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CIÊNCIA POLÍTICA Prof. Pedro R. Campanini SUMÁRIO Capítulo Página I - Conceito de Política - Noção de TGE - Política e Direito Constitucional 02 II – A origem do Estado 04 III – Constituição e Poder Constituinte 11 IV – Estado e Direito 15 V – Estado: povo, território e soberania 20 VI – Estado Moderno e democracia 28 VII – A separação de poderes 38 VIII - Formas e sistemas de governo 41 Bibliografia 47 2 CAPÍTULO I CONCEITO DE POLÍTICA - NOÇÃO DE TGE - POLÍTICA E DIREITO CONSTITUCIONAL I - POLÍTICA - Conceito: Ciência dos fenômenos referentes ao Estado (Dicionário Aurélio). - Na Antiguidade grega a palavra política significava a ciência de bem governar a cidade (polis). - A definição clássica de política encontra-se na obra de Aristóteles, “Política”. Refere-se à cidade e, consequentemente, a tudo que é urbano, civil, público e social. Em outras palavras, o conceito de política era habitualmente empregado para indicar a atividade ou conjunto de atividades inerentes a Polis. - Modernamente, para Max Weber, a política pode ser vista como a direção do agrupamento político denominado Estado, assim, a organização e funcionamento do Estado são regidos por decisões políticas. - Com a presente globalização, a política deixou de ser assunto estritamente estatal, passando a ser importante também para outras organizações, como por exemplo, a ONU, a OEA, que são grupos interestatais, bem como de grupos menores, como ONGs, associações, etc. - Para o jurista alemão Herman Heller, o conceito de política é muito mais amplo do que o do simplesmente estatal. Pode-se afirmar, portanto, que a política atualmente é, ou ao menos deveria ser, de interesse de todos os grupos sociais, pois cada cidadão é sujeito passivo das decisões políticas governamentais, e ainda, conta com inúmeras possibilidades de atuação e participação importante. - Cabe, nessa introdução, citar o texto de Bertold Brecht, “O analfabeto Político”: “O pior analfabeto é o analfabeto político, ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo da vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.” II - CIÊNCIA POLÍTICA OU TEORIA GERAL DO ESTADO NOÇÃO: “É uma disciplina de síntese, que sistematiza conhecimentos jurídicos, filosóficos, sociológicos, políticos, históricos, antropológicos, econômicos, psicológicos, valendo-se de tais conhecimentos para buscar o aperfeiçoamento do Estado, concebendo-o, ao mesmo tempo como um fato social e uma ordem, que procura atingir os seus fins com eficácia e justiça”.1 OBJETO: “Estudo do Estado em geral, do Estado como fato social, que se repete uniformemente, quanto à natureza intrínseca, no tempo e no espaço; é a ciência que investiga e expõe os princípios fundamentais da sociedade política denominada Estado, sua origem, estrutura, formas e finalidade.”2 “Estudo do Estado sob todos os aspectos, incluindo a origem, a organização, o funcionamento e as finalidades, compreendendo-se no seu âmbito tudo o que se considere existindo no Estado e influindo sobre ele.”3 III - DIFERENCIAÇÃO ENTRE TGE E DIREITO CONSTITUCIONAL Ciência Política ou TGE Direito Constitucional 1 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 02. 2 AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 23. ed. Rio de Janeiro: 1984, p. 10. 3 DALLARI, op. cit., p. 04. 3 Estuda o Estado em Geral, seus elementos permanentes, sua origem e finalidade. Estuda a organização de um Estado determinado. Ex: Dir. Constitucional Brasileiro. Descreve a estrutura e funcionamento dos órgãos do Estado. Descreve a analisa a constituição política de um Estado. Analisa a formação política dos Estados, observando os fatos históricos, sociais e políticos. Analisa a estrutura, organização das instituições e órgãos de um Estado. Estuda as formas, tipos e características gerais dos Estados. Analisa o modo de aquisição e limitação dos poderes estatais. A TGE, por ser geral, é anterior ao Direito Constitucional, que acaba por se fundamentar na TGE. Analisa a previsão de direitos e garantias fundamentais expressos em um texto constitucional. 4 CAPÍTULO II A ORIGEM DO ESTADO I - A ORIGEM DA SOCIEDADE – Teorias sobre a origem da sociedade: 1. Sociedade natural 2. Ato de escolha => contratualismo 1. Sociedade natural O primeiro a afirmar que a sociedade surge da própria natureza humana foi Aristóteles, ao dizer que o homem é um animal político, ou seja, precisa viver em sociedade para desenvolver sua plenitude. Por outro lado, aqueles que vivem à margem da sociedade são os de natureza vil. Posteriormente, no século I a.C., Cícero afirma que o homem para bem viver procura o apoio comum, pois isto é da sua natureza. São Tomás de Aquino compactua da mesma ideia, afirmando ser o homem um animal naturalmente político, que só vive à margem da sociedade quando extremamente superior aos demais homens, quando tiver anomalia mental, ou quando houver um acidente que o distancie (exemplo: náufrago). Na atualidade, Ranelleti afirma que o homem, em qualquer época ou estado de civilização, sempre é encontrado vivendo socialmente, portanto, é da sua natureza o agrupamento. A associação de humanos é condição essencial da vida do homem, pois somente assim pode suprir suas necessidades, preservar melhor a si mesmo e conseguir atingir os fins de sua existência. O que diferencia as associações humanas das dos demais animais? Para Aristóteles, somente o homem sabe discernir o certo do errado, tem conceitos de justiça e portanto somente o homem é capaz de criar o Estado. Os demais animais reúnem-se por instinto, o homem porque é de sua natureza (necessidade) e vontade (raciocínio). - Política - O homem é um animal político4, Aristóteles: “É evidente que a cidade faz parte das coisas naturais, e que o homem é por natureza um animal político. E aquele que por natureza, e não simplesmente por acidente, se encontra fora da cidade ou é um ser degradado ou um ser acima dos homens, segundo Homero (Ilíada IX, 63) denuncia, tratando-se de alguém: sem linhagem, sem lei, sem lar. Aquele que é naturalmente um marginal ama a guerra, e pode ser comparado a uma peça fora do jogo. Daí a evidência de que o homem é um animal político mais ainda que as abelhas ou que qualquer outro animal gregário. Como dizemos frequentemente, a natureza não faz nada em vão; ora, o homem é o único entre os animais a ter linguagem [logos]. O simples som é uma indicação do prazer ou da dor, estando portanto presente em outros animais, pois a natureza destes consiste em sentir o prazer e a dor e em expressá-los. Mas a linguagem tem como objetivo a manifestação do vantajoso e do desvantajoso, e portanto do justo e do injusto. Trata- se de uma característica do homem ser ele o único que tem o senso do bom e do mau, do justo e do injusto, bem como de outras noções deste tipo. E a associação dos que têm em comum essas noções que constitui a família e o estado.” - Para Aristóteles a cidade é o lugar natural para a realização plena do ser humano e de suas capacidades, porque é uma comunidade ordenada segundo a justiça e o bem comum. Assim, a sociedade teria surgido naturalmente,mas evoluído e se organizado racionalmente, eticamente. É natural ao homem viver em sociedade, pois ali seus membros encontram um bem comum. 2. Contratutalismo - A sociedade surge de um contrato hipotético entre os homens. 4 In MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2000, p. 55-56. 5 - Muitos autores adotam o contratualismo. Vejamos duas correntes: 1 - Thomas Hobbes (1588/1679), descrita em “O Leviatã”: O homem vive inicialmente em estado de natureza: não há repressão às ações, todos são livres, inclusive para usar a força. No confronto de duas liberdades pode surgir o conflito. Sem uma autoridade para reprimir o uso da força, todos estão ameaçados pela violência. Esse estado ameaça a existência humana, pois não há ordem. Para Hobbes, os homens em estado de natureza são egoístas, luxuriosos e inclinados à agressão aos outros, para alcançar poder e protegerem-se dos demais. É a chamada guerra de todos contra todos: o homem é o lobo do homem. Com a interferência da razão humana, celebra-se o contrato social em direção ao estado civil (autoridade governamental controlando o uso da força). A vida fica protegida pelo Estado que exerce o poder soberano. O Estado é uma necessidade para o homem. Assim são formuladas duas leis fundamentais: a) cada homem deve esforçar- se pela paz, se não for possível por bem que seja então pela guerra; b) a liberdade de todos os homens deve ser cerceada de forma homogênea, para que haja respeito idêntico entre todos. O contrato então é a irrestrita transferência de direitos dos cidadãos que são conferidos ao Estado. Por uma vontade humana os homens restringem sua liberdade em benefício da paz. Os cidadãos submetem-se a um terceiro (o soberano) que está acima das partes para que então alcancem o estado civil. Para Hobbes, os poderes conferidos ao governo devem ser absolutos, pois melhor um governo ruim do que o estado de natureza. Assim, obedecer às leis do governo deve ser considerado sempre correto por parte do cidadão. O soberano somente poderá ser desrespeitado caso não esteja oferecendo à sociedade paz e segurança. Hobbes entende que as leis civis servem ao Estado. Por ser o soberano quem faz as leis, ele não precisa se submeter a elas, pois pode fazê-las e revogá-las conforme entender melhor. Hobbes prefere ainda o Estado monárquico, pois assim não há desagregação no poder, com disputas entre diferentes dirigentes. 2 – Jean-Jacques Rousseau (1712/1778), descrita na obra “O contrato social”: O homem é bom por natureza. No entanto, os obstáculos que se impõem à conservação do homem em estado natural são muito grandes para serem superados pelos homens individualmente. O maior problema surge quando o homem cria o conceito de propriedade (o maior dos males humanos) e começa a lutar por ela. Assim sendo, o homem precisa de um aumento de força para sobreviver. Este aumento vem exatamente da união com outros seres humanos. Contudo, a união com outros homens promove limitações no maior bem humano: a liberdade. É necessário assim que haja uma combinação correta entre força e liberdade, que são os instrumentos fundamentais da conservação humana. O contrato social resolve tal questão: os homens alienam todos seus direitos em favor da comunidade, produzindo o Estado, que é o executor das vontades coletivas. O poder do Estado é a síntese das vontades dos associados, mas acima das vontades individuais, busca proteger o coletivo. Assim o poder soberano pertence aos associados e é exercido em seu benefício. Diante disso tudo, a igualdade natural que antes era falha, pois os mais fortes dominavam os mais fracos, passa por uma correção: todos são iguais perante o Estado, criando-se dois princípios fundamentais: liberdade e igualdade. Estes princípios fundamentam a democracia. As leis civis devem pautar-se nas leis naturais, respeitando, por exemplo, o direito à vida. Contudo, o Estado perdeu-se no seu caminho, preocupando-se com questões artificiais (como a propriedade). Assim, seria melhor ao homem voltar ao seu status quo ante (estado anterior de coisas), a volta ao estado de 6 natureza, já que “se o homem nasceu livre, então por que se encontra, e se submete a encontrar-se sob ferros?”. Todavia, se a volta à uma situação sem o Estado é inconcebível, deve então a lei pautar-se no direito natural (direitos humanos, por exemplo). Observação: Segundo José Cretella Júnior e José Cretella Neto (in 1.000 Perguntas e respostas sobre Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 2000), atualmente, predomina uma corrente de pensamento mista, que reúne elementos do naturalismo e também do contratualismo; ao mesmo tempo em que se entende existir uma necessidade natural do homem de associar-se, reconhece-se a importância de sua consciência e manifestação da vontade para moldar a forma de organização. O ser humano é considerado, portanto, como um homem social. II - ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DA SOCIEDADE - Historicamente, todas as sociedades apresentam as seguintes características: 1. Uma finalidade ou valor social; 2. Manifestações de conjunto ordenadas; 3. O poder social. 1 - Uma finalidade ou valor social - A finalidade social precisa ser um objetivo estabelecido de forma livre e consciente. - Como são vários os cidadãos, a escolha da finalidade deve ser um bem comum aceito por todos. Tal bem comum foi bem definido pelo Papa João XXIII (apud Dallari, p. 24): “conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”. - Contudo a finalidade social precisa estar adequada às leis naturais e à fatores históricos do povo que se organiza. Obs: o posicionamento finalista é contraditado pelo determinista. Por esta posição, o homem está submetido a uma série de leis naturais, sujeitas ao princípio da causalidade. Nesse sentido, ele se une em sociedade forçado por alguns fatores, tais como o econômico ou o geográfico, que também acabam por determinar a finalidade que a sociedade deve buscar (assim não há escolha humana para a finalidade social). 2 - Manifestações de conjunto ordenadas - O simples agrupamento de pessoas, mesmo com uma finalidade estabelecida, não seria suficiente para a consecução desse fim. É preciso então que os membros da sociedade passem a se manifestar em conjunto e busquem o cumprimento da finalidade. - Com as reiteradas manifestações sociais num mesmo sentido, torna-se possível concluir o bem comum buscado. Contudo, isso não passará de costume ou uso social, que estará apenas disperso na moral da sociedade. - No entanto, como os desejos humanos são muito variados, pois cada um tem seus valores e ambições, para que o bem comum possa ser estabelecido, as manifestações devem ter uma ordem que a sustente. - Assim, além da ordem social (moral e objetivo social buscado) é necessária a presença da ordem jurídica (tipificações legais e sanções). 3 – O poder social - O poder social é decorrência da sociedade, pois para que haja a consecução de suas finalidades é necessária uma ordem que necessita de sanção (o ser humano 7 não é totalmente ético, então precisa ser limitado e obrigado a seguir a ordem social). - Esse poder é ainda bilateral: advém das relações entre Estado e povo. O Estado deve respeitar as aspirações do povo que, por sua vez, precisa respeitar as regras. Ambos podem exigir do outro direitos e deveres. - O poder somente será legítimo quando harmônico com a vontade do povo. - Os anarquistas entendem ser possível a ordem social sem que haja a figura do poder, principalmenteporque este somente serve às classes dominantes. III – A SOCIEDADE POLÍTICA - É uma sociedade de fins gerais: objetivo indefinido e genérico de criar condições necessárias para que os indivíduos e as sociedades que nela se integram (famílias e igrejas, por exemplo) consigam atingir seus fins particulares. - O Estado organiza-se então não como um fim em si mesmo, mas para propiciar aos seus cidadãos condições adequadas de vida e, na atual sociedade capitalista, o progresso econômico. - Fica clara essa questão no artigo 3º da CF/88: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. IV - O ESTADO 1. Primeiras noções: “Todas as sociedades políticas que, com autoridade superior, fixaram as regras de convivência de seus membros” (Dallari, p. 46). “Sociedade política dotada de certas características bem definidas.” (Dallari, p. 45) 2. Quando aparece o Estado: 1ª Corrente: o Estado sempre existiu, porque o homem sempre esteve integrado numa organização social dotada de poder e autoridade para dirigir o comportamento do grupo. 2ª Corrente: os Estados surgiram para atender às necessidades humanas, assim, não existiram sempre e foram surgindo em cada região em épocas diferentes, ou seja, dependendo das condições concretas de cada lugar. 3ª Corrente: parte-se do pressuposto que o Estado só existe quando há características muito bem definidas. Para Karl Schmidt, o Estado não existiu sempre, é sim um conceito histórico, que surge quando nasce a ideia e a prática de soberania no século XVII. Segundo Balladore Pallieri, o Estado surge no ano de 1648, com a assinatura da Paz de Westfália, pela qual os reinos europeus determinaram os limites territoriais resultantes das guerras religiosas, e a soberania do poder interno de cada Estado. Esta terceira corrente observa o Estado como o conhecemos hoje (uma organização política, com poder e território próprios, dotada de soberania internacionalmente reconhecida). 3. Causas do aparecimento dos Estados – Teorias: a) Origem familial ou patriarcal - Cada família primitiva se ampliou e deu origem a um Estado b) Origem em atos de força, violência ou de conquista - A superioridade de força de um grupo social permitiu-lhe submeter um grupo mais fraco, nascendo o Estado dessa conjunção de dominantes e dominados. O Estado surge para regular a exploração dos mais fortes sobre os mais fracos. 8 c) Origem em causas econômicas ou patrimoniais - Motivo econômico: o Estado surge da necessidade de divisão do trabalho, para que a produção a todos beneficie. - Para Karl Marx e Friedrich Engels, conforme expuseram na obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, o Estado somente surge depois de alcançado certo grau de desenvolvimento. Para eles, o homem em princípio é comunista, ou seja, divide igualmente toda a produção, no entanto, para que as novas riquezas individuais fossem asseguradas, foi necessário o estabelecimento da propriedade privada. Surgem então as classes sociais, uma exploradora e outra explorada, uma detentora dos meios de produção, outra apenas da força de trabalho. O Estado então vem para organizar a exploração da burguesia sobre o proletariado. d) Origem no desenvolvimento interno da sociedade - O Estado é inerente às sociedades, assim, quando a sociedade alcança um nível complexo de evolução, o Estado surge como necessidade natural. e) Origem por formação derivada - Atualmente é o processo mais comum. - Processos: 1) Fracionamento de Estados Uma parte de um território de um Estado se desmembra, criando um novo ente. Assim, há uma diminuição no território original e o novo Estado passa a atuar com total independência. Exemplo: antiga URSS. 2) União de Estados Dois ou mais Estados unem-se, adotando uma mesma constituição (poderes, leis, organização social e política única). Exemplo: Alemanha Ocidental e Oriental que se uniram após a queda do Muro de Berlim em 09 de novembro de 1989. 3) Formas atípicas Formas não previsíveis, que podem originar novos Estados. Exemplo: com o término da Segunda Grande Guerra, os países vencedores decidiram dividir a Alemanha em dois Estados, para assim diminuir o seu poder e evitar uma futura guerra. Dividiu-se o Estado então em Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental. Exemplo: o Vaticano, que mesmo estando dentro do território italiano, tornou- se um Estado independente por questões religiosas. 4. Evolução histórica do Estado a) Estado Antigo Também conhecido como Estado Oriental ou Teocrático. Questões de família, religião, organização econômica, moral e filosofia se confundiam na organização do Estado. Natureza unitária: o Estado não comportava subdivisões, o poder único era do monarca. Religiosidade: o elemento teocrático do Estado. O monarca tinha legitimidade divina para exercer o poder, bem como criava as normas como fruto da vontade divina. b) Estado Grego Cada cidade (polis) tinha autonomia, independência e características próprias. Por causa disto, e pela busca da autossuficiência, as polis formavam as cidades-Estados. Mesmo com conquistas militares de uma polis sobre outra região, a característica de autossuficiência permanecia, ou seja, a nova região não era incorporada ao Estado dominador. 9 Na decisões políticas, a Grécia se destaca pela participação popular, havendo o surgimento da democracia. c) Estado Romano Em princípio Roma teve características básicas de cidade-Estado. No entanto, com a expansão das conquistas territoriais, superou-se a cidade-Estado e tornou-se um império, com poder centralizado na Cidade de Roma, e com unidades de poder espalhadas pelos territórios conquistados. Roma surgiu da união de famílias, portanto as famílias mais importantes dispunham de privilégios diversos. d) Estado Medieval - O cristianismo Pretende-se a afirmação da igualdade entre os cristãos. Contudo, os não cristãos são preteridos. Ocorre a unificação da igreja católica. Com isso, surge a ideia de que todos devem ser cristãos e submetidos à mesma ordem política. Daí advém o Estado Universal, ou seja, o Império da Cristandade, capacitador de uma ordem estatal única. Com este intuito a Igreja confere à Carlos Magno o título de imperador, no ano de 800. Entretanto, pelo fato da Igreja querer mandar demais e por causa da desobediência dos reinos espalhados pela Europa, o império nunca se constituiu com supremacia. A briga entre o Papa e os Imperadores que se seguiram marcou os últimos séculos da Idade Média, terminando apenas com o surgimento do Estado Moderno, que confere supremacia de poderes ao monarca na ordem temporal (não religiosa). - As invasões bárbaras (século III ao VI) Com as conquistas dos germanos, eslavos, godos, etc, no território europeu, novos costumes se difundiram, bem como houve estímulo para que tais regiões conquistassem autonomia, surgindo novos Estados. Isto abalou profundamente o Império. - O feudalismo Com as constantes guerras e invasões, o comércio foi profundamente prejudicado. Assim, a terra passa a ser o principal meio de subsistência, de onde ricos e pobres tirarão a sobrevivência. Surgem dois institutos que pulverizam ainda mais a concentração de poder, ou seja, os senhores feudais aumentam seu poder próprio: o A vassalagem: o proprietário menos poderoso de terras servia ao senhor feudal,dando-lhe ainda uma contribuição pecuniária em troca de proteção. o O benefício: um pai de família, sem terras, recebia uma faixa de solo para plantar, dividindo a produção com o senhor feudal. O senhor feudal tinha total poder sobre o servo e sua família, podendo determinar até mesmo a morte destes. e) O Estado Moderno Com a pulverização do poder, determinada pelos caracteres do Estado Medieval, a busca pela unificação do controle político se intensificou. Com a Paz de Westfália, surgem as principais características do Estado Moderno: 1. soberania 2. território 3. povo 4. finalidade f) O Estado Contemporâneo Principalmente após o fim da II Guerra Mundial, a ordem política e econômica mundial passa por alterações profundas. 10 Atualmente o conceito de soberania sofre alterações, podendo ser compartilhada. Com a criação das comunidades de Estados, a noção de povo tem acrescentada a ideia de cidadania da comunidade. Surgem os blocos políticos, militares, comerciais e econômicos entre nações. Surge a união entre países, com caráter econômico, social e político. Há união entre Estados para preservação da paz e de interesses econômicos, através da criação de organizações (ONU, OTAN, G7, etc). 11 CAPÍTULO III CONSTITUIÇÃO E PODER CONSTITUINTE I - DIREITO CONSTITUCIONAL - Conceito: “é um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política.” - Objeto: a constituição política do Estado, analisando sua estrutura, organização de suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e limitação do poder e os direitos e garantias fundamentais. II - CONSTITUIÇÃO - Conceito: lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres do cidadão. III - PODER CONSTITUINTE - Conceito: é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado. - Distinção: é importante distinguir o poder constituinte dos poderes constituídos. Ele é o poder que elabora a Constituição, não devendo ser confundido com aqueles, que são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Estes são instituídos, pela Constituição, obra do poder constituinte, que poderia optar por outros, como já ocorreu no Brasil- Império, com a previsão de um quarto poder, o Moderador. O poder constituinte está acima dos poderes constituídos, não devendo ser confundido com nenhum deles. - Noções gerais: A teoria do poder constituinte foi desenvolvida no século XVIII, período em que as ideias do racionalismo prevaleciam. Tais ideias eram decorrentes de uma profunda mudança de mentalidade dos séculos anteriores. O final da Idade Média e a passagem para a Idade Moderna é marcada pelo fim do teocentrismo, assim, todas as teorias políticas adotaram um posicionamento racionalista/antropocentrista. Com o Iluminismo e o próprio constitucionalismo, surge a ideia de origem popular do poder. Nessa época o abade Emanuel Sieyès desenvolve a teoria do poder constituinte, publicada no livro “O que é o Terceiro Estado”, às vésperas da Revolução Francesa. O 3º Estado era o Povo (clero, nobreza e povo). Sieyès questionava o que era o povo e o que tem sido o povo. Ele sustentava que existiria um poder de origem popular, o poder constituinte, que teria a força de elaborar a Constituição, que teria então uma característica de superioridade. Seria superior até mesmo sobre os poderes constituídos, que seriam fruto do poder constituinte. A ideia de poder constituinte materializa-se com as primeiras constituições escritas (EUA em 1787 e França em 1791). Não se tratam das primeiras constituições, mas iniciam o constitucionalismo moderno. A Magna Carta na Inglaterra, que no ano de 1215 limita os poderes do rei João Sem Terra, também não é a primeira Constituição, mas nela encontramos, pela primeira vez, os elementos essenciais do constitucionalismo moderno: limitação do poder do Estado e declaração de direitos da pessoa. 1 - Titularidade 12 - O titular do poder constituinte é o povo, pois a existência do Estado decorre da soberania popular. - A vontade da constituinte é a vontade do povo, que é expressa por meio de seus representantes. - Distingue-se titularidade (povo) de exercício (representantes do povo). - Segundo o Prof. Dalmo Dallari, da própria noção de Constituição resulta que o titular do poder constituinte é sempre o povo. Porém, como aponta o Prof. Celso Bastos, titular também do poder constituinte pode ser uma minoria, quando o Estado terá então a forma de aristocracia ou oligarquia. Por essa razão, alguns autores fazem uma distinção entre titularidade e exercício do poder constituinte. Segundo essa concepção, o titular seria sempre o povo, mas o seu exercício poderia ser atribuído somente a uma parcela dele. Dentro de uma concepção democrática, o titular do poder constituinte deveria ser sempre o povo, que elaboraria uma nova Constituição por intermédio de representantes legitimamente eleitos. Infelizmente, dentro de uma visão mais realista, titulares são as forças que em um determinado momento histórico detêm os fatores reais de poder. 2 – Espécies de poder constituinte 2.1 – Poder constituinte originário ou de primeiro grau - Estabelece a constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. - Há poder constituinte originário tanto na confecção da primeira constituição de um Estado, como naquelas que a substituem. - O poder constituinte é quem constitui os poderes que serão utilizados pelo Estado: executivo, legislativo e judiciário (se for adotada a divisão tripartida de poderes). Assim, o poder constituinte é a fonte da autoridade dos poderes constituídos. 2.1.2 – Formas de expressão do poder constituinte originário - Pelo fato do poder originário ser ilimitado e incondicionado, não há forma prefixada para sua manifestação. - No entanto, historicamente, é possível visualizar duas formas mais comuns de expressão: a) Assembleia Nacional Constituinte Nasce da deliberação ou convenção da representação popular (parlamentares). Para tanto, há convocação dos parlamentares para estabelecer novo texto organizatório e limitativo do poder. Exemplos no Brasil: Constituições de 1891 (proclamação da República), 1934, 1946 e 1988. b) Movimento Revolucionário ou outorga É o estabelecimento da Constituição por declaração unilateral do agente revolucionário, que autolimita seu poder. Exemplos no Brasil: Constituições de 1824 (independência do Brasil), 1937 (imposição do Estado Novo por Getúlio Vargas) e 1967 (fruto do golpe militar, que vinha sendo mantido pelo AI n. 1 de 1964). 2.1.3 – Características do Poder originário - Inicial: porque a Constituição que será produzida é a nova base da ordem jurídica. Não há um direito ou fato anterior que o oriente. - Ilimitado e autônomo: pois não está de modo algum limitado a direito anterior, não tendo que respeitar ou seguir o direito positivo anterior. - Incondicionado: não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade; não precisa seguir procedimentos pré-determinados. Não há submissão a poderes anteriores. 2.2 – Poder Constituinte Derivado - Conceito: o poder derivado está inserido na própria Constituição, decorrendo de uma regra jurídica constitucional. 13 - Por causa disso, possui limitações constitucionais expressas e implícitas. Assim, é passível de controle de constitucionalidade.2.2.1 – Características do Poder Constituinte Derivado: - Derivado: retira sua legitimidade do Poder Constituinte originário. - Subordinado: se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais não poderá contrariar, sob pena de inconstitucionalidade. - Condicionado: seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição que o autoriza. Está sujeito à regras formais/procedimentais. 2.2.2 – Espécies de Poder Constituinte Derivado a) Poder Constituinte Reformador Também conhecido como competência reformadora. Consiste na possibilidade de alterar-se o texto constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria Carta. Deve ser exercido pelos órgãos expressamente determinados. No Brasil, por exemplo, pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados + Senado Federal) por meio da edição de emendas constitucionais. b) Poder Constituinte Decorrente Consiste na possibilidade que os Estados-membros de uma federação, têm em virtude de sua autonomia político-administrativa, de se auto organizarem por meio de suas respectivas constituições estaduais. A criação de constituições estaduais deve sempre respeitar as regras da Constituição Federal (CF). c) Poder Constituinte Revisor Alguns autores, entre eles Pedro Lenza, mencionam a existência de um Poder Constituinte Derivado Revisor. Este poder teria sido previsto pelo art. 3º do ADCT, que dava ampla margem de alteração material, mas previa limitações formais (procedimento específico). d) Poder Constituinte Difuso Tema recente na doutrina, que o define como o poder que os agentes políticos possuem para promover a chamada "mutação constitucional", ou seja, atribuir novas interpretações à Constituição para que ela consiga se adequar à realidade da sociedade sem que seja necessário alterar o texto formal da norma. A mutação constitucional não é irrestrita, devendo respeitar certos limites como os princípios estruturantes do Estado e a impossibilidade de se subverter a literalidade de norma que não dê margem a interpretações diversas. Decorre principalmente das novas interpretações dadas pelas decisões emanadas pelo Poder Judiciário, em especial o STF. Há autores que ainda consideram como mutação as interpretações firmadas por agentes políticos como os parlamentares, ou pelo Presidente na aplicação da norma. E ainda, os que consideram até mesmo os costumes do povo como mutação constitucional. 3. Limites do Poder Constituinte - Sempre que for feita referência a limites do poder constituinte, ela o será ao poder constituinte derivado. O originário, como já vimos, é um poder absoluto, de fato, que não encontra qualquer limitação de ordem jurídica. Os limites do poder constituinte derivado são estabelecidos pelo poder constituinte originário. Podemos classificar esses limites dentro dos critérios a seguir expostos: Limites explícitos: circunstanciais e materiais. Limites Implícitos: temporais ou formais e procedimentais. 3.1 - Limites circunstanciais - Certas Constituições não podem ser alteradas em determinadas situações de instabilidade política. Pretende-se que qualquer alteração do Texto Constitucional 14 ocorra em plena normalidade democrática, sem qualquer restrição a direitos individuais ou à liberdade de informação, para que as consequências de eventuais modificações do Texto Fundamental sejam amplamente discutidas antes de qualquer deliberação. Exemplos: a) a Constituição brasileira de 1988 não admite emendas na vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio: b) a Constituição francesa não permite modificações com a presença de forças estrangeiras de ocupação em território francês. 3.2 - Limites materiais - Determinadas matérias não podem ser objeto de modificação. São as denominadas cláusulas pétreas, o cerne fixo da Constituição, a parte imutável do Texto Constitucional. Exemplo: todas as Constituições brasileiras, desde 189l, passaram a proibir qualquer emenda visando a alteração tanto da forma republicana como da Federação. - A atual CF tem como cláusulas pétreas a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 4º). - As limitações materiais além de explícitas, podem ser também implícitas. As primeiras são as que já vêm enunciadas na própria Constituição, as já mencionadas cláusulas pétreas. Implícitas são as que decorrem do sistema constitucional, como as que estabelecem o processo de alteração de normas constitucionais, as que fixam as competências das entidades federativas etc. - O Poder derivado decorrente, ao ser exercitado na confecção de uma constituição estadual, deve respeitar o texto da Constituição Federal, devendo ainda, em boa parte das regras a serem produzidas, respeitar o princípio da simetria. Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior lecionam: “O princípio da simetria, segundo consolidada formulação jurisprudencial, determina que os princípios magnos e os padrões estruturantes do Estado, segundo a disciplina da Constituição Federal, sejam tanto quanto possível objeto de reprodução nos textos das constituições estaduais". (Ex: se na CF há tripartição de poderes, deverá haver também na CE). 3.3 - Limites temporais - Certas Constituições contêm normas que impossibilitam qualquer modificação durante certo período após a sua promulgação ou só admitem a aprovação de alterações de tempos em tempos, de forma espaçada. Exemplo: a Constituição brasileira do Império, que admitia qualquer alteração somente quatro anos após a sua promulgação. 3.4 - Limites procedimentais - A própria Constituição estabelece o rito a ser seguido para sua alteração. Esse procedimento deve ser rigorosamente obedecido, sob pena de inconstitucionalidade formal da norma aprovada. 15 CAPÍTULO IV ESTADO E DIREITO I – PERSONALIDADE JURÍDICA DO ESTADO - A origem da concepção de Estado como pessoa jurídica pode ser atribuída aos contratualistas, através da ideia de coletividade ou povo como unidade, dotada de interesses diversos dos de cada um de seus componentes, bem como de uma vontade própria, também diversa da vontade dos membros isoladamente considerados. - É certo que uma pessoa, física ou jurídica, deve ser dotada de vontade própria. No caso da pessoa jurídica, a sua vontade deve ser diferenciada da vontade de seus membros. Numa sociedade empresarial, por exemplo, deve prevalecer a vontade da maioria dos sócios ou acionistas, ou seja, da coletividade. - No entanto, no que tange aos Estados, a supremacia do interesse coletivo sobre os interesses particulares da nobreza e classes no poder, demorou a acontecer. Durante muitos séculos existiram governos autoritários e totalitários, que utilizavam o Estado para realizar interesses particulares. 1. Teorias Ficcionistas da Personalidade do Estado - Para Savigny, fundador da escola histórica de Direito, no século XIX, o Estado já aparece como dotado de personalidade jurídica. Contudo, na sua teoria, a personalidade jurídica do Estado aparece apenas como ficção, ou em outras palavras: os sujeitos de direito são apenas os indivíduos (cidadãos) dotados de consciência e de vontade. Assim, por necessidade prática para o funcionamento do Estado, capacitando-o para ser sujeito de direitos e obrigações, cria-se artificialmente, por meio de uma lei, a personalidade jurídica para o Estado. - Por sua vez, Hans Kelsen, já no século XX, relata que o Estado é a personificação da ordem jurídica. Desse modo, para Kelsen também é o Estado uma ficção, pois, pela carência prática na criação de uma personalidade jurídica, faz-se com que o Estado seja representado pela figurade uma pessoa jurídica. Tudo isso, fruto de uma convenção justificável por motivos de conveniência e apoiado na legislação. 2. Teorias Realistas da Personalidade do Estado - Para tais teóricos a personalidade do Estado não está desligada da realidade, pois o Estado torna-se uma pessoa de grande porte, precisando de tratamento próprio. - Para Gierke, o Estado tem vontade própria, sendo um organismo, que por meio de órgãos próprios atua sua vontade. - Laband acentua que o Estado é uma unidade organizada com vontade própria, sendo sujeito de direitos próprios. Assim, as relações jurídicas do Estado são diferentes das relações jurídicas individuais de seus cidadãos. - Por fim, Georg Jellinek explica que sujeito, em sentido jurídico, não é uma essência, uma substância, algo material, e sim uma capacidade criada mediante a vontade da ordem jurídica. Desse modo, a qualidade de sujeito pode ser conferida não apenas aos indivíduos, mas também ao Estado. Para Jellinek, o Estado é uma unidade coletiva, advinda da necessidade e da consciência de indivíduos, que formam as instituições. 3. Necessidade de reconhecimento da personalidade jurídica do Estado: - Estabelecida a personalidade jurídica do Estado, resta claro que as pessoas físicas, quando representam o Estado, devem nortear sua atuação pela vontade do Estado e não pelos seus próprios interesses. - Somente pessoas são sujeitos de direitos e deveres. Nesse sentido, para que possamos cobrar do Estado atuação (saúde, moradia, segurança, etc), é necessário que ele seja sujeito de direitos e obrigações, tornando-se essencial o reconhecimento de sua personalidade jurídica. 16 - Os limites da atuação do Estado somente podem ser cobrados se ele tiver personalidade própria, evitando-se, portanto, autoritarismos. - Somente possuindo personalidade jurídica própria é que o Estado pode realizar acordos e tratados internacionais, pois somente assim pode assumir obrigações. - Também é através de sua personalidade jurídica que o Estado pode exigir comportamentos do cidadão, através da edição de leis ou, em caso de comportamento ilegal, aplicando sanções. II – ESTADO, DIREITO E POLÍTICA - O Estado se estabelece sobre bases jurídicas, no entanto, para que ele seja realizável é imprescindível observarmos que ele tem também conteúdo político. Sua atividade é dinâmica e está ligada a objetivos e justificativas, que acabam por estabelecer os meios para atingir-se suas finalidades. Para melhor gerir os interesses dos governados, o Estado precisa definir seus modos de atuação, esta definição então é política (sistema de regras respeitantes à direção dos negócios públicos – arte de bem governar o povo). - Assim, a ordem jurídica estabelece para o Estado as regras para sua atuação. Por sua vez, a ordem política auxilia na definição dos meios para realização da finalidade do Estado, ou seja, seus fins políticos. - A ordem política então depende do estabelecido na ordem jurídica, pois de outra forma será ilegítima e ilegal. Para definição da organização política mais eficaz na busca da realização dos interesses coletivos, deve a ordem política sempre respeitar o regramento jurídico. Apesar de tal preocupação, a ordem não deixa de ser substancialmente política. 1. O Poder Político - A principal preocupação do poder político é com a eficácia. Quem detém o poder político, preocupa-se em conseguir aceitação de seus planos e métodos, ou seja, seus comandos devem ser respeitados, mesmo que algumas vezes seja necessário recorrer à violência para conseguir obediência. - Contudo, a eficácia deve ser buscada sempre no interesse do coletivo e com respeito à ordem jurídica. - Diante disso, temos duas noções importantes de política, uma neutra, outra positiva. 1. Para Cassirer, política é a arte de unificar e organizar as ações humanas e dirigi-las para um fim comum. 2. Para Max Weber, após conceituar o Estado como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território, reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física, a noção de política aparece como: o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado. - O caráter político do Estado lhe dá a função de coordenação dos grupos e dos indivíduos, em vista de fins a serem atingidos, por meio da imposição de meios adequados. Conseguir esse objetivo depende de três dualismos fundamentais: 1. Necessidade e possibilidade a. É preciso, antes de qualquer coisa, analisar as necessidades do povo (sobrevivência e progresso); b. Antes da tomada de qualquer ação, faz-se necessária a análise dos meios disponíveis para consecução dos objetivos, ou seja, as possibilidades determinarão a organização e etapas a serem colocadas em prática para o atendimento das necessidades. 2. Indivíduos e coletividade a. Necessidade de conciliar os interesses dos indivíduos e da coletividade. b. Proteger o indivíduo é importante, no entanto, é necessário ter em conta que ele não existe isoladamente, sendo a coletividade a soma de vários indivíduos. c. Devem então ser pesados os interesses coletivos e individuais, para que nenhum dos dois sofra males excessivos. 17 3. Liberdade e autoridade a. Na escolha dos meios de atuação para satisfação das necessidades do povo, é preciso determinar limitações à liberdade individual, com o fim de aumentar-se a eficácia do projeto de governo. b. Para que a ordem seja respeitada, a coação faz-se necessária. Já afirmou Kelsen: não existe ordem jurídica sem coação. c. Acertar o limite, o equilíbrio entre liberdade e autoridade é um problema difícil. Liberdade individual ilimitada gera descontrole e desordem social, por outro lado, liberdade excessivamente controlada gera desconforto dos indivíduos e autoritarismo do Estado. III – Principais apresentações dos Estados Ocidentais 1 – Estado absolutista - O Estado absolutista, existente principalmente após o término da Idade Média, início da Idade Moderna, tem como principal ponto a concentração de poderes nas mãos do monarca. Dessa forma, o rei pode legislar, julgar e administrar. - Essa espécie de sistema é capaz de gerar governos autoritário e ditatoriais, exato que não há como cobrar o governante por seus mandos e desmandos. 2 – Estado liberal - O liberalismo inicia-se nos séculos XVI e XVII, época em que os Estados Nacionais estavam em formação. A princípio, enquadrava-se como uma luta pela liberdade religiosa, que deveria ser uma opção do cidadão e não uma imposição do Estado. Tornou-se uma doutrina política, quando começou a pregar uma limitação do poder do Estado e a defender as liberdades individuais na sociedade. Como teoria econômica começa a perder forças com as mudanças políticas e sociais acontecidas após a Primeira Guerra Mundial. - O Estado liberal contrapõe-se diretamente ao absolutismo, de modo a aumentar as liberdades civis, através da diminuição dos poderes do Estado. Traz como características o declínio das monarquias, as declarações de Direitos, a separação de Poderes e o Estado de Direito. De forma resumida, a ideia principal é de que o governante também deve estar submetido às leis, pois assim são garantidos aos indivíduos os seus direitos fundamentais. - Já o neoliberalismo é uma doutrina político-econômica que faz a adaptação dos princípios do liberalismo à economia. Baseada na retirada das normas que regulam o mercado de trabalho, os bens e serviços, a teoria neoliberal agride propositalmente o Estado, questionando suas intervenções na economia, buscando privatizações, abrindo os mercados à concorrência internacional e ao capital estrangeiro. Os primeiros impactos da teoria neoliberal na organização dos Estados começam a sersentidos na década de 1970, quando surgem os primeiros Estados organizados como neoliberais. 3 – Estado social - Na linha cronológica, é o modelo que sucede o Estado liberal. - O Estado social, ou de bem-estar social (Welfare State), tem como principal característica monopolizar todas as atividades que sejam de interesse da população, deixando assim de agir apenas como ente político, passando a acumular funções econômicas e privadas. - O Estado social atua diretamente na prestação de serviços públicos de caráter universal (saúde, educação, habitação, previdência social, etc.) e na regulação da economia. 4 – Estado totalitário - No regime político totalitário, existe uma corrente ideológica única, imposta certas vezes por partido de massa (ex: Partido Comunista soviético), também único, de forma que o poder político é exercido de forma concentrada e centralizada, por um grupo dominante, que se perpetua no governo, somente podendo ser dele afastado por meio de processos de ruptura, frequentemente com emprego de violência, como revolução, golpe de estado, guerra civil, ou guerrilha. 18 - O Estado e seus governantes encontram-se submetidos às leis, todavia, tais regras são mudadas conforme a vontade dos dirigentes. IV – NAÇÃO - O Estado, quando distante dos interesses do povo, se sujeita à revoluções engendradas pela insatisfação dos cidadãos. - Por outro lado, para agradar e estimular o povo a seguir e legitimar o poder do Estado, faz-se necessário o incentivo da adesão emocional de todos. - Para tanto, criou-se artificialmente o conceito de Nação. - No século XVIII, na França e EUA, explorou-se demasiadamente a noção de nação, incentivando a burguesia à conquista do poder político diante das monarquias absolutas existentes. - O conceito de nação é mais simples de ser assimilado e entendido pelo povo do que a noção de Estado. Assim, foi mais facilmente explorado. Assim, envolver o povo no processo de derrubada e manutenção de novos poderes, passou a ser tarefa mais simples, caso todos se envolvessem com os interesses da nação. - Diante disto, percebe-se que a ideia de nação serviu para levar o povo a travar uma luta que era de outros, acreditando lutarem por si mesmos. Até hoje, a palavra nação é utilizada em sentido ideológico5, fortalecendo a união do povo pelo bem do Estado. - Para entendermos o conceito de Nação, precisamos entender e distinguir: Sociedade: grupo social que se forma por um ato de vontade, não se exigindo que seus membros tenham afinidades espirituais, psicológicas ou culturais. Pode por exemplo, um grupo de pessoas absolutamente diferentes (língua, religião, costumes, etc), unir-se em uma sociedade para alcançar um objetivo que a todos interessa. Cria-se assim, por meio de vínculos jurídicos, uma sociedade. o Há ato de vontade e de inteligência humana para a união. o Há manifestação de um conjunto juridicamente ordenado. Seus membros se ligam por relação jurídica. o Há poder social reconhecido pela ordem jurídica. Comunidade: a união de homens numa comunidade não depende de atos de vontade, surgindo de forma espontânea. Para a criação de uma comunidade o primeiro passo é que exista simpatia entre os membros do grupo. A evolução da simpatia leva a uma relação de confiança, gerando vínculos sentimentais de união. o Não depende de ato artificial de vontade, ocorre porque os membros buscam a preservação da própria comunidade. o Não existe qualquer relação jurídica entre os membros, há apenas sentimentos comuns. o Por não haver ordem jurídica, não há poder definido, existindo apenas pessoas com influência adquirida pelo respeito da comunidade. o Todavia, pode uma comunidade tornar-se uma sociedade também. Contudo, a comunidade continua a existir, mesmo havendo a nova sociedade. O contrário, uma sociedade tornar-se uma comunidade, é muito mais difícil, pois envolve questões culturais, mas não é impossível. 5 Alguns caracteres da ideologia: - Universalização: é a criação de uma justificativa coerente de imagens e de representações que explicam a realidade vivida. Os valores da classe dominante são aceitos como universais e verdadeiros. - Lacuna ou ocultação: A ideologia é ilusória, pois oculta como a realidade é de fato. Seu conteúdo é convincente, parece estar correto, mas possui partes silenciadas, ocultadas dos olhos da população. - Abstração: A ideologia apresenta uma realidade sem contradições. Analisa a realidade pela aparência social, sem levar em conta a organização cultural e social. As diferenças reais das condições de vida são tratadas como pequenas diversidades. Assim, por exemplo, o pobre é pobre por culpa dele, não do sistema. 19 - Conceito de nação: Agrupamento humano, mais ou menos numeroso, cujos membros, fixados num território, são ligados por laços históricos, culturais, econômicos e/ou linguísticos. - ESTADO E NAÇÃO - Um Estado que coincida com a ideia de nação, na forma pura é praticamente impossível. - Dessa forma, o sonho de um Estado-nação, ou Estado-nacional, é de difícil consecução. O que se tem, via de regra, são Estados plurinacionais. - Plurinacionalismo: significa a existência, dentro de um mesmo Estado, de grupos sociais claramente distintos por sua cultura e por seus costumes. Cabe ao Estado, por meio da unidade jurídica, respeitar os valores fundamentais do homem, conciliando igualdade jurídica e diversidade cultural. - Assim, as regras jurídicas devem parecer justas para todos os grupos, indistintamente. No mesmo sentido, não pode um grupo predominar sobre outros e ter essa atuação acobertada ou legitimada pelo sistema jurídico. - O Estado Federal, que respeita a existência e localização dos grupos culturais dentro de seu território, dando a cada unidade autonomia e autodeterminação sobre muitos assuntos, segue o caminho correto. - Por outro lado, em lugares em que não se respeita os diferentes grupos culturais, é mais evidente a injustiça e desorganização social. Exemplo: o continente africano, que ao ser colonizado pelos europeus foi dividido sem que houvesse respeito pelas tribos e grupos até então existentes. - Pode-se concluir que o Estado é uma sociedade e a Nação aproxima-se mais do conceito de comunidade. - Diante disso, é importante aos Estados criar uma imagem nacional, que seja capaz de superar as diferenças culturais enraizadas em seu território. - O Estado perfeito é aquele que consegue realizar o Estado Nacional, unificado pela consciência social, pela identidade de interesses, pela comunhão de ideias de uma só nação. 20 CAPÍTULO V ESTADO: POVO, TERRITÓRIO E SOBERANIA I – POVO - A noção jurídica de povo é uma questão recente. Na Grécia Antiga, os habitantes com direitos políticos eram chamados cidadãos (somente homens, nascidos na Polis e proprietários de terra). - Durante a Idade Média também não houve um conceito uniforme de povo, uma vez que havia camadas sociais bem definidas em que os direitos eram em muito diferentes (nobreza, clero e plebe). - Somente com Georg Jellinek, em torno de 1900, que houve uma construção doutrinária consistente que fixou a noção jurídica de povo e disciplinou sua participação perante o Estado. - Pela teoria de Jellinek há dois principais pontos: Aspecto subjetivo: o Estado é sujeito do poder público bem como o povo, uma vez que este é componente daquele. Assim, o povo está numa relação de subordinação e, portanto, é sujeito de deveres. Aspecto objetivo: o povo é objeto da atividade do Estado e por isso é sujeito de direitos, uma vez que o Estado deve atuar em favor de seu povo. - Jellinek desenvolveu uma doutrina conferindo à relação indivíduo-Estado quatro status. Quais são eles: Status passivo: o indivíduo encontra-se perante o Estado em posição de subordinação aos poderes públicos, caracterizando-se como detentor de deveres para com o Estado, que por sua vez tem competência para vincular o indivíduo, através de mandamentos e proibições. Status negativo: em certas circunstâncias, faz-se necessário que o Estado não se intrometa na autodeterminação do indivíduo, garantindo sua liberdade de atuação, sem ingerências dos poderes públicos. Status positivo: o indivíduo em situação de exigir do Estado que atue positivamente em seu favor, através da oferta de bens e serviços, principalmente os essenciais à sobrevivência e sadia qualidade de vida da própria comunidade. Status ativo: o indivíduo desfruta de competências para influir sobre a formação da vontade estatal, correspondendo essa posição ao exercício dos direitos políticos, manifestados principalmente através do voto. - Desenvolvendo as teorias de Jellinek, Dallari (p. 99) define povo como: “conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da vontade do Estado e do exercício do poder soberano”. II - TERRITÓRIO - A noção de que o território também é componente do Estado somente começa a surgir com o Estado Moderno. Contudo, isso não quer dizer que os Estados não possuíam território. - Isso tudo aconteceu porque nas zonas rurais da Antiguidade, a população pouco se opunha às ordens reais, tendo então pouca importância a exata delimitação das fronteiras territoriais. - Com o surgimento da ideia de soberania na Idade Média, torna-se necessário definir os limites geográficos para efetividade da soberania. - Para Hans Kelsen, é exatamente a noção e delimitação dos territórios que possibilita a vigência simultânea de várias ordens estatais soberanas, sem que uma se sobreponha à outra. 1 - Estado e seu território - Algumas teorias consideraram que o Estado tinha domínio pleno sobre o território, podendo aliená-lo em parte e sobrepor-se ao domínio dos particulares. Em outras palavras, o Estado era o proprietário absoluto do território, podendo fazer com ele o que bem quisesse. Ficava, portanto impedida a propriedade privada de terras. 21 - Outros teorizaram, Jellinek por exemplo, que o Estado tem império quanto ao território, ou seja, é o poder que o Estado possui sobre os que se encontram no seu território. Assim, o direito estatal sobre o território é um reflexo da dominação sobre as pessoas proprietárias das áreas que compõem o território. - Sintetizando várias teorias, pode-se concluir: a) Não existe Estado sem território. b) O território delimita a ordem jurídica do Estado. Dentro do território prevalecem as leis do Estado, podendo coexistir normas jurídicas externas adotadas pelo poder soberano. c) O território é objeto de direitos e deveres. Assim o Estado pode instituir deveres para porções do território, bem como alienar partes dele, caso haja interesse do povo. - Conceito de território (Dicionário Aurélio): A parte juridicamente atribuída a cada Estado sobre os rios, lagos e mares contíguos, e bem assim o espaço aéreo que corresponde ao território, até a altura determinada pelas necessidades da polícia e segurança do país, devendo-se, ainda, considerar como parte do território os navios de guerra, onde quer que se encontrem, e os navios mercantes em alto-mar ou em águas nacionais. - Em outras palavras, território é a área sobre a qual o Estado exerce soberania, ou seja, é o domínio de validade da ordem jurídica de cada Estado. O território de um Estado é uno, embora por motivos de cunho didático, seja costume dividi-lo em aéreo, marítimo e terrestre. 2 - Limites do território A - Quanto ao subsolo - Por questões técnicas de difícil exploração das profundezas do subsolo, nunca houve problemas que tivessem tornado necessária a criação de limites de profundidade dos territórios para problemas que pudessem surgir entre Estados. - Contudo, é pacífico que a exploração do subsolo é exclusiva do governo no Brasil. O inciso IX, do artigo 20 da CF, determina que pertencem à União os minerais e o subsolo do território brasileiro. B - Quanto ao mar - Há muito tempo atrás, o que importava para a delimitação de uma faixa marítima territorial eram as questões de segurança. Assim, o primeiro critério para fixação de mar territorial foi o alcance de uma bala de canhão no século XVII. - Somente no século XX é que, com o imenso potencial das armas, deixou-se de lado essa limitação definida pelo alcance de um equipamento de guerra. - Diante disso, estabeleceu-se por um tratado internacional o mar territorial como a faixa de três milhas marítimas. - Também no século XX, houve interesse em exploração comercial de faixa exclusiva do mar, como se território único do país fosse. Assim, a quantidade de milhas marítimas precisou ser ampliada para que se evitassem conflitos entre nações. As questões de segurança ficaram em segundo plano, prevalecendo as situações econômicas e até mesmo de preservação ambiental. - Chegou-se a conclusão, consagrada em tratados internacionais, que o mar territorial é de duzentas milhas marítimas (370,6 km). - No Brasil, a situação foi regrada pela Lei Federal 8.617/1993, que dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências. Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil. Art. 2º A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo. 22 Art. 4º A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial. Art. 5º Na zona contígua, o Brasil poderá tomar as medidas de fiscalização necessárias para: I - evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários, no seu territórios, ou no seu mar territorial; II - reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território ou no seu mar territorial. Art. 6º A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial. 3 - Quanto ao espaço aéreo - Com o desenvolvimento da aviação, tornou-se necessária a regulação sobre a soberania territorial do espaço aéreo. - Em regra, o espaço vertical acima de cada Estado é regulado e controlado pelas leis locais (inclui-se o espaço aéreo sobre o mar territorial). - Adiantando-se às conquistas espaciais, a ONU, em 1966 aprovou um Tratado do Espaço Exterior, determinando que nenhum Estado pode se apossar, no todo ou em parte, do espaço ultraterrestre, inclusive da Lua ou outros satélites naturais ou planetas. - Para efeitos práticos, a região a partir da qual a densidade do ar é insuficiente para sustentar aviões (20 a 25 milhas da superfície da Terra) poderia ser considerada como o início do espaço exterior. No Congresso da Federação Aeronáutica Internacional, realizado em 1960, propôs-se que o espaço exterior se iniciaria onde terminasse o espaço aéreo, isto é, 90 milhas. Ainda não existe consenso sobre o início preciso da região denominada "espaço exterior", não tendo jamais sido colocado qualquer obstáculo ao voo de satélites artificiais, foguetes, cápsulas ou naves espaciais. III - SOBERANIA 1 - Noção histórica- O conceito de soberania é uma das bases do Estado Moderno. - Para que se pense no conceito de soberania, segundo Jellinek, necessário se faz que outros poderes afrontem o poder dos Estados. Na Antiguidade o confronto do Estado com a ordem privada era reduzido, pois sua função era apenas de prover segurança. A situação de confronto entre Estado e ordem privada surge com maior ênfase na Idade Média, aí então se inicia a conceituação e a necessidade de definição de soberania. Começam a surgir maiores problemas com as disputas entre reis e senhores feudais: uma soberania real outra feudal (século XII). A partir do século XIII o monarca amplia seus poderes e sua esfera de competência, coordenando a justiça, a polícia e o poder legislativo. Com esse domínio geral, o poder do rei passa a ser supremo, ensejando uma soberania absoluta. Assim, no final da Idade Média, os monarcas possuem poder supremo, sem grandes confrontos com a ordem privada ou mesmo da Igreja, ou seja, todos respeitam o poder soberano do rei. - Jean Bodin, por volta de 1576, esclarece que a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República. A palavra república é sinônima, neste caso, do conceito moderno de Estado. - Para Bodin, a soberania como poder absoluto significava que nenhum poder a limitava. Assim, nenhuma lei humana, nem mesmo proferida pelo próprio rei, poderia limitar o poder soberano do Estado. Contudo, Bodin entendia que se o monarca desafiasse as leis divinas e da natureza, estaria aceitando declarar guerra a Deus. - A característica de perpetuidade da soberania advém da ideia de que esta não pode ser usufruída por tempo determinado. - Além dessas características, outros autores apontaram a inalienabilidade da soberania. Entre eles Rousseau em 1762, que adverte que a soberania não pode ser transferida ou concedida a outro monarca ou Estado, isto porque é exercício da vontade geral do povo. 23 - Rousseau também aponta a indivisibilidade da soberania, já que somente será vontade soberana quando for a vontade geral, com a participação do todo. A vontade não é soberana quando há identificação de um desejo particular. - Para Rousseau, o poder soberano então se limita pelo próprio bem estar do povo, uma vez que o monarca não pode exigir excessivamente do povo, já que deve tratar todos com igualdade. - Com a Revolução Francesa, que combateu os Estados absolutistas, a ideia de soberania popular ganha força, gerando ainda o conceito de soberania nacional. 2 - Concepções de Soberania a) Concepção política: poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar as competências. É a supremacia do poder do mais forte, ou seja, do Estado sem contestações. b) Concepção jurídica: poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, ou seja, a eficácia do direito. Poder soberano é aquele que decide se a ordem jurídica deve ou não ser aplicada e deve ou não ser modificada. c) Concepção política de Miguel Reale: é o poder que tem uma nação de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência. Dentro dos fins éticos de convivência o Estado tem possibilidade de impor sua vontade. Tal concepção parte do pressuposto de que o Estado envolve questões sociais, jurídicas e políticas. 3 – Características da soberania a) Una: não se admite num mesmo Estado a convivência de duas soberanias. b) Indivisível: não há partes separadas dentro da mesma soberania, ela representa a vontade geral do povo. A teoria da divisão de poderes não afronta a soberania, pois se divide funções de um mesmo poder. c) Inalienável: não há Estado sem poder, então a soberania não pode ser alienada (transferida a outro), pois faria desaparecer a noção de Estado. d) Imprescritível: não pode existir prazo para a duração do Estado. A ideia é que o poder soberano deve aspirar existência permanente. e) Originária: nasce com a própria criação do Estado. f) Incondicionado: só há limites postos pelo próprio Estado. g) Coativo: o Estado além de ordenar tem como coagir ao cumprimento de suas ordens. - Observação: Pode existir, apesar de a soberania ser incondicionada, um desejo de autolimitação do Estado. Isto porque, se assim não fosse seria impossível a existência de um direito internacional. Pode assim o Estado autolimitar sua soberania ao aceitar regras internacionais como válidas, mesmo que essas regras não tenham sido criadas exclusivamente por sua soberania. Isso tudo, segundo Ihering, não diminui a soberania, uma vez que o Estado se sujeita às regras internacionais por interesse próprio. 4 – ESTADO E SOBERANIA - Para a existência de um Estado, nos moldes modernos, imprescindível a presença de no mínimo três elementos de identificação: território, população e governo. O governo necessita de atributos fundamentais, que caracterizam sua ordem jurídica: a soberania, a autonomia e o poder de autodeterminação. - A soberania é atributo da ordem jurídica que se manifesta como poder a ser exercido pelo governo, possuindo dois aspectos principais: no plano interno do país, ao se apresentar como qualidade jurídica do poder de império do Estado (summa potestas)6 e, como predicado de todos os Estados, garantido e determinando igualdade entre todas as nações. 6 Para Jean Bodin, o primeiro a trabalhar o conceito de soberania em 1576, o poder do Estado tem caráter absoluto, consagrando assim a soberania como poder absoluto e perpétuo de uma república. Cabe observar, no entanto, o contexto histórico de tal afirmação, que apresentava um cenário de redução de poderes dos senhores feudais para concentração nas mãos do monarca. 24 - Assim, o governo pode possuir o atributo da soberania interna e, ao possuir capacidade de manter relações com outros Estados porque estes o reconhecem como governo soberano, possuir o atributo da soberania externa. A soberania externa confere ao Estado condição homóloga aos demais países, tornando suas relações, ao menos no campo teórico, horizontais. Desta maneira, é possível afirmar que não há entidades de poder superior aos países soberanos7, mas a existência de uma ordem jurídica internacional imprime certos e necessários limites aos Estados. 4.1 - Soberania clássica e soberania compartilhada - A soberania clássica enseja que o Estado possui ordem não submetida a outra ordem estatal na esfera internacional e, no âmbito interno, nenhum outro poder o limita. Exatamente a ausência de subordinação é o elemento fulcral do conceito clássico de soberania. É importante asseverar que o Estado possui como limites sua própria ordem jurídica e a garantia dos direitos de seu povo. - No entanto, com a difusão dos conceitos de integração, de supranacionalidade e, principalmente, de direito comunitário, a noção clássica e absoluta de soberania necessita ser suavizada e redefinida. - A revisão do conceito de soberania tem escopo porque muitos autores dizem que quando um Estado aceita uma ordenação jurídica superior ao seu direito interno, está perdendo sua soberania. No entanto, isto não é o que realmente acontece. Como explicitado acima, o Estado pode autolimitar suas competências quando lhe aprouver, agindo assim soberanamente, decidindo e escolhendo o melhor para seus próprios interesses. As regras supranacionais são uma escolha dos Estados e não uma imposição. Neste sentido, o Estado que adota a supranacionalidade organiza-se juridicamente para fazer valer dentro de seu território regras que eticamente alcancem os objetivos positivos da convivência de seu povo. - É possível assim, dizer que as obrigações a que se submetem os Estados soberanos por meio de tratados internacionais não podem aniquilar sua soberania, uma vez que,se a Constituição permite a adoção de tais documentos e esta Carta foi lavrada por um poder constituinte pleno estar-se-á exercendo o disposto soberanamente na Lei Maior. O que acontece à soberania quando há a instituição de um direito supranacional, derivado de processo de integração avançado, é o compartilhamento das soberanias de todos os Estados-Membros do bloco com todos estes mesmos Estados. 4.2 - Cooperação entre Estados - Dado o terror e sofrimento das Guerras Mundiais do século passado, as tendências do Direito Internacional sofreram mudanças e passaram a contemplar a proteção aos indivíduos, ao ambiente, ao comércio e à paz entre os Estados. - Isto tudo promoveu a ideia de multilateralidade que é um avanço civilizatório trazido pelo advento da organização internacional, visto que denota a capacidade de três ou mais Estados trabalharem em conjunto na consecução de objetivos comuns, passando-se do bilateralismo para o multilateralismo e da diplomacia secreta para a diplomacia pública. - Dentro do mesmo cenário, a Organização das Nações Unidas passou a promover o conceito de ajuda mútua entre nações para a solução de problemas econômicos, sociais, culturais ou humanitários. 4.3 - Integração - Atualmente a grande demanda por acordos entre nações advém das necessidades econômicas mundiais. O regionalismo aparenta ser uma possível solução para a sustentabilidade ou progresso comercial das nações frente ao fenômeno da globalização. - O aprofundamento da cooperação, na forma regional, pode levar a um Direito da Integração. Emerge o Direito da Integração quando os laços entre as nações extrapolam a simples cooperação econômica, ao objetivarem além do envolvimento econômico outras aspirações mais profundas, quais sejam, uma unidade política, 7 Expressa tal entendimento o artigo 12 da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA): “Os direitos fundamentais dos Estados não podem ser restringidos de maneira alguma.” 25 social, cultural e uma harmonização jurídica para posterior uniformização, que pode levar a um Direito Comunitário. - Objetivos da integração: a ampliação das potencialidades dos Estados-Membros envolvidos, a manutenção da paz e a conclusão de um objetivo maior, como por exemplo o mercado comum. - A integração, via de regra, ocorre com a efetivação de acordos regionais entre nações fisicamente próximas, não necessariamente limítrofes, mas com interesses políticos semelhantes. 4.4 - Supranacionalidade - É possível explicar o conceito de nação como o grupo de indivíduos com interesses comuns, origens comuns, e principalmente, ideais comuns, apresentando uma unidade homogênea. O prefixo “supra” pode significar aquilo que ultrapassa, transcende. Assim, a supranacionalidade tem como base a noção de ser aquilo que transcende o nacional. - Para que haja ordem em um país, fundamental é a presença de um sistema de organização legal, consubstanciado em normas. Estas normas são, em sua maioria, emanadas do poder legislativo nacional, para aplicação no âmbito interno do Estado- nação. - Geralmente a organização de uma nação fundamenta-se em sua Constituição. Esta Carta apresenta a forma de organização social, política, legislativa e judiciária. No Brasil, por exemplo, a autoridade para criação de normas tem fundamento na Constituição Federal, que é quem confere competências e poderes governamentais. - Como sobredito, é certo que pode o Estado, através de dispositivo constitucional interno, prever a supranacionalidade de tratados internacionais, no que tange a ele próprio. Com isto é possível vislumbrar que a supranacionalidade tem caráter voluntário que deve surgir de ato interno de cada Estado, por meio de transferência de competência. - A ideia de transferência de competência advém da noção de que os tratados internacionais possuem a mesma função das normas emanadas do Poder Legislativo de cada país: regular pelo Direito. Quando um Estado confere a um tratado internacional o caráter de supranacionalidade, transfere voluntariamente parte de sua competência legislativa. 5 – Fatores históricos que modificaram o conceito de soberania no século XX - Com o intuito de alguns Estados de aumentar territórios e, consequentemente poder, através de métodos expansionistas, ou seja, por meio de conquistas, muitas guerras proporcionaram espetáculos de terror e destruição. No século XX a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial assolaram e arrasaram o continente europeu, com a destruição de vidas, culturas, estruturas produtivas, habitacionais e econômicas. - Com essas tragédias da humanidade, o princípio do individualismo das soberanias internas passa a dividir as discussões com a ideia de solidariedade internacional. Tal situação produz modificações em diversos aspectos do Direito Internacional, que deixa de lado apenas os contextos de paz e guerra, individualismos dos Estados, e passa a abordar valores como a pessoa humana, a melhoria das condições de vida dos povos, buscando a união entre nações. - Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética, os principais Estados que sufocaram o avanço dos nazistas, passam a reorganizar a estrutura geopolítica, econômica e financeira do mundo. Josef Stalin, Harry Truman e Winston Churchill reuniram-se na Conferência de Potsdam, em Berlim, ainda em 1945, quando o mundo foi partilhado entre comunistas e capitalistas, dando origem aos blocos da Guerra Fria. - Em 1947 o EUA apresenta o Plano Marshall com intenção de promover a recuperação econômica e social dos países da Europa Ocidental arrasados pela Segunda Guerra, estimulando e encorajando as nações europeias a trabalharem juntas pela sua recuperação econômica. Através do plano os estadunidenses emprestam dinheiro aos europeus que, por causa desta dívida, ficaram grande período vinculados às orientações dos EUA. O plano também age, com sua ligação posterior à Doutrina Truman, como meio de barrar o expansionismo soviético. 26 - Para consecução do plano foi criada a Organização para Cooperação Econômica Europeia (OCEE) pelo Programa de Reconstrução, constituída por dezessete nações. - A união entre países também teve, na mesma época, exemplos militaristas com o Tratado do Atlântico Norte (OTAN), surgido em 1949, para proteger os países capitalistas integrantes do bloco e o Pacto de Varsóvia, engendrado em 1955 como resposta dos soviéticos e demais aliados militares. - Parece claro que com o sofrimento das guerras com perda de vidas humanas, com a destruição da economia dos países envolvidos e com o sentimento de impotência contra as nações dominantes do cenário mundial (EUA e URSS) os europeus aprendem que a união entre países é a saída para a perpetuação da paz e a superação das crises. - Com tal intuito, os europeus dão ousado passo em busca da integração entre nações, quando em 1957, assinam o Tratado de Roma, instituindo a Comunidade Econômica Europeia. A grande novidade estava no fato de que, além da integração econômica, buscava-se um mercado comum, com livre circulação de mercadorias, serviços, capitais e pessoas. - Concomitantemente à mudanças políticas e sociais acontecidas após a Primeira Guerra Mundial, o liberalismo econômico entra em declínio, tornando os Estados os principais determinadores das economias nacionais, intervindo e ditando regras para funcionamento das atividades financeiras. Com o fim da Segunda Guerra, a política do Welfare State (bem-estar social) passa a ganhar força, dadas as péssimas condições da população europeia com a devastação causada pelos conflitos. A política do Welfare State possibilitou crescimento econômico sem precedentes, viabilizando com relativa eficácia a concretização dos direitos econômicos e sociais
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