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Ponto 01 - Contornos da teoria geral do direito

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Prof. GIOVANNE SCHIAVON, Dr.		ghbs2002@yahoo.com.br
- Ponto 01 –
CONTORNOS DA TEORIA GERAL DO DIREITO[2: Material elaborado pelo professor Giovanne Schiavon para servir ao estudo complementar da disciplina Introdução ao Estudo do Direito. Possui propósitos didáticos, resulta de trabalho de investigação em curso para posterior publicação definitiva e não pode ser comercializado de nenhuma maneira. Sua autoria e origem devem ser citadas em qualquer uso que se faça desse. SCHIAVON. Giovanne H. Bressan Introdução ao estudo do direito. 2012. Apostila (Curso de Graduação em Direito).]
Sumário. 1 INTRODUÇÃO. 2 A SÍNTESE ENTRE TEORIA E PRÁTICA: A TEORIA GERAL. 3 O DESDOBRAMENTO DA TEORIA GERAL DO DIREITO 3.1 Teoria do Direito. (a).- Aspecto estrutural. (b).- Aspectos sociológico. (c).- Aspecto moral-normativo. 3.2 Filosofia do Direito. (a).- Conceito de filosofia do direito. (b).- Os desdobramentos da filosofia do direito. (I).- Teorias de fundamentação com orientação de origem. (II).- Teorias de fundamentação com orientação histórico-cultural. (III).- Teorias de justificação formal ou procedimental. 3.3 Ciência do Direito. (a).- Conceito de ciência. (b).- O direito é uma ciência?
1 INTRODUÇÃO
Os filósofos gregos explicaram que teoria e prática constituem abordagens distintas sobre a explicação do conhecimento e, de acordo com esta suposição, o estudo do direito deve ser desenvolvido em termos gerais. Nessa linha, a teoria geral do direito lida com argumentos extraídos das promessas da política em confronto com as constatações da experiência real e concreta. Nesse passo, a teoria geral do direito alcança os estudos que pretendem compreender e explicar o direito enquanto elemento que possibilita a existência e organização do grupo social. 
Consoante a isso, esse curso é dividido em 7 aulas. A primeira lição especula a respeito do conhecimento jurídico, trata o direito como objeto de estudo, conceitua a “teoria geral do direito” e estabelece a “teoria do direito”, a “filosofia” e a “ciência do direito” como disciplinas componentes daquela. Contornos sob os quais, a teoria geral do direito pode ser desenvolvida por referência aos aspectos: estrutural, sociológico e moral-normativo. No final, aparecem 4 perguntas que devem ser respondidas a mão e as respostas digitalizadas e enviadas em formato PDF pelo ambiente EUREKA.
2 A SÍNTESE ENTRE TEORIA E PRÁTICA: A TEORIA GERAL
Sabe-se que o conhecimento pode ser explicado a partir do quê é conhecido (do seu objeto) ou por meio de como se conhece (seus métodos). Nesse quadro, a teoria geral do direito busca a compreensão sobre a coordenação, o liame, entre os vários conceitos que podem ser relacionados como disciplina jurídica, seja no que tange a origem, modificação ou aplicação dos seus postulados.
Na era contemporânea, a origem da “teoria geral do direito” aparece na filosofia de Immanuel Kant como o estudo sobre o sistema normativo dado (real e existente) confrontado com os dados histórico, cultural e estrangeiro. Kant se notabilizou por afirmar que o estudo do direito não se limita à mera exposição das regras vigentes em uma comunidade determinada, mas reflete sobre os ideais, máximas que devem guiar a vida em comum e, pela aplicação dessas idéias, definiu que o estudo do direito podia ser desenvolvido na perspectiva da vivência social ou na perspectiva da justiça e, com essa definição, engendrou a distinção entre lei [“Gesetz”] e direito [“Recht”]. [3: Entre outras repercussões, a obra de Kant redefiniu a discussão sobre a diferenciação entre moral e direito, entre a teoria cuja preocupação é a lei no sentido do que é obrigatório de uma teoria que tem por objeto o direito justo; vd. ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2 ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 118-9.]
Nas palavras de Volpato Dutra:
O especialista da primeira [“iurisconsultus”] seria o conhecedor do que dizem ou disseram as leis em um certo lugar e em um certo tempo. O especialista da segunda seria o filósofo, visto que este buscaria o fundamento, ou seja, o critério universal com que se pode conhecer em geral tanto o justo quanto o injusto.[4: VOLPATO DUTRA, Delamar José. Perspectivas de moralização do direito: Kant e Habermas. Crítica, Londrina, v. 12, n. 36, outubro, 2007, p. 339.]
Então, Kant distingue o estudo da legislação do estudo das formas ou estruturas do direito. Tal distinção permitiu, mais adiante, a Hans Kelsen apresentar de modo preciso a separação entre a “teoria do direito”, a “filosofia do direito” e a “ciência do direito”. A teoria do direito restou reservada para a reflexão sobre o tema da conceituação do direito em termos dos seus próprios argumentos, da justificação manuseada pelos juristas. A filosofia do direito ficou definida pela reflexão sobre a racionalidade do direito sem referência a uma comunidade concreta, do estudo sobre o direito que deveria existir e, nessa linha, trata dos problemas da “fundamentação”, ou seja, a discussão a respeito da existência (ou não) de relação entre o direito e a moral. A ciência do direito, por sua vez, desenvolve o estudo da aplicação do mesmo, tem caráter político e descreve o direito real, aplicado pelos tribunais e apresenta o significado dos conceitos jurídicos segundo aqueles que trabalham as normas jurídicas.
Vale destacar, Hans Kelsen estabelece que a teoria e a filosofia do direito devem ser compreendidas como contendo argumentos distintos e complementares, ou seja, que a teoria é situada ao lado da filosofia do direito. Por exemplo, enquanto a teoria do direito apresenta o conceito de obrigação, responsabilidade, família, contrato, em termos abstratos, a ciência do direito define esses institutos como são encontrados nas sentenças, petições ou argumentações jurídicas desenvolvidas nos tribunais.[5: vd. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Afirmação similar pode ser encontrada no pensamento de outro expoente do positivismo do século XX, Herbert Hart, o qual definiu que a teoria do direito deve ser compreendida como ramificação da filosofia, e dessa sorte, desenvolver as idéias e métodos filosóficos para análise e crítica conceitual do direito. Diferente de Kelsen, Herbert Hart parece indicar que a filosofia é anterior à teoria do direito, então esta é estabelecida a partir daquela; vd. GUERREIRO, Mario A. L. Herbert Hart e a instauração da filosofia analítica do direito. Crítica. Londrina, v. 6, n. 22, p. 237-268, jan./mar. 2001, aqui especialmente as pp. 240-241 e MacCORMICK, Neil. H. L. A. Hart. Trad. Claudia Santana Martins. Rev. Carla Henriete Beviláqua. Apres. Dimitri Dimoulis. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 19; HART, Herbert L. A. O conceito do direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002.][6: Segundo Kelsen, os juízes quando aplicam o direito têm o poder de fixar normas jurídicas individuais dentro do quadro das normas gerais, mas também o poder de fixar normas individuais fora deste quadro ou mesmo novas normas gerais (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 271); vd. VOLPATO DUTRA, Delamar José. Da problemática na aplicação do direito: A recepção habermasiana da teoria do direito de Dworkin. Dissertatio, n. 21, pp. 69-88, inverno de 2005.]
Na seqüência tratar-se-á dos desdobramentos da Teoria Geral do Direito: “teoria do direito” (3.1), “filosofia do direito” (3.2) e “ciência do direito” (3.3).
3 OS DESDOBRAMENTOS DA TEORIA GERAL DO DIREITO
3.1 Teoria do Direito
Como exposto, a teoria do direito é definida como um estudo sobre os institutos jurídicos de modo abstrato, sem referência aos elementos fáticos ou vivenciais. Seus estudos alcançam a noção de que o caráter central do direito é ser constituído por normas, e os problemas sobre o conceito da norma são divididos em duas classes de questões: qual é o conceito de norma?, e, como as normas podem ser entre si relacionadas? Nessa esteira, o estudodo conceito de norma (teoria da norma) reúne as discussões sobre a estrutura, a validade (existência) e a legitimidade (autoridade) do direito enquanto o estudo do sistema de normas (teoria do ordenamento) trata da eliminação de contradições (problema das antinomias), a determinação de normas para todas as situações (problema da completude) e o problema da justiça do ordenamento.[7: Embora possa se falar de um ordenamento constituído por uma única fonte: “tudo é proibido”, ou “tudo é permitido”, em sociedades concretas os ordenamentos são complexos, ou constituído por diversas fontes, tal no sentido material (dos conteúdos que informam o sistema), qual no sentido formal (suas estruturas, leis, costumes, contratos...).][8: . Na percepção de Norberto Bobbio a definição da teoria do direito a partir desses dois problemas revela a melhor tradição dogmática, nas suas palavras: “... na tradição do Estado protetor e repressor, o jurista, encarando o Direito como um conjunto de regras dadas com função sancionadora e negativa, tende a assumir o papel de conservador daqueles regras que ele, então, “sistematiza e interpreta”; BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Apres. Tercio Sampaio Ferraz Jr. Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Rev. Cláudio De Cicco. 6 ed. Brasília: UnB, 1995, p. 15.]
A formulação da teoria do direito e as propostas de solução de seus problemas passam por três abordagens: (a).- legalidade conforme o ordenamento; (b).- eficácia social; (c).- correção material.
(a).- Legalidade conforme o ordenamento
A primeira abordagem a ganhar relevo no Século XX ganha destaque com o aparecimento da “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen, com essa obra sugere que a discussão da validade do direito pode seguir duas orientações, estática ou dinâmica: relacionando-as a partir de seus conteúdos (de argumentos de gênese, ou de fundamentação – sistema estático) ou a partir das regras de competência e as demais reguladoras da sua produção (de argumentos de justificação – sistema dinâmico).
Aponta que a Antiguidade viu o desenvolvimento da teoria do direito focado exclusivamente pela definição das condutas reguladas. Naquele momento, o direito natural era a fonte material da qual originava o direito em sentido ontológico e a norma existente era a que refletia sua fonte material, ou a repetia. Se houvesse dúvida se matar era certo ou errado, era sabido que tal questão deveria ser respondida pelos argumentos extraídos das crenças ou mitos, de sorte que a justiça que orienta o direito positivo é o ideal de justiça. Nessa linha, uma abordagem estática cuida da forma e do conteúdo da norma em si, ou isoladamente considerada. [9: vd. WELZEL, Hans. Introducción a la filosofía del derecho: Derecho natural y justicia material. Trad. Felipe González Vicen. 2ª ed. Madrid: Aguilar, 1974.]
O problema do sistema dinâmico, ganha relevo no Século XX, com a formulação da teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico [“Stufentheorie”] de Adolf Merkl e divulgada por Hans Kelsen. Os manuais do direito comumente representam a construção escalonada do sistema do direito através de uma pirâmide. Nesta o vértice é ocupado pela norma fundamental, a Constituição, e a base é constituída pelos atos executivos:[10: Sobre a importância do pensamento de Adolf Julius Merkl vd. PAULSON, Stanley L. Gesammelte Schriften. Ratio Iuris. V. 17. n. 2, pp. 263-7, jun. 2004.]
Constituição
\/
Leis
\/
Sentenças
Ao olhar-se de cima para baixo, ver-se-á uma série de processos de produção jurídica; ao olhar-se de baixo para cima ver-se-á, ao contrário, uma série de processos de atuação do direito. Nos graus intermediários, estão a produção e a execução; nos graus extremos, ou só produção (norma fundamental) ou só execução (atos executivos):
Em síntese, o ordenamento graduado em escalas:
“... de acuerdo con la cual el orden jurídico consiste de normas superiores e inferiores, as primeras de las cuales son aquellas que determinan la creación de otras, y las inferiores, aquellas que se corresponden, i.e., que son creadas con fundamento en las superiores”.[11: KELSEN, Hans. Qué es um acto jurídico? Isonomia, n. 4, 1996. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01474063322636384254480/isonomia04/iso06.pdf ]
A proposta da teoria pura do direito de Hans Kelsen permitiu que o estudo do direito fosse desenvolvido sob seus próprios argumentos, no lugar de especular a respeito sobre o sentido da justiça universal. Outra perspectiva para a definição da teoria do direito sugere ser este identificado nos fatos vivenciados e, desta sorte, passa a ser importante, para a teoria do direito, contar com os desenvolvimentos da sociologia.
(b).- Aspecto Sociológico
O aspecto sociológico da teoria geral do direito é evidenciado por estudos como os formulados por Max Weber ou por Herbert Hart. O primeiro esclareceu o caráter institucional da vida social (a burocracia) e revelou seus aspectos interno e externo, enquanto o segundo destacou as distintas abordagens do estudo jurídico: a do observador e a do participante.
Max Weber, com o texto “Sociologia do Direito”, apresenta a distinção entre o modo sociológico e o jurídico. Enquanto um trata de uma prática regulada pelo direito, o outro tem a ver com o conteúdo significativo objetivo de proposições jurídicas. Nessa linha, o pensamento jurídico pode ser desenvolvido sob dupla perspectiva: na perspectiva interna, dirige-se ao reconhecimento social necessário para que se considere uma norma válida, a afirmação do direito como resultado de um convênio entre interessados; na perspectiva externa, dirige-se à coerção justificada em considerações sob a universalidade de sua aplicação. Destaque-se, de um lado afirma que o direito vale por representar a vontade popular (aspecto interno), de outro, àqueles que resistem aos seus comandos se sujeitam à coerção estatal (aspecto externo).[12: Sobre o pensamento e a vida de Max Weber assista o vídeo: http://redeglobo.globo.com/globociencia/videos/t/edicoes/v/max-weber-o-fundador-da-sociologia-moderna-integra/1857323/]
Igualmente, os interesses que justificam a positivação do direito aparecem em duas classes: do lado da autonomia pública, o critério distintivo é constituído pelo interesse de conservar o Estado (o espaço político) e a administração (a atividade estatal); do lado da autonomia privada, o interesse é constituído a partir de relações entre sujeitos situados no mesmo plano. 
No âmbito da autonomia pública, o círculo da administração encerra três classes de tarefas, a saber: a criação do direito, aplicação do mesmo e o que for atribuição do estado depois de se separar aquelas duas esferas. À profissionalização da técnica jurídica, se soma determinações de precisão conceitual e rigor dedutivo: exigências de completude e de coerência interna. 
Do lado da autonomia privada, os particulares administram seus próprios negócios. Nessa linha, o direito não supõe aos sujeitos de direito nenhuma classe de motivação ética, fora de uma obediência geral ao direito e protege suas inclinações privadas dentro dos limites sancionados. Não se sancionam as más intenções, mas as ações que se desviam das normas jurídicas (o que supõe categorias de responsabilidade e de culpa). A administração remete à autonomia, ou seja, capacidade própria de definir as normas. O governo, por sua vez, é associado à estrutura burocrática de definição do direito. Dessa sorte, há duplo aspecto na noção de governo: Pode achar-se ligado a legislação das normas jurídicas ou ser avaliado enquanto limitado por direitos subjetivos adquiridos. Mas há que distinguir: (1).- Aspecto positivo: o governo se desenvolve sobre a base de uma competência legítima que, desde o ponto de vista jurídico, descansa, em última instância, em um poder concedido pelas normas constitucionais do instituto estatal. Mas, nesta sujeição ao direito vigente e limitação por direitos subjetivos adquiridos, encontra-se também: (2).- Aspecto negativo: os limites de sualiberdade de movimento, com os quais não pode deixar de contar.
Assevera Weber que a delimitação das respectivas esferas do público e do privado não é uniforme. De um lado as pretensões individuais são garantidas na forma de direitos subjetivos adquiridos, de outro há a legislação das normas jurídicas. Até onde essa situação chega, todo direito se reduz a fim da administração: do governo. Logo, a essência específica do governo radica precisamente, no aspecto impositivo, no qual não só tem por objeto o respeito ou realização do direito objetivo vigente porque vale como tal e serve de fundamento aos direitos subjetivos adquiridos, mas também a realização de outros fins de índole material: políticos, morais, utilitários ou de qualquer outra classe. [13: WEBER, Max. Sociología del derecho. Prefacio de José Luis Monereo Pérez. Granada: Comares, 2001, p. 5-8.]
A apontada distinção entre a abordagem sociológica e jurídica inicia a sociologia do direito de Weber. O trabalho de reconstrução e análise dos conceitos é atribuição da ciência do direito; aqui ele não distingue suficientemente entre ciência jurídica (estudo da interpretação jurídica), teoria do direito (estudo sobre o sentido a ser atribuído aos seus institutos) e filosofia do direito e, ao atribuir a reconstrução das condições do sentido e da validade unicamente à dogmática jurídica, Weber sublinha mais a oposição entre essas duas abordagens metódicas do que o nexo que ele julga estar pelo menos implícito.
Herbert Hart, de sua parte, formula outra explicação do caráter social do direito por meio da percepção de que a teoria geral do direito pode ser desenvolvida sob dupla perspectiva: a do participante e a do observador. Adota a perspectiva do participante aquele que, afetado pelas determinações de um dado sistema jurídico (ideal ou real), integra a argumentação sobre o que neste sistema jurídico está ordenado, proibido e permitido ou autorizado. No centro dessa perspectiva se encontra o juiz. A perspectiva do observador é daquele que não pergunta qual é a decisão correta num determinado sistema jurídico, mas descreve como se decide de fato em um determinado sistema jurídico.[14: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2 ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 31; vd. HART, Herbert. O conceito do direito. Lisboa: Calouste Gulbelkian, 1994.]
Para esclarecer as duas posições, Neil MacCormick relembra uma antiga anedota: “O quê Deus nunca vê, o Rei vê raramente e as pessoas comuns vêem todos os dias?” a versão oficial da resposta: “seu igual” (há também uma versão humorística: “uma piada”). A anedota gira em torno do ponto de que em relação à descrição de objetos, aquela descrição produzida por alguém que não os utilizou, somente considerando sua aparência ou sons produzidos, pode conduzir a uma classe de percepções totalmente equivocada. Por outro lado, a aparência não é o todo da realidade humana, nem a descrição física mais meticulosa de cada engrenagem e de suas interconexões, nem mesmo com o acréscimo da mais meticulosa descrição de cada ato relacionado ao objeto equivaleriam uma compreensão, do fato crucial, sua função.[15: MacCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 360.]
Somente o participante sabe (ou consegue identificar), enquanto que o observador não sabe (ou não tem como identificar com segurança), é daí que surge a piada. Veja o exemplo: um manual de regras sobre o jogo de futebol esclarece o que não pode ser feito, falta, regras de impedimento, ... Mas, não determina o objetivo de “roubar a bola do adversário”. Imagine o absurdo que seria se alguém se pusesse a jogar futebol considerando que cada um dos jogadores teria a sua vez de fazer o gol. Desta sorte, ninguém roubaria a bola do adversário, pois “roubar é errado”. 
Há um segundo argumento que auxilia na compreensão da distinção entre o participante e o observador. Veja por exemplo que a maioria dos veículos pára no semáforo quando a luz está vermelha e pode-se dizer que em boa parte desses, seus motoristas, mexem no rádio. A partir dessa descrição seria possível supor a existência de uma regra para parar no semáforo quando a luz está vermelha? E quanto ao rádio? A existência (ou não) da regra, explica Hart, não depende da sua mera observância, mas de seu reconhecimento social como regra.
Frise-se, o enunciado típico do participante é: “O direito dispõe que...”. Por oposição a esse, alguém que não está submetido a regra, mas observa, de fora, a sua utilização num determinado grupo social, irá revelar seu ponto de vista com o seguinte enunciado: “No Brasil, reconhecem como direito...”. Assim, a primeira afirmação é uma afirmação do participante: expressa a validade duma regra. A segunda é uma afirmação do observador: expressa sua existência fática. 
É no contexto da diferenciação entre afirmações do participante e do observador que Hart introduz o problema da validade jurídica. A afirmação da validade duma regra é um problema de alguém que participa do sistema. Essa significa declarar que a regra passou por todos os testes facultados pelos critérios presentes na regra de reconhecimento. Do ponto de vista do observador, a regra de reconhecimento é uma prática de identificação do direito que pode por estudiosos do sistema, a qual é aceita pela generalidade dos cidadãos.[16: BARZOTTO, Luis Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo: Uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unisinos, 1999, p. 115-6.]
As explicações precedentes permitem que se conceitue o sistema jurídico a partir dos interesses ou objetivos sociais a esse incorporado. O pensamento de Max Weber revela que o direito, além de ser constituído por normas que podem ser impostas à força, expressa o reconhecimento social. Herbert Hart, de sua parte, evidencia que a compreensão do direito deve se dar a partir de seu uso social e não só por referência a conceitos abstratos só presentes em manuais. Outro argumento da teoria do direito aparece com os desenvolvimentos dos estudos da filosofia prática no final do Século XX.
 
c).- Aspecto Moral-Normativo
Vários juristas em revisão crítica ao pensamento de Hart afirmam que a compreensão do direito exige a incorporação de argumentos éticos ou morais. Nesse contexto pode ser incluído o pensamento de Robert Alexy. 
Robert Alexy expressa que a compreensão “correta” do direito remete à noção de sentido compartilhado pelo grupo, por um argumento de “correção”. Para esclarecer tal argumento Alexy pergunta: “poderia valer uma Constituição que no seu artigo 1º determinasse que X é uma república soberana, federal e injusta”? Sugere que não e a despeito de possíveis falhas funcional, técnica, moral ou convencional, afirma que o que macula o referido dispositivo é a falha “conceitual”. [17: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2 ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 41.]
A expressão “falha conceitual” é utilizada aqui num sentido amplo já que se refere também a violações contra regras que são constitutivas dos atos lingüísticos, vale dizer, das expressões lingüísticas como ações. Aponta que o citado artigo apresenta uma contradição performativa pois com o ato de promulgação uma Constituição está necessariamente vinculadas a pretensão de correção que é, sobretudo, uma pretensão de justiça. Um legislador constitucional comete uma contradição performativa quando o conteúdo do ato constituinte nega esta pretensão, ainda que com a promulgação da Constituição indique respeito pela execução de seus favores.[18: Neste sentido, existe uma certa analogia com o famoso exemplo de John Langshaw Austin: “The cat is on the mat but I do not believe it is”, ou ainda com a pergunta: “- Você está dormindo?” seguida da resposta: “- Sim, estou”, e “- Têm alguém aí? - Não, não tem”. ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2 ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 43.]
O objetivo da abordagem normativa é a justificação das normasjurídicas em termos do que é justo. Uma norma vale quando está justificada pelo ideal de justiça. Tal afirmação já pautava as teorias do direito natural, porém, como será desenvolvido quando da apresentação da “filosofia do direito”, as teorias jusnaturalistas terminaram por reservar o aspecto ético do direito como caráter originário do direito, sem referência ao esclarecimento do sentido. Vale esclarecer, derivando a existência do direito daquele conteúdo ético.
As teorias éticas contemporâneas desenvolvem outra abordagem, aceitam que a origem do direito pode ser associada a exigências funcionais ou pragmáticas. Exemplo de justificação funcional pode ser encontrado quando afirma-se que a validade do direito decorre da garantia de algum “interesse” humano e a justificação pragmática aparece na afirmação da obediência do direito a partir da sanção.
O recurso a argumentos éticos ocorre quando há indeterminação de sentido das normas jurídicas identificadas como existentes no sistema. Por exemplo, a lei que proíbe fumar em “local fechado” não apresenta a definição do que seja esse lugar. Em casos de difícil compreensão deve-se interpretar seu conteúdo por referência a algum conceito externo, ou ético (como sugerido por Robert Alexy). Consoante a isso, nesse particular, a teoria do direito divide seus temas com a “filosofia do direito” e com a “ciência do direito”, uma vez que trata da “correção” da interpretação desenvolvida a partir da sua justificação moral, ética, funcional ou pragmática.[19: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del Derecho. 2ª. ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 88.]
Tais enfoques serão mais bem compreendidos com a reflexão a respeito do conceito de filosofia do direito e de ciência do direito.
3.2 Filosofia do Direito
Os argumentos até aqui desenvolvidos permitem afirmar que a teoria geral do direito incorpora as questões práticas relevantes para o estudo do direito. Isso porque, dirige-se para uma explicação completa a respeito da vigência, da eficácia e da legitimidade do mesmo. Nesse passo, para compreender a relevância de uma “filosofia do direito”, apresenta-se um conceito de filosofia do direito (a) e uma reflexão sobre as possibilidades de tal abordagem (b).
(a).- Conceito de Filosofia do Direito
Precariamente indica-se que a filosofia busca encontrar uma explicação para as coisas, visa determinar sua “razão”. Melhor dizendo, o pensamento filosófico trabalha os conceitos desde seus pressupostos até a busca de seu sentido. Tal pode ser percebido na origem do termo, no grego, filosofia significa “amor à sabedoria”. Na Grécia antiga a filosofia floresceu quando o homem passou a interrogar-se do por que das coisas e dos seus fins. 
Então, essa revela, de diferentes modos e formas, que o desejo da verdade é próprio do ser humano. Daí porque Marilena Chauí responde à pergunta “O que é filosofia?” dizendo: a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos da existência cotidiana, para ela, jamais deve-se aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.[20: CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 12a. ed., São Paulo: Ática, 1999; e, EWING, A. C. As Questões Fundamentais da Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984, pp. 11-25.]
Na seqüência, a atitude filosófica, implica no questionamento: O que é? Como é? Por que é?. Ou seja, a atitude filosófica (que inspira questões sobre a essência, a significação ou a estrutura e a origem de todas as coisas) resulta em reflexão, que significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno sobre si mesmo. Para esclarecer a postura filosófica, Tercio Sampaio Ferraz Jr. formula o seguinte exemplo: 
Sócrates estava sentado à porta de sua casa. Neste momento passa um homem correndo e atrás dele vem um grupo de soldados. Um dos soldados então grita: agarre este sujeito, ele é um ladrão! Ao que responde Sócrates: que você entende por ladrão? Notam-se aqui dois enfoques: o do soldado que parte da premissa de que o significado de ladrão é uma questão já definida, uma “solução” já dada, sendo seu problema agarrá-lo; o de Sócrates, para quem a premissa é duvidosa e merece um questionamento prévio. Os dois enfoques estão relacionados, mas as conseqüências são diferentes. Um, ao partir de uma solução já dada e pressuposta, esta preocupado com um problema de ação, de como agir. Outro, ao partir de uma interrogação, está preocupado com um problema especulativo, de questionamento global e progressivamente infinito das premissas.[21: FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do direito. 2 ed., São Paulo: Atlas, 1994, p. 40.]
Em tal argumento pode ser percebida uma diferenciação essencial entre a argumentação científica e filosófica. Enquanto a ciência é descritiva (o que “é”, sob termos da experiência), a filosofia investiga os fundamentos que sustentam a descrição do objeto (reflete sobre a possibilidade do conhecimento). O que caracteriza a filosofia em geral é constituir-se em auto-reflexão sem qualquer limitação, por não ser limitável o pensamento. Tendo esses conceitos em vista, Paulo Dourado de Gusmão conceitua a filosofia do direito como “o conhecimento resultante da auto-reflexão sobre o ser, o sentido, o fundamento, a finalidade e os valores do direito, sem deixar de ser o tribunal do direito positivo”.[22: GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 28 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 21.]
Por conseguinte, a filosofia do direito é a própria filosofia voltada para o estudo do direito. Importante esclarecer, que embora a filosofia do direito tenha por objeto os problemas surgidos da prática do direito, essa não possui um problema filosófico distinto em si dos outros ramos da filosofia. Os temas estudados por essa não são de sua exclusividade. Para ilustrar, quando se destacam as idéias de: “culpa”, “falta”, “intenção” e “responsabilidade”, a filosofia do direito compartilha seu objeto com os estudos da ética, da filosofia da consciência e ação.
Enfim, o estudo da filosofia do direito convive com a diversidade de posicionamentos e afirmações a respeito de questões morais, éticas e pragmáticas (políticas e técnicas), todavia nem sempre com a suficiente garantia ou profundidade. O estudo filosófico jurídico se incumbe, então, de aprofundar alguns temas essenciais, investigando a própria teoria do direito.
(b).- Os desdobramentos da filosofia do direito
Tradicionalmente, a filosofia do direito reflete a respeito do que é o justo, ou de qual conteúdo material que deve nortear a atividade jurídica. Na obra “Introdução à Metafísica dos Costumes”, por exemplo, Kant trata da relação da lei moral e liberdade humana. Se a lei incidir sobre a conduta humana, sobre a liberdade no seu uso externo, ela será jurídica; se incidir sobre o pensamento ou vontade, a liberdade no seu uso interno, será moral. A diferenciação kantiana do direito e da moral, ao final, torna a fundamentação do direito como um caso da moral.
Vale esclarecer, a filosofia do direito estuda a idealização do ordenamento anterior à sua instituição real. Abrange os aspectos político, filosófico, econômico, entre outros, com o objetivo de fundamentar (ou conferir origem) ao poder jurídico expresso pelo Estado. Consoante a isso busca esclarecer se há vínculo entre direito, moral e política e de que espécie. Com esses objetivos estuda, dentre outros argumentos, os “direitos humanos” liberais e os “valores” comunitários. Na explicação de Norberto Bobbio:
O problema da justiça é o problema da correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico [...] todo ordenamento jurídico persegue determinados fins [...] No caso de se considerar que existam valores supremos, objetivamente evidentes, a pergunta se uma norma é justa ou injusta equivale a perguntar se é apta ou não a realizar esses valores. Mas, também no caso de não se acreditar em valores absolutos, o problema da justiça ou não de umanorma tem um sentido: equivale a perguntar se essa norma é apta ou não a realizar os valores históricos que inspiram certo ordenamento jurídico concreto e historicamente determinado. ... Por isso, o problema da justiça se denomina comumente de problema deontológico do direito.[23: BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru: Edipro, 2001, p. 46.]
Partindo dessas teses várias teorias foram formuladas, as quais podem ser classificadas: (I).- teorias de fundamentação com orientação de origem metafísica; (II).- teorias de fundamentação com orientação histórico-cultural, por exemplo a afirmação de “direitos humanos” positivamente estabelecido; e (III).- teorias de justificação com orientação formal ou procedimental, por exemplo pela sua associação à noção de soberania popular ou democracia.
(I).- Teorias de fundamentação com orientação de origem metafísica
A primeira teoria formulada, a teoria jusnaturalista e a fundamentação metafísica do poder, foi adotada tal pela Revolução Francesa, qual pela Constituição Americana. Essa afirma a origem dos motivos da ação, a constituição do que deve ser feito, a partir de argumentos externos à vontade humana. A existência da norma jurídica é associada a sua correspondência a um conceito de justiça afirmado de modo objetivo, não redutível à vontade humana. Desta sorte, o Direito e o Estado podem ser associados à conceitos “naturais” ou “divinos”. 
Porém, com o fortalecimento dos movimentos “constitucionalistas”, as teorias com perspectiva de “fundamentação” cederam espaço para a institucionalização do poder social seja sob argumento dos direitos humanos positivamente estabelecidos ou das teorias dos freios e dos contrapesos (da separação dos poderes) e democráticas.
(II).- Teorias de fundamentação com orientação histórico-cultural
A segunda teoria pode ser associada à afirmação dos ideais da Modernidade. Segundo esses, a liberdade humana é originária das ações e o critério da justiça termina por ser definido não com recurso à sua origem, mas sob critério da universalidade. Assim, todos são afirmados como igualmente detentores de obrigações e direitos na ordem civil. Então, os ganhos substanciais no Estado de Direito são oriundos da igualdade de todos sob as formas do direito.
A promessa da instituição das regras jurídicas de modo geral e abstrato parece ser suficiente para garantir a instituição de um direito justo. Paradoxalmente, as Constituições terminaram por implantar um Estado de Direito em moldes da vontade estatal contraposta à vontade individual, no qual justiça parece ser uma utopia.
Senão veja-se, a idéia mais generalizada parece ser de que o “contrato social” constitui-se em um procedimento no qual todos são representados, apto a justificar moralmente a legalidade em formas do poder positivo coercitivamente imposto. Isso por meio da razão, pois “só pode ter como conteúdo aquilo que todos, no uso da razão, podem querer ao defenderem seus respectivos interesses”. [24: HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, vol. II, p. 238.]
Nestes termos, a doutrina política de Thomas Hobbes estabelece que não existe outro critério do justo e do injusto fora da lei positiva, quer dizer, fora do estabelecido pelo soberano. Por isso sustenta que é justo o que é comandado, somente pelo fato de ser comandado; é injusto o que é proibido, somente pelo fato de ser proibido. Resulta que o indivíduo se vê ante a seguinte escolha: a liberdade ou o Estado? A solução parece ser o Estado. Por isso, trata de demonstrar que o direito de castigar do Estado não agride o direito da própria conservação do indivíduo. Pois, não seria coerente sustentar que no “contrato social” o homem houvesse renunciado à sua própria preservação. O direito de castigar, então funda-se no fato de que a organização política ao elevar o direito acima de tudo e todos, adquiriu a faculdade de defender com os meios mais aptos a segurança e a prosperidade gerais.[25: vd. COSTA, Fausto. El delito y la pena en la historia de la filosofía. Trad. Mariano Ruiz-Funes. Cidade do México: Uteha, 1953, p. 73.]
Os estudos hobbesianos exemplificam como o direito e o Estado são compreendidos naquele período. Isso porque, se não é mais possível fundamentar o poder do Estado no direito natural, transfere-se esse papel para o contrato social um elemento procedimental justificado na utilidade do Estado em fornecer a paz e prosperidade para os seus cidadãos. O Estado tudo pode para desempenhar o papel de pacificar a sociedade.[26: vd. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru: Edipro, 2001, p. 59-60.]
Por meio da segurança jurídica, Thomas Hobbes, assegura a existência do indivíduo, todavia, o subordina ao soberano. Posto que, elimina para o indivíduo o espaço de crítica cidadã. Em outras palavras, descreve um Estado no qual as pessoas transferem sua liberdade ao soberano, para a segurança de seus direitos. Nesse passo, explicará o direito como composto por normas jurídicas gerais aptas a garantir, aos súditos, as condições propícias para a acumulação de riqueza, sem vinculação a nenhum conteúdo específico, constitui-se no “meio” de garantia dos espaços de ação do indivíduo.
Constata-se aqui que ocorre a eliminação da necessidade de fundamentação das liberdades subjetivas, essas são justificadas no interesse que visam proteger. Cabe ao soberano garantir a paz e a defesa comum de todos, enquanto que, os súditos - com intuito de lucro - agem racionalmente realizando sempre o cálculo de utilidade, custo e benefício. Nas palavras de Habermas: “A fundamentação utilitarista da ordem burguesa dos direitos privados, ou seja, a de que ‘o maior número possível se sinta bem durante o tempo em que for possível’, atribui justiça material ao poder de um soberano que não pode infligir injustiça por simples razões conceituais”.[27: HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. I, p. 123-4. Seguindo o argumento, a obediência ao Estado pode ser explicada também como resultado de um “interesse” do indivíduo na existência do direito, tal como expresso pela sociologia de Max Weber. A obediência ao direito é estruturada na sua “autoridade”. A crítica ao formalismo desse argumento não é nova. No Brasil, Miguel Reale com a teoria tridimensional do direito a expressa sob o argumento de que a prática jurídica deve compatibilizar: fato, valor e norma, enquanto perspectivas complementares do fenômeno do direito. Contudo, essa teoria não se fez acompanhar da conseqüente “teoria da argumentação jurídica”. Reale esboçou o que seria a sua teoria da argumentação na obra: REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: Para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994.]
De um lado, há aqueles que continuam a crer na possibilidade do direito prover paz social sob argumento das suas qualidades formais. De outro, há autores que revendo os pressupostos da Modernidade discutem os meios (e conteúdos) de formalização das regras jurídicas a partir da deliberação social.
(III).- Teorias de justificação com orientação formal ou procedimental
A terceira classe de argumentos aparece na filosofia com a percepção de que as teorias de fundamentação sob orientação substancial parecem ter esgotado sua capacidade utópica. Os ideais da modernidade persistem como argumentos técnicos, mas distantes dos indivíduos que pretendem incorporar à procedimentos de origem, modificação e aplicação do direito. A superação da idéia do soberano somente vinculado ao seu próprio arbítrio, segundo Jean Jacques Rousseau apresenta na obra “O Contrato Social”, só é possível transferindo a soberania para o povo. De modo que, o povo não abusaria de si próprio. Na mesma ordem de idéias pode-se resgatar o princípio da legalidade kantiano,para o qual, a razão (a compreensão da realidade) se dá por meio de um procedimento universal: o imperativo categórico. Tal possibilita a afirmação de que o acesso ao conhecimento do justo é igualmente franqueado a todos, o que não permite distinções entre indivíduos seja no que tange ao respeito pessoal, ou à participação no espaço público. Então, o conceito de moralidade adotado pela metafísica pode ser alargado.[28: BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait, 3ª ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1995, p. 15-6.]
Realmente, ao se considerar que a moral é composta de valores que devem ser encontrados a partir de uma razão culturalmente situada, ou estática em projetos de “vida boa” não há saída para a vinculação da política à moral. Esta crítica pode ser percebida na sociologia de Weber, na política de Maquiavel e mesmo na filosofia de Hegel. Cumpre observar que ante ao ceticismo sobre a possibilidade de se tratar do tema da justiça em meados do século XX após as duas grandes guerras, John Rawls reavivou o tema quando argumentou com os utilitaristas que as boas ações poderiam decorrer de um “egoísmo racional”. Um egoísta pode assumir que é do seu interesse agir de modo correto. Então, descreve uma sociedade que permite aos seus integrantes um espaço de participação, de modo a que todos os interesses possam ser considerados em um debate público, afirma a existência de “consenso” por “sobreposição” ou “entrecruzamento”. No mesmo sentido, mas buscando o “entendimento” no lugar do “consenso”, Jürgen Habermas afirma a existência de uma “esfera pública” na qual os indivíduos apresentam francamente argumentos aptos a propiciar a aceitação geral. Tal concordância deve-se dar a partir do conhecimento das conseqüências e efeitos colaterais que previsivelmente resultarem para a satisfação dos interesses de cada um dos indivíduos do fato de ela ser universalmente seguida e que ainda assim possam ser aceitos por todos os concernidos (e preferidos a todas as conseqüências das possibilidades alternativas e conhecidas de regulação).
Rawls e Habermas argumentam a respeito dos “princípios” que vigorariam numa sociedade “bem ordenada”. Desta sorte, princípios, enquanto cláusulas abertas, podem ser entendidos como possibilidades de inserção das questões publicamente relevantes ao ambiente da política e do direito. Um direito aberto às considerações da esfera pública e com poderes para domesticar a política e a economia. Para que tal conceito de moral se aperfeiçoe é importante aprimorar os mecanismos de participação da sociedade no âmbito das discussões jurídicas, tais como ação popular e prestação de contas da administração ao tempo em que os mecanismos já existentes devem ser mais freqüentemente utilizados tais como referendos e plebiscitos.
A perspectiva de fundamentação enaltece a possibilidade da moral ser apontada como origem da existência da norma jurídica. Enquanto a perspectiva de fundamentação substancial esclarece os motivos, ou interesses aptos para fundar a sua existência; ao tempo em que, a perspectiva de justificação procura na moral elementos que permitam definir a estrutura dos processos inerentes à prática jurídica, como por exemplo, o procedimento legislativo.
Tais perspectivas serão mais bem compreendidas com a reflexão a respeito do conceito de ciência do direito.
3.3 Ciência do direito
A ciência do direito é o ramo da teoria geral do direito que desenvolve o problema da aplicação do direito, trata dos métodos de origem e aplicação de um dado ordenamento numa dada sociedade. Nesse passo, primeiro apresenta-se uma distinção entre filosofia e ciência (a), para depois argumentar quais os conceitos de ciência do direito são identificados atualmente (b).
(a).- Distinção entre filosofia e ciência
Conhecer é muito mais do que meramente repetir uma informação. Essa, além de ser apreendida, é organizada a fim de poder ser associada a algum objeto. Então, uma relação de conhecimento supõe pelo menos três elementos: o “sujeito”, ou seja, aquele que conhece (cognoscente), o “objeto”, ou aquilo a que o sujeito se dirige para conhecer, e a “imagem”, a qual representa o conteúdo proveniente do objeto armazenado pelo sujeito.[29: RUIZ, J. A. Metodologia científica: guia para eficiência nos estudos. São Paulo: Atlas, 1982, p. 85-110.]
Tradicionalmente, todo conhecimento era explicado por meio de relações entre o sujeito (uma consciência) que conhece e o algo conhecido. Se não ocorresse relação de assimilação, relação de produção, relação de coincidência entre sujeito e objeto do conhecimento, estar-se-ia diante de um erro, nunca de um conhecimento verdadeiro. Ou mais exatamente, a pretensão de verdade expressa pela “imagem” era estudada a partir da consciência individual. Do indivíduo que conhece.
O método científico tradicional é composto por dois caminhos de raciocínio: dedutivo e indutivo. Através do raciocínio dedutivo, um dado ordenamento é coerente enquanto todas as normas jurídicas daquele ordenamento são deriváveis de alguns princípios gerais, tal como a lei geral e abstrata. Pelo raciocínio indutivo parte-se do conteúdo das simples normas encontradas no caso concreto com a finalidade de construir conceitos sempre mais gerais, e classificações ou divisões da matéria inteira, como ordenamento. A sua finalidade não é mais a de desenvolver analiticamente, mediante regras preestabelecidas, alguns postulados iniciais, mas a de reunir os dados fornecidos pela experiência, com base nas semelhanças, para formar conceitos sempre mais gerais até alcançar aqueles conceitos generalíssimos que permitam unificar todo o material dado.[30: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Rev. Cláudio De Cicco. 6 ed. Brasília: UnB, 1995, p. 77-9. ]
Com esses contornos, enquanto a filosofia apresenta reflexão ilimitada de tudo quanto possa ser conhecido, não orientada para resultados concretos e, dessa sorte, seu método não fica restrito ao fático (ou experimentável), a ciência almeja a obtenção da verdade, no sentido de exata correspondência entre o afirmado e o existente no mundo fático e sua destinação prática faz com que o método científico fique adstrito a constatações que possam ser verificadas por todos, a exemplo dos experimentos que podem ser repetidos por qualquer cientista. Estabelecidos os conceitos de filosofia e de ciência pode-se tratar da existência (ou não) de caráter científico passível de ser atribuído ao direito.
(b).- O direito é uma ciência?
Nesse passo, para se enfrentar a questão: é o direito uma ciência? A importância dessa questão está em definir-se qual é (ou deve ser) a estrutura do método adotado pelos profissionais que trabalham com o direito e para respondê-la cumpre retornar ao conceito de ciência. 
No conceito tradicional, a metodologia científica é voltada para resolver uma questão de modo que seus postulados sejam reconhecíveis igualmente pelos outros e, face a isso, apresenta seus argumentos em termos de “causa e efeito”. Vale destacar, o resultado do trabalho científico consiste em descrição de um fenômeno, ou seja, a resolução de uma questão por meio de conceitos elaborados a partir da experiência. Então, uma ciência busca a descrição objetiva da realidade, uma análise sobre o “como”, não sobre o “por que” das coisas. 
Max Weber, tratando da possibilidade de atribuir-se ao direito caráter científico, diz:
Um direito pode ser “racional” em diversos sentidos, ... Primeiramente, no sentido do processo mental aparentemente mais simples: a “generalização”, que neste caso significa redução das razões determinantes para a solução do caso concreto a um ou vários “princípios”, os “preceitos jurídicos”. Tal redução encontra-se normalmente condicionada por uma análise prévia ou concomitante dos elementos que integram a situação de fato, enquanto interessam a seu ajuizamento jurídico. Ao inverso, ao destacar “preceitos jurídicos” cada vez mais amplos se influi por sua vez na determinaçãodas notas singulares, eventualmente relevantes, das situações de fato.... De acordo com nossa maneira atual de pensar, a tarefa da sistematização jurídica consiste em relacionar de tal sorte os preceitos obtidos mediante a análise que formem um conjunto de regras claro, coerente e, sobretudo, desprovido, em princípios, de lacunas, exigência que necessariamente implica que todos os fatos possíveis possam ser subsumidos sob alguma das normas do mesmo sistema, pois, do contrário, este careceria de sua garantia essencial....[31: WEBER, Max. Sociología del derecho. Edição e estudo preliminar de José Luis Monereo Pérez. Granada: Comares, 2001, p. 20-1. Nesse sentido, encontra-se a afirmação de que as leis devem ser aplicadas de modo “sistemático” ou de concretizar o “ordenamento”. Afirma-se nesse caminho que a identificação de tal sistema (ou ordenamento) justificaria a natureza científica do direito. Concebe Tercio Sampaio Ferraz Jr que se existir uma ciência da aplicação do direito, essa é uma atividade de sistematização das normas. (vd. FERRAZ JR, Tercio Sampaio. A ciência do direito. 2 ed., São Paulo: Atlas, 1980, p. 13-4).]
Nessa linha, o objeto da “ciência do direito” compreenderia todo o fenômeno jurídico, visando esclarecer o método jurídico e suas estruturas, a partir da descrição de suas formas, por meio do esclarecimento sobre como foram concretizados no ordenamento os mecanismos de criação do direito e o conteúdo que resulta da aplicação do mesmo. A percepção da existência da pluralidade de métodos (indutivo e dedutivo) possibilita a afirmação da necessidade de disciplina teórica a fim esclarecer qual é o melhor método para o desenvolvimento de dado ramo do conhecimento. Mais uma vez com Weber:[32: Paulo Dourado de Gusmão, por sua vez, define a ciência do direito como: “(...) conhecimentos, metodicamente coordenados, resultantes do estudo ordenado das normas jurídicas com o propósito de apreender o significado objetivo das mesmas e de construir o sistema jurídico, bem como de descobrir as suas raízes sociais e históricas” (GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 3.).]
... a Ciência do direito: esta se limita a constatar o quê pode considerar-se válido segundo as regras do pensamento jurídico, em parte estritamente lógica e em parte derivada de esquemas convencionais, isto é, se limita a constatar quando resultam vinculantes determinadas regras jurídicas e determinados métodos para sua interpretação. Mas não se pergunta se deve existir o direito ou devem estabelecer-se precisamente essas regras; só pode indicar que, se se quer conseguir tal o qual resultado, o meio mais adequado para obtê-lo, de acordo com as normas de nosso pensamento jurídico, é tal ou qual regra jurídica.[33: WEBER apud HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. Tomo I: racionalidad de la acción y racionalización social. Trad. Manuel Jiménez Redondo, 1a. ed, reimp., Madrid, Taurus, 1988, p. 326-8.]
Ao se perguntar a um jurista o que é um procedimento na perspectiva descritiva, ele responderá, é uma seqüência de atos com vistas a um fim pretendido. E isso é certo. Todavia, essa resposta não considera as questões que possam ter provocado a existência desse procedimento. 
À vista do exposto, se o conhecimento científico fosse explicado exclusivamente como aquele que resulta na descrição da verdade em bases da experiência, uma pesquisa não seria científica se não pudesse ser reduzida em fórmulas e diagramas. Nessa perspectiva, não seria científica uma pesquisa a respeito de um conceito jurídico, bem como um estudo sobre consciência de classe e as inovações legislativas no código de processo.
Em outras palavras, a perspectiva científica tradicional não considera a influência que a comunicação entre indivíduos opera nesse processo. Parece ignorar que, por mais autônoma que seja a consciência individual, esta é localizada em dado tempo e lugar, conhece de modo contextual.
Consoante a isso, a afirmação de que os “discursos” sociais estabelecem o sentido das coisas resultou na emancipação do modelo tradicional. Uma vez que o modelo de conhecimento contextual pautado na consciência individual foi substituído pela afirmação da origem comunicativa do conhecimento. Vale destacar, no século XX, Thomas Kuhn e Karl Popper afirmaram uma “mudança de paradigma” quanto ao pressuposto que resulta na certeza científica. Argumentaram que essa existe somente até que um novo experimento refute os resultados anteriores. 
Daí porque, concebe-se atualmente que os dados trabalhados pelos cientistas não são absolutos. Então é plausível afirmar que os resultados poderão variar conforme varie sua leitura. Pode-se citar como exemplo, o fato de que diariamente são divulgados resultados de pesquisas científicas contraditórios, uns afirmam que a exposição solar traz malefícios à saúde e outros trazem que o sol faz bem. Enfim, a suposta objetividade científica vê-se num emaranhado de cálculos estatísticos, balizados por dados selecionados pelos cientistas. Ou mais exatamente, pode-se afirmar que a metodologia científica, na busca de um sentido verdadeiro, dirige sua atenção à interpretação dos dados e essa é pautada, inclusive, pela subjetividade do cientista. [34: Thomas Kuhn demonstrou que há certo dogmatismo internalizado mesmo no trabalho das ciências naturais e este é compartilhado como um paradigma (URBINA, S. What is Legal Philosophy. Ratio Júris, v. 18, n. 2, jun. 2005, p. 155). Popper, por sua vez, afirmou que a validade das teoria científica não decorre da comprovação, mas sim do fato de não ter sido objetivamente refutada (POPPER, K. R. A sociedade aberta e seus inimigos.).]
Desses comentários, é possível afirmar que, o que caracteriza um conhecimento como científico em geral não pode ser somente a obtenção de uma explicação para os fenômenos. Uma “explicação” da realidade também surge da filosofia. Mas, que um cientista quando explica a realidade opera a partir de um método característico de afirmação da “verdade”. Por exemplo, considera-se como científico um conhecimento que, com base no princípio de que toda causa produz um efeito, resulta de um estudo sobre um objeto claramente definido e cujas conclusões, por partirem de fatos observáveis por todos, torna possível a dedução (ou indução) da resposta verdadeira.
Assim, mesmo uma pesquisa sobre as relações sociais desenvolvida pelos sociólogos pode ser científica. Isso quando adotar um método de observação que explicado através da experiência permita a reprodução da observação e a “verdade” da resposta. Mas, certamente não há como conferir aos resultados obtidos pela sociologia o mesmo grau de confiabilidade das chamadas ciências exatas.[35: Sobre o aspecto cognitivo da determinação do conteúdo do direito, Kant favorece uma importante distinção entre o sentido de “verdade” metafísico e epistêmico. Para a verdade metafísica, um enunciado é verdadeiro se existe um objeto no mundo com propriedades correspondentes à sua descrição pelo enunciado em questão. Dessa definição decorre: 1) que no sentido metafísico só podem ser objetivos os enunciados de tipo descritivo; 2) a objetividade metafísica admite a teoria da verdade como correspondência (identidade). A objetividade metafísica é uma tese “sobre o mundo” e coincide com o realismo metafísico. Nesse particular, o realismo metafísico não obriga afirmar que seja possível conhecer objetivamente a realidade. Vislumbra a existência da realidade e, ao mesmo tempo, pode afirmar que tal não pode ser conhecida. A verdade epistêmica, por sua vez, é uma tese sobre “o conhecimento do mundo”. Assim sendo, afirma que a verdade sobre um dado objeto representa um artifício de um processo, potencialmente infinito, de progressiva abstração e distanciamento das convicções pessoais. Pode-se classificar a objetividade epistêmica em forte e fraca. Um discurso é objetivo no sentido forte quando for independente do mundo interior ou das crenças subjetivas de quem o enuncia e, sobretudo,se pretender constituir o espelho da “natureza das coisas”, da “realidade em si”. Então, a objetividade ética em sentido forte sustenta que: a) pode-se predizer a verdade ou falsidade de enunciados que incluem avaliações e considerações morais; b) as regras do raciocínio moral constituem método confiável que permite atingir ou aumentar o conhecimento moral. A perspectiva fraca, de outra sorte, afirma que apesar da verdade ser definida pela correspondência, essa pode não ser conhecida (ceticismo epistêmico). Logo, pode-se obter a verdade do discurso pelo compartilhamento do sentido em uma dada comunidade lingüística a partir de um procedimento de discurso, mas sem exigir a correspondência com uma realidade independente da atividade cognitiva; vd. SCHIAVELLO, Aldo. Positivismo jurídico e relevância metaética. In. DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto. Teoria do direito neoconstitucional. São Paulo: Método, 2008, pp. 67-8.]
Outrossim, formulada uma noção de ciência, há de se distinguir duas situações: o estudo do direito e a produção e aplicação do mesmo. De um lado, se o resultado da pesquisa jurídica é sempre uma descrição da realidade presenciada no trabalho legislativo e das decisões dos tribunais e considerando-se que os juristas formulam suas conclusões sobre um dado já interpretado (por exemplo, a lei conforme sua aplicação corrente), pode-se considerar que esse estudo seja desenvolvido em bases científicas.
De outro, não há como ignorar que o trabalho de produção do direito pelos órgãos legislativos e de aplicação do direito pelos órgãos judiciários apresenta resultados que, em muitos casos, não são compatíveis com o descrito nos manuais utilizados nos cursos de direito. Isso porque a produção e aplicação do direito não se dão a partir de um objeto (norma) que reflita a realidade de modo exato. Do reconhecimento de que a produção e aplicação do direito não são exercitadas por meio de fórmulas precisas extrai-se que o ensinado nos cursos de direito pode discrepar do vivenciado nos órgãos legislativos e judiciários.[36: Como será melhor desenvolvido no decorrer do curso, normas são compostas por comandos gerais e abstratos que devem ser concretizados à luz do caso concreto, de casos específicos. ]
Nessa ordem de idéias, parece paradoxal que, os agentes políticos e judiciários, ainda quando interpretem de modo divergente as regras do direito, acreditem “realizar” o direito. Professores, juízes, advogados e promotores buscam encontrar um sentido “verdadeiro” da norma jurídica. A despeito disso, as decisões diferentes para casos similares continuam a replicarem-se. O trabalho jurídico, então, desenvolve um método de interpretação próprio. O qual busca a interpretação “correta” da lei para a situação concreta, em vez da interpretação “verdadeira” ou “eficaz”.
Por conseguinte se, os enunciados científicos são descritivos, ou seja, refletem uma verdade objetivamente comprovada. As normas jurídicas contêm um comando cujo sentido depende de argumentos interpretativos, os quais não possuem um sentido “verdadeiro”. Até porque, o sentido das palavras na comunicação ordinária é plurivocal, e não unívoco. A captação da norma na sua situação concreta torna a ciência jurídica uma ciência “interpretativa”. A ciência do direito tem, neste sentido, por tarefa de estabelecer argumentos a partir dos quais a interpretação possa ser desenvolvida. 
Afinal, existe um sistema de aplicação das normas? Se sim, qual é a sua natureza? Os juízes consideram os fatos a partir das provas apresentadas e julgam conforme o direito. Não causa espanto a afirmação de que os julgamentos variem de caso para caso. Mas como explicar que os julgamentos variem para casos similares? Tal situação, para àqueles que enxergam na norma jurídica um comando que expressa uma única verdade, é absurda. Seria originada em um erro judiciário a ser corrigido em grau de recurso.[37: Inclusive, uma das principais correntes jurídicas afirma a existência de “princípios” enquanto modalidade de normas e, a partir dessa afirmação, a aplicação das regras jurídicas não poderia ser explicada exclusivamente a partir de enunciados descritivos. Pode-se afirmar que embora o estudo do direito se desenvolva em bases científicas e com auxílio de várias ciências. A produção e aplicação do mesmo se dão a partir da prática comunicativa, não observam as categorias do método científico tradicional nem do método filosófico, mas se aproveita da contribuição de ambos; vd. HART, Herbert. O conceito do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008; DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.]
As particularidades do método jurídico serão retomadas em outro momento do curso, quando do estudo da hermenêutica. Por ora é conveniente fixar que, as normas jurídicas representam um conhecimento produzido pela sociedade e manifestado pelo Estado cujo conteúdo só é revelado à luz do caso concreto. A explicação apresentada até aqui, já permite afirmar que o direito positivo não é criado ao acaso, nem suas normas encontram-se dispersas, ao contrário, um nexo as une e coordena em direção a um fim comum, transformando-as em um todo de proteção a certos princípios reconhecidos pela lei.
Por ora, responda à mão e entregue digitalizada em formato PDF no ambiente Plano de Trabalho do EUREKA:
Quais as perspectivas de estudo da “Teoria Geral do Direito”?
Diferencie a “Teoria Geral do Direito” da “Teoria do Direito”.
Quais são os enfoques de estudo da teoria do direito?
É possível falar de uma ciência do direito? Explique.
Para saber mais:
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2002.
________. El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2 ed. Barcelona: Gedisa, 2004
ARIZA, Santiago Sastre. Algunas consideraciones sobre la ciencia jurídica. Doxa [Revista de Filosofia]. http://publicaciones.ua.es/LibrosPDF/0214-8676-24/22.pdf
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Apres. Tercio Sampaio Ferraz Jr. Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Rev. Cláudio De Cicco. 6 ed. Brasília: UnB, 1995.
________. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru: Edipro, 2001.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 12a. ed., São Paulo: Ática, 1999.
COSTA, Fausto. El delito y la pena en la historia de la filosofía. Trad. Mariano Ruiz-Funes. Cidade do México: Uteha, 1953.
DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto. Teoria do direito neoconstitucional. São Paulo: Método, 2008.
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito. 2 ed., São Paulo: Atlas, 1980.
________. Introdução ao Estudo do direito. 2 ed., São Paulo: Atlas, 1994.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 28 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: Entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, 2 v.
KANT, I. Lógica. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992.
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 4a. ed. anot. e atual. por Ovídio R.B. Sandoval. São Paulo: RT, 1997. 2 v.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de direito. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
________. Fontes e modelos do direito: Para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994.
URBINA, Sebastián. What is legal philosophy? Ratio Juris [Revista de teoria geral do direito], v. 18 n. 2 June 2005, pp. 144–61.

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