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Módulo 8 Filosofia UNIP

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10/12/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos.
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Neste último módulo da disciplina Filosofia do Direito trataremos de vários assuntos que são essenciais para a formação humanística do
acadêmico do curso de Direito do século XXI.
Vamos principiar o nosso estudo pelas considerações a respeito da Filosofia do Direito como Epistemologia Jurídica, notadamente no
que tange à concepção desenvolvida por Hans Kelsen.
Hans Kelsen radicaliza toda uma guinada positivista que vinha sendo realizada desde o século XIX, na medida em que tenta separar do
Direito Positivo aspectos que lhe são estranhos, como o Direito Natural.
Desde a antiguidade, podemos identificar juristas que se dedicam ao estudo do Direito Positivo, aos comentários das leis então vigentes,
como os próprios romanos ou os glosadores da Idade Média. Entretanto, somente após o surgimento do positivismo filosófico de Augusto
Comte (1798-1857), o positivismo jurídico chega à reformulação do próprio conceito de Direito, retirando desse todo resquício metafísico,
opondo-se assim às concepções jusnaturalistas, sejam elas de base natural, divina ou racional, que desde os primórdios serviram para a
definição do Direito.
A partir de então, o Direito é identificado à lei, não havendo nada acima dele que funcione como parâmetro de aferição de sua justeza. Na
Filosofia positiva de Comte, o conhecimento – que seria o positivo, em oposição aos históricos estados teológico e metafísico –
caracterizar-se-ia pela elaboração de leis, tendo em vista a regularidade dos fenômenos. A busca de tais leis, mais especificamente, das leis
naturais, seria feita pela observação, abdicando-se de qualquer pergunta por uma causa última. O espírito, num longo retrocesso, detém-se
por fim perante as coisas.
Kelsen transpõe o método das ciências naturais para a análise do Direito, acreditando ser tal metodologia indispensável para se alcançar a
objetividade que o conhecimento científico do fenômeno jurídico, em seu entender, requereria. Nesse sentido, já no prefácio à primeira
edição da Teoria Pura do Direito, obra que sintetiza todo o pensamento do citado jurista, ele assim se pronunciou sobre ela:
Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica pura, isto é, purificada de toda a
ideologia política e de todos os elementos de ciência natural, uma teoria jurídica consciente da sua
especificidade, consciente da legalidade específica do seu objeto. Logo desde o começo foi meu intento
elevar a jurisprudência, que – aberta ou veladamente – se esgotava quase por completo em raciocínios de
política jurídica, à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. Importava explicar, não as
suas tendências endereçadas à formação do Direito, mas as suas tendências exclusivamente dirigidas ao
conhecimento do Direito, e aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda a ciência:
objetividade e exatidão.[1]
Demonstrado o conceito de ciência de que parte Kelsen resta resgatarmos fragmentos de sua teoria, para que assim possamos, a partir de
dentro, realizar uma análise do alcance do pensamento positivista, bem como do impasse em que este sempre recai.
Falamos anteriormente sobre a negativa kelseniana de realizar juízos valorativos sobre as normas jurídicas. No entanto, tal postura nada
mais representa do que o método utilizado por Kelsen para estudar o seu objeto, pois pretende conhecer o fenômeno jurídico em sua
“pureza”, esvaziado de qualquer elemento externo, como aspectos sociológicos, psicológicos, políticos ou éticos que estejam a ele
conectados.[2]
Para assim proceder, o autor define o objeto da ciência jurídica – a norma – e o faz distinguindo o Direito da natureza, o mundo do dever-
ser, do mundo do ser [3]. A estrutura da norma seria: Se A, deve ser B. Se alguém comete um crime, matando ou roubando, por exemplo,
deve ser-lhe aplicada uma sanção. Entretanto, a frustração de tal expectativa punitiva, dentro de certos parâmetros, não faz com que o
Direito perca sua normatividade.
Miguel Reale identifica com propriedade a influência de Kant sobre Hans Kelsen: “Há, em toda sua obra, as ideias fundamentais, de fonte
kantista, de que ‘o conhecimento científico não pode ir além do dualismo de natureza e espírito, de realidade e valor, de ‘ser’ e ‘dever-ser’;
que ‘não é possível deduzir um valor da simples verificação de um fato, ainda quando frequente e normal.[4]
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Apesar de Kelsen afirmar que a validade, a existência de uma norma independe de sua eficácia, pois admitir o contrário seria reduzir o
Direito, o dever-ser, ao ser, o próprio autor admite que um mínimo de eficácia é essencial para a própria validade das normas jurídicas, o
que representa uma ruptura de seu pressuposto epistemológico, na medida em que a “pureza” do Direito é relativizada pela introdução
dessa dimensão sociológica.[5]
Kelsen considera a norma jurídica como um esquema de interpretação do mundo, pois, partindo da distinção entre os dois mundos, ser e
dever-ser, afirma que o que interessa ao jurista não são os fatos, mas a significação jurídica a eles atribuída. Por exemplo, a morte de uma
pessoa, um fato natural, pode ter relevância jurídica quando, por exemplo, o falecido deixa bens, devendo então ser aberta sua sucessão,
legítima ou testamentária.
Entendemos então por que milhões de mortes de combatentes inimigos em uma guerra podem criar heróis e gerar condecorações, enquanto
matar uma única pessoa pode privar o autor de sua liberdade para exigir de alguém qualquer soma em dinheiro.
Esse exemplo ilustra o sistema escalonado de normas tal como desenvolvido por Kelsen, pois este considera que a validade de uma norma,
ou seja, seu sentido objetivo, decorre de outra hierarquicamente superior, e assim sucessivamente, até se chegar à Constituição.
O ato criador da Constituição, por seu turno, tem sentido normativo, não só subjetiva como objetivamente, desde que se pressuponha que
nos devemos conduzir como o autor da Constituição preceitua. Assim, para garantir o respeito à própria Constituição – na medida em que
não se reconhece nenhuma norma positiva, posta, acima dela, apta a dar competência a seus autores, a dar sentido objetivo às normas por
estes elaboradas –, Kelsen criou a norma fundamental, uma pressuposição lógico-transcendental, utilizando aqui, por analogia, um
conceito da teoria do conhecimento de Kant, uma norma que, em última instância, conferiria validade a todo o ordenamento jurídico, ao
estabelecer o caráter vinculante da Constituição.
Se toda norma adquire validade a partir de uma norma superior, de onde adviria a validade da Constituição? Como solucionar o paradoxo
de ser a Constituição o fundamento de validade das demais normas e não possuir, ela mesma, fundamento? Como “solucionar” essas
questões sem romper com sua opção metodológica, isto é, sem recorrer a elementos externos ao Direito para justificá-lo, como à natureza
ou a Deus?
A função do Direito, para Kelsen, é somente descrever as normas jurídicas existentes em determinada ordem jurídico-política, sem realizar
qualquer juízo de valor sobre ela. Nesse sentido, sua função difere da atividade de criação do Direito atribuída aos órgãos jurídicos, como
o legislador, que elabora normas gerais e abstratas, ou ao juiz, que aplica o Direito a um caso concreto, estabelecendo uma norma
individual.
Entretanto, o próprio Kelsen deu uma guinada decisiva na segunda edição da Teoria Pura do Direito, de 1960, quando admitiu que o juiz
poderia decidir um caso sem adotar qualquer das interpretações disponíveis na moldura elaborada pelo Direito e, a partir de então, a única
coisa que vincularia o aplicador seria uma norma de competência, ou seja, uma norma superior que lhe desse poderpara decidir a
controvérsia jurídica a ele encaminhada para julgamento.
Nessa perspectiva, Kelsen acaba se aproximando do realismo jurídico, ao afirmar que o juiz cria direito, ou seja, que o Direito pode ser
construído na situação de aplicação, desprezando-se, de certa forma, a própria atividade legislativa.
Feito esse resgate de algumas passagens da obra kelseniana, resta perguntar-nos sobre o alcance do positivismo em sua teoria.
De fato, a tarefa do Direito foi pensada a partir de uma concepção de ciência advinda do positivismo filosófico, segundo a qual o
conhecimento deriva da observação dos fatos. Assim, ao Direito caberia somente descrever as normas jurídicas existentes, elaborando
proposições que funcionariam tal como as leis naturais.
Entretanto, em alguns momentos, a teoria de Kelsen afasta-se dessa base empírica requerida pelo positivismo, pois, além de recorrer a um
pressuposto lógico-transcendental para tornar coerente sua teoria, no caso, a mencionada norma fundamental, todo o empenho do autor
para construir uma ciência jurídica autônoma, livre de elementos externos, donde a sua “pureza”, relaciona-se com a indagação sobre as
condições de possibilidade do próprio conhecimento científico do fenômeno jurídico, condições essas que configuram um conhecimento a
priori, já que não passível de demonstração experimental. A Teoria Pura do Direito se propõe, assim, a ser uma crítica do conhecimento
jurídico, mas uma crítica do conhecimento que já parte de uma concepção pré-definida do que seja o conhecimento científico do Direito
[6].
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Nessa linha, antes de descrever a realidade do fenômeno jurídico, a ciência do Direito, no caso a Teoria Pura do Direito, deve partir de um
conhecimento prévio do objeto de análise, por isso é essencial à definição de Direito positivo, como direito criado, em oposição às
concepções jusnaturalistas de Direito, ou, mais especificamente, à definição de norma jurídica.
Na verdade, toda observação da “realidade” pressupõe uma escolha teórica prévia, em outras palavras, todo realismo epistemológico é
sempre enfraquecido na medida em que invariavelmente adentra o espaço virtual. Lembrando-nos de Sócrates, em toda pergunta está
latente uma resposta. Assim, concordamos com Michel Miaille, ao afirmar que nenhum cientista vai ao encontro da realidade que quer
explicar sem “informação”, sem formação. Assim, podemos dizer que não se descobre senão aquilo que se estava pronto intelectualmente
para descobrir.
Portanto, essa implicação entre o ponto de partida de uma descrição científica, o recorte que necessariamente sempre se faz e o próprio
conhecimento daí advindo nada mais revela do que o retorno do sujeito, recalcado nas teorias – como sendo as de base positivista - que
pretendem uma suposta neutralidade científica, acreditando ser ainda possível um conhecimento desinteressado.
Na perspectiva do conhecimento jurídico, Kelsen faz uma analogia entre leis naturais e proposições jurídicas, entendendo que as normas
podem ser descritas como os fatos, por meio da observação empírica. Admite que a complexidade do Direito moderno é incapaz de ser
apreendida e traduzida em leis, ressaltando, assim, a abertura interpretativa do Direito para situações futuras, porém, ele o fez a custo de,
implicitamente, negar seus pressupostos epistemológicos, ao afirmar que o dever-ser, descrito pelo Direito, seria substituído pelo ser, pela
decisão do aplicador.
O único problema é não podermos entender essa tessitura aberta do Direito como uma questão de simples escolha do magistrado na
situação concreta ou como discricionariedade. Se assim o fizéssemos, não teríamos como justificar que os cidadãos devem obediência às
leis, pois, se nem mesmo os aplicadores oficiais o devem, por que eles seriam diferentes?
Dessa forma, a obra de Kelsen foi importante para delimitar o âmbito da ciência jurídica, que Kant já havia tentado. Apesar de Kant ter
pretendido conferir independência à ciência do Direito, separando Direito e moral, ao se preocupar com questões de justiça, o filósofo em
questão acaba por retornar ao Direito natural, ou seja, introduz no Direito aspectos que lhe são estranhos, aspectos estes que tornam
implausível sua autonomia.[7]
Afonso (1984) questiona até que ponto Kelsen pode ser considerado como positivista. Questiona a concepção subjacente da ciência
pertencente ao pensamento de Kelsen, mais especificamente, a influência do positivismo filosófico sobre a definição do seu objeto de
estudo, refletiu sobre a atribuição à Lei de uma tarefa simplesmente descritiva, como se todo o conhecimento fosse apenas uma verificação
de uma realidade que existiria por si só. Para Afonso, a própria teoria elaborada por Kelsen mitiga sua opção epistemológica, uma vez que
o seu argumento chega ao campo virtual, admitindo pressupostos que não sejam devidos à experiência.
Em seu pensamento, Kelsen apresenta limites para a compreensão do Direito moderno, na medida em que tende a um puro formalismo,
abrindo espaço para que se atribua qualquer conteúdo às normas jurídicas, o que o levou a considerar como juridicamente aceitável a
experiência nazista. Em outra perspectiva, partindo da virada hermenêutico-pragmática, com autores como Gadamer e Habermas,
podemos compreender a importância do contexto para a própria atribuição de sentido às normas jurídicas.
Nesse entendimento, questiona-se a utilização de métodos das ciências naturais para o trabalho das ciências do espírito, mais
especificamente a pretensão de objetividade típica das ciências naturais, pois a concepção de uma ciência neutra foi problematizada,
inclusive pelas disciplinas que lidam com os fenômenos da natureza, como a Física, ao enunciar, por exemplo, que as propriedades da luz
dependem do modo como ela é observada. Assim, têm de ser abandonadas posturas unilaterais, como a de Kelsen, que privilegia a forma,
ou, por exemplo, a de Carl Schmitt, que, contrariamente, despreza a Constituição escrita, considerando-a como “ideal”, dando preferência
ao conteúdo, às decisões políticas fundamentais de um povo, para se reconhecer a necessária complementariedade entre texto e contexto,
ideal e real, global e local, enfim, entre forma e matéria. [8]
Feitas as considerações necessárias a respeito da Filosofia do Direito como Epistemologia Jurídica vamos agora tratar da Filosofia do
Direito na perspectiva da Ética, ou, se preferirem, da Filosofia do Direito como Ética[9], tecendo algumas considerações sobre as
concepções desenvolvidas por Miguel Reale.
A meditação ética de Miguel Reale trata as ideias morais como parte de uma teoria dos objetos da consciência. Com ela supera o
entendimento tradicional de que a realidade pode ser tratada unicamente através de objetos naturais e ideais, os primeiros estudados pelas
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ciências e, os demais, compreendendo o todo da criação humana.
Essa subdivisão revelou-se insuficiente para as ciências humanas e sociais. O Direito. Miguel Reale reconhece a existência de objetos
ligados aos valores. Sua teoria pode ser assim resumida: quando olhamos o mundo, nossa consciência o organiza em setores. Há três
setores na realidade e não apenas dois conforme haviam ensinado os empiristas e a maioria dos lógicos modernos. “O primeiro é formado
pelos objetos naturais, aqueles que aparecem submetidos às categorias do espaço e tempo e são estudados. O outro é campo de indagação
da lógica ou matemática e configura a existência dos objetos ideais cuja validade não depende de comprovação empírica, mas cuja
existência depende de ideias que não estão no espaço e tempo” (p. 98). Os objetos de nossa consciência não são apenas estes, há os
relativos aos valores. Estaé a grande novidade das meditações de Miguel Reale sobre moral: a existência de um terceiro segmento diverso
dos anteriores, formado pelos objetos culturais. O que caracteriza tais objetos é que eles são enquanto devem ser, isto é, possuem uma
forma de existência singular e diferente dos anteriores.
A caracterização dos valores é a principal contribuição do filósofo em matéria moral. Para ele, os valores nascem na história e são
reconhecidos pela sociedade nas filosofias, religiões, Direito, etc. Inseridos na cultura adquirem validade universal e podem guiar a vida
das pessoas. Tal explicação da gênese dos valores configura o que ele denominou de historicismo axiológico. O fundamental em sua
caracterização dos valores é a bipolaridade. Bipolaridade é a dupla implicação presente no valor, por exemplo, quando se pensa algo que é
correto, leva-se em conta o que é incorreto, não se pode pensar o que é lícito sem tratar do ilícito. Pensados aos pares, os valores se
implicam mutuamente, podendo-se atribuir ao lado da polaridade essa outra característica, a implicação. Há ainda outras características
nos valores: a referibilidade, pois o valor se refere a um sujeito; a preferibilidade, porque eles se mostram numa ordem hierárquica. O valor
é, ainda, objetivo, histórico e inexaurível. Olhado em si mesmo o valor constitui um tipo singular de objeto. Para Reale, há entes como a
justiça que só podem ser conhecidos de forma adequada por juízos axiológicos e, finalmente, ele mostra que há correlação entre valor e
ação. Em resumo, o valor não é um ser, ele vale; não é espacial, mas é temporal e não se resume aos objetos ideais. O valor existe nas
coisas, nos seres valiosos e se situa na ordem do dever ser. Não é um fato, mas é reconhecido na avaliação dos fatos.
No mundo ocidental, o principal valor é a pessoa humana. Há valores que mudam por conta das exigências históricas, mas a pessoa
humana é o valor central e permanece intacto desde a origem da cultura ocidental na Idade Média. O homem enquanto fonte de valor é
pessoa e como pessoa dá significação a nossa cultura. Por que motivo a pessoa é o valor fundamental ou fonte? Por que os demais valores
dependem dele? A pessoa humana conhece as razões da sua ação e pode escolher o rumo da vida guiando-se pelos valores. A liberdade de
escolha tem os valores por referência e ajuda a estabelecer limites para a vida. Assim, é possível pensar um sentido para a vida, inserindo a
existência singular numa cultura. Mesmo sendo indivíduos, há algo que aproxima os homens: a sua dignidade. Reale afirma que o homem
de hoje é chamado a superar as desigualdades perante as leis, as diferenças nas oportunidades de estudo e de trabalho, cabe a nosso tempo
construir uma sociedade democrática.
Como exemplo de valor contemporâneo Reale destaca a democracia liberal. A vida coletiva numa sociedade complexa e plural como a
nossa precisa ser vivida num clima de aceitação das diferenças, balizada por certezas éticas e estado de direito. Outro exemplo de valor
contemporâneo é o ecológico. Ele representa uma nova atitude diante da natureza, um compromisso com as condições que preservam a
vida. Os valores quando merecem reconhecimento moral e legal se universalizam ou tornam-se invariantes axiológicos, isto é, adquirem
perenidade.
Em poucas palavras, a legitimidade da ação do jurista. É impossível considerar a Filosofia do Direito de Miguel Reale sem conhecer as
relações entre a Ética e o Direito. Não é possível romper os laços que ligam uma ao outro. Esta é uma conclusão fundamental: o Direito e a
Moral mantêm vínculos com a Filosofia, herança de Tobias Barreto e da Escola de Heidelberg. Miguel Reale entende que o imperativo
ético deve ser tomado como algo que obriga a pessoa a agir por força de sua escolha íntima. Por isto, não se deve desconsiderar a intenção
do agente na ação moral que pode não conseguir cumprir o ordenado, mesmo quando tinha a intenção de fazê-lo. Por sua vez, o Direito é a
lei que regulamenta e controla a vida social, funcionando como uma espécie de consciência coletiva.
A independência da vontade do cidadão no cumprimento da lei não é necessária no Direito, é apenas desejável. No Direito, nem sempre a
pessoa cumpre a lei porque sua consciência a considera correta, mas porque é obrigado. Na moral, a heteronomia da vontade é impossível
como ensinou Emmanuel Kant uma escolha moral é livre apenas se feita por respeito à lei moral reconhecida autonomamente na
consciência.
Para Reale, o fundamental nas escolhas são os valores religiosos, morais, estéticos, econômicos e outros que guiam as pessoas. Para aplicar
uma regra jurídica, avalia Reale, é necessário considerar não só o que estabelece a lei, mas também a intenção do sujeito. A análise do ato
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jurídico mostra que ele é uno e íntegro. Há nele uma face exterior e uma interior que inclui os motivos da pessoa. Eis como as duas
disciplinas se intercruzam: a Ética avalia a relação entre a intenção e o princípio moral, o Direito examina a relação entre intenção, ato e
norma jurídica. Quanto ao uso da coerção, ela não faz sentido na Ética, cujas leis devem ser acatadas livremente, mas é comum na vida
social e no Direito. Trata-se de recurso final quando os aspectos éticos perderam a capacidade.
Para Miguel Reale, o núcleo central da filosofia jurídica é o tridimensionalismo, teoria que ele comentou em diversas oportunidades e
desenvolveu no livro Filosofia do Direito. Na edição de 1978, ele afirma que no Direito “fato, valor e norma se dialetizam, (...) segundo a
dialética de complementaridade” (p. 49). Reale espera, com sua teoria, superar, no âmbito da experiência jurídica, o exame separado de
norma, fato social e valor.
A compreensão tridimensional do Direito sugere que uma norma possui validade objetiva integrando os fatos nos valores aceitos pela
sociedade num determinado período da história. No momento de interpretar a norma é necessário compreendê-la em função dos fatos que
a criaram e dos valores que a guiam. A conclusão é que o Direito é norma e, ao mesmo tempo, uma situação normatizada, no sentido de
que a regra do Direito não pode ser compreendida apenas em razão de seus enlaces formais. No tridimensionalismo formulado por Miguel
Reale não basta aproximar norma, valor e fato. Se fosse apenas isso não haveria novidade. O que há de inovador na proposta de Reale é
tratar fato, valor e norma como integrantes de um processo histórico unificado, conforme ele detalhou no livro Fundamentos do Direito.
O vínculo entre Justiça e Direito, por sua vez, somente será tratado da forma correta à luz dos ensinamentos da História. Não lhe parece
possível entender a relação entre eles sem examinar o modo de vida das antigas sociedades e a forma como o problema foi tratado ao
longo do tempo. Isolados do meio em que existiram, conceitos como equidade, isonomia, proporcionalidade, reciprocidade, equivalência e
objetividade contribuem pouco para esclarecer a noção de justiça. Mesmo os conceitos clássicos, como o são os de justiça comutativa e
distributiva formulados por Aristóteles, ficam imprecisos quando perdem a referência histórica. As leis de um povo não podem ser
compreendidas fora da relação que o código.
O seu conteúdo é constituído por regras jurídicas que regulamentam a conduta, explicitando o que é ou não aceitável em um determinado
momento. No livro Fontes e modelos do Direito, edição de 2003, nosso filósofo trata as fontes do Direito como sendo estruturas
normativas que implicam a existência de alguém dotado do poder para decidir sobre o seu conteúdo. Esse poder consolidado deve optar
entre as várias possibilidades de julgar um fato, escolhendo aquela que é indicada como obrigatória para realizar o julgamento. Sem esse
poder de decidir não se pode propriamente falar de fonte do Direito. O objeto de escolhapossível, deve-se esclarecer, são as normas ou
cláusulas normativas que integram o ordenamento jurídico de um país. Essa é a posição mais comumente aceita, lembrando-se que esta
forma de entender está amarrada à tradição neokantiana. Não é a única forma de ver o problema, há filósofos que consideram que temos
fontes de Direito independentes das normas estabelecidas, obedecendo a causas naturais ou outros indicadores sociais. Desse modo, o
problema das fontes de Direito possui um aspecto metajurídico que obriga a enfrentar questões como as que envolvem as condições e
pressupostos que devem ser satisfeitos quando falamos de Direito. Na quase totalidade dos países modernos, a fonte primordial do Direito
é a Lei que brota do processo legislativo nas casas eleitas pela sociedade para este fim.
Miguel Reale considera fundamental tratar a vida do homem e suas realizações, nelas incluído o Direito, como realidade cultural. A pessoa
humana, com todas as luzes que a Ciência, a Filosofia e as Religiões sobre ela lançaram no correr do tempo é o maior de todos os valores e
núcleo da vida cultural e do Direito. A produção das riquezas, a preservação da natureza, a melhora das condições de vida, os mecanismos
de preservação da liberdade, a ampliação do conhecimento humano equilíbrio da subjetividade profunda, a garantia da justiça e o estado de
direito, que são realizações fundamentais da nossa cultura são assuntos que encontram na pessoa humana o travamento lógico e axiológico.
A ideia de pessoa humana constitui o eixo nuclear do historicismo axiológico de Miguel Reale e é o valor último da teoria tridimensional
do Direito. Sem o adequado entendimento da sua filosofia da cultura, as teses jurídicas de Reale não ficam suficientemente fundamentadas
ou esclarecidas. O tridimensionalismo jurídico interpretado como fenômeno histórico-cultural é importante legado do pensador para tratar
das fontes dos Códigos legais e é uma contribuição fundamental da inteligência brasileira para a ciência do Direito e de seus fundamentos.
Agora, vamos tratar da Filosofia do Direito na perspectiva da Teoria da Justiça[10].
Platão e Aristóteles representam a base da ideia de justiça no mundo ocidental, de maneira que podemos encontrar ali o direito como
mecanismo social responsável por um tipo específico de ajustamento das relações sociais e políticas. Cada um, no entanto, teve a sua
peculiaridade.
Assim, vamos considerar, primeiramente, as concepções de Platão, notadamente no que diz respeito à Justiça e ao Direito.
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A condenação de Sócrates, acusado de corromper a juventude, representaria na visão de Platão, portanto, a tradução de uma cidade
corrompida pelos seus governantes e, portanto, pela política vigente. Então Platão indaga como pode o filósofo, o grande conhecedor das
virtudes existentes, viver nessa cidade corrompida? A resposta passa pelo caminho que leva a entrada deste filósofo na governança dessa
cidade. A concepção de justiça para Platão começa exatamente na crítica que ele formula em relação à espécie de “justiça” (leia-se
injustiça) vigente na polis, haja vista suas regras terem condenado o maior de todos os mestres. A missão do homem político ideal, nesse
sentido, seria a descoberta do justo, que estaria associado à ideia do bem para a polis grega, e acessoriamente também das leis ideais.
Começa aí a trajetória da construção de uma teoria da justiça em Platão. A justiça seria a virtude que atribui a cada um a sua parte, mas
esse senso de justiça seria exercido tanto no interior do homem como no seio da cidade-estado, na qual os homens se relacionam. Ou seja,
o justo se manifestaria em dois planos. No interior do indivíduo, estaria atrelada a submissão dos instintos à razão; e na polis, estaria
adequada à ordenação de cada um em sua melhor função, ou seja, marcada pela sistematização entre as classes laboriosas, como os
artesãos (dedicados à produção de bens materiais), os guerreiros (soldados encarregados de defender a cidade), e os filósofos (guardiões
incumbidos de zelar pela observância das leis e promotores principais da justiça idealizada). Dentre esses últimos, deveria ser escolhido o
melhor indivíduo para governar a cidade, o rei-filósofo. Com isso, a cidade ideal se apoiaria numa divisão racional do trabalho, em que
cada um exerceria uma função específica conforme sua competência. Como resultado dessa repartição de tarefas, a desigualdade entre os
homens está presente em sua teoria da justiça, para a qual a igualdade não era sua preocupação. O importante para Platão seria a
construção do bem comum a partir de uma repartição adequada de funções, conforme a qualidade de cada tipo de homem e segundo a
dotação de sua natureza. Nisto estaria a justiça da cidade: que cada um fizesse a sua parte visando o benefício geral da República
(PIETTRE, 1989). Será algo diferente de Aristóteles, que pensará a justiça como parelha a uma suposta igualdade proporcional; mas
próximo de Hobbes, que conceberá a justiça independentemente da igualdade entre os homens, tendo em vista que a importância da justiça
estará no respeito ao pacto social.
É resultado dessa concepção de justiça platônica as fontes a partir das quais o direito poderá ser pensado nesse autor. Da sua teoria da
justiça tem-se o desenvolvimento de uma concepção de direito enquanto reguladora das relações sociais, até porque aqui o conhecimento
do justo se aproxima muito da concepção de direito. Em primeiro lugar, as fontes do direito concernem ao conhecimento do justo, logo o
papel do jurista não consiste apenas em aplicar ou estudar as leis existentes, escritas pelo Estado, mas extrapola essas funções. Essa
opinião é fruto da sua rejeição em relação a definição do positivismo jurídico segundo o qual o direito seria o conjunto das regras positivas
estabelecidas pelo Estado. Na sua definição, a tarefa do direito seria alcançar o bem, que aqui se coaduna com a interpretação de justiça.
Ao mesmo tempo, o direito não teria a finalidade de levar a ordem e a segurança, tal como em Hobbes, numa solução que nos remeteria ao
positivismo jurídico, mas de ajudar na promoção do bem comum. Eis uma primeira diferença considerável que podemos detectar na
contraposição entre Platão e Hobbes.
Platão define que a tarefa do jurista é a de buscar o justo, algo impossível de ser descoberto por qualquer sujeito. Somente aqueles
capacitados a conhecer o mundo das Ideias e do inteligível seriam capazes de conhecê-lo. Não obstante, o processo de descoberta das leis
justas se mostra bastante complexo em sua obra, pois seria ao longo de uma longa ascese purificadora, que, apaixonado pelo mundo das
ideias, o filósofo descobriria as leis.
O ordenamento jurídico platônico deveria corresponder a leis não positivadas, cuja aplicação dependesse de pessoas conhecedoras de sua
sapiência, como os filósofos, assim como o direito deveria emanar deles. Mas como isso seria inviável na prática, Platão acabou
posteriormente a reconhecer a necessidade da obediência das leis feitas pelos filósofos, de certa forma leis positivadas, pois não se poderia
garantir que estes estariam sempre presentes na governança da cidade (Villey, op.cit.).
Feitas essas considerações a respeito da filosofia desenvolvida por Platão com relação à Justiça e ao Direito vamos tratar agora das
concepções de Aristóteles.
Em Platão, vimos o direito – resultado da busca por um ideal de justiça – como uma noção muito ampla; era um direito não diferenciado
da moral, por exemplo. Já em Aristóteles percebe-se uma melhor separação dos conceitos de justiça, direito e moral. Platão defendia o
inatismo, na crença de que nascemos com princípios racionais e ideias que são inatas aos homens. A origem das ideias, segundo Platão, é
dada por dois mundos, que são o mundo inteligível – referente ao mundo em que nós, antes de nascer,passamos para ter as ideias
assimiladas em nossas mentes; e o mundo sensível – referindo-se à realidade dos homens em suas experiências reais. Já Aristóteles era um
filosofo que defendia o empirismo, concebendo que as ideias são adquiridas por meio da experiência, embora admitisse que na ordem da
natureza houvesse a grande virtude do que chama de justiça geral.
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Essa justiça universal, por sua vez, pode ser separada duas definições específicas: justiça geral e justiça particular. A primeira é a base para
o seu pensamento a respeito dessa concepção, pois ali se designa como justo toda a conduta que parece conforme a lei moral. Nesse
sentido, a justiça pensada de um modo amplo, presente na ordem natural das coisas, inclui todas as virtudes, sendo equiparada a uma
virtude moral universal. O sentido geral da justiça corresponde à condição que os gregos chamavam dikaios, expressão que significa
“homem justo”, e que expressava aquela pessoa que possuía uma superioridade moral em relação à maioria das outras. Assim, Aristóteles
observa que a justiça é a disposição da alma graças à qual elas se dispõem a fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é justo,
sendo a forma mais elevada de excelência moral. Como essa concepção larga de justiça atua especialmente no campo abstrato das virtudes
morais, Aristóteles observou que esse sentido geral de justiça não tinha relação direta com o direito, já que este último estaria vinculado à
aplicação prática da justiça, a tal justiça particular. Isso porque não cabia aos juízes, por exemplo, conduzir os cidadãos à perfeição moral,
mas sim resolver os problemas e os conflitos referentes aos bens e as cargas presentes na vida social. Como resultado específico dessa
abrangente justiça geral, Aristóteles laça mão do conceito de justiça particular, referindo-se não mais ao dikaios (o homem justo), mas,
agora, ao to dikaion (a coisa justa). A justiça particular consiste numa parte daquela justiça geral vinculadas às ações individuais presentes
nas relações sociais. Dessa maneira, pode-se dizer que a justiça geral estaria presente no indivíduo caso ele tivesse a moral de justiça
dentro de si, enquanto algo subjetivo; ao contrário, a justiça particular se manifestaria a partir das ações reais do indivíduo, ou seja,
enquanto na aplicação da justiça em casos objetivos.
É nessa parte que aparece a construção do direito, haja vista a constatação de que analisar a justiça particular, enquanto a aplicação
objetiva do justo corresponderia a definir a arte do direito. Além disso, avança Aristóteles, a virtude das ações particulares está no ato de
não se ficar nem com mais nem com menos do que lhe corresponde, de maneira que a sociedade assista a uma bem realizada repartição
dos bens e das cargas, conforme a lógica do meio-termo. No funcionamento da distribuição dos elementos sociais, Aristóteles lança mão
de dois conceitos de aplicação prática da justiça particular: a justiça distributiva e a justiça comutativa. A primeira delas, a justiça
distributiva, está relacionada ao ofício primeiro da promoção da justiça numa comunidade, que consiste na procedência da distribuição dos
bens, das honras e dos cargos públicos entre os homens da pólis. Nessa distribuição, dever-se-ia observar a devida finalidade da repartição
para a conjuntura social em que se encontra, e a relação dos sujeitos com essa finalidade, ou seja, se os sujeitos se utilizarão dessas
atribuições de forma a beneficiar o coletivo. Na justiça distributiva, efetuada no cumprimento da justiça particular, deve-se levar em conta
o princípio da proporcionalidade. A justiça na vida real, a tal justiça particular, é para Aristóteles, portanto, uma das espécies do gênero
proporcional; ao contrário, a injustiça é exatamente aquilo que viola o princípio da proporcionalidade. No caso do pagamento de um
imposto, por exemplo, seria uma ação justa o pagamento exato da cota-parte do indivíduo, nem mais, nem menos. Como nos diz o autor:
O justo envolve também quatro elementos no mínimo, e a razão entre um par de elementos é igual à razão
existente entre o outro par, pois há uma distinção equivalente entre as pessoas e as coisas [...]. O princípio
da justiça distributiva, portanto, é a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do
segundo com o quarto, e o justo nesta acepção é o meio termo entre dois extremos desproporcionais, já que
o proporcional é um meio termo, e o justo é o proporcional (Aristóteles, 1984, p. 95).
 
Contudo, poderia perguntar o leitor: Mas proporcionalidade é um conceito relativo. Logo, o que seria proporcional na concepção
aristotélica? Os critérios por ele elencados para a distribuição, cujo objetivo consiste em se alcançar uma harmonia social, são: 1) A
condição dos sujeitos, fator que será importante pelo fato de uma coletividade possuir diversas classes de sujeitos. Existem o pai, o filho, o
patrão, o empregado, enfim, diversas classes de sujeitos nas relações sociais, de modo que o primeiro critério na distribuição seria dar a
cada um conforme a sua importância para a coletividade; 2) A capacidade das pessoas em relação aos encargos, fator que se refere à
distribuição conforme a capacidade do indivíduo em relação ao todo social. Seria o caso, por exemplo, de quem ganha mais pagar mais
impostos, e que ganha menos pagar menos tributos; 3) Aportação de bens à coletividade, critério que procura atribuir mais benefícios a
quem contribui mais à sociedade. Quem trabalha mais, por exemplo, deveria receber um salário maior, haja vista sua maior contribuição
com o grupo social; 4) A necessidade, devendo se considerar a necessidade dos sujeitos como um dos critérios palpáveis na distribuição
social. Significa dar mais a quem mais necessita. Contudo, ressalta Aristóteles que esse critério só é justo quando está de acordo com as
finalidades da coletividade e combina com os outros critérios, pois se não poderá ser confundido com misericórdia ou solidariedade, e não
como propósito de justiça.
Passando agora para a justiça comutativa, esta outra forma de justiça particular refere-se ao zelo pela retidão das trocas, ou seja, pela
igualdade aritmética em matéria de intercâmbio de bens. Partindo do pressuposto de que os bens, as honrarias e os cargos públicos foram
previamente distribuídos de maneira proporcional, a função do juiz, por exemplo, seria calcular uma restituição igual ao dano que o
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indivíduo sofreu, de modo a readequar as posições dentro da ordem redistributiva. Dificilmente se garantirá a estabilidade em qualquer
ordenamento social, reconhece Aristóteles, ou seja, os conflitos acabarão existindo. A pólis é formada por homens livres, com interesses
distintos surgidos nas relações sociais, disputando entre si honrarias e bens, daí a necessidade de haver uma instituição que resolva os
impasses, tal como se apresenta o direito positivo, com suas leis e agentes.
Seu conceito de direito emerge da concepção de justiça conforme a distribuição proporcional dos elementos sociais. O direito, então,
começa como algo exterior ao sujeito, como uma determinada igualdade (por meio da proporcionalidade) existente nas coisas, e que se
extrai da observação da natureza. Visto que Aristóteles concebe o mundo como uma ordem harmônica no sentido da prevalência da justiça
geral, o mundo é entendido a partir de sua constituição voltada para causas finais, e as relações humanas deveriam caminhar para a
manutenção da justiça geral, essa espécie de moralidade que garante a correta ordenação das relações entre os homens e a natureza. À
ciência do direito, por sua vez, concerneao resultado exterior dessa igualdade das coisas, situando-se, portanto, na relação entre os
cidadãos. Em Aristóteles, o direito ganha autonomia, ficando responsável pela retidão da distribuição dos elementos sociais e devendo
solucionar os conflitos decorrentes da incorreção distributiva. Na visão aristotélica, caberia ao direito a atribuição de uma sanção contra
atos falhos dos indivíduos. Seria o exemplo do direito penal, cuja função não consiste em evitar o homicídio, o roubo ou qualquer outro
tipo de crime – visto que essas proibições competem à moral – mas apenar quem os comete, dando-lhe a pena devida e proporcional ao seu
crime. Seria uma forma de readequação da ordem geral, portanto.
Nesse sentido, em Aristóteles, percebe-se a ausência de um direito subjetivo correspondente a direitos individuais absolutos e exclusivos
de cada pessoa. É algo que o difere substancialmente de Hobbes, para o qual, o direito é formado com o pacto social, resultado da
subjetividade de cada indivíduo. O direito em Aristóteles é encontrado somente na relação entre os agentes sociais, haja vista o homem ser
concebido naturalmente como um animal social (Wolf, 1999). Em Aristóteles, presencia-se um direito positivado em prol da coisa justa,
estabelecida socialmente pelo convênio humano, em consonância com o que se percebe na natureza. Portanto o direito é exterior a eles
enquanto indivíduos subjetivos. É o resultado de uma repartição das relações sociais, mas que é construído na prática devido ao
ordenamento natural em que os homens se colocam dentro da natureza. Sua instituição será o instrumento responsável por colocar as
coisas em sua devida ordem, haja vista que a alteridade – fruto das relações sociais e da impossibilidade na procedência de uma divisão
estritamente igualitária – gera conflitos e diferenças.
Emerge dessas considerações a necessidade de se distinguir direito natural e direito positivo em Aristóteles. Ele nos diz que a solução
jurídica de um caso concreto deve, normalmente, ser obtida por meio do recurso conjunto a estas duas fontes de direito, as quais se
complementam. Significa, por um lado, a observação da natureza e, por outro, a precisa determinação do legislador e do juiz. Com isso,
não há, na concepção aristotélica, oposição entre o justo natural e as leis escritas pelo Estado. Ao contrário, as leis do Estado exprimem e
completam o justo natural[5]. Segundo essa lógica, o direito seria, por essência, algo móvel, e deveria exatamente ser extraído a partir da
observação e da experiência. Na instituição do direito, Aristóteles defende a presença de leis escritas, entendendo-as como fontes seguras
da aplicação do justo por parte dos juízes, reduzindo suas arbitrariedades. Afinal, diz ser prudente desconfiar da imparcialidade dos juízes,
pois seus julgamentos correm o risco de serem deformados por sentimentos humanos como a simpatia ou o medo. Daí o fundamento da
lei, a qual o juiz deve se guiar. Mas aqui se deve considerar uma questão importante: Aristóteles ressalta que não se deve reconhecer o
valor das leis positivas senão as supondo estabelecidas no quadro do justo natural. Ou seja, se os legisladores forem despreocupados com o
interesse público, maldosos ou ignorantes e as leis danosas, não lhes devemos obedecer e o juiz deverá ter o senso de libertar-se dessas leis
absurdas e nefastas. Portanto, embora sejam relevantes, as leis não seriam absolutamente soberanas, algo que distingue a sua posição
daquela que observaremos em Hobbes, para quem o direito positivo instituído pelo Estado é a representação do pacto social, e violá-lo
significa ato de injustiça, passível de sansão.
É a partir daqui que aparece a concepção aristotélica de equidade, usada no sentido da boa aplicação da lei, quer em face da omissão do
texto positivo, quer para suprir sua imperfeição, quer ainda, para abrandar-lhe o rigor. Desse modo, a concepção da equidade passa a ser a
justiça aplicada no caso particular, ou seja, a justiça em termos concretos e individualizada. O princípio da equidade serve, segundo diz,
para evitar a aplicação mecânica da lei, mas é algo diferente de uma aplicação arbitrária do juiz. Na equidade, o que está supostamente em
questão é o tratamento igualitário e justo perante a lei, e não a aplicação da lei conforme convicções pessoais do aplicador (Aristóteles,
1984). Por isso se autoriza ao juiz tomar liberdades em relação à lei, adaptando-as às circunstâncias, levando em conta as condições de
cada situação particular. Seria o caso, por exemplo, de se levar em conta, em matéria penal, a idade do acusado, sua situação social, seu
passado, suas intenções, etc. Dessa maneira, segundo Aristóteles, a equidade poderia ser assemelhada àquilo que a razão humana aceita
sem repugnância, o que equivaleria à justiça iluminada pela razão. Aproxima-se, nesse sentido, com o objetivo central do direito, que é a
promoção da justiça, atuando segundo as peculiaridades de cada caso, considerando-se as diferenças específicas. A equidade se encarrega
de levar a justiça ao particular. No plano teórico, Aristóteles procurou pensar o uso do princípio da equidade de maneira a tornar a
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aplicação do direito algo mais justo e mais próximo da justiça geral. Contudo, devemos reconhecer o verniz de utopia na aplicação prática
dessa intenção, uma vez que a proximidade do senso de justiça por parte do aplicador e a sua arbitrariedade constitui-se, na prática, em
uma linha extremamente tênue.
Vamos agora tratar do Direito na concepção de Thomas Hobbes.
Importante na teoria de Hobbes é que essa manifestação de vontade é ocasionada pelas sensações. Estas, por sua vez, podem ser reduzidas
a duas espécies, que são a apetite e a aversão, entendendo-se, assim, todos os esforços de aproximação ou afastamento daquilo que
proporcione respectivamente prazer ou dor ao ser humano. O homem, num estado inicial, seria governado por suas paixões e teria como
direito próprio conquistar tudo o que lhe apetece. Como todos os homens seriam dotados de desejos, e uns poderiam ser mais fortes
fisicamente que os outros, grande seriam a disseminação da violência e do caos. Seria, em termos hobbesianos, a guerra de todos contra
todos (Hobbes, 1974). Contudo, junto deste desejo desenfreado pela busca das próprias satisfações, os homens também são portadores de
um inato instinto de conservação, que também os governa, tendendo a levá-los a uma condição equivalente à paz.
O direito em Hobbes aparece em consonância com sua visão a respeito do homem e da sociedade. Devemos lembrar que em Aristóteles e
em São Tomás de Aquino, o homem era naturalmente social e político, sendo as sociedades naturais. Nesse sentido, o direito seria a ordem
estabelecida entre as relações sociais, a proporção que se descobre entre os bens distribuídos aos cidadãos e o conjunto das relações justas
que evidencia-se num grupo. Nessa linguagem, aplicada ao indivíduo, a palavra direito significava a parte que lhe corresponderia nessa
justa repartição. No estado de natureza hobbesiano vigora o direito natural, que estaria atrelado à condição de natureza de cada indivíduo.
Para Hobbes, na sua formulação sobre estado de natureza, não existe, nesse momento, qualquer lei que regulasse as relações sociais da
qual pudesse derivar o direito. A lei natural, em Hobbes, não é senão uma lei interna de cada ser humano, a qual se encontra em sua
própria consciência e que o leva a conduzir-se segundo sua razão. A fonte do direito, para este autor, é subjetiva, por estar inserida em cada
indivíduo natural. Como no estado de natureza o direito está em cada indivíduo, este, portanto, é infinito. É o direito de todas as coisas, na
medida em que o homem se guia por seus desejos. Direito num primeiro momento, então, relaciona-se à noção direta de poder e liberdade,só depois sendo positivado pelo Leviatã. Mas a questão central que se coloca no estado de natureza é que, como nessa vastidão de direitos
o corpo do outro pode ser a minha vontade, nenhum homem poderia viver seguro.
Daí a primeira lei da natureza indicar aos homens o quanto é importante a busca pela segurança, e conseqüentemente segui-la. Dessa
primeira lei da natureza, que ordena a todos os homens que procuram a paz, deriva o que Hobbes chama de segunda lei da natureza,
segundo a qual os homens concordam que, para garantir a paz e a defesa de si mesmo, seria necessária a renúncia de seus direitos. É a
consciência de que enquanto cada homem detiver o seu direito de fazer tudo o quanto desejar, a condição de guerra será constante para
todos. No estado social, as leis passam a ser competência da ordenação do soberano, instituídas pelo Estado. Ela é fruto do pacto e do
contrato firmado pelos indivíduos. Aqui reside a fonte de todo o sistema jurídico positivo de Hobbes. Do pacto formador do Leviatã
surgem todas as leis positivas humanas, aquelas que criarão para os sujeitos obrigações externas. Com o estado civil, o soberano se mostra
o ente mais capacitado para garantir a ordem e a paz, e a garantir os direitos subjetivos de cada um, especialmente aqueles que os
encaminhavam para a segurança. Portanto, todo o direito é construído, em Hobbes, por graus sucessivos, a partir do direito subjetivo. E é
para garanti-lo que o soberano encontra legitimidade. Daí Hobbes ser interpretado como precursor do positivismo jurídico[8], que atribui às
leis o sentido de ordenação e segurança social. No cume das leis, encontra-se o princípio máximo da proibição de se violar o pacto.
Daquela lei da natureza que indicava os homens a aderirem ao pacto, surge uma subseqüente lei natural, a terceira, a ser posta em prática
no momento em que for constituída a sociedade civil. Consiste que os homens cumpram os pactos celebrados, pois sem esta lei os pactos
seriam vãos e não passariam de palavras vazias e o estado de guerra poderia não ser superado. Nesta lei assenta, segundo Hobbes, a fonte e
a origem da justiça. Por isso, a partir de agora, romper o pacto passa a representar um ato de injustiça e romper o pacto é injusto porque o
Leviatã representa a consolidação de todas as células do corpo social composto pelos indivíduos. A justiça, enquanto um conceito
emergido das relações sociais regradas, só passa a existir em sociedade, e nesse caso cabe ao soberano ditar o seu significado.
O direito em Hobbes não é mais a ciência da justiça, uma ciência da promoção do justo ideal ou da garantia de meio-termo. Nesse sentido,
aparece aqui mais uma diferença entre Hobbes e Platão e Aristóteles. Afinal de contas, nesse contratualista do século XVII, a justiça é
resultado do cumprimento das leis estabelecidas pelo poder soberano, ao contrário de Aristóteles para quem a justiça era o princípio a
partir do qual o direito surgiria, tendo a função de garanti-la. É uma diferença também em relação a Platão, para quem a justiça estava
presente no mundo das ideias, e seria captada pelos filósofos. Nada mais estranho em Hobbes do que a ideia de justiça social, de justiça
distributiva, de partes justamente distribuídas entre membros de um grupo social. Como discípulo do nominalismo, o que vale para ele é
uma ciência dos direitos subjetivos, e o seu resultado: o pacto, o Estado e a lei que incide sobre os direitos desse contrato, garantindo-lhe
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força e segurança aos contratados. O pacto, portanto, mais do que a relevância de ter sido feito pelos indivíduos, tem como finalidade esses
próprios indivíduos e a preservação dos seus direitos subjetivos, de onde o instinto de conservação consiste no sentido mais seguro diante
de uma natureza também egoísta e competitiva. A legitimidade no soberano está na consciência de que sem ele o mundo seria pior e
arriscado, sendo a vida - a maior das riquezas - um bem incerto, daí a obrigação categórica da obediência ao Leviatã.
Feitas as considerações sobre Justiça e Direito nas concepções de Platão, Aristóteles e Thomas Hobbes cumpre agora desenvolvermos
alguns comentários acerca da Teoria da Justiça na ótica de pensadores do século XX[11].
Assim, trataremos das teorias sobre a justiça formuladas por pensadores no Século XX, tanto no meio jurídico, como no meio filosófico,
quais sejam Hans Kelsen, Jürgen Habermas, Chaïm Perelman e John Rawls que, além de grandes pensadores, dedicaram-se com
profundidade tanto à ciência jurídica quanto à justiça, deixando notáveis contribuições ao desenvolvimento recente desses temas.
Primeiramente cuidaremos da crítica kelseniana.
Ao elaborar sua teoria da justiça, Kelsen realiza um exame crítico e profundo das teorias que se produziram desde a Antiguidade clássica
até a primeira metade do século XX sobre o tema.
Avaliando a justiça em Platão, Kelsen sustenta que a quase totalidade de seus diálogos busca precisamente a pergunta: "O que é o Bem?"
(na qual se insere, também, a pergunta: "O que é a justiça?"). Afirma que o método dialético ensinado e praticado nos diálogos platônicos
não chegou a elaborar um conteúdo definível de justiça.
Quanto à ideia sobre o Bem, discutida por Platão, Kelsen conclui:
a ideia do Bem inclui a de justiça, aquela justiça a cujo conhecimento aludem todos os diálogos de Platão.
A questão "O que é justiça? "coincide, portanto, com a questão o que é bom ou que é o Bem? Várias
tentativas são feitas por Platão, em seus diálogos, para responder a essa questão de modo racional, mas
nenhuma delas leva a um resultado definitivo.[12]
Um outro exemplo para Kelsen seria a tentativa infrutífera de elaborar um conteúdo definível de justiça, por meio de um método racional
ou científico - a ética de Aristóteles. "Trata-se de uma ética da virtude, ou seja, ele visa a um sistema de virtudes, entre as quais a justiça é
a virtude máxima, a virtude plena." [13]
Com relação ao Direito natural, Kelsen sustenta que essa doutrina "afirma existir uma regulamentação absolutamente justa das relações
humanas que parte da natureza em geral ou da natureza do homem como ser dotado de razão" [14]
E, adiante, aduz:
A natureza é apresentada como uma autoridade normativa, como uma espécie de legislador. Por meio de
uma análise cuidadosa da natureza, poderemos encontrar as normas a ela imanentes, que prescrevem a
conduta humana correta, ou seja, justa. Se se supõe que a natureza é criação divina, então as normas a ela
imanentes – o Direito natural – são a expressão da vontade de Deus. A doutrina do Direito apresentaria,
portanto, um caráter metafísico. Se, todavia, o Direito natural deve ser deduzido da natureza do homem
enquanto ser dotado de razão – sem considerar a origem divina dessa razão -, se se supõe que o princípio da
justiça pode ser encontrado na razão humana, sem recorrer a uma vontade divina, então aquela doutrina se
reveste de um caráter racionalista.[15]
Conclui o mestre da Escola de Viena:
Do ponto de vista de uma ciência racional do Direito, o método religioso-metafísico da doutrina do Direito
natural não entra absolutamente em cogitação. O método racionalista é, porém, sabidamente insustentável.
A natureza como um sistema de fatos, unidos entre si pelo princípio da causalidade, não é dotada de
vontade, não podendo, portanto, prescrever qualquer comportamento humano definido. [16]
 
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Como se vê, o talento de Kelsen funciona como verdadeiro destruidor das convicções jusnaturalistas, elaboradas ao longo dos séculos, pois
"encontrar normas para o comportamento humano na razão é tão ilusório quantoextrair tais normas da natureza."[17]
Com Immanuel Kant, a crítica kelseniana não se passa de modo diverso. O imperativo categórico kantiano determina que o sujeito moral,
para ser justo, deve agir sempre de tal modo que a máxima de seu agir possa ser querida como uma lei geral. Noutras palavras, o
comportamento humano é justo se for determinado por normas que o homem, ao agir, pode ou deve esperar que sejam obrigatórias para
todos.
Veja-se o seguinte excerto no qual Kelsen expõe sua crítica a Kant: "Mas quais são essas normas que podemos ou devemos esperar que
sejam genericamente obrigatórias? E essa é a questão decisiva da justiça; e a ela, o imperativo categórico – da mesma forma a regra de
ouro, seu modelo – não dá resposta." [18]
Kelsen, na sua obra "O que é justiça?", considera a justiça "uma característica possível, porém não necessária, de uma ordem social".[19] E
indaga:
mas o que significa ser uma ordem justa? Significa essa ordem regular o comportamento dos homens de
modo a contentar a todos, e todos encontrarem felicidade. O anseio por justiça é o eterno anseio do homem
por felicidade. Não podendo encontrá-la como indivíduo isolado, procura essa felicidade dentro da
sociedade. Justiça é felicidade social, é a felicidade garantida por uma ordem social. [20]
Observa Kelsen que o conceito de justiça passa por uma transformação radical: do sentido original da palavra (que implica o sentimento
subjetivo que cada pessoa compreende para si mesma, de modo que a felicidade de um pode ser a infelicidade de outro) para uma
categoria social: a felicidade da justiça.[21] É que a felicidade individual (e subjetiva) deve transfigurar-se em satisfação das necessidades
sociais. Como ocorre no conceito de democracia, que deve significar o governo pela maioria e, se necessário, contra a minoria dos sujeitos
governados.
Assim, aduz Kelsen, "o conceito de justiça transforma-se de princípio que garante a felicidade individual de todos em ordem social que
protege determinados interesses, ou seja, aqueles que são reconhecidos como dignos dessa proteção pela maioria dos subordinados a essa
ordem." [22]
Passemos agora ao estudo da Teoria Discursiva de Jürgen Habermas.
Habermas elabora sua teoria do agir comunicativo, contida na obra "Direito e democracia: entre facticidade e validade", para analisar as
instituições jurídicas e propor um modelo onde se interpenetram justiça, razão comunicativa e modernidade.
Ao referir-se à facticidade e à validade, Habermas intenta compreender a dualidade do Direito moderno. Assim, de um lado, o Direito é
facticidade quando se realiza aos desígnios de um legislador político, é cumprido e executado socialmente sob a ameaça de sanções
fundadas no monopólio estatal da força. De outro lado, o Direito é validade quando suas normas se fundam em argumentos racionais ou
aceitáveis por seus destinatários.
A relação entre facticidade e validade, é observada por Luiz Moreira,
assume uma forma de tensão pelo fato de o Direito reunir em si elementos sancionadores e elementos
provenientes de uma autolegislação. Dito em outros termos, a tensão entra facticidade e validade, no
Direito moderno retorna pela circunstância de que com a sanção se restringe o nível de dissenso, mas esse
dissenso é superado no momento em que se introduz em seu bojo a ideia de que as normas jurídicas são
emanações do povo.[23]
Essa tensão, nas palavras de Habermas, reside:
(...) mais precisamente entre a coerção do Direito, que garante um nível médio de aceitação da regra, e a
ideia de autolegislação – ou da suposição da autonomia política dos cidadãos associados – que resgata a
pretensão da legitimidade das próprias regras, ou seja, aquilo que as torna racionalmente aceitáveis".[24]
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No seio de uma tensão permanente entre facticidade e validade, a constituição de uma comunidade jurídica autônoma requer o abandono,
em termos pós-metafísicos, de uma razão prática e a assunção de uma razão comunicativa.
Segundo Marciano Seabra de Godoi [25]
a razão comunicativa proposta por Habermas difere substancialmente da razão prática sustentada
anteriormente pela filosofia do direito ou pela filosofia da história. Enquanto a razão prática buscava ser
uma fonte de prescrições para a atuação social do sujeito individual ou mesmo do Estado, a razão
comunicativa busca somente definir as condições procedimentais do discurso sob as quais os sujeitos
sociais podem chegar a um entendimento legítimo que gere integração social e expectativas
compartilhadas.
 
Como afirma Habermas, "Eu resolvi encertar um caminho diferente, lançando mão da teoria do agir comunicativo: substituo a razão
prática pela comunicativa. E tal mudança vai muito além de uma simples troca de etiqueta."[26] Mas qual é o sentido dessa mudança? Por
não ser prática, vale dizer, por não oferecer nenhum tipo de "indicação concreta para o desempenho de tarefas práticas, pois não é
informativa"[27], a razão comunicativa afasta-se da tradição prescritiva da razão prática.
A proposta da Habermas pretende, pois, situar a legitimidade do Direito não no plano metafísico, mas no plano discursivo e procedimental,
lançando mão da sua teoria do agir comunicativo, na qual a linguagem supera a dimensão sintática e semântica, constituindo o medium de
integração social, isto é, o mecanismo pelo qual os agentes sociais se interagem e fundamentam racionalmente pretensões de validade
discursivas aceitas por todos.
Para Habermas, o Direito legítimo, nas sociedades atuais pós-metafísicas, depende do exercício constante do poder comunicativo. Para que
não se esgote a fonte da justiça, é mister que um poder comunicativo jurígeno esteja na base do poder administrativo do Estado.
Mesmo assumindo a perspectiva de que o ordenamento jurídico emana das diretrizes dos discursos públicos e da vontade democrática dos
cidadãos, institucionalizadas juridicamente, observando a correição parcial, há sempre a possibilidade de que a normatividade seja injusta,
abrindo-se assim para dois caminhos: o primeiro, a permanecer injusta, passa a constituir-se arbítrio; o segundo, a tornar-se arbítrio, surge
a falibilidade e, com isso, a presunção de que seja revogada ou revista.
Ainda, para Habermas, a resolução dos conflitos será tanto mais facilmente alcançada quanto maior for a capacidade dos membros da
comunidade em restringir os esforços comunicativos e pretensões de validade discursivas consideradas problemáticas, deixando como
pano de fundo o conjunto de verdades compartilhadas e estabilizadoras do conjunto da sociedade, possibilitando que grandes áreas da
interação social desfrutem de consensos não problemáticos.
O genial da teoria de Habermas reside, portanto, na substituição de uma razão prática, baseada num individuo que, através de sua
consciência, chega à norma, pela razão comunicativa, baseada numa pluralidade de indivíduos que, orientando sua ação por procedimentos
discursivos, chegam à norma. Assim, a fundamentação do Direito, sua medida de legitimidade, é definida pela razão do melhor argumento.
Como emanação da vontade discursiva dos cidadãos livres e iguais, o Direito pode realizar a grande aspiração da humanidade: a efetivação
da justiça.
Vamos agora considerar a Teoria Formal de Chaïm Perelmam, notadamente no que tange as seis concepções da justiça concreta.
Na sua obra "Ética e Direito", Perelman não pretende formular uma teoria da justiça que seja a mais apropriada e consentânea com a ideia
de racionalidade, comparativamente às teorias de outros autores. Pretende, na verdade, a partir de um ponto de vista lógico, examinar os
diferentes sentidos da noção de justiça, para deles extrair um substrato comum – a igualdade - que o conduzirá ao conceito de justiça
formal ou abstrata.
As seis concepções mais correntes da justiça concretaque se afirmaram na civilização ocidental, desde a Antiguidade até nossos dias,
segundo Perelman, são:
a) a cada qual a mesma coisa;
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b) a cada qual segundo seus méritos;
c) a cada qual segundo suas obras;
d) a cada qual segundo suas necessidades;
e) a cada qual segundo sua posição;
f) a cada qual segundo o que a lei lhe atribui.[28] 
Segundo a primeira concepção da justiça concreta, ser justo é tratar todos da mesma forma, sem considerar nenhuma das particularidades
que distinguem os indivíduos. Perelman observa que, no imaginário humano, o ser perfeitamente justo é a morte que vem atingir todos os
homens independentemente de seus privilégios.
A segunda concepção da justiça concreta não exige a igualdade de todos, mas um tratamento proporcional a uma qualidade intrínseca, ao
mérito do indivíduo. A questão é saber o que deve ser levado em conta como mérito ou demérito de uma pessoa, quais os critérios que
devem presidir tal determinação, se deve ser considerado o resultado da ação, a intenção do agente ou o sacrifício utilizado. Perelman
observa que, partindo-se dessa concepção, pode-se chegar a resultados absolutamente distintos, bastando que não se conceda o mesmo
grau de mérito aos mesmos atos dos indivíduos.
A terceira concepção da justiça concreta, cujo único critério do tratamento justo é o resultado da ação dos indivíduos, é de aplicação
infinitamente mais fácil do que a anterior, pois, ao invés de constituir um ideal quase irrealizável, permite só levar em consideração
elementos sujeitos ao cálculo, ao peso ou à medida. Daí por que sua aplicação preside tanto o pagamento dos salários dos empregados
quanto a definição do resultado de concursos e exames para provimento de cargos públicos.
A quarta concepção da justiça concreta, em vez de levar em consideração méritos dos indivíduos ou de sua produção, tenta reduzir os
sofrimentos de que resultam da impossibilidade em que o homem se encontra de satisfazer suas necessidades essenciais. Assim, aqueles
que se encontram em situação precária, carecendo de condições consideradas como um mínimo vital, devem ter um tratamento
diferenciado.
Perelman afirma que a legislação dos países ocidentais que criou, no século XX, os direitos sociais, como o salário-mínimo e o seguro-
desemprego, inspirou-se nessa fórmula de justiça.
A quinta concepção da justiça concreta baseia-se na superioridade de indivíduos em decorrência da hereditariedade (ou do nascimento),
sendo muito usada na hierarquização social das sociedades aristocráticas e escravocratas, onde as diferenças de tratamento levam em
consideração critérios como a raça, a religião e a fortuna.
A sexta (e última) concepção da justiça concreta é a paráfrase do princípio de "dar a cada um o que lhe é devido" ("cuique suum", dos
romanos) e se propõe a aplicar aos fatos um sistema preestabelecido de regras de direito – razão pela qual levará a resultados diferentes,
conforme o ordenamento jurídico a ser aplicado.
Segundo Perelman:
A análise sumária das concepções mais correntes da noção de justiça mostrou-nos a existência de pelo
menos seis fórmulas da justiça – admitindo a maioria delas ainda numerosas variantes –, fórmulas que são
normalmente inconciliáveis. Embora seja verdade que, graças a interpretação mais ou menos forçadas, a
afirmações mais ou menos arbitrários, se pode querer relacionar essas diferentes fórmulas umas com as
outras, elas não deixam de apresentar aspectos da justiça muito distintos e o mais das vezes opostos.[29]
 
Perelman apresenta a noção de justiça formal (vinculada à igualdade) como o substrato comum às seis concepções da justiça concreta
examinadas anteriormente. Esse substrato comum – a igualdade – fundamenta-se em valores escolhidos de forma aleatória – igualdade
segundo, por exemplo, a riqueza e a beleza. Em decorrência, Perelman acaba por estabelecer, como regra de justiça, a igualdade formal,
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porquanto "ser justo é tratar da mesma forma os seres que são iguais em certo ponto de vista, que possuem uma mesma característica, a
única que se deve levar em conta na administração da justiça. Qualifiquemos essa característica de essencial.[30]
A justiça formal ou abstrata, para Perelman, é, pois, "um princípio de ação, segundo o qual, os seres de uma mesma categoria essencial
devem ser tratados da mesma forma"[31], sendo que esse princípio subjaz latente em cada uma das seis noções da justiça concreta.
A partir desse conceito de justiça formal ou abstrata, observa-se que as concepções concretas de justiça se distinguem à medida que cada
uma delas erige um valor diverso para definir a pertinência dos indivíduos às categorias essenciais dentro das quais aplicar-se-á um
tratamento igual.
Como observa Perelman:
Nossa definição de justiça é formal porque não determina as categorias que são essenciais para a aplicação
da justiça. Ela permite que surjam as divergências no momento de passar de uma fórmula comum de justiça
concreta para fórmulas diferentes de justiça concreta. O desacordo nasce no momento em que se trata de
determinar as características essenciais para a aplicação de justiça.[32]
 
Em suma, a justiça possível em Perelman é a justiça formal ou abstrata, segundo o parâmetro da igualdade, fundado sobre uma pauta
valorativa. Logo, a justiça deve contentar-se com um desenvolvimento formalmente correto de um ou mais valores. E assim Perelman é
levado a distinguir três elementos na justiça de determinado sistema normativo: o valor que a fundamenta, a regra que a enuncia e o ato
que a realiza.
Afirma Perelman:
Os dois últimos elementos, os menos importantes, aliás, são os únicos que podemos submeter a exigências
racionais: podemos exigir do ato que seja regular e que trate da mesma forma os seres que fazem parte da
mesma categoria essencial; podemos pedir que a regra seja justificada e que decorra logicamente do
sistema normativo adotado. Quanto ao valor que fundamenta o sistema normativo, não o podemos
submeter a nenhum critério racional, ele é perfeitamente arbitrário e logicamente determinado.[33]
 
Deve-se atentar para a relação entre as teoria de Hans Kelsen e Chaïm Perelman.
Há, inegavelmente, pontos comuns e distintivos entre a teoria de Kelsen e a teoria de Perelman. Os pontos comuns residem no fato de que
ambos descrêem dos pensadores metafísicos que sustentam poder-se alcançar a justiça pela razão prática ou pela revelação mística - a
noção acabada de justiça. Kelsen e Perelman afirmam peremptoriamente o caráter relativo dos valores, por natureza arbitrários, que
decorrem de escolhas, ou opções, e não de evidências empíricas, ou de parâmetros lógicos.
Os pontos distintivos residem, basicamente, da convicção de Perelman de que é possível encontrar um substrato comum a todas as
concepções concretas de justiça – a justiça formal vinculada à igualdade. Por isso, adverte Kelsen que esse pretenso substrato comum é
apenas uma decorrência lógica da generalidade da norma e da necessidade de sua correta aplicação. Neste sentido, a justiça formal de
Perelman nada tem a ver com a igualdade.
Agora vamos trata da Teoria Social de John Rawls, notadamente no que concerne aos princípios de Justiça Social.
A teoria da justiça de John Ralws, contida na obra "Uma teoria da justiça", é uma das mais importantes desenvolvidas no século XX.
Pretende Rawls "elaborar uma teoria da justiça que seja uma alternativa para essas doutrinas que há muito tempo dominam a nossa
tradição filosófica – a utilitária e a intuicionista".[34]
A sociedade é vista por Rawls, como uma associação mais ou menos autossuficientede pessoas que, em suas relações, reconhecem a
existência de regras de condutas como obrigatórias, que, na maioria das vezes, são cumpridas e obedecidas, especificando um sistema de
cooperação social para realizar o bem comum.
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Nesse contexto, surgem tanto identidade de interesses como conflito de interesses entre as pessoas, pois estas podem acordar ou discordar
pelos mais variados motivos, quanto às formas de repartição dos benefícios e dos ônus gerados no convívio social.
É precisamente aí que desempenham seu papel os princípios da justiça social. Nas palavras de Rawls:
Exige-se um conjunto de princípios para escolher entre várias formas de ordenação social que determinam
essa divisão de vantagens e para selar um acordo sobre as partes distributivas adequadas. Esses princípios
são os princípios da justiça social: eles fornecem um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições
básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social.
[35]
Para Rawls, são dois os princípios da justiça social:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que
seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras. Segundo: as desigualdades
sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como
vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos
[36].
Tais princípios, segundo Rawls, aplicam-se à estrutura básica da sociedade, presidem a atribuição de direitos e deveres e regem as
vantagens sociais e econômicas advindas da cooperação social.
Rawls observa ainda que os dois princípios são um caso especial de uma concepção mais geral da justiça assim expressa: "Todos os
valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da autoestima - devem ser distribuídos igualitariamente, a
não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores traga vantagens para todos.” [37]
Vê-se, pois, que os princípios de justiça social têm um nítido caráter "substancial", e não meramente "formal", na teoria de Rawls. Logo no
início de sua obra, ele é bem claro quando sustenta que o que o preocupa é a justiça verificada na atribuição de direitos e liberdades
fundamentais às pessoas, assim como a existência real da igualdade de oportunidades econômicas e de condições sociais nos diversos
segmentos da sociedade.
Assim, o objeto primário da justiça, para Rawls, "é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições
sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação
social."[38]
Segundo Rawls, os princípios de justiça social, que regulam a escolha de uma constituição política, devem ser aplicados em primeiro lugar
às profundas e difusas desigualdades sociais, supostamente inevitáveis na estrutura básica de qualquer sociedade.
Em suma, para Rawls, a concepção de justiça apresentada na sua obra consiste na "justiça como equidade" ("justice as fairness"),
significando que é uma justiça estabelecida numa posição inicial de perfeita equidade entre as pessoas, cujas ideias e objetivos centrais
constituem uma concepção para uma democracia constitucional.
Assevera:
Minha esperança é a de que a justiça como equidade pareça razoável e útil, mesmo que não seja totalmente
convincente, para uma grande gama de orientações políticas ponderadas, e portanto expresse uma parte
essencial do núcleo comum da tradição democrática.[39]
Ao realizar este estudo, optamos por analisar as teorias da justiça de Hans Kelsen, Jürgen Habermas, Chaïm Perelman e John
Rawls porque, além da sua inegável atualidade, constituem abordagens racionais de temas fundamentais da Filosofia do Direito.
Kelsen demonstra, no seu profundo exame das diversas concepções de justiça, apresentadas pelo pensamento clássico e pelo pensamento
jusnaturalista, no qual, quase sempre, os jusfilósofos definem justiça de uma forma não racional ou metafísica, apelando para uma ideia de
bem inteligível pela razão e de uma natureza dotada de poder normativo, com uma espécie de legislador.
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Kelsen considera a justiça como a felicidade social, a felicidade garantida por uma ordem justa – a que regula o comportamento dos
homens de modo a contentar a todos. A aspiração da justiça é a eterna aspiração da felicidade, que o homem não pode encontrar sozinho e,
para tanto, procura-a na sociedade. A felicidade social é denominada justiça.
Nesse contexto, Habermas deixa claro que, nas sociedades contemporâneas pós-metafísicas, torna-se inviável a fundamentação do Direito
numa suposta ordem natural, numa dimensão ética ou numa moral metafísica. É por meio de uma concepção discursiva e procedimental
que se pode construir uma presunção de legitimidade e racionalidade de conteúdo de uma norma; é pelo discurso que os cidadãos
participam e promovem a mobilização de suas energias comunicativas em prol de um entendimento mútuo. O princípio do discurso, após
assumir forma jurídica, transforma-se em princípio da democracia.
Habermas alerta, ainda, que, nesta crise da razão prática, sejam instauradas sua negação e sua substituição pela razão comunicativa.
Esse é o sentido da reviravolta operada pela teoria discursiva do Direito: a recusa da normatividade imediata da razão prática e a assunção
da normatividade mediata da razão comunicativa.
A partir dessas considerações, torna-se assim o Direito fruto da emanação da opinião e da vontade discursiva dos cidadãos livres e iguais.
A institucionalização das aspirações e das opiniões das pessoas, na modernidade, se dá através da positivação do Direito.
Habermas, na sua teoria do agir comunicativo, retoma o caminho de uma teoria crítica da sociedade, com a mudança do paradigma da
razão prática para a razão comunicativa.
Perelman rejeita também a concepção de um bem supremo presidido por uma instância metafísica, bem como a crença inabalável na razão
prática. Propõe-se a examinar, a partir da lógica formal, as seis concepções concretas da justiça, para daí extrair um substrato comum a
todas elas. Esse substrato comum passa a ser seu conceito de justiça formal vinculada à igualdade.
A análise de Perelman leva à conclusão de que todo sistema de justiça é fundamentado nos princípios que estão na sua base e seu valor é
arbitrário e logicamente indeterminado. Assim, observa-se que todo sistema de justiça dependerá de outros valores que não o valor justiça.
Todavia, a justiça possui um valor próprio, que resulta da necessidade racional de coerência e regularidade das normas que compõem o
sistema. No interior deste, a justiça tem um sentido bem definido: o de evitar qualquer arbitrariedade nas regras, qualquer irregularidade da
ação.
Finalmente, Rawls postula uma teoria de justiça que seja uma alternativa para as doutrinas clássicas – a utilitarista e a intuicionista – e leve
a um nível mais alto de abstração a teoria do contrato social tal qual se encontra em Locke, Rousseau e Kant.
Entretanto, o consenso original concebido por Rawls não é o que inaugura a sociedade civil e define uma forma particular de governo. São
os princípios de justiça social, propostos por Rawls na sua doutrina e aplicáveis às desigualdades existentes na estrutura básica de qualquer
sociedade, que constituem o objeto do consenso original.
O autor norte-americano recupera a noção de contrato social, que é, originariamente, uma categoria jusnaturalista, para apresentá-la não
mais como um acordo entre os homens para a criação

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