar ainda mais o assunto. Acontece que descobrimento e achamento são sinônimos, logo a explicação dada para desqualificar uma delas serve para cumprir com o mesmo propósito para a outra. Francisco Carlos recorre ao historiador espanhol Sanchez de la Cuesta para incrementar um pouco mais nossa discussão, o conceito incluído agora no debate é encontro. Segundo Alvarez teria havido em 1500 um contato entre povos, culturas e civilizações diferentes.
Para analisarmos os prós e os contras da substituição de descobrimento/achamento por encontro/contato. Proponho uma comparação desses dois últimos conceitos com outro, o de invasão, defendido por uma linha historiográfica mais próxima à Antropologia. Manuela Carneiro da Cunha reúne dados de vários autores para chegar a uma estimativa das densidades demográficas da Península Ibérica e da América em 1492.
Embora a autora ressalte a discrepância nas informações do número de habitantes nos três continentes – Europa, América e Ásia – o número de habitantes americanos seria superior ao de europeus e conclui que o continente europeu. “...teria logrado a triste façanha de com um punhado de colonos, despovoar um continente muito mais habitado. (...) se a população aborígene [indígena] tinha, realmente, a densidade que hoje se lhe atribui, esvai-se a imagem tradicional (aparentemente consolidada no século XIX), de um continente pouco habitado a ser ocupado pelos europeus. Como foi dito por Jennings (1975), a América não foi descoberta, foi invadida.”
O que se percebe ao cotejar as duas correntes historiográficas é que a primeira trata a colonização como algo natural e mesmo que não pretenda “fazer um elogio aos feitos portugueses”, realmente não o faz, tira toda a importância das resistências, dos conflitos entre europeus e indígenas ao reduzir o choque cultural vivenciado por ambas as sociedades e os embates que daí surgiram a um mero encontro, um contato. Isso permite interpretar que não houve relações de dominação e poder entre colonizadores e colonizados. Além disso, um encontro/contato é algo não intencional e, como veremos a seguir, existem suspeitas de que a esquadra de Cabral desviou-se propositalmente da costa africana para confirmar a existência de terras a oeste das quais se tinham suspeitas e se havia ali riquezas que pudessem ser exploradas.
Aliada a essa abordagem da questão é preciso compreender a importância da chegada de Colombo à América, em 1492, e do Tratado de Tordesilhas, em 1493, claros indícios da existência de terras à oeste. Continuemos a reflexão lembrando que durante a Idade Média várias informações e mapas representando outros continentes estiveram guardadas em mosteiros católicos e eram estudados por membros do alto clero da Igreja.
Isso não significa dizer que esse conhecimento estava disponível e ao alcance de todos.  É bom ressaltar o caso de Nicolau Copérnico para compreendermos que a Igreja Católica puniu exemplarmente todos aqueles que ousaram desafiá-la, usando a ciência, a filosofia e a razão para contradizê-la. Também os chineses empreenderam expedições exploratórias no século XIII e contavam com uma cartografia bastante precisa na qual observamos a existência de um mapa no qual estão representados os continentes africano, americano e australiano, assim como a forma circular da Terra está representada.
Terminada a discussão sobre qual termo melhor descreveria a chegada dos europeus à América e, particularmente, dos portugueses ao Brasil, tenho certeza que uma pergunta ficou no ar.
Minha opção é pelo conceito de invasão, mas ao deixar claro que essa foi uma escolha pessoal, já adianto que não há certo ou errado nesse caso, as linhas historiográficas são múltiplas e aconselho a você a filar-se à discussão que lhe parecer mais adequada.
Vamos mudar de assunto. Falemos agora sobre as razões que motivaram os europeus a enfrentarem seus medos e todo um imaginário que descrevia um oceano, o Mar Tenebroso, e as terras para além dele repleto de monstros e figuras assustadoras. Espera aí... se estudamos que havia um conhecimento prévio do Atlântico e dos outros continentes, como justificar a existência de tantos mitos ao mesmo tempo deslumbrantes e apavorantes? Lembre-se de que as informações estavam fora do alcance da maior parte das pessoas e mesmo muitos daqueles astrônomos, físicos, matemáticos e/ou filósofos que tentaram formular novas teorias a partir do estudo desse material foram duramente punidos.
Podemos citar como exemplos o caso de GiordanoBruno e Galileu Galilei, ambos defensores da tese de Copérnico sobre o heliocentrismo. Giordano Bruno era adepto do humanismo e defendeu a teoria de que o Universo era infinito em sua obra De l’Infinito Universo i Mondi. Em 1576, foi levado à Roma para ser julgado sob a acusação de heresia, abandonou a batina e acabou sendo excomungado e queimado vivo pela Santa Inquisição, em 1600. A punição de Galileu foi mais branda: em 1616, o Tribunal do Santo Ofício (Inquisição) declarou que a afirmação de que a Terra gira em torno do Sol, transformando este no centro do Universo, era uma heresia.
As consequências dessa acusação foram a inclusão do livro escrito por Copérnico, De revolutionibus orbium coelestium no Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos) e uma série de interrogatórios e proibições sobre a divulgação das teorias de ambos. Houve muitos recuos e avanços, as proibições eram impostas e retiradas, Galileu foi inclusive apoiado pelo Papa Urbano VII e, finalmente, em 1633, foi declarado suspeito de heresia por ter publicado um ano antes o livro Diálogo dos Grandes Sistemas, contrariando as advertências que lhe tinham sido dadas.
Surge então uma nova dúvida: se o medo era um sentimento enraizado em todo o medievo e ainda estava presente na passagem para a Idade Moderna, por que se lançar nessa aventura? Explicaremos essa pergunta refletindo sobre a tentação e, por que não dizer curiosidade, que os deixavam aterrorizados, mas também ávidos pelo desconhecido, pelo fantástico, pela possibilidade de alcançar riquezas infindas.
Vamos tentar imaginar como seria... a vida de alguém que nunca deixou o feudo ou o burgo em que nasceu, no máximo conhecia seus arredores. ...se acrescentássemos o fato de não haver luz elétrica e que durante a noite, até se chegar razoavelmente perto de pessoas e de objetos, só se vislumbrava vultos. ...se adicionássemos noções de pecado e de bruxaria que incluíam desde a obtenção de juros até o a manipulação de certas ervas medicinais. ...se juntássemos uma pitada de culpa, elemento essencial das religiões judaico-cristãs. Esta é a “receita” para se compreender o imaginário do medievo e de boa parte da modernidade. Percebemos que o medo do desconhecido estava ligado exclusivamente às explorações. Ele era parte daquela sociedade.
Continuando nossa análise da mentalidade do período, foquemos agora em dois personagens, Marco Polo e Preste João, que povoaram esses imaginários com descrições de reinos maravilhosos, embora assustadores. São essas aventuras cheias de perigo e de maravilhosas recompensas que deslumbraram e empurraram os europeus para as Grandes Navegações.
O século XIV foi marcado por uma diminuição do comércio explicada, em parte, pela diminuição demográfica causada pela Peste Negra e por falta de alimentos. No século seguinte houve uma retomada do crescimento que esbarrava em alguns impedimentos: a interrupção do fluxo do comércio realizado através do Mar Mediterrâneo e a necessidade cada vez maior de obter metais, principalmente a prata, para cunhar moedas. A solução encontrada foi a criação de novas rotas, marítimas e terrestres, que interligassem a Ásia e o norte da África, local onde as caravanas chegavam abarrotadas de mercadorias e ouro em pó, à Europa ocidental. Portugal, embora parte da Europa, tem em sua história especificidades que lhe possibilitaram ser o primeiro a buscar uma rota atlântica.
Sempre que possível apresentaremos uma (ou mais) visão historiográfica sobre o assunto tratado na aula. Assim, encerramos esta com a análise de Sérgio Buarque de Holanda sobre as razões do sucesso do empreendimento português. Segundo Buarque de Holanda, os portugueses eram dotados de um “espírito aventureiro” essencial para empreender essa busca pelos caminhos das Índias. O autor ressalta a ausência de feudalismo em Portugal como uma das características fundamentais para compreendermos a ousadia portuguesa. Para ele, a falta de uma hierarquia mais rígida, em uma sociedade na qual a burguesia nascente, ao invés de se insurgir contra a nobreza, adotou seus valores, suas maneiras de agir e de pensar, logo, não houve rupturas traumáticas entre ambas, mas uma cooptação da primeira pela segunda. Estariam nessa confluência de interesses e seriam responsáveis pelas alianças que culminaram na Revolução de Avis – fator que possibilitou e impulsionou e impulsionou Portugal a obter a primazia na exploração do continente Africano. Buarque de Holanda também destaca a vontade de enriquecer sem realizar muito esforço, uma ausência de “ética protestante” na Península Ibérica teria resultado em um desapreço pelos trabalhos físico e manual. Enriquecer sem trabalhar, esta seria a máxima que motivava os portugueses a desafiar o Mar Tenebroso.
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