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Aula 8

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Aula 8 – As Principais Tendências Historiográficas Brasileiras Contemporâneas
A historiografia contemporânea sedimentou a distinção entre o fazer do historiador e o produto de tal fazer: o discurso histórico. É a própria concepção da identidade do historiador que na contemporaneidade está em questão, nesse estudo vamos apresentar algumas hipóteses explicativas dentre as muitas possíveis sobre tais problemas. De fato, porém, tanto a natureza conceitual quanto as características e implicações teórico-metodológicas dessas identidades, tanto a do historiador como a da História, constituem questões amplas e complexas. A intervenção sobre os problemas da historiografia contemporânea e a sua recepção no Brasil é que constituirão a matéria da aula que se segue.
Em uma perspectiva historiográfica podemos fazer considerações gerais acerca da historiografia brasileira contemporânea no que tange as abordagens possíveis dos problemas do que seja o conceito de História e o de historiador. Deve-se ressaltar a ambiguidade dessa relação entre o historiador e a História, bem como, o seu caráter problemático que a caracteriza. Entretanto não se pode prosseguir no fazer histórico sem se posicionar na discussão que envolve as múltiplas questões de natureza histórica, política e cultural. Podemos partir da hipótese de que o conceito de História está em crise, esse problema é real e tem como uma de suas características ou consequências, seus impactos sobre o processo de produção do conhecimento histórico, que envolve o historiador e o seu discurso histórico chamado de a escrita da História.
Produção Historiográfica Brasileira
Abordando a produção historiográfica brasileira contemporânea será preciso determinar a natureza das condições e dos fatores que caracterizam a recepção dessa crise entre nós e nos fornece as implicações tipicamente brasileiras de enfrentamento dessa crise. A produção historiográfica brasileira foi profundamente marcada, a partir dos anos 1960, por uma espécie de dialética, de interação e de oposição entre as vertentes da tradição e as vertentes da inovação. Essa dialética está presente nas tensões próprias da escrita da historiografia brasileira.
Por muitas décadas a historiografia brasileira tradicional foi caracterizada pelo empirismo positivista, empirismo metódico. Acreditava-se ser a única forma científica de produzir o discurso historiográfico brasileiro. Dominados por uma metodologia científica positivista, essa situação persistiu, salvo raras exceções, até o final dos anos 1950 e começos da década de 1960.
Aí então, aparece a vertente da inovação, devedora claro está dos primeiros a contestarem esses métodos positivistas, ainda nos anos 1930, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, ou mais distante Capistrano de Abreu. Porém os impactos de suas contribuições ainda demorariam muito para alterar as possibilidades reais de inovação presentes nesses autores. Assim o desenvolvimento da vertente inovadora na historiografia brasileira, foi lento, e demorou duas décadas.
Tradição X Inovação
A partir da segunda metade do século XX, a vertente da tradição e a vertente da inovação constituíram os pólos dos quais emanavam as práticas historiográficas brasileiras. Do lado da vertente da renovação estavam as contribuições da Escola dos Annales e a influência da perspectiva teórica marxista, que se combinaram, se acoplaram e ganharam espaço na produção historiográfica nacional. A vertente tradicional, porém, continua sendo muito influente ainda, pois estava solidamente implantada nos terrenos institucionais e acadêmicos.
Essa oposição, que ocorre entre vertente da tradição e vertente da inovação, produziu conflitos teóricos crescentes. Nas décadas de 50 e 60, a dicotomia teórica entre elas pontificou nas questões de privilegiar a teorização e a interpretação no caso da vertente inovadora ou de privilegiar o empirismo no caso da vertente tradicional.
Foi a partir dos anos 70 que a oposição e conflito entre os historiadores das duas vertentes se intensificaram. Foi também nessa década que a problemática entre os defensores da História como uma concepção narrativa, factual e descritiva como os tradicionalistas, e os que, ao contrário defendiam uma história de caráter mais elaborado cientificamente, calcada na análise dos pressupostos teórico-metodológicos, estivessem eles, explícitos ou implícitos, como os inovadores, se tornou mais densa.
A Nova História
A chamada Nova História, que se disseminou nos anos 1960 e 70, tinha como seu fundamento, duas inspirações básicas, a escola dos Annales e o Marxismo. Ambas correntes pautavam suas análises e interpretações históricas nos métodos da história quantitativa, muito bem sucedida nos campos da história econômica e social. A contribuição da história quantitativa trouxe as vantagens de uma prática historiográfica distinta do empirismo positivista tradicional. Uma história como essa, inovadora do ponto de vista científico, propunha novos métodos e técnicas de trabalho. Resumindo, podemos assinalar que perante as condições concretas que nortearam a implantação da História como ofício e disciplina no Brasil, é possível inferir que o seu estabelecimento se deu a partir de duas principais linhas de forças historiográficas: a historiografia tradicional de cunho empirista e positivista, que entendia a História como narrativa dos fatos e a historiografia inovadora com influência tanto da escola dos Annales quanto da crítica marxista.
A Historiografia Brasileira nos Anos 80
A partir dos anos 80, as articulações da historiografia brasileira vão se tornando mais complexas por meio de elaborações conceituais advindas dessas três tendências ou perspectivas historiográficas. Entretanto, ainda nessa época era possível, no que diz respeito à História como disciplina e quanto ao ofício de historiador, apresentar essas duas identidades, o tipo tradicional e o tipo inovador. A partir dessa época a situação começa a se transformar e a produção historiográfica brasileira assiste ao aparecimento de diferenciações que complicam a busca por análises mais esquematizadas e simplistas. Tendências variadas no interior da Nova História, de influência dos Annales, se fragmentam, colocando em campos divergentes os historiadores da vertente inovadora econômica e social que enfatizavam as grandes massas ou séries documentais e a quantificação dos dados, e do outro lado, os historiadores que se mostraram interessados nas novas abordagens, nos novos objetos e nos novos problemas, esses constituíram a chamada história das mentalidades. Agregue-se a isso a fragmentação também ocorrida no outro fundamento da vertente inovadora, o marxismo, que também se dividia em diversas concepções historiográficas.
Assim, aparece um novo tipo de historiador e uma nova prática historiográfica. Multiplicam-se as interpretações epistemológicas sobre o ofício do historiador da História, que doravante são produzidas em quantidade crescente por especialistas de outras áreas como a filosofia, a linguística e a teoria literária, entre outras. A crise de identidade do historiador passou a ser uma realidade. Essas reflexões epistemológicas sepultam o paradigma tradicional. A quantidade de problemas apontados para a produção historiográfica suscita inúmeros questionamentos que tornam a ciência histórica, um território, no qual a questão primordial á da relação que cada historiador constrói com seu objeto, essa relação determina a diferença entre a história como historiografia, ou seja, o texto produzido sobre a História e a História propriamente dita, enquanto objeto, enquanto realidade a ser conhecida. Múltiplas realidades distintas se apresentam ao historiador conforme os recursos teórico-metodológicos que ele escolha para a produção historiográfica. A identidade histórica se torna plural e multifacetada, na mesma medida que a identidade historiográfica também se torna plural e multifacetada.
Historiografia e História
Como pudemos perceber, existe a historiografiae existe a História, ambas suscitam problemas de definição, de elaboração de suas identidades. O historiador é dotado de autoconsciência, pois parte de uma intenção que é a de produzir um texto de história. Para compreender melhor a situação do historiador brasileiro em particular, é preciso distinguir dois tipos de situações. A primeira perspectiva problematiza o ofício de historiador, como sendo aquele que produz um tipo específico de conhecimento, o conhecimento histórico, a historiografia que se materializa em um discurso historiográfico que é sempre um recorte específico da História, realidade sobre a qual ele se refere. A segunda perspectiva é a possibilidade efetiva de saber se esse discurso historiográfico, de fato, é capaz de forma eficiente de oferecer uma interpretação que possa ser garantida cientificamente como sendo portadora de sentido para a história como realidade, como objeto.
No antigo modelo historiográfico empirista ou positivista a identidade do historiador não constituía um problema. Bastava ao historiador dominar certo método científico, o método histórico. Bastava aplicá-lo a sua matéria-prima, os documentos ou fontes documentais. Para esses historiadores, a história que escreviam era verdadeira na medida em que conseguisse ser uma narrativa dos fatos reais, fornecidos por intermédio das fontes. O discurso historiográfico de então era portador da certeza histórica, dos acontecimentos tal como se deram na realidade. Já os historicistas se contrapunham a essa historiografia positivista, opondo a necessidade de interpretação histórica pautada não na reprodução dos fatos históricos, mas na sua compreensão, a valorização da hermenêutica como método da historiografia. Com isso houve um adensamento da vivência do historiador com seu objeto, fazendo uso de recursos como a imaginação do historiador.
Historiadores Brasileiros
No Brasil, o principal confronto se deu entre os historiadores positivistas e os historiadores influenciados pelos Annales e pelo marxismo que produziram um tipo de historiador diferente daquele tradicional. Podemos agora em meio às diferenças entre essas correntes, a tradicional e a inovadora, interpor outra questão, além das suas diferenças, é que seria a busca por sua semelhança. De fato, essas duas concepções distintas sobre a prática do historiador possuíam um embasamento comum, é que seria a aceitação da existência do que se chama de realidade histórica ou a história matéria. O historiador contemporâneo, inclusive o brasileiro, está vinculado a um saber histórico, está vinculado a uma historiografia bastante plural e multifacetada, que de saída mantém diversas trocas com as demais ciências sociais e humanas, não existe mais aquele isolamento da História como disciplina completa e distinta. Uma questão é a da incessante multiplicação dos objetos historiográficos, que, aliás, ocorreu, pois, o próprio discurso historiográfico foi se fragmentando em uma diversidade de áreas e subáreas, cada qual mais veemente da defesa de sua própria legitimidade frente às demais.
Inúmeras perspectivas metodológicas, das mais variadas, fossem elas empiristas, fossem oriundas das mais variadas procedências teórico-metodológicas entraram em conflito na luta para explicar a realidade histórica. Novas abordagens encontraram novos objetos que suscitaram por sua vez novas formas de pesquisar e interpretar, fosse a documentação, fossem os processos históricos propriamente ditos. Foram revelados temas e questões pouco lembrados anteriormente ou que foram deturpados pela historiografia tradicional. Como exemplo temos uma história das minorias, uma história da natureza, uma história dos imaginários sociais, uma história da vida cotidiana, aliás, não uma, mas várias histórias a serem contadas sobre o que talvez seja um mesmo objeto. Diferentes práticas e representações sociais sobre o mesmo tema - a História - surgem conflitos inevitáveis, pois cada tendência constitui um microcosmo. Como resultado é a própria identidade do historiador que se fragmentou. A historiografia brasileira refletiu essa multiplicação a partir da fragmentação.
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