Buscar

Poder Politico em Rousseau Do estado de natureza a sociedade civil libre

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

177cadernospetilosoia número14 | 2013
Fabrício Behrmann Mineo
Graduando em Filosoia / Universidade de São Paulo
fb.mineo@gmail.com
Poder Político em Rousseau: 
do estado de natureza à sociedade civil
Resumo Este artigo pretende esboçar uma articulação entre dois momentos 
fundamentais do pensamento de Jean-Jacques Rousseau a im de esclarecer sua 
concepção de poder político. Para isso, recorreremos inicialmente ao Segundo 
Discurso, a im de compreender a descrição que Rousseau faz do homem no 
estado de natureza, para, em seguida, tratar do surgimento da desigualdade 
entre os homens e de como as sociedades estabelecidas perpetuam a injustiça 
e a desigualdade. Depois, discutiremos os princípios ideais do pensamento 
político de Rousseau. Para tanto, recorreremos a alguns pontos dos dois 
primeiros livros de O Contrato Social. Nessa segunda parte, focaremos nos 
princípios e fundamentos do poder político. Teremos como io condutor nesse 
percurso, que vai do estado de natureza à sociedade civil, os conceitos de 
igualdade e liberdade.
Palavras-chave igualdade, liberdade, estado de natureza, sociedade civil, lei
Introdução
 
O objetivo deste artigo é compreender a concepção de poder político 
no pensamento de Jean-Jacques Rousseau. Para isso, teremos em vista 
o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os 
homens, conhecido como o segundo Discurso, e os dois primeiros livros de O 
Contrato Social. Ao percorrer essas obras, a liberdade e a igualdade serão os 
conceitos norteadores. Tentaremos mostrar qual a relação entre o exercício 
do poder político e o papel fundamental que esses conceitos desempenham 
a
rti
g
o
178
no pensamento de Rousseau.
Em primeiro lugar, analisaremos alguns pontos do segundo Discurso, obra 
em que Rousseau elabora sua concepção do estado de natureza. Nesse ponto, 
trata-se de elucidar qual o método utilizado pelo autor para, em seguida, 
analisar a descrição do homem natural. Abordaremos as características 
que Rousseau atribui ao homem original, em especial a liberdade natural e 
a perfectibilidade. Em seguida, é preciso expor como se dá a passagem do 
estado de natureza ao estado civil e, consequentemente, como se estabelece 
a desigualdade política entre os homens. Para isso, é interessante mostrar, de 
modo geral, a progressão da desigualdade.
Em segundo lugar, será feita uma exposição dos princípios e fundamentos 
do poder político, nos dois primeiros livros do Contrato Social. Inicialmente, 
é preciso tratar das considerações de Rousseau sobre o pacto social, isto é, o 
estabelecimento do contrato que dá existência à sociedade civil. Nessa parte, 
a ênfase será dada à principal cláusula do contrato: a alienação total. Na 
sequência, tentaremos elucidar o conceito de vontade geral, que é responsável 
por determinar o movimento e a direção que o poder político deve tomar 
após o contrato. Desse modo, é necessário explorar, por im, o vínculo entre 
os conceitos de vontade geral e lei.
1. Homem, eis tua história
1.1 O homem no estado de natureza
No segundo Discurso, a im de conduzir uma investigação acerca da 
origem e dos fundamentos da desigualdade, Rousseau faz uma descrição do 
estado de natureza. Entretanto, essa descrição não se baseia em fatos nem 
em documentos históricos; uma descrição pautada nesses registros estaria 
limitada à condição histórica do homem e não poderia preencher as lacunas 
da documentação. Uma verdadeira descrição da origem exige um recuo 
ainda maior. Da mesma forma, a autoridade da religião também é recusada, 
o autor não recorre ao testemunho da Bíblia1 (cf. Starobinski, 2011, p. 390). 
A abordagem de Rousseau é coerente com uma de suas principais críticas 
aos seus antecessores. Para ele, seus predecessores “contrabandearam” 
1 Não deixa de ser curioso o fato de que, embora a autoridade da Bíblia seja recusada, o cristianismo de Rousseau 
aparece no segundo Discurso como um todo (se não explicitamente, ao menos em sua estrutura). Segundo Sta-
robinski (2011, p. 389), “Rousseau compõem um Gênese ilosóico em que não faltam o jardim do Éden, nem a 
culpa, nem a confusão das línguas. Versão laicizada, ‘desmistiicada’ da história das origens, mas que, suplantando 
a Escritura, repete-a em uma outra linguagem”.
179cadernospetilosoia número14 | 2013
características e conceitos que não dizem respeito ao estado de natureza, 
mas sim ao estado civilizado; por isso, acabaram atribuindo características do 
homem social ao homem natural. Esse é um primeiro equívoco que é preciso 
desfazer a im de encontrar o homem em sua verdadeira origem (cf. Rousseau, 
1978, p. 235-7). Mas, então, em que Rousseau se apoia para a descrição do 
estado de natureza e no que consiste esse estado?
Ao afastar um método de pesquisa que recorre aos fatos históricos, 
Rousseau reivindica um método hipotético-conjectural. É o método hipotético 
evolutivo, que progredindo através de uma cadeia consequente de raciocínios 
pretende remontar à origem, tal como podemos concebê-la ou imaginá-la.
O estado de natureza é, pois, tão somente o postulado especu-
lativo que uma “história hipotética” se confere, princípio sobre 
o qual a dedução poderá apoiar-se, em busca de uma série 
de causas e de efeitos bem encadeados, para construir a expli-
cação genética do mundo tal como ele se oferece aos nossos 
olhos (Starobinski, 2011, p. 26).
No decorrer do segundo Discurso, o status da descrição do estado de 
natureza sofre uma alteração considerável. A mera hipótese dá lugar à 
certeza, o estado “que talvez nunca tenha existido” transforma-se em uma 
imagem que se impõem, de modo que não é possível concebera origem de 
outra forma. A descrição do estado de natureza deixa de ser conjectura e 
torna-se “verdadeira razão” (cf. Rousseau, 1978, p. 259). Para Rousseau, dada 
a ausência de dados e a lacuna dos fatos, então, não há nada mais provável 
que a cadeia de raciocínios exposta. Isso posto, vejamos em que consiste essa 
elaborada cadeia de raciocínios.
O objetivo de Rousseau é mostrar a origem da desigualdade. Mas de 
que desigualdade, precisamente, estamos falando? Rousseau distingue dois 
tipos. Em primeiro lugar, a desigualdade pode ser natural: é a desigualdade 
devida à diferença da disposição dos indivíduos, tanto física – isto é, sua 
saúde, idade, força corporal – quanto das qualidades do espírito, da alma. 
Mas existe também a desigualdade moral ou política, a diferença que pode 
ser observada entre os homens em sociedade: sua distinção de riquezas, de 
poder, dos privilégios; em última análise, a distinção que, em geral, se exprime 
na forma da dominação, as relações entre senhores e escravos (cf. Rousseau, 
1978, p. 235).
É inútil e nocivo tentar encontrar um vínculo essencial entre esses dois 
tipos de desigualdade. Buscar uma relação desse tipo equivaleria a querer 
saber se aqueles que mandam (os senhores) têm realmente mais valor do 
180
que aqueles que servem (os escravos). Entretanto, no segundo Discurso, o 
objetivo não é buscar uma pretensa justiicação para a desigualdade política 
– airmando algo como “a lei do mais forte”. Trata-se de descobrir como, 
por convenção, os fortes acabam por servir os fracos, ou como o povo 
foi induzido “a comprar uma tranquilidade imaginária pelo preço de uma 
felicidade real” (Rousseau, 1978, p. 235). Grosso modo, todo o movimento do 
segundo Discurso mostra como foi possível, partindo de uma desigualdade 
natural, chegar à desigualdade política. O primeiro passo, então, consiste em 
compreender o estado de natureza.
No estado de natureza, o homem vive de uma maneira muita próxima a 
dos animais, ambos são guiados pelos seus sentidos e sensações; de modo que 
homem e animal têm em comum a percepção. Esse homem primitivo – com sua 
constituição física, boa disposição e vigor – não encontra grandes obstáculos 
para a satisfação desuas necessidades e desejos; o homem selvagem é forte e 
robusto, a “seleção natural” (para aplicar o termo de forma anacrônica) leva 
todos os que não são bem constituídos a perecer. A natureza fornece tudo 
o que é indispensável à subsistência e conservação, basta estender a mão 
para colher seus frutos. O homem selvagem vive apenas no imediatismo do 
presente, não faz planos para o futuro: pela manhã nem sequer pensa no que 
virá ao anoitecer. Não há previsão, antecipação ou planejamento.
No estado de natureza, o selvagem é um animal solitário e, por isso, 
independente. Não trava relações duradouras e frequentes com outros homens. 
Logo que o homem deixa a infância não depende mais de sua mãe para 
sobreviver, assim, está pronto para abandoná-la e seguir seu caminho. Cada um 
depende apenas de si mesmo para garantir sua sobrevivência e conservação; 
e, portanto, ainda que exista a desigualdade natural, não há relações de 
dominação e servidão pela força. A desigualdade natural não é suiciente para 
originar a servidão: ainda que um homem mais forte decidisse escravizar um 
outro mais fraco a im de obter vantagens, precisaria vigiá-lo, cuidar para que 
não fugisse ou o matasse enquanto dorme; desse modo, traria para si uma 
preocupação maior do que a que tinha quando apenas precisava satisfazer suas 
necessidades por conta própria. Em algum momento, a guarda do mais forte 
deve baixar e, mais cedo ou mais tarde, não poderá evitar a fuga do mais fraco 
(cf. Rousseau, 1978, p. 258). Por essa razão, a desigualdade natural não pode 
servir de fundamento para a desigualdade convencional. Poderíamos dizer que, 
no estado de natureza todo homem goza de uma igualdade natural (derivada 
de sua independência), que consiste na ausência da desigualdade convencional, 
isto é, de relações de dominação e servidão.
Como o selvagem é um animal solitário, há também a ausência de uma 
181cadernospetilosoia número14 | 2013
noção de moralidade. Por não haver convivência entre homens, todos estão 
em uma situação amoral, ou pré-moral. A alcunha de “bom selvagem” só se 
justiica como juízo retrospectivo do moralista (cf. Starobinski, 2011, p. 41). 
Entretanto, Rousseau atribui ao homem uma virtude natural: a piedade (pitié), 
ou comiseração. Essa virtude pode ser descrita como o desconforto provocado 
no indivíduo por ver o outro sofrer; a piedade atua como moderadora do 
instinto de autoconservação, do amor de si. Enquanto o amor de si contribui 
para a conservação de indivíduos, a piedade garante a conservação da espécie 
como um todo. Mas, para Rousseau, até mesmo as bestas são capazes de 
algumas demonstrações de piedade. O que, então, diferencia o homem dos 
animais?
Em primeiro lugar, o que distingue o homem selvagem dos animais é a 
sua liberdade, que é essencial à natureza humana. Para Rousseau, a princípio, 
o que diferencia o homem selvagem do animal não pode ser a razão, visto 
que a faculdade racional ainda não está desperta, só progressivamente se 
acendem as luzes da razão no homem. Veremos como isso pode se dar a 
seguir, tratemos antes da liberdade.Homem e animal são como máquinas, 
mas o animal escolhe ou rejeita somente por instinto, enquanto o homem, 
por um ato de liberdade. Segundo Rousseau (1978, p. 242), “[...] o homem 
executa as suas [operações] como agente livre”. O homem tem consciência 
de sua liberdade e sente-se livre para seguir, ou não, os instintos e impulsos 
naturais. Portanto, “não é, pois, tanto o entendimento quanto a qualidade de 
agente livre possuída pelo homem que constitui, entre os animais, a distinção 
especíica daqueles” (Rousseau, 1978, p. 243). Desse modo, temos a primeira 
qualidade que permite fazer uma distinção entre homens e animais; no 
entanto, há outra qualidade que estabelece essa distinção sem deixar margem 
para dúvida ou contestação.
Em segundo lugar, a qualidade especíica capaz de distinguir os 
homens dos animais é a perfectibilidade. Para Rousseau (1978, p. 243), a 
perfectibilidade “[...] é a faculdade de aperfeiçoar-se, faculdade que, com o 
auxílio das circunstâncias, desenvolve sucessivamente todas as outras e se 
encontra, entre nós, tanto na espécie quanto no individuo”. Na concepção de 
Rousseau, essa faculdade falta completamente a outros animais, tanto aos 
indivíduos como às espécies; porque ao cabo de alguns meses, os indivíduos já 
estarão constituídos para toda vida e, no primeiro ano, a espécie já adquiriu a 
forma que conservará por milhares de anos. A perfectibilidade é, no entanto, 
uma faculdade ambígua, pois permite ao homem tanto aperfeiçoar-se 
como regredir; ou seja, essa faculdade não garante que as transformações e 
modiicações alcançadas pelo homem serão sempre em seu proveito. Existe 
182
a possibilidade de que a perfectibilidade conduza a espécie humana por 
caminhos nefastos, rumo à decadência e à queda. Rousseau chega mesmo 
a lamentar essa ambiguidade: “Seria triste, para nós, vermo-nos forçados a 
convir que seja essa faculdade, distintiva e quase ilimitada, a fonte de todos 
os males do homem” (Rousseau, 1978, p. 243).
A princípio, a perfectibilidade encontra-se adormecida – apenas em 
latência –, precisando ser “disparada” ou “detonada” para que então a história 
humana tenha início – com seus acertos e erros, virtudes e vícios. Uma vez 
que a perfectibilidade seja “detonada”, não há mais volta, a origem está 
para sempre perdida. A questão que se impõe agora é: como partindo desse 
nostálgico estado de natureza chegamos às nossas sociedades modernas? 
Essa é a questão respondida pela segunda parte do Discurso. É a história dos 
acasos e eventos extraordinários que ao longo dos séculos nos conduziu a 
esse ponto.
1.2 Sociedade e desigualdade
A passagem do estado de natureza para à condição social deve-se 
justamente à perfectibilidade. Por diversos motivos, os homens passam a se 
relacionar com mais frequência, são obrigados a unir forças para enfrentar as 
adversidades naturais; tanto as lutas contra predadores, como as vantagens 
oferecidas pela cooperação, levam os homens a se agrupar em pequenos bandos. 
Tendo isso em vista, Rousseau inicia a descrição encadeada de “[...] uma série 
de ‘momentos’ que se condicionam uns aos outros, e que o homem percorre 
em razão de sua perfectibilidade. Ao obstáculo natural se opõe o trabalho; 
este provoca o nascimento da relexão, que produz ‘o primeiro movimento de 
orgulho’” (Starobinski, 2011, p. 44). Devido à sua perfectibilidade e à relação 
mútua, os homens começam a utilizar instrumentos e trabalhar. Mas como 
Starobinski aponta, esse movimento dá origem aos vícios; é o trabalho que 
desperta na consciência do homem a ideia de sua superioridade em relação 
aos outros animais: o orgulho é o primeiro vício humano.
Há um movimento contínuo, desencadeado pela perfectibilidade, que 
torna o homem cada vez mais artiicial, com a criação e desenvolvimento 
de diversas maneiras de relacionar-se. São exemplos disso: a linguagem, o 
canto, o uso de apetrechos para enfeitar o corpo, a dança, os rituais. De 
acordo com Starobinski (2011, pp. 398-9), “não existe de modo algum 
mudança nos métodos de subsistência e de produção (isto é, na economia) 
que não seja acompanhada, correlativamente, de uma transformação do 
instrumental mental e da disposição passional dos homens”. Cada passo, cada 
nova descoberta contribui para o afastamento do seu estado natural. Com o 
183cadernospetilosoia número14 | 2013
trabalho e o instrumento (a técnica), o homem torna-se capaz de obter mais 
facilmente aquilo que precisa para sua conservação. E, assim, ele pode tirar 
da natureza mais do que precisa para o seu sustento, então, ocupa-se com o 
acúmulo de provisões, a construção de abrigos e cabanas, o cultivo da terra, 
a extração de metais, o conforto. Enim, o trabalho acaba por multiplicar as 
posses dos homens.
A produção de bens e o acúmulo deposses só se tornam um problema 
quando os homens passam a depender uns dos outros. Quando os homens 
precisam do trabalho de outros para produzir conjuntamente (fazer aquilo 
que não poderiam sem ajuda de outros) e o acúmulo de posses acende a 
chama da ambição, então, o trabalho torna-se necessário. De acordo com 
Rousseau,
[...] desde que o homem sentiu necessidade do socorro de out-
ro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com provisões 
para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a proprie-
dade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas 
transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs regar 
com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e 
a miséria germinarem e crescerem com as colheitas (Rousseau, 
1978, p. 265).
Ora, no estado de natureza, a terra e todos os seus frutos são de todos; 
os homens colhem aquilo que necessitam para uso imediato. Com o trabalho 
os homens passam a adquirir posses, contudo, a posse ainda não constitui a 
propriedade dos bens. A noção de propriedade é um passo decisivo para a 
entrada na sociedade civil. “O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o 
primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e 
encontrou pessoas suicientemente simples para acreditá-lo” (Rousseau, 1978, 
p. 259). O estabelecimento da propriedade necessitado reconhecimento, isto 
é, não basta que o primeiro possuidor da terra se declare o proprietário, é 
preciso também que os outros acreditem nele. Somente com o reconhecimento 
e aceitação mútua dos homens é que a posse pode tornar-se propriedade. 
Mas como esse processo se dá?
Inicialmente, os homens que foram capazes de produzir em abundância 
e de garantir suas posses, defendendo-as pela força, tornaram-se ricos; 
enquanto os homens incapazes de produzir em excesso e de defender suas 
posses icaram na pobreza. Essa distinção entre ricos e pobres, os possuidores 
e os sem posses, deu origem aos primeiros conlitos. Com o passar do tempo, 
essa desigualdade torna-se insustentável, pois somente a força não pode 
184
garantir a propriedade de nada. O que é conservado apenas pela força, 
pode ser também tomado pela força. Inicia-se, então, um estado de guerra 
generalizado onde o roubo e a violência constituem a regra. Esse estado, em 
que os homens voltam-se uns contra os outros é desvantajoso para todos, 
mas, sem dúvida, aquele que tem mais a perder é o rico. O pobre tem apenas 
o único bem que lhe resta, isto é, a vida – mas uma vida miserável e precária. 
Enquanto o rico, por sua vez, vê ameaçada uma vida farta, de privilégios e 
conforto. “Antes a ordem que a violência; antes uma aparência de justiça que 
a anarquia: tal é o raciocínio que vai dar origem ao estado civil. Ameaçados 
em sua segurança, os homens vão acabar de socializar-se” (Starobinski, 2011, 
p. 402).
O grande trunfo do rico consiste em irmar um pacto com os pobres. 
Pacto em que os homens concordam em estabelecer a propriedade em troca 
de segurança. “Todos correram ao encontro de seus grilhões, crendo assegurar 
sua liberdade, pois, com muita razão reconhecendo as vantagens de um 
estabelecimento político, não contavam com a suiciente experiência para 
prever-lhe os perigos” (Rousseau, 1978, p. 269). Esse pacto realiza um astuto 
logro dos pobres, pensando que o acordo é vantajoso para eles acabam por 
concordar com a sua condição servil (cf. Nascimento, 1988, p. 125). O que os 
ricos conseguem com o pacto é assegurar com bases legais a desigualdade de 
posses, agora tornada propriedade. Esse é o primeiro grau da desigualdade. 
De agora em diante será instituída a “justiça” e o “direito”, no entanto, é 
em favor do rico que o pacto funciona. Propondo uma igualdade jurídica, 
o rico assegura a desigualdade e mantém sua posição privilegiada. “As leis 
fornecerão a todos a condição da igualdade jurídica apenas, e se constituirão 
no mascaramento da desigualdade de fato” (Nascimento, 1988, p. 126-7).
É dessa maneira que se estabelecem os Estados, com os ricos tornando-
se magistrados, ou antes, proprietários do Estado. Esse constitui o segundo 
grau da desigualdade, o exercício ilegítimo da magistratura. De acordo com 
Rousseau,
[...] tendo se tornado hereditários, os chefes acostumaram-se 
a considerar a magistratura como bem de família e a si próp-
rios proprietários do Estado, do qual a princípio não seriam 
senão funcionários; a chamar seus concidadãos de escravos, a 
incluí-los, como o gado, entre as coisas que lhes pertenciam [...] 
(Rousseau, 1978, p. 277).
Com a hereditariedade da magistratura, os “direitos civis” e a “justiça”, 
constituídos pelo falso pacto, progressivamente são substituídos pelo arbítrio 
185cadernospetilosoia número14 | 2013
dos poderosos, culminando na tirania e no despotismo. O poder político 
degenera em cega dominação: os súditos não conhecem outra lei, além 
da vontade caprichosa do senhor; e o déspota segue apenas seus desejos e 
paixões, a razão é jogada para escanteio. Qualquer noção de direito ou justiça 
(ainda que falha e precária) não opera mais. “[...] O ponto extremo fecha o 
círculo e toca o ponto de que partimos; então todos os particulares se tornam 
iguais, porque nada são” (Rousseau, 1978, p. 280). Estamos no último grau de 
desigualdade.
Os súditos são cada vez mais desrespeitados e se instaura novamente a 
violência. O povo já não vê grandes vantagens em honrar o pacto com o 
tirano. Logo começam as rebeliões e revoltas, as portas icam abertas para 
a guerra civil e a revolução. O que acontece, então, é a abrupta dissolução 
do Estado e da sociedade civil. “Só a força o mantinha, só a força o derruba” 
(Rousseau, 1978, p. 280). Com isso o povo livra-se da tirania e retoma sua 
liberdade natural. Nesse ponto é possível dizer que o caminho ica livre para 
que outro pacto seja irmado entre os membros remanescentes desse Estado. 
O povo pode instituir uma nova sociedade que, talvez, restabeleça a liberdade 
e a igualdade entre os homens. Vejamos então o que o Rousseau propõe no 
Contrato.
2. Liberdade e igualdade no Contrato Social
2.1 Pacto social e alienação total
“O homem nasceu livre e por toda parte ele está agrilhoado” (Rousseau, 
2006, p. 9). Ora, tendo partido do segundo Discurso, acompanhamos o processo 
que leva o homem do estado de natureza à sociedade civil. Do ponto de vista 
do segundo Discurso, esse processo – que se constitui lentamente ao longo 
dos séculos – é a história humana: uma história de queda e degeneração. O 
homem parte de uma condição de felicidade, ingenuidade e pureza, de um 
contato imediato com a natureza, isto é, da liberdade e igualdade naturais, 
e, no entanto, por conta de sua perfectibilidade, termina preso aos grilhões 
da sociedade civil. A desigualdade que se consuma no processo civilizatório 
é o próprio mal. Mas nenhum homem, considerado individualmente, pode 
ser culpado pela queda. Somente o homem em relação, o homem vivendo 
coletivamente e organizado em sociedades, pode engendrar essa sequência 
terrível de erros.
186
Resta saber então como é possível constituir uma sociedade justa, que 
esteja de acordo com a reta razão. Como estabelecer um corpo político 
verdadeiro, a sociedade que seja, de fato, uma legítima associação de homens 
livres. Uma sociedade que não seja fundada em relações de senhores e 
escravos – como vimos no segundo Discurso. Por isso, Rousseau não trata 
das sociedades tal como são de fato; pelo contrário seu objetivo é estabelecer 
um campo teórico abstrato no qual o dever ser tem prioridade, é preciso 
focar no que é de direito. Nesse sentido, Nascimento airma que “toda a 
obra, portanto, irá se desenvolver no plano do dever ser, no plano do direito, 
pois, resolver a questão do que importa é estabelecer os princípios do direito 
que tornarão possível o julgamento dos fatos” (Nascimento, 1988, p. 120). 
A principal tarefa do Contratoé revelar os princípios que devem nortear o 
poder político.
No Capítulo VI do Livro I, intitulado Do Pacto Social, Rousseau supõe 
uma situação em que os homens tenham sido obrigados a sair do estado 
de natureza. Temos aqui, uma situação semelhante a que já havia sido 
relatada por Rousseau no segundo Discurso. No entanto, no Contrato, o que 
importa não é a descrição do nascimento das sociedades existentes. E aqui 
reside uma importante diferença entre as duas obras. Rousseau supõe que 
os homens estejam saindo do estado de natureza, prontos para estabelecer 
uma sociedade, e, por isso, ainda não foram corrompidos pelas vicissitudes 
de alguma sociedade injusta. Temos aqui uma situação ideal. Por essa razão, 
povos saídos de uma revolução ou da dissolução de um Estado não estariam 
em condições de por em prática os princípios do Contrato (se é que algum 
povo realmente poderia fazê-lo). Mas não é isso que importa. Os princípios 
abstratos do Contrato são normativos, por isso podem ser colocados como 
ideal regulador. Retomemos, assim, as condições do pacto.
No entanto, para Rousseau, não é qualquer agregado de homens que 
pode formar uma sociedade civil. “Que homens isolados sejam subjugados 
sucessivamente a um só, qualquer que seja o seu número, não vejo nisso 
senão um senhor e escravos, e de modo algum hei de considerá-los um povo 
e seu chefe. É, talvez, uma agregação, mas não uma associação” (Rousseau, 
2006, p. 19). O objetivo é mostrar quais os fundamentos de uma sociedade 
civil legítima, isto é, que tenha como principal inalidade a igualdade e a 
liberdade convencional, que seja justa. Para isso, em um primeiro momento, 
é preciso mostrar “o ato pelo qual um povo é um povo” (cf. Rousseau, 2006, 
p. 19). Desse modo, convém abordar do ato simbólico pelo qual os homens se 
reúnem em uma associação.
O pacto social é o ato convencional que origina uma forma de associação 
187cadernospetilosoia número14 | 2013
entre indivíduos. A partir do momento em que os homens particulares 
fazem o pacto institui-se uma associação, os homens saem do estado de 
natureza. Mas no que consiste essa forma de associação ideal? De acordo com 
Rousseau (2006, pp. 20-1), o objetivo do Contrato é “encontrar uma forma 
de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os 
bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedeça, 
contudo, a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes”. A primeira parte 
da formulação parece não oferecer grandes diiculdades; o pacto permite que 
os homens unam suas forças a im de conservar sua propriedade através da 
força combinada de todos os associados. O problema está na segunda parte. 
A fórmula paradoxal consiste em propor um modo de associação em que os 
homens possam ser “tão livres quanto antes”, e que, ainda que unido a outros, 
cada homem obedeça apenas a si mesmo. É a “quadratura do círculo”. Como 
garantir a liberdade sem que ela se degenere em licença e como proteger a 
liberdade contra a possível dominação alheia? Vejamos então como é possível 
entender esse suposto paradoxo.
Para Rousseau, a solução dessa diiculdade reside justamente nas cláusulas 
do contrato, sendo que todas elas podem ser reduzidas a uma única cláusula.
[...] Essas cláusulas se reduzem todas a uma só, a saber, a alien-
ação total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda 
a comunidade. Pois, em primeiro lugar, cada qual dando-se 
por inteiro, a condição é igual para todos, e, sendo a condição 
igual para todos, ninguém tem interesse em torná-la onerosa 
para os demais (Rousseau, 2006, p. 21).
A alienação total garante a igualdade absoluta de condições no contrato; 
submeto-me totalmente aos outros para que já não tenha que me preocupar 
com eles. Desse modo, vemos que a liberdade civil só pode ser obtida pela 
igualdade de condições. Nesse sentido, Rousseau pode concluir: “Enim, cada 
um, dando-se a todos, não se dá a ninguém, e, como não existe um associado 
sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se lhe cede sobre si mesmo, 
ganha-se o equivalente de tudo o que se perde e mais força para conservar 
o que se tem” (Rousseau, 2006, p. 21).Ou seja, todos se alienam igualmente, 
assim, com todos abrindo mão de sua liberdade natural em benefício do todo, 
nada se perde. Mas vejamos isso de maneira mais detida.
A entrada na sociedade civil representa uma perda e um ganho. Segundo 
Rousseau, “o que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural 
e um direito ilimitado a tudo quanto deseja e pode alcançar; o que com ele 
ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui” (Rousseau, 
188
2006, p. 26). Essa ênfase de Rousseau em apontar aquilo que se ganha 
ao aceitar o contrato é um dos pontos de diferenciação entre o segundo 
Discurso e o Contrato. No segundo Discurso, o tom é idílico, carregado de 
nostalgia do estado de natureza; a sociedade civil é vista como degeneração 
e corrupção. Segundo Nascimento (1988, p. 128), no Contrato, “[...] a farsa 
da história não se repete ao nível do direito, onde o único contrato capaz de 
instaurar a liberdade civil é aquele no qual ‘a condição é igual para todos’ e, 
sendo assim, ‘ninguém se interessa em torná-la onerosa para os demais’”. O 
objetivo, agora, é mostrar a perspectiva do Contrato. Nesse caso, a retórica 
de Rousseau busca convencer o interlocutor sobre os ganhos ao aceitar o 
contrato; há claramente uma tentativa de persuasão. Como mostrou Lebrun 
(cf. 2006, p. 230), é preciso mostrar que o contrato é um “bom negócio”; 
Rousseau busca convencer, fazendo apelo à razão, que não se perde nada, 
só se tem a ganhar aceitando as cláusulas do contrato. Para Rousseau (cf. 
2006, p. 42), bem pesadas as condições, pode-se até mesmo dizer que não 
há qualquer verdadeira renúncia dos particulares. Ainal, o que implica essa 
transição do estado de natureza para o estado civil?
O contrato pode garantir a liberdade e igualdade civis, bem como a 
propriedade das posses dos homens. Recapitulando, de agora em diante 
a propriedade é um direito reconhecido por todos e protegido pelo corpo 
político através da força combinada de seus membros. Esses ganhos, contudo, 
têm como condição necessária a alienação total; ou seja, os homens abrem 
mão de sua liberdade natural. No resultado inal do balanço de perdas e 
ganhos, temos o seguinte:
Onde “ninguém tem o direito de fazer o que a liberdade do out-
ro proíbe”, serei portanto tão livre quanto antes (pelo menos): 
terei trocado uma vida agressiva, estúpida e arriscada, por uma 
vida tal que o Outro já não será para mim um obstáculo. Essa 
é a raiz ultra individualista do Contrato e a razão pela qual a 
justiça igualitária – que é, para Rousseau, o avesso da liberdade 
– “deriva da preferência que cada um dá a si próprio” (Lebrun, 
2006, p. 227).
Vemos então o que pode haver de proveitoso e vantajoso para os 
indivíduos no contrato. Ao aceitar suas cláusulas, faço isso em meu proveito. 
De modo que cada um ganha com a adesão ao contrato. Ninguém é lesado, 
pelo contrário, todos os direitos só podem constituir-se dessa maneira. Além 
disso, é manifesta a relação intrínseca entre liberdade e igualdade, as duas 
faces de uma mesma moeda. Não é possível pegar uma sem levar a outra: 
189cadernospetilosoia número14 | 2013
uma sociedade que pretenda ser justa não pode ignorar a relação desses dois 
conceitos.
2.2 Vontade geral e lei
Mas, retomemos por um momento a cláusula principal do contrato, a 
alienação total. Ora, em última análise, alienação total implica a submissão 
da vontade e interesse particular à vontade e interesse geral. De agora em 
diante, a vontade particular deve ser deixada em segundo plano, a vontade 
geral deve ter sempre a primazia sobre o interesse particular. Segundo 
Rousseau (2006, p. 22), o que há de essencial no pacto é o seguinte: “Cada um 
de nós põe emcomum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção 
da vontade geral; e recebemos, coletivamente, cada membro como parte 
indivisível do todo”. A totalidade que resulta dessa união entre os associados 
é o corpo político (é chamado de Estado quando passivo e soberano quando 
ativo), os homens são os membros que compõem esse corpo (e são chamados 
cidadãos, enquanto parte do soberano, ou súditos, enquanto submetidos às 
leis do Estado).
No corpo político, a vontade geral é exercida através do poder legislativo, 
sendo que a função da soberania é dar a Lei. O soberano exprime a vontade 
geral pela elaboração das leis; para Rousseau as leis são a expressão da vontade 
geral. As leis dão movimento ao corpo político. “Pelo pacto social demos 
existência e vida ao corpo político. Trata-se agora de dar-lhe o movimento 
e a vontade pela legislação” (Rousseau, 2006, p. 45). Antes de examinarmos 
qual a função do poder legislativo é preciso tentar determinar o conceito de 
vontade geral.
Em primeiro lugar, para Rousseau, a vontade geral não consiste na soma 
de vontades particulares; não é apenas a soma da vontade de todos. A 
vontade particular sempre tende ao interesse privado, de modo que a mera 
“soma” desses interesses não poderia resultar na vontade geral. Para que a 
vontade geral seja expressa é condição necessária que nenhum dos membros 
do corpo político deixe de manifestar sua vontade. No entanto, essa condição 
necessária está longe de ser suiciente. A vontade geral consiste naquilo 
que há de comum nas vontades particulares. Segundo Rousseau (2006, p. 
37), quando retiram das vontades particulares “os mais e os menos que se 
destroem mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral”. Ao 
que parece, os polos extremos das vontades particulares acabam por anular-
se reciprocamente, restando apenas o que há de comum entre essas vontades.
Em segundo lugar, a vontade geral é sempre reta, ela nunca erra e tende 
sempre à utilidade pública, deseja sempre o bem comum. No entanto, o povo 
190
pode errar, pode enganar-se ou ser enganado. “Deseja-se sempre o próprio 
bem, mas não é sempre que se pode encontrá-lo. Nunca se corrompe o 
povo, mas com frequência o enganam, e só então ele parece desejar o mal” 
(Rousseau, 2006, p. 37). Nesse sentido, um dos obstáculos para a expressão 
da vontade geral consiste na criação de facções e associações no interior 
do corpo político. Essas facções, ou partidos, inluenciam os membros do 
corpo político, de modo que sua vontade se ajustaria à vontade de um 
grupo. Por isso, a vontade de um cidadão ligado a uma facção pode ser geral 
em relação à facção, mas particular em relação ao corpo político. Quanto 
menos numerosas são as facções, mais nociva se torna sua presença no corpo 
político. Se não for possível eliminá-las, é preciso multiplicá-las, de modo que 
aumente a diferenciação e o “choque” entre as vontades particulares possa 
produzir, como resultado, a vontade geral (cf. Rousseau, pp. 37-8).
Terceiro, “a vontade particular, por sua própria natureza, tende às 
predileções, enquanto a vontade geral propende para a igualdade” (Rousseau, 
2006, p. 34). Ora, vontade geral e vontade particular são, por deinição, 
radicalmente distintas: tanto do ponto de vista que adotam quanto pelos 
objetos. Se a vontade geral coincide com uma vontade particular é apenas 
por um feliz acaso, de modo que não há garantias de que essa coincidência 
persista por muito tempo; nenhum indivíduo pode representar a vontade 
geral. E ainda que possa existir uma conformidade entre a vontade particular 
e a vontade geral, isso só pode ser assegurado através do voto; apenas depois 
que todo o povo delibera e manifesta sua opinião é que podemos estar certos 
dessa coincidência (Rousseau, 2006, pp. 51-2). Apenas a totalidade do corpo 
político pode manifestar e expressar a vontade geral. Nesse sentido, Rousseau 
airma que “[...] a soberania, sendo apenas o exercício da vontade geral, nunca 
pode alienar-se, e que o soberano, não passando de um ser coletivo, só pode 
ser representado por si mesmo; pode transmitir-se o poder – não, porém, a 
vontade” (Rousseau, 2006, p. 33). Pelo mesmo motivo, a soberania também 
é indivisível. Pois, ou a vontade é geral e, portanto do todo; ou é de uma 
parte e, por isso, particular. Se a vontade é geral, então, é também soberana 
e quando expressa “é um ato de soberania e faz a lei” (Rousseau, 2006, p. 
35).Mas qual é a inalidade dos sistemas de legislação? Dito de outro modo, 
qual é o im que a vontade geral deve visar para garantir o bem comum e a 
utilidade pública?
De acordo com Rousseau (cf. 2006, p. 62), a inalidade de todo o sistema 
de legislação deve resumir-se a dois objetivos principais, a saber, a liberdade e 
a igualdade. Na sociedade civil, a igualdade se mostra como o pressuposto da 
liberdade; se os cidadãos não forem iguais o suiciente – isto é, se a igualdade 
191cadernospetilosoia número14 | 2013
não for objeto do legislativo –, então, podem acabar na dependência de 
outros e, portanto, não serão livres. O sistema legislativo deve garantir a 
igualdade em dois aspectos principais: no poder e na riqueza. Isto não quer 
dizer que todos devem ser matematicamente iguais; mas, a legislação deve 
garantir que ninguém tenha tanto poder que seja capaz de usar a violência 
e a coerção com outros; nem que exista alguém tão rico que possa comprar 
os outros ou indivíduo tão pobre que seja obrigado a vender-se para subsistir 
(cf. Rousseau, 2006, pp. 62-3). O soberano deve legislar para que o grau de 
desigualdade não ultrapasse aquilo que seria aceitável, assim, a liberdade de 
nenhum dos membros do corpo político ica comprometida.
A igualdade é vista por muitos como uma quimera, algo impossível de 
ser realizado. No entanto, para Rousseau isso não deve servir como desculpa. 
Pelo contrário, aí está uma forte razão para não descuidarmos da igualdade. 
Justamente por que as circunstâncias conspiram para a destruição da 
igualdade – com a consequente imposição de uma desigualdade que ameaça 
a liberdade de todos – é que a legislação deve sempre visar preservá-la (cf. 
Rousseau, 2006, pp. 62-3). Portanto, para Rousseau, a sociedade civil justa 
tem como principal objetivo a liberdade e a igualdade. Por isso, o exercício 
legítimo do poder político deve sempre ter em vista essa inalidade.
Conclusão
Inicialmente, vimos que animal singular é o homem no estado de natureza. Um 
animal independente, não está preso a outros indivíduos da mesma espécie. Em 
razão de sua liberdade não está completamente submetido aos impulsos naturais; 
é o único animal dotado de livre escolha. Além disso, possui uma faculdade que 
falta completamente a outros animais: a perfectibilidade. Faculdade ambígua 
que possibilita ao homem o progresso e o regresso, a ascensão e a decadência. 
Por um lado, a perfectibilidade é uma faculdade quase ilimitada, por outro lado, 
a liberdade natural do homem permite a escolha livre. É possível escolher tanto 
aquilo que lhe é benéico, como o que é nocivo. Com a combinação dessas 
duas faculdades, abre-se um leque indeinido de possibilidades; de modo que, 
uma vez que a perfectibilidade seja “detonada”, o homem torna-se um animal 
imprevisível. Não é possível determinar os rumos da história humana. No entanto, 
conhecemos nossa situação atual. Lançando um olhar retrospectivo, como é a 
investigação de Rousseau, podemos conjecturar como, a partir do estado natural, 
chegamos às sociedades tal como se encontram (ou, no caso do Discurso, como 
se encontravam em meados do século XVIII).
192
Como Rousseau aponta, as transformações técnicas são acompanhadas por 
mudanças institucionais; e também alterações das formas de vida. O trabalho 
e o consequente uso e aperfeiçoamento dos instrumentos, da técnica, dá 
origem a dependência entre os homens, que passam a multiplicar as posses edepender uns dos outros. A posse dá lugar ao primeiro grau de desigualdade, 
o estabelecimento da propriedade. Para garantir o direito da propriedade os 
pobres são logrados e pelos ricos, em um pacto no qual trocam sua liberdade 
por uma aparente segurança. Em seguida, os ricos tornam-se proprietários do 
Estado, os magistrados. O estabelecimento da hereditariedade faz com que o 
Estado torne-se também posse, assim como os súditos, que acabam reduzidos 
à condição de gado. Assim, o círculo fecha: os senhores passam a fazer de 
sua vontade e arbitrário a lei, e os homens tornam-se novamente iguais, 
porque nada são. Com isso, abrem-se os portões da revolta, da guerra civil, da 
revolução. O Estado é derrubado e os homens retomam sua liberdade natural.
Desse modo, com o fracasso da instituição ilegítima do poder político, no 
Contrato, Rousseau buscará os fundamentos e condições de legitimidade de 
todo poder político. Inicialmente, a concepção do Contrato aponta para a 
importância do pacto social que estabelece e institui a sociedade política. A 
principal cláusula desse contrato é a alienação total. Essa condição implica 
que todos os membros do corpo político devem abrir mão de sua liberdade 
natural, de dispor e fazerem o que quiserem, para submeter-se ao corpo 
político, isto é, a todos os outros. Assim, a vontade particular de cada membro 
deve ser deixada em segundo plano, a im de que a vontade geral, de todo o 
corpo político, dê a direção à sociedade civil.
A vontade geral, do corpo político, não é somente a vontade de todos. 
A soma das vontades particulares não resulta na vontade geral. A vontade 
geral é de todos e para todos; seu ponto de vista e seu objeto é sempre 
geral, ela não se aplica ao que é privado ou particular. O bem comum e 
público é o verdadeiro objetivo da vontade geral. Embora a vontade geral 
seja sempre reta, o povo pode errar, pode enganar-se e ser enganado; por isso, 
é preciso precaver-se contra as vontades particulares que visam apossar-se 
da vontade geral. Isso porque o corpo político em sua atividade é o soberano, 
e a expressão da vontade geral faz a lei. A lei, quando guiada pela vontade 
geral esclarecida, tem como inalidade a liberdade e a igualdade. É necessário 
que o poder legislativo tenha em vista a igualdade. Não se deve usar como 
desculpa a diiculdade da tarefa. É por que as sociedades tendem a ser, ou 
tornarem-se, injustas e desiguais que o soberano não deve descuidar dessas 
questões. E nisso consiste o exercício legítimo do poder político. Todo o povo 
legislando para todo o povo.
193cadernospetilosoia número14 | 2013
Referências Bibliográicas
LEBRUN, Gérard. “Contrato social ou negócio de otário?”. Trad. Marta Kawano. In: 
______. A ilosoia e sua história: Gérard Lebrun. Org. Carlos Alberto Ribeiro de Moura, 
Maria Lúcia M. O. Cacciola e Marta Kawano. São Paulo: Cosac Naify, 2006.pp. 225-236.
NASCIMENTO, Milton Meira do. “O contrato social: entre a escala e o programa”. Dis-
curso– Revista do Departamento de Filosoia da USP, São Paulo, n. 17, 1988, pp. 119-
129. Disponível em: <http://ilosoia.flch.usp.br/publicacoes/discursoD17>. Acesso 
em: jul. 2013.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social: princípios do direito político. 4ª ed. Trad. 
Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2006. (Col. Paidéia).
______. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os ho-
mens. 2ª ed. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1978, pp. 201-
315. (Col. Os Pensadores).
STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo; seguido 
de Sete ensaios sobre Rousseau. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia 
das Letras, 2011.

Outros materiais

Outros materiais