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Denis Guénoun A exibição das palavras Uma idéia (política) do teatro, Tradução FáiimaSaadi E~li.mnstuos Teatro do Pequeno Gesto/ 2003 Copyríght (O DenisGuénoun Tradução FátimaSaadi Revisão técnica Walter Lima Torres Revisão Paulo Telles Capa, projeto gráfico e editoração Bruno Cruz Secretária Márcia Alves Cet ouvrage, publié dans le cadre du programme d 'aide à la publication, b én éficie du soutien du Ministêrefrança is des A./JairesEtrang êres. Este livro, publicado no âmbito doprograma de apoio à publicação, contou com o apoio do Ministériofrancêsdas RelaçõesExteriores. Guénoun, Den is 19 46- A exibição das palavras: uma idéia (política) do teatro. por Denis Guénoun: tradu ção Fátima Saadi. Rio de Janeiro: Teatro do Pequ eno Gesto, 2003 . 80 p.: 12 x 18 em 1. Teatro 2. Estética Sumário Apresentação • 9 Capítulo I • 13 Capítulo 11 • 43 Quatro objeçõ es • 73 ISBN 85 -98055-0 1·8 Teatro do Pequ eno Gesto Tel/Fax 2 1 2558-03 53 www.pequen ogesto .co m.br CDD 790 , Apresentação Com a tradução de A exibição das palavras. Uma idéia (política) de teatro, de Denis Guénoun, o Teatro do Pequeno Gesto inaugura a série Folhetim/Ensaios, cujo objetivo é publicar textos que abordem a atividade teatral de modo instigante, estabelecendo pontes entre os diversos domínios da criação artística e entre eles e o pensamento a respeito de seus fundamentos. O caráter multifacetado do teatro redobra o prazer de pensá-lo em s uas articulaçõ es e possibilidades, e a liberdade que a forma ensaística permite e sugere torna o exercício da imaginação criadora parte indispensável da leitura. É com grande praz er que apresentamos o trabalho de Denis Guénoun ao público brasileiro , certos de qu e as discussões que ele propõe vêm se inserir num diálogo qu e se torna cada vez mais efetivo no teatro brasileiro e que articula a estética, a história e a política. 9 Para Robert Abirached I. oteatro requ er uma reunião de espectado res. Outras art es também: a música , a dan ça. Outras não: literatura, pintura, esc ultura . ' Claro qu e não imaginamos qu e elas possam dispensar o público. Mas se u públi co não precisa necessariam ent e estar reunido num lugar c num mom ento comuns para que a obra cheg ue até ele: m ármore, quadro , livro pod em espe rar um visitante ou um leitor qu e virá , sozinho, qu and o quiser. Objeção: o teatro pod e ser lido. Mas es ta leitura não é o qu e o constitui. Ele não é - ap en as - literatura dialogad a. teatro r qu er um púIJlico. col tivo, ~ tivamente reunido. Éo modo , determinado, de ua apresentação . Esta reunião é convocad a publicam ente . Podem os citar exe mplos em contr ário: teatro em família , privad o. Mas, ainda as sim, trata-s e de I. Consid eramos. aqui. cada um a destas artes antes de sua repro dução mecan izada se ler tom ado possíve l. 13 A exibição das palavras exceções, até mesmo, antífrases - uso de um termo por uma espécie de passagem ao limite oposto - como pode acontecer com qualquer definição: um automóvel se desloca sozinho e, contudo, às vezes ele tem que ser empurrado. O teatro é público: a mesma palavra serve para designar a assembléia dos espectadores. (A palavra: público. Mas também a palavra: teatro. Lembremos que, no lugar teatral grego, de onde nos vem o termo, "teatro" - théatron - não designa a cena - que é designada pelo termo skênê -, mas sim as arquibancadas onde se senta o povo. Isto mudará: mais tarde, a palavra passa a denominar, realmente, a área de representação, o francês clássico vê os atores "sur le théâtre".· E este deslocamento de um espaço a outro é signo de uma história. Para nós, "teatro" designa por extensão o prédio em seu conjunto. Mas, no começo, o teatro é o lugar do público - do público reunido.) Denis Guénoun concerne ao povo tomado em seu conjunto, à coletividade social e política, ao Estado). É uma tese : discutível, configurada, que aqui expomos. O teatro é, portanto, uma atividade intrinse- camente política. Não em razão do que aí é mostrado ou debatido - embora tudo esteja ligado - mas, de maneira mais originária, antes de qualquer conteúdo, pelo fato, pela natureza da reunião que o estabelece. O que é político, no princípio do teatro, não é o representado, mas a representação: sua existência, sua constituição, "física", por assim dizer, como assembléia, reunião pública, ajuntamento. O objeto da assembléia não é indiferente: mas o político está em obra antes da colocação de qualquer objeto, pelo fato de os indivíduos se terem reunido, se terem aproximado publicamente, abertamente, e porque sua confluên- cia é uma questão política - questão de circulação, fiscalização , propaganda ou manu-tenção da ordem. Formulemos aqui uma tese: a convocação, de forma pública, e a realização de uma reunião, seja qual for seu objeto, é um ato político. Pela reunião, em si (que , sendo uma assembléia, contém todos os germes desenvolvidos, ou não, do político), e por sua publicidade ("público" designa, antes de mais nada, segundo o dicionário Robert, o que 14 * Théãtre; aqu i, significa palco. (N. da T.) ., * Embora fundamental, esta determinação é fa cilmente esquecida. É espantoso como o pensamento do teatro se preocupa pouco com ela: pensamento cuja história poderia ser contada como 15 A e x i 11 i ç ã () 11 a s JIa Ia v I ' a s o desenvolvimento de um esq uecime nto da representação - do fato , do acontecim ento da representação - em proveito da atenção dispensada ao representado, ao conteúdo. Verem os qu e es ta evolução arnnesia , cegueira , censur a, como preferirem - duplica uma linha da próp ria hist ória do teatro: deslocamento do centro, do coração, do lugar desta arte - a platéia vai sendo mergulhada na penumbra, o palco vai se ndo iluminado. * o ato, político, de convocar uma represen - tação pod e chamar o público para uma rua, um edifício - rara mente para um descampado. Na rua, é lima aglomeração: é política a escolha do lugar (afastad o ou ce ntra l, cidade ou vilarejo), da hora (dia, noite , horário de lazer ou de trab alho) , bem corno da composição e da forma da assembléia. Cad a urn a d est as carac te rís tic as tr ad uz urna relação muito precisa com a orga nização da cidade e formu la urna espécie de discurso em relação a ela - consc iente, deliberado , explícito ou não, o q u e , n est e mom ent o , nã o tem qualqu er importâ ncia. Tod as es tas posições são assumidas publicament e - e se instalam fisicamente - no espaço do político. D eni s G ué no u n Num edifício sobrevive ainda alguma coisa destas determinações . A localização do prédio (subúrbio ou centro da cidade?), sua forma e o sistema de suas funções internas, com tudo o que ele pressupõe no tocan te a escolha do horário, duração e desenrolar das rep resentações: são es tas as p'li meiras marcas da política. ~ instância política que orde na o teatro é, em primeiro lugar , a arquitetura. Isto não significa que o que é rep resentado no teatro seja desprovido de significação política, sem projeção. Simplesmente o que se representa é previamente ordenad02 pela arquitetura - literalmente, colocado em cena por ela. A arquitetura, como se sabe, é arqui- política: art e instituída pela política e que talvez, em contrapartida, a institua. eensar o teatro a par tir de oesclições do que acontece em cena, ignorand o o que a existência, a forma, o lugar, o volume desta cena devem a uma construção - qu e não é universal não é óbvia - é pensar o teatro esquece ndo a política que o orde na - a prescri ção, a convocação política que o põe em cena. * Ora, uma viagem ao reino da arquitetura teatral (viagem no tempo e também no espaço) impõe-nos urna constataç ão: a imensa maioria dos teatros foi constru ída seg undo um desenho circ ula r. 16 2. Prescrit o . d ir igid o, so lic itado - formu lado CO IIIO uma co uuuu lu. 17 A exibição das palavras Deni s Gu énoun Antes de tudo porque, ao que parece, o círculo é uma boa disposição para ver e ouvir. Os teatros refazem a organização espontânea da aglomeração, fixando-a: qualquer pessoa que já tenha armado um tablado num lugar de circulação pública sabe Não vamos nos deter neste ponto: não é nosso tema aqui. Basta lembrar que, mesmo se só levarmos em conta os teatros ocidentais, as três arquiteturas que marcam sua história: a greco- romana, a elisabetana e a assim chamada "à italiana", produziram volumes redondos. Por quê? " que os curiosos se dispõem espontaneamente num círculo perfeito - se o espaço não apresentar nenhum obstáculo, claro. Será qu e é o caso de pensar que nossos dois sentidos estão em contradição '? - é que, nas salas totalmente frontais, os espectadores do fundo vêem melhor do qu e nas extremidades laterais dos balcões (nos nossos teatros antigos , lugares 19 Esta explicação não basta: dada a evolução dos espetáculos, os teatros de planta circular não oferecem mais, hoje em dia, a melhor visibilidade. Todas as tentativas de construir salas de fronta- lidade mais rígida (salas em forma de retângulo, nas quais cada espectador está de frente para o palco), por um lado, resultam em lugares onde todo mundo tem a oportunidade de ver bem mas, por outro, criam teatros detestáveis: frígidos, para dizer o mínimo. Qual a razão, então, para esta superioridade do circular? • negat ivo: é um teatro cujos muros laterais não são vistos , porqu c es tão escond idos por es pectadores. Numa sa la retangular. as fileiras dc poltron as vão dar. à esq ue rda e à direita, em pared es lisas ou decoradas. Ao cont rá rio , nas sa las qu e chamamos de arredond ad a s. a bs t r a íd as tod as as difer en ças. dos lad os só vem os o pú hlico (nos bal cões ou nas arquibancadas do anfit eatro), cujos assentos mais laterais quase en costam no palco, 3. Precisemos um pouco mais, tendo em mente o leito r qu e pen saria apenas nos "teatros de arena" , áreas circulares que se prestaram às mais diver sas expe riênc ias . Este leitor poderia se espantar com a nossa tese, na medida em que os teatros de arena são muito raros. A rotundidade à qual nos referimos aqui designa, por exemplo, o anfiteatro antigo, construído sobre um arco de círcul o; o cilind ro perfeito do teatro elisab etano - a célebre maqu ete do Globe - no qual as galeri as se enco ntram com o espaço cênico e chegam até a instalar alguns espec tadores atr ás da cena; ou ainda à maioria de nossos teatro s ditos ..à italiana" (embora e les seja m, co m freqü ên cia, bastardos), cuja circularidade é ass umida, so bre tudo. pelos balcões. qu e chegam até a beira do arco de proscênio (e. na platéia. os assent os são dispostos. freqü entemente, em linhas curvas muit o abe rta s). O que estamos cha mando de teatro circular pode ser definid o também de modo.18 A c x i b i ç ã o d a s p a I a v I' a s conside rados quase cegos), em compe nsaç ão, escutam de forma muito pior ." É verdade . No enta nto, existe m salas retangulares co m uma acústica exce lente qu e sofre m, contudo, do qu e chamare mos provisoriamente de frieza - ausê ncia desta misteriosa "boa relação" entre o pal co e a platéia , à qu al todo s os atores se referem, se m conseguire m defini-la a não ser por uma espécie de se nsação, enigmática mas incontest ável. * Mas o que importa não está aí. ÓS o procura- rem os - como o leitor pode imaginar - na origem política da representação teatr al. E se fund amenta num a observação ingênua: o círculo é a disposição qu e permite qu e o público se veja. Deni s Guénou Il se ouça m (é possível escutar algu ém qu e es tá atrás de nós), mas é precisamente a es tr utura qu e permite qu e as pessoas se vejam e distin gam as dem ais não co mo massa , mas como reunião d e indi vídu os: p ermit e ve r os r ost os - recon hecer- se . Ora, o púlJIico dos teatros não é uma multidão. em uma aglomeração de indivíduos isolados. Este público qu er ter o se ntimento, concre to, de sua existência coletiva. O público qu er se ver, se reconhecer como grupo. Qu er perceber suas próprias reações, as emoções qu e o percor rem, o cont ágio do riso, da aflição, da expec tativa. t lima reunião volunt ária, fund ada sobre uma divisão. É, ao men os como es pera nça, co mo so nho, 11 ma comunida de. Num grupo, para qu e cada um veja tod os os dem ais, é preciso es tar em círculo. O círc ulo não é a organização qu e permite qu e as pessoas 20 4-. Simplesmen tc porque estão longe. Em duas salas dc igual lotação. os espectadores menos hem localizados es tão nas late ra is extre mas dos balcõ cs (c. portanto. nu ma relação de visão execráve l, mas ruuitíssimo próxi mos do palco): ó o caso do teat ro circ ula r. Ou. então. es tão re legados às [ileiras do fundo (ua hipótese fron tal) e. port ant o. dc frente. mas longe dem ais. O pre ço d as e nt ra das d en ot a. co m freqiiêneia esta hierarquia. Logo após a Segunda Guerra, fez-se a tentativa de construir na Fran ça teatros onde o púb lico todo ver ia bem. Havia nisto um a preocupação qu e chamava m de dem ocráti ca e (lue se define com mais exatidão como igualitár ia. As vezes, desejava- se tam bém , po r razões de mod ernism o ta nto qu ant o de econo mia, apresentar nu m único lugar teatro e cinema. O fracasso foi completo. Teatr o e cinema não reúne m o pú blico de modo análogo. O cin ema auto riza um a relação individua l do espec tado r com a tela . Em determ inados períodos 2 1 A e x i biçã o d a s p a l a v r a s de sua hist óri a, ele favorece esta relação: assim, faz uns vinte anos, proliferaram as pequ enas salas , cujo conceito de conforto consiste em qu e cada espectador possa afundar na poltrona e se esquecer do que está em volta. " A forma retan gular se presta bastant e bem a isto: ela privilegia a melhor visão possível de cada poltrona diant e da imagem. Ela não imp ed e , mas também não e nc oraj a a comunicação entre o público. É possível ver um filme sozinho numa sala e tirar disto grande prazer. No teatro, jamais é possível o prazer solitário. Se a platéia está deserta, a representação fica prejudi cada. O público quer a percep ção de seu estar-ali coletivamente. Ele quer se sentir se ouvir, , experimentar seu pertencimento, sua reunião. Os espectadores querem se ver uns aos outros." D e ni s Gu é n o u n Daí a necessidade de teatro s circulares." * Em que medida esta necessid ade é política? Vamos esquecer por um momento o teatro. O círculo permit e a um gr u po que ele se reconheça. Portanto, que ele se fale: o círculo é a form a d as ass e mblé ia s - pel o men os das asse mbléias livres . Que p r essu p õem um a comunidade consc iente de si mesma e capaz de decidir seu destino. O anfitea tro exprime esta idéia de Cidade: reúne o povo todo, ou seus rep resen - tant es. Mas num ou noutro caso, sua rotun did ad e d esi gna a co mu nid ade, s ua un id ad e , s ua autonomia. Ela é a condição da deliberação, bem como sua figura: o esque ma próprio do coletivo na democracia. 22 5 . Esta relação é possível no cine ma, e é, hoje em dia, dominante, Mas ela não entra na defini ção do cine ma. No inicio do séc ulo, os cine-tca tros se aprox imava m mais da aglomeração popu lar. da fe ira e da festa. E h á qu em qu eira atualmente d evolv er ao espe t áculo do filme es ta dimensão perd ida (mais coletiva, d ivertid a) para combater a desativação das salas de cinema. 6 . Esta exigê nc ia aparece também em outros domíni os for a do tea tro . Num estúdio, por exemplo. Este é un i ponto que o tea tro e o es po rte têm e m comum. Exercício: procura r - em outro âmbito - a diferen ça. 7. Não estamos pretend end o que no teatro cada espectador veja e reconheça todos os demais. A arq uiteturatea tra l é complexa e res ulta de necessi d ad es eonOitante s. O cí rc ulo é sua ba se , mas de forma diver sificada. O qu e esta mos querendo dizer é qu e, se a forma em arcos se impôs na maioria dos casos, é pr eciso buscar a razão primeira para este fato na adequação do círculo ao reco nhecimento eomunitário. A partir daí. o círculo se man ifesta ou se desvan ece. triunfa ou recu a, se realiza ou se fraglllcllta. 23 A exibição das palavras Ao contrário, uma assembléia reunida em fileiras retas favorece para cada participante a visão do que se passa na tribuna: como numa sala de aulas de antigamente, pouco preocupada em despertar no auditório a consciência comunitária: o sentimento era de temor em relação à tribuna. A precedência é atribuída à relação direta, de autoridade entre professor e alunos. Denis Guénoun Voltemos aos teatros. A arquitetura circular que os predispõe deixa, portanto, entrever uma relação fundamental para a afirmação que aqui fizemos (relação complexa, que será preciso abordar sem reducionismos - mas relação, ainda assim): uma afinidade de origem entre teatro e democracia. * A disposição frontal, em fileiras retas e paralelas, quer combater, desestruturar a cons- ciência de pertencer a um grupo que delibera sobre sua história. Ela desarticula a comunidade, submete-a: ela se parece à formação de soldados no pátio do quartel para a revista. Vemos um Parlamento disposto em fileiras retilíneas, alinhadas diante de uma tribuna? - é a imagem, infalível, de um regime autoritário. O mesmo ocorre no nível do simbólico com Congressos e colóquios de todos os tipos: seu autoritarismo cresce na razão inversa de sua circularidade." 24 8. Seria preciso acrescentar algo sobre as formas mistas: como a das assembléias monárquicas, nas quais, de início ao menos, as ordens estão frente a frente, cm grupos compactos. O que a cidade vê de si mesma. neste caso, é sua divisão, sua estrutura. Ela se representa, a seus próprios olhos. não como reunião de indivíduos, mas como composição de Corpos. Não se trata de afirmar aqui que o teatro seja a democracia, nem o contrário. Esta aproximação concerne às formas: ela aponta uma semelhança entre a forma originária de um teatro e a forma da assembléia democrática. Pelo menos no sentido em que esta palavra está sendo entendida aqui: assembléia que delibera - e, portanto, que decide - a respeito de sua história. O que diz esta semelhança? Diz que a democracia quer exprimir a Cidade como comunidade, e que é a questão da comunidade (o desejo, a nostalgia, a vontade de comunidade, como veremos) que se mobiliza na convocação de um grupo como público de teatro. Tentaremos a seguir compreender por que esta questão é aí desenvolvida. Como, nós já sabemos: na forma da assembléia do público, na disposição circular que lhe permite reconhecer-se. 25 A e x i b i ç ã o das palavra s E isto nos leva , sem dúvida, a dar um pouco mais de consistência à nossa determinação do alcance políti co do teatro (do fato , do aconteci- mento, da representação teatral, antes de qualquer exame de seu conte údo ou de seu desenrolar-se). Como dissemos, a convocação dos espectadores é, efetivame nte, um ato público - que se processa no espaço da organização da cidade . E nunca é indiferente , seja qual for a forma do Estado e seu regim e, qu e seja convocada, publicamente, uma reunião na qual se mobiliza o desejo da comuni- dade. Est e des ejo se r á aí mobilizado talvez timid amente, de modo velado ou medroso. Ele se rá, talvez, objeto de coerç ões ou desvios. Mas ele se rá ali mobilizado - ou então não se es tar á no teatro. E a provocação , pública, de uma reunião deste tipo não pod e se r indiferente ao Estado. Pouco importa se ela lhe sorri ou se ele se põe em alerta por ca usa dela. * A circ ula r id ade do teatro é urna pré- d isp osição política . Este enunc iado ped e dois complementos. Observemos a maquet e do Clobe: é um cilindro quase perfeito. Olhem os também a planta de um aut êntico teatro à italiana: a platéia é quase 26 D eni s Gu énoun circular , a ponto de se encontrar com o palco. O qu e ocorria também, ao que parece, com os primeiros teatros g;:-egos - em madeira - até onde sabemos. Em todos estes casos, o espaç o do público se fecha pelos lados na direção do lugar dos atores. E é possível formular isto de outro modo, por um ligeiro deslocam ento do olhar : os atores fazem parte do círculo, eles são seu complemento, seu fechamento , eles agem no ponto em qu e se completa sua rotundidade. A pureza do des enho não é o qu e mais interessa nesta ob serv ação, ma s se u corolário imediato: os atores são membros da comunidade reunida, o palco es tá na platéia . O qu e se põe em jogo no palco não é heterogêneo ao que se mobiliza no público. O palco é ocupado por urna fração da comunidade , qu e aí se encontra - originariame nte - em conse qüê ncia de urna espécie de delegação, ou, se preferirem (segundo a dupla ressonân cia da palavra que nos remete a afinidade e a política): por eleição. (Dizendo isto, não pr etendem os afirmar qu e o ator é membro da comunida de por proveniên cia, por origem. Não : ele entra na assembléia pelo ato - políti co - da representação. Acontece co m freqüên cia, desd e o início do teatro, qu e o ator seja um es trange iro , qu e viaja. Isto não o exclui 27 A exibição das palavras da comunidade reunida. Pelo contrário. O momento do teatro na cidade éo convite a esta narrativa e a este narrador, estrangeiros.) * Outra consequencia: a História do teatro parece feita de uma sucessão, de uma alternância de episódios inversos. Em certas épocas, vê-se o círculo surgir, fechar-se em sua forma completa. Depois vêm tempos - mais longos - em que ele parece atacado, fracionado, achatado. Primeiro, fracionado. O palco se opõe ao resto do círculo. Ele se eleva, se separa: se institui. O limite entre ele e a platéia, corredor provisório e cômodo, não funciona mais como aproximação mas como barra, barreira. Em seguida, achatado. O palco separado quer se estender: em largura, em profundidade. Os lados vêem menos bem. O arco de círculo em que a platéia se transformou (desde que ela foi amputada de um fragmento) se abre irresisti- velmente. A curva se atenua. O teatro se torna pouco a pouco frontal. Face a face, confronto de espaços que se afrontam. 28 Denis Guénoun Este relato, sob a forma que lhe demos aqui, é, evidentemente, um romance das origens. A sucessão não é factual nem tampouco linear. Não obstante, a história do teatro conhece, na verdade, momentos de irrupção bruta, de invenção intensa, quando a arte parece se regenerar: o momento grego, claro, o momento elisabetano, o momento italiano. Poderíamos apontar também uma espécie de momento revolucionário na Europa dos anos vinte. São tempos nos quais o político da representação (no sentido em que nos aproximamos dele aqui - como mobilização de um desejo comunitário e proclamação pública da vivacidade deste desejo) se afirma sem prudência, freqüentemente com alegria. E são momentos em que o círculo se reforma. Depois então vêm os retornos à ordem: o círculo se abre, o corte em relação ao palco se ennjece. Mas, a partir desta análise, é preciso deduzir o seguinte: mesmo nas piores épocas de achata- mento do teatro, este processo não avança até seu limite máximo. Ele não pode reduzir a represen- tação ao frente a frente total entre um palco autoritário e uma comunidade desfeita. Se isto ocorresse, o teatro, neste ponto, se desvane- ceria. E enquanto o teatro subsistir, por mais 29 A exibição das palavras enfraquecido que ele esteja, resta algo da comunidade desejada, do reconhecimento, do compartilhar. E, portanto, do círculo. * A abertura dos arcos do círculo - o achata- mento do teatro - não é a única testemunha desta espécie derepressão da representação em proveito do representado, deste esquecimento, desta censura do político originário. Outro exemplo: o emprego da luz e da sombra. Nas épocas fortes do teatro (segundo a acepção, política, que acabamos de esboçar) a assembléia dos espectadores é visível. Portanto: iluminada. Às vezes a representação acontece ao ar livre, em pleno dia - como entre os gregos. Mesmo à noite o teatro de rua recebe as luzes da cidade. As platéias são iluminadas: fogo, lâmpadas - e o Globe Theater não tem teto. Só em determi- nados períodos e em contextos definidos os espectadores são mergulhados na obscuridade. O efeito - político - está determinado: a platéia se esquece em proveito do palco, como se pode esquecer o próprio corpo durante um sonho. Ela se ausenta, o palco parece que está só - o que não é verdade, ao menos porque o público pode ouvir seus próprios ruídos e silêncios. Mas ele não se 30 Denis Guénoun vê. Ele está imaginariamente excluído da representação, apesar de ser seu fundamento prrmeiro. Este obscurecimento não pode aniquilar o fato político da representação. Ele obscurece a experiência que ela tem de si mesma. A representação permanece um ato político, mas ela sabe - vê - isto com menos nitidez. Assim como o recalque de um desejo não o destrói nem suprime seu papel (só encobre seu objeto), o fato de mergulhar a sala na penumbra não dissolve o público: isto seria ausentar o teatro. O recalque do político é político também. Aqui, ele tem o efeito de cobrir com um véu a comunidade mobilizada dos indivíduos reunidos e de só deixar aparecer dela a pequena parte, intensamente iluminada, que emerge sobre o palco: freqüentemente, aliás, floresce a idéia do teatro como subespécie da magra. * E, para finalizar estes comentários a respeito da rotundidade, menciono um último traço desta história, e dos mais singulares: o destino da orchestra. A disposição do público em arqui- bancadas circulares tem como conseqüência liberar um espaço no chão, também circular, en- 31 A e x i b iç ã o da s p u l u v r a s tre as primeiras fileiras e o palco. Isto não é arbitrário nem for çado: basta observar um clown ou um c a n to r na rua, e ve re mos a platéia , es ponta nea me nte org a nizada num cí rc ulo, d eixar que se form e um gra nde espaço vazio diante d o ca ntor , do mímico. Também aí os es pectad ores mai s próxim os es tão nas laterai s. Nó s no s habituamos co m o fato d e qu e nos teatros também este espaço seja ocupado p or poltronas. Ma s ist o é uma e vo lução rccen te. Os gregos usam este lugar num so be ra no e q u ilí b r io e n tre c oe rê ncia e in vençã o . El e s in scre vem aí as evoluç õe s d o coro . At é ond e se sa be, o co ro é um grupo pouco numeroso (em vis ta d est e gra nd c espaço) c uja a tivid ad c difcrc cla ra me nte d a d os a to res : o co ro ca nta e d ança . Daí qu e eles cons tituc m, segund o reza a tradição, o e lc me n to mai s atraente: mais popular, d a rcprcsent ação. So bre tudo - a í es tá a in venção - não são " p rofiss iona is " da práti ca teat r al. Ao contrá rio d os a tores, qu c represcntam sob re o pal c o , o s c o rc u tas s ã o p c s s o a s d o p o vo : co n tra ta dos por um pcríod o muit o limitad o , a pe nas para pa rti cipar d a fcst a, clcs só agcm , na rep resenta ção, scgu nd o este ca r áte r provisório . E les provêm , d iretamente , da ass e m b lé ia d o público. 32 D en i s G u é no u n O ator também, como afirmamos. Ma s não seg u n d o o me smo r egime. O ator e n tr a na assembléia habilitado pela representação. Sua exis tê nc ia - como membro d e uma profissão , confra ria - testemunha uma evoluç ão originária qu e di stingue o narrador d e seu público . Nas tragédias gregas, co m freqüência, o ator principal é também o poeta. Sua fun ção c m cena deveria se r objeto d e u ma análise - política - profunda: porque ele figura, freqü entemente, o rei ou o d et entor do poder, ou se u mensageiro, sc u port a- voz, se u intérprete. A palavra poéti ca e nunciad a no pal co é int erpret a ção dos signos d o político, isso quando a própria int erpretação não é, cla própria, política, isto é , interior ao di scurso político. Mas nã o nos antecip emos a resp eito dcste pont o. A ce na figura a autoridade, o pod er. Ela fala , ficticiam ent e , e m se u nome. E o at or que est á no pa lco j á se di stingu e da platéia , como o pod er se di stingu e na c idadc . Simplesmente, o ato da representação, e a di sposição circ ula r qu e o organiza , int egra es ta autoridade e seu di scurso como uma parte da co m u nid a de reunida, co loca n d o- a co mo um fragmento - destacado - dc sc u círculo c não como uma irrupção externa, incid cnte celeste ou e nxe rto divino . O palco es tá no teatro como o Olimpo na Grécia, ele vado, mas c irc unscr ito . I~ ass im qu e a Grécia representa para si, aqui , pel o men os, o exte rior : não co mo alte r id ad c d e ess ência, ma s 33 A e x ib i çã o da s palavra s D en i s Gu én oun * Se respondêssemos a isto agora, anteciparía- mos mais que o necessário. Por ora, basta mencionar o destino que terá esta superfície surpreendente . Seu vazio será pouco a pouco preenchido - por dois tipos de afluência. Primeiro, pelo público: as poltronas de platéia. A ocupação deste espaço por assentos é tardia. Nos teatros elisabetanos e, com freqüência , ainda no século XIX, o público fica em pé neste espaço: área de circulação, em geral muito animada e barulhenta. Os atores reclamam da indisciplina do "panerre",' 35 Este lugar no chão, circular, colocado entre o teatro e o palco, se chama orchestra. A palavra vem de um verbo grego que significa dançar: é o lugar ond e se vê o coro que dança. Por que a dança? Por qu e é ela que define este espaço? Por que é que ela deixa seu rastro (imperceptível, esquecido) na etimologia da orquestra? *O lermo significa tamLém" andm·rérn,o". Em port uguês não lemos, no vocabul ário teat ral, um a palavra para trad uzir partcrre. espa ~'o des tinad o a espectadore s qu e assistia m de pé, à re presemnção, e qu e se distinguia dos balcões, camarotes e gale lilL~ , (N. daT.) Já o coro emana do povo, diretamente. Seus membros são uma parte da comunidade cidad ã, provisoriamente encarregada de cantar e dançar. O público o vê e assim vê a si mesmo por delegação , figuração, metonímia. O coro é exatamente uma representação do público - no sentido político e mimético do termo. Não resistiremos a uma pequena antecipação do que virá em seguida - quanto ao conteúdo, ao representado do teatro. Porque é preciso observar, sem delongas, que esta delegação do coro pela comunidade tem sua inscrição legível no texto. O coro representa - na narrativa - o povo. Ele é a figura dos cidadãos reunidos diante do Rei - que está ' no palco - e qu e o interrogam, exige m esclarecim entos, pedem -lhe contas, solicitam respostas. A tragédia conta as respostas do Rei ao povo- sua responsabilidade. Esta é a invenção grega do Teatro: a projeção na área central , liberada, no chão, pela constituição circular das arquibancadas, de um grupo de cantores e dançarinos saídos do povo por delegação direta e que o povo vê como vê a si próprio , aos pés da autoridade, que o domina, interpelando-ade baixo, perguntando-lhe pela palavra e pelo sentido. como fragmento alterado de si. O palco é a figura - arquitetural e poética - de uma exterioridade assim colocada no interior da assembléia. Ele é o signo comunitário do estranho. 34 A exibição das palavras Território do público menos bem aquinhoado financeiramente - ao contrário do que acontecerá no futuro, quando aí serão fixadas as poltronas frontais. ooutro ocupante que virá se instalar aí depois da desaparição do coro é o grupo dos músicos (que por isto recebe a denominação de orquestra). Por muito tempo a orquestra conservaráos vestígios de sua origem: conjunto proveniente do povo. Nas cidades pequenas, por exemplo, a orquestra reúne músicos do lugar - enquanto os cantores, no palco, são, com freqüência, viajantes vindos da capital ou do estrangeiro. A cooperação entre eles evoca os ofícios religiosos nos quais o coral - o coro - é composto por paroquianos, enquanto que o oficiante empresta sua voz ao discurso, todo- poderoso, do Outro. * Por que pretender, então, que o ator está em cena por delegação, por eleição? Quanto ao coro, pode ser, porque ele se origina diretamente do povo. Mas o ator? Que é um estrangeiro, de passagem... Vamos recorrer, novamente, a uma ficção sobre as origens. O público se junta - no salão de 36 Denis Guénoun festas de uma cidadezinha. O espaço está vazio, o chão nu. Na véspera, aconteceu ali um baile, as cadeiras estão empilhadas, encostadas na parede. Alguém arma um tablado - dois praticáveis que estavam desmontados num canto. As cadeiras são arrumadas em círculo. Todos se sentam. O presidente da associação agradece ao prefeito, aos bombeiros. Depois convida um ator a subir ao palco improvisado. O ator sobe. Talvez seja um morador da cidade, conhecido da maioria dos presentes - mas é o menos provável. Talvez seja um viajante que chegou naquela manhã mesmo. Pedem-lhe que suba: é o grupo, pela voz de seu representante, que o chama, atribuindo-lhe o lugar do recitante, do criador de histórias. A constituição originária do teatro corresponde a este romance. O ator só está no palco porque foi convidado, por eleição da assembléia - mesmo que ele seja um visitante de passagem por um único dia. * Seria preciso ainda pensar qual o estranho elo que liga a autoridade com o exterior o outro, , para que a comunidade chame com tanta freqüência um estrangeiro para assumir o papel (usar a máscara, pronunciar as palavras) daquele que detém o poder. * 37 A e x i h i ç ã u tia s palavra s oque concluir de tudo isto? O teatro acontece num espaç o politicamente pré-di sposto. Por quê ? Qu e espéc ie de afinidade (do teatro com o político) este pare ntesc o d e lugar exprime? Primeiro a seguinte : o teatro reúne um público que tem, ou acredita que tem, ca pacid ade d e d ecisão políti ca. E ntre os gregos, o público é a cid ade toda. Todos os cidad ãos são convoc ad os . O Esta do os ajuda , concede-lhes um a nti-impo s to, um a subvenção por d e ve r d e presença. Tod o o povo, potencialmente , se vê nas arq uibancad as - as mesmas que a asse mbléia políti ca usa, traves d e mad e ira , provisórias , d esmontáveis , remon- tadas pa ra a festa. A a tração d o momento é tão grande q ue a cid ade fica d eserta: os bandidos, di z Aristófanes, se esba ld a m nas cas as a ba ndonadas . É, pois , a própria política , a fJOli;~ reunida , qu e cons titui o espaço d o fat o teatral. E a instância d o pod er político - apto à decisão polít ica - que assiste à re presenta ção . A observa ção vale também para o teatro de Corte . A Corte reunida no teatro é aquel a qu e , por sua proximidade com o Rei, sua influência sobre ele , exe rce a autori d ade sobre a vida p ública. Ela inclui a família, os ministros, os consel he iros, as ca mmi lhas . O próprio Rei pode aparecer ali. As platéias modernas aind a corroboram es ta co nstatação. As ge rações que 38 D e n i s G lI én o ll n se batem por um teatro de rua são as que acr editam qu e é a Rua que faz a d ecisão p olítica (lugar insurrecional , lugar de Revolução). O público burguês do teatro de bul evar qu er controlar as rédeas da cidade. A assembléia de notáveis qu e lota certas salas de província se vê diri gindo a vicia pública local. E os professores, a classe média ou os ama do res qu e apó iam o teatro de AI1e se vêe m como sujeitos ativos da democracia liberal mod erna . Mesm o a afluência de um público "operário" - e m geral composto de qu adros ou líderes de associações ou sind icatos - qu e fez o sucesso de um ce rt o teatro dito popul ar depois da Liberação não pode se r compreendido se m a es pe rança, a vontade de parti cipação na decisão política nestes se tores de um a sociedade e m Iase de fort e sind icalização . (Pod e-se ded uzir daí o seguinte, que vale pa ra a co nte mpo ra ne idade : se a co rrelação es tá corre ta, não nos espa nta re mos co m a baixa de afluênc ia ao s teatros neste per íod o de desapreço pelo político. A a bs te n ção a fe ta s im u lta ne a me nte os d oi s espaços . O teat ro não poderia se r rea b ilitado a não se r nu ma é poca d e d emoc racia rea vivad a porqu e um pú bli co só ve m ao teatr o q uan d o ac red ita , sa be ou qu e r se r pol itica me nte a tivo. ) O cí rc ulo permite a todas estas asse mblé ias conve nc idas de sua pr ópri a hab ilitação política qu e 39 A e x i b iç ã o da s p a l a v r a s se reconheçam. Nas arquibancadas , a cidade grega se ree ncontra e se vê.Y Nos teatros à italiana, o público burguês gosta de se exibir. Os balcões são propícios a isto - a plat éia de pé pode aplaudir um recém- ch egad o ilu stre . Cer tos camarotes limitam com a cena - a visão é péssima , mas quem está ali es tá em evidê ncia. No teatro da corte, o Rei se mostra. Às vezes com a nob reza, ele toma assento no palco , ao lado da a ção . ! ? No teatro se exibe uma idéia (uma vista) da cidade reunida. É por isto que ele é um teatro do mundo: a Cidade se vê como análoga ao cosmo - e o teatro figura sua unid ad e esférica - o Globo . * D eni s G u é no u n O teatro acontece no espaço do político. Num lugar marcado , ocupado, pré-disposto pela aptidão (real ou fictícia) para a deliberação e a decisão políticas. Pode-se dizer que o teat ro faz políti ca? Não, não exatamente . O teatro acontece no es paço político, mas ele faz com que aí aco nteça algo diferent e daquil o que a política faz acontecer. Há teatro no lugar da política (dent ro de seu es paço, mas também em seu lugar - como uma usur- paçã o). A representação teatral co nsis te em produzir, na área assim organi zada, determin ada - uma outra pal avra , outros signos , outros adventos de sen tido . * 40 9 . Coletivamen te, claro, levando-se em conta a dim e nsão c o número . No q ue diz respei to ao tamanho, pen sa mos nos nossos mo d ernos es tá d ios - no s q u a is o recon hecim ento ta mbé m de se mpen ha se u papel , mas com outras regra s, as de u m combate simulado, e m torn o do q ua l os hab itantes das cidades expe rime nta m o bru tal desejo de afirma r se u pcrt encimen to - e ncontrando, ás vezes, so b o jogo, como que uma guerra real. 10. No teat ro de Corte, a d isp osição não tende necessari am enle à circ ularid ade. t q ue, como a soc ieda de é extre ma me nte hierárquica , se o Hei es tá no palco vê-se d a Cid ad e tud o o qu e é pr eciso ver - co mo num parlam ent o sta linista. Alcançamos o limite deste primeiro percurso, - conclusão provis ória , hipótese: o teatro acontece no es paço do político e produz outra coisa (diferente da política). O quê? 41 11. Já observamos várias vezes qu e o desenvol- viment o acima diz respeito à representação: antes de qualqu er exame do qu e aí se mostra ou se enunc ia, ant es do representado. l~ preciso tratar disto agor a e perguntar para qu e atividade o público se reún e neste teatro, por qu e atração comum - visto qu e outras reuniões, de aspecto se melhante , acontecem e m outros lugares: no conce rto, no estádio, na missa. Uma asse mbléia se reúne no teatro - par a fazer o qu ê? Para ver. - Ver e ouvir, assistir, sentir? Claro, porém mais essenc ialme nte ainda: para ver. Tea tro provém do verbo grego que significa: olhar. E se, na arquitetura antiga, o termo designa o lugar do público (mais qu e a cena ou a orchestrai, é pri meiro por es ta raiz: o teatro (as arquibancad as) é o lugar de onde se vê. 43 A e x i b i ç ã o da s p a l a v r as Uma expressão corrente, a respeito de um espetáculo bem-sucedido ou de um ator talento so, diz qu e ele faz ouvir o texto. Apontaremos aqui um abuso de linguagem. Fazer ouvir um texto é fazer dele uma leitura, em voz alta. Uma leitura, mesmo pública, não é teatro. É uma atividade qu e mantém com o teatro laços profundos e complexos - voltaremo s a isso - mas ela é infra, extra ou prototeatral, como preferirem: não é exatamente teatral. D en i s Gu énoun o teatro só germina quando alguma coisa é proposta à visão. No entanto, o ato de mostrar não é o suficiente: há atos sem elhantes (no estádio, na missa) que também dão a ver e não são teatro no sentido estrito. Isto também não equivale a dizer qu e o teatro se limita a mostrar - o dar a ver não esgota sua natureza, ele não mo stra tudo , indiferentement e. Mas o visível é necessário para que o teatro se form e. É o âmago, o coração de se u advento. Como compreender então qu e certas leituras produzam uma impressão de teatro (e às vezes de um teatro que se rviria de exe mplo a muitas representações - pela inteligência , ~ prazer e até, pod eríamos dizer, a teatralidade)? E qu e alguma coisa aí se dá a ver qu e talvez seja eminentemente teatral. Imaginemo s a audição pública de uma gravação: I I isto sim, se destina ap enas ao ouvido. Neste caso, qualquer vestígio de teatro es taria proscrito. Uma leitura pública produz efeitos de teatro porque o leitor - que deve fazer ouvir o texto - é visto. Teatro germina nesta visão. 44 1 1. Destinad a. por exemplo. a fazer ouvir a voz de algné m que já morr eu . Ou a ap resentar. nUJII tcutrn , UJII tr ab alh o sonoro . com as caixas de so m no palco (não é uma fic ção . já assisti a uma sessão deste tipo). (Então, é impossível o teatro para cegos? Não. Ele existe. É aqu ele qu e, num sentido extre mo, os faz ver.) * o p,úblico se reúne. É para ver. Questão subseqüente: o que é que ele vem ver? O que é que o teatro lhe mostra? Vamos pro ced er pas so a passo, por aproxi- mações - cada vez mais restritivas, se tudo der certo. Obs ervemos o caso mais freqüent e (antes de chegar às situaç ões -limite , aos confins , às margens). Geralment e, o qu e é levado à cena é um texto. Um texto é urna seqüência de palavras. As palavras são eleme ntos de linguagem. E a linguagem não é da ord em do visível. 45 A e x i h i ç â o d a s p a l a v r a s Trata-se aqui de apontar para dois planos da reflexão. Inicialmente, o fato , empírico de que a linguagem se es ta be lece primeiro na pa lavra e , portanto, sen sorialmente , no elem ento da escuta . As palavras pertencem originariame nte ao uni- verso sonoro . Não são vistas. O qu e o teatro quer, o que ele produz, aquilo sobre qu e trabalha é o colocar à vista, é o ato de mostrar as palavra s - que es tão, por natureza, no ele me nto do invisível. O teatro qu er exibir o invisível , dá-lo a ver. O leitor pod e ficar tranqüilo: sabe mos qu e há o escrito. E qu e o escrito é precisam ente a tran scri ção visua l da linguagem. Acreditamos até ter compreendido qu e es ta transcrição atravessa inicialm ente a pa lavra, que ela marca sua origem e não lhe conce de o es paço de nenhuma so no- ridade pura, pr é-escritural, anterior à efetuação d e seu s tr aços . Mas a escr ita produz sig nos determinados - grá ficos, a té mesm o pict óri cos - e queremos afi rmar o seguin te : não é es ta visibilid ade que o teatro busca. O teatro não trab al ha no tornar-visível das palavras expondo ao olha r números e letras. Uma ence nação não é a apresentação di ant e d o público d e grandes configurações grá ficas. Esta diferen ça é profunda, essencial. Ela tem rel ação, antes de tud o, co m o fato de qu e a visua lidade do teatro não é a d a pintura. Um qu adro, colocado no palc o, não é 46 D eni s G ué no ll n tea tra l. Ali, uma belíssima obra pictórica passaria quase desp ercebida. Os bon s ce nários pintados, são, em geral, pinturas medíocres . E os bo ns pintores- cenógrafos sa be m tirar partido des ta diferen ça. O dar a ver qu e a pintura propicia e o qu e o teatro exige são coisas heterogên eas. Por aí, o teatro se afasta da qui lo que, na escrita, participa do pictural - e, portanto , desta forma de dar a ver as pa lavras. Mas a escrita não é ape nas uma região da pintura. Ela produz uma visualiclade qu e atravessa e ult ra passa o es paç o da obra pin tada - ou desenhada. Ela é um arqui-sisterna de traços ao mesm o tempo abstratos e físicos, cuja teori a não vamo s (relprodu zir aqui, visto que não é es te nosso objetivo. Assin alaremos ap enas qu e o recurso ao visível , qu e age na escrita , tem rela ção co m a ausên cia da pal avra: a retirada do locutor , a falt a d e s ua presença efe tiva , o afastamento ou a in-disposiçã o do falante para pron unciar es te discurso no lugar e no tempo para os quais a esc rita o leva . O teatro não dá a ver os vestígios, os depósitos, os subs titutos de uma pa lavra a use nte . Q teatro qu er o corpo e a voz. Ele exige a própria palavra , no ato qu e a profere. E ele qu er vê-la. (O qu e não acarreta, intui-se, talvez , qu e o teatro nã o tenha rela ção alguma co m a es crita - 47 A e x i h iç ã o da s p a l a v r a s aco ntecime nto vis ível de um a pura presença imediata. Claro que nã o.) * Neste sentido, port anto, a lingu agem não es tá no ele me nto do visível. É o primeiro plano de refl exão: as palavras são in-visíveis porque se enuncia m e m sonori dades. Isto diz resp eito à sua materi alid ad e , a seu corpo - a orde m do s signifi- cantes , grosseirame nte faland o. Mas as palavras participam também do não vis íve l por i n te r m éd io d o ele me n to d e se u significado. Efetivamente, o significado é da ordem da intelectu alidade - do inteligível e , por isto, di stinto do se nsíve l, d o qu al o visível é parte. Tentarem os nos precaver contra os efe itos d e contaminação: prim ei ro porque os conteúdos da int el igibilidad e p od em muit o bem in clu ir significados cujos referentes são coisas visíveis, significados qu e tratam do visível, qu e o pen sam. É o qu e acontece com a palavra " vermelho", cujo significado não é, e m si, vermel ho, nem muito men os visível (da mesma forma qu e o conceito de cachorro não late) . Alé m do mais , nas tópi cas tradicionais do se ntido, o intelecto recorre a uma metáfora do olhar 48 D en i s C u é no u l1 para designar se u próprio es tatuto: o pen samento co mo visão do espíri to. Mas isto , ao men os numa primeira aproximação, nad a mais é que uma figura de estilo. E , mesm o se , no fundo, é d ifícil imaginar um conceito do inteligível totalmente livre desta metáfora do visual, somos levados a respeita r a di stinção - sob pe na d e mis tu rarmos tud o. Aceitaremos, po is , para e feitos ope racionais, qu e as pal avras , por seu significado ta mbé m (e, portanto, na medida e m que abrem caminho para o int eligível ) participam de u m ele me nto fundam entalmente não-sen sível : portan to, não vi- sual. ~s 'palavras são so m e se ntido: duplamente " imostr áveis" , E o teatro qu er dá-las a ver. * Porqu e o teat ro, no que lhe diz resp ei to, não usa o vis ua l co m o me tá fo r a - co mo faz o pen sam ento, que pretende ver, mas ap enas com o olho ana lógico do logos. Com o o teatro, a teoria esconde um a referên cia ao ver e m se u núcleo e timológico . Mas , nes te ponto, o pa re n tesco permanece lon gínquo: o qu e o teatro qu er é o visível em si , em sua efe tividade se nso rial. É ver ve r dadeirame n te. É faz er advir diante das arquibancadas algo d e realmente, fisicamente 49 A e x i b i ç ã o d a s p u l a v r a s D en i s G ué no u n * Qual é a utilidade desta asser tiva? Puro prazer do paradoxo? Queremos atrib uir ao teatro uma espécie de utopismo, uma disposição vaga men te apresentado, a ponto de, como veremos, esta efetivida de da apresentação tornar-se pou co a pouco sinônimo do próprio teatro. O teatro quer o corpo, as coisas, exibidos sob se us olhos. O visível como se nsaç ão. O estético. E este corpo, qu e ele quer olhar, perscrutar, es ta matéria visível da qual ele qu er fazer se u objeto de teatro - é o corpo, a matéria das palavras qu e por essê nc ia sã o imprópri as à vis ta , i-mostráveis (porque são feitas de sons e idéias). O teatro qu er ver o invisível: e é a esta singular impossibilid ad e qu e ele consagra, ao menos nos últimos vinte cinco an os na Eu ropa - mas, sem dúvida, também ant es e em outros lugares - tod o o e nge nho de se us art ist as: a tores, pintor es , figurin istas, ce nógrafos, m úsicos.!" bailarin os , maestros, artesãos - toda a ar te de sua en-cenação . prometéica , qu e o conde naria a se mpre tentar o impossível? Não, nada disto. Esta determinação do teatro - dar a ver uma matéria de palavras - leva a olhar precisam ente a ativida de que ali se desenvolve e talvez mesmo , acreditamos - lan çar alguma luz sobre o encontro entre seus atores e o público qu e os assiste. 51 O qu e o teatro faz, portanto, é produ zir algo visível a parti r de palavras. Í~ este, exatamente, o conteúdo da ence nação. A ence nação é uma art e - ou um saooir-faire - ligad o a dois âmbitos: o lingüístico e o visual. E esta art e se desdobra no espaço delimitado por es tes dois domín ios, ele é a arte da passagem de um ao outro, da inter-relação entre o textual e o corpo extenso. Se o teatro perd er uma destas du as amarras, ele se desfaz, nega a própri a essência. l ú se disse a respeito da leitura: o teatro sem visibilidade não é teatro, é apêndice do escrito, protuberância do literário. E es ta tent ação o habita se mpre: teatro qu e não passaria de literatura dramática , proferi ção de pala vras. Teatro sem corpo: fechado, reabsorvido pela pura vocalidade - mas vocalidade mutilad a, deficien te, porque o alcance da voz não se reduz a suas produ ções sonoras, ela não se esgota na esc uta; o ator qu e fala, qu e pr ofere, qu c faz "sair" a voz é também um at or qu e se oferece à vist a , na exposição de sc u esforço físico , da ação corporal 12 . A m úsica de teatro não é simplesmente m úsica. f: m úsica orde nada segundo a a rte de mostra r. de fazer ve r. Podc ría mos ob serva r a se u respei to o mesm o q ne observamos sobre a pintura: a força de uma partitura musical não ti torn a auto ma ti- ca mente teatral (e vice-versa),50 A e x i h i ç ã o d a s p a l u v r a s de sua boca , de se u pescoço , do enraiza mento do sopro que afeta se u corpo inteiro. Isto também o teatro most ra aos olh os. Reduzido ao som e ao se ntid o, ele se r ia desencarnad o, d escarnado, privad o de todos os seus atrativos físicos - mesmo dos da carne visível d o som e do se ntid o. Mas o teatro pode também perder a outra amarra e se red uzir ao visua l, à pura mostração. Chamare mos es te es pe tác ulo de ativid ade cê nica que produz o visível pelo visível, se m dar a ver sua proveniência no in- visível d o texto e d as palavras . O espe tác ulo é o co r po d o teatro isolad o. t;l É o qu e urna certa teologia chama de a carne: não o corpo oposto ao espíri to, mas o COll JO privad o de espírito, o corpo desabitado, o corpo vazio .!" Portanto , não a matéri a , mas a matéria órfã de sua rela ção fundadora co m o se ntido . O es pe tác ulo é o visual sem o texto invisível que o chama. E como es te tex to - mes mo no es pe táculo - es tá se mpre aí, o espetáculo é este efeito de cena que se pretende se m palavra, se m linguagcm originária , se m escrito D cni s C ué n o u n fundador. Não é o corpo, mas a ideologia do cor- po ra l: o efeito de ilusão que vela e recob re a prove ni ência do te atral na lingu agem e no i-rnos tr ável das pa lavras. Dupla tentação, portanto, em qu e o teatro é solicitado a se renegar du as vezes: como literatu ra ou como espe t áculo. É entre os dois qu e o teatro, propria men te, se ma nté m: e ntre as palavras invisíveis e a ex tensão da ce na, nesta improprie- da de radica l q ue des-natura o texto exibindo-o, engana o olho oferecendo-lhe palavras e dá a ver, infatigavelm ente, o imp róp rio desta exibição. * A essênc ia do teatro é o pôr/em/cena. Tese provocante - posso até ouvir o gri to das ligas da virtude . Especifiq uemos. O qu e qu er dizer es ta afirmação brutal? É uma injúria aos atores , aos autores, uma negação da sua preeminên cia? Claro que não, é exa tame nte o co ntrá rio, se lermos corre tamente . É a colocação de sua fundame ntal - e simé trica - necessidade no princípio do tea tro. 52 13 . Cuy Debord teria esc rito: sepa rad o. 1,I·. Evacua ção quc não devolve o corpo à sua essência pri meira (mat ória se parada); cla o priva. ao con tr ário , de nma parte de se u ser - a linguage m originária que o inscreve e o chama. O espetáculo é o corpo do teatro afásico. desccrc hrad o. Primeiro o aut or. Para que o teatro seja posto/ em/cena, é preciso qu e ele seja o pôr em cena de alguma coisa . Pod em os afirmar sem ambigüida de: o tea tro é a vinda à ce na de um texto originário, de 53 A e x i h i ç ã o d a s p a l a v r a s D en i s G ll é no ll n de ele se distinguir do ato cIe suas enunciações sucessivas, cIe a escrita o colocar nesta necessária autonomia em relação às vozes qu e vão qu erer levá-lo à ce na. I ,'; O texto é um escrito, um escrito literário , livresco. O autor é urn escritor. Com o texto tudo começ a, nele tucIo se funda e se origina . Mas o texto não produz, por si só, a teatralidade do teatro. iA teatraliclade não es tá no texto . Ela é a vincIa cio texto ao olhar. Ela é es te processo pelo qual as palavras sae m d e si mesmas para produzir o visível. A teatralidacIe é o próprio pôr/em/cena. uma matéria de palavras. Não é direção de cena, agen ciam ento de cores e form as, pura disp osição do visível : isto é qu estão de es pe tác ulo, teatro nenhum se produz ass im. O pôr/em/cena é a art e de colocar diante dos olhos a linguagem, o verbal, o textual. O teatro só é fiel à sua essê ncia na medida em qu e coloca a anterio rida de de um texto, distinto do ato da rep resentação e cuja representação é a passagem ao visível. O teatral, sendo propriamente es ta vinda (a ence nação, o pôr em ce na), não pode dispensar o texto primeiro, ant eri or , distinto dele e dotado de urna existência autônoma. Nisto ele difere do cinema , cujo texto inicial é um instrumento comprometido com a produção do filme. É o frlme qu e se põe em obra, enquanto qu e no teatro é a escri ta. O texto de cine ma não tem autonomia - por isto sua relação com a publicação é mais incerta e em sua definição não entra a aptidã o para servir a várias real izações sucessivas, enquanto o texto de teatro se coloca, de saída, como distinto de qualquer das realizações qu e lhe darão corpo. Ele pode ser levad o à ce na várias vezes, em diversos países, em diversas époc as, com atores e diretores diferentes. É por isto qu e ele faz parte do corpus literário: ele existe, em sua autonomia, corno texto e corno livro . Nes te se ntid o, o texto d e teat ro é neces- sariame nte esc rito: não porque a ence nação vise a reprod uzir se u cará te r esc riturai, mas pelo fato 54 15. H á exce ções not órias : recentemen te , obras de Iloh Wilson ou Tadeu sz Kanl or, por exemplo. .Iá referimos aci ma qu e toda ca racte rização pod e se r desm en tida pelo e feito de sua própria passagem ao limite . Seg undo Hegel : " Não í: c.u ac te riza ndo uma es p écie por um a defin ição qu alqu er q ue chegare mos ao conce ito desta espécie. 1..•1Definindo, por exe mplo. o anima l por sua livre mobilidade. por se u poder de deslocamen to, percebe mos logo quc a ostra c mu itos outros an imais n ão ca be m nesta defini ção; definindo-os pela se nsibilidade . per cebe mos qu e a mimosa. q ue nãoí: nm a n i ma l. po ss u i. no e n ta n to . e s ta se nsibilidade ." Efei to da rel atividad e de tod as as coisas. rebeldes ao conceito? Seria sumá rio dem ais. No cas o q ue esta mos a ho rdu udo . trat a-se ant es de um trab a lho do própri o conceito: a teatral íd ade nos dois i n ve n t o re s a tua e xa t a ni c n te co mo confro ntaç ão polêmi ca co m a essê nc ia do teat ro (vista co mo saída da liflguagclll para ... 55 A e x i h i ç â o d a s p u l a v r a s * E m s eguida os atore s . Muitos ofícios conc orre m para a exibição do texto . O ce nário, q ue é consid erado bom quando manifes ta a lgo da obra esc rita - e tanto melhor quanto mais ocu lto, menos patente e s ta va aquil o q ue e le tor n a manife sto. Ma s o ce n á r io é o bj e to d e u m a desconfian ça porque sua relação com o texto é aleatória, pode parecer exte rior. Qualquer teat ro é " exterior" - o teatro é o mo vimento mesmo da exte riorização, do devenir exte rio r das palavras . No tocante ao ce nário, o perigo é q ue o elo que une a palavra a es ta figura extern a seja cortado ou dis-tendido. A pri meira e mais necess ária modalidade do tornar-visível da língua será falada pelo COlV o do ator . É o princípio, o começo desta saída das palavras diant e dos olhares, é o arq ui-teat ral , Porque o elo que un e esta exteriori dade ao texto é necessário, retesado. Este D eni s Gu énoun elo se prende à voz, cuja a mbigüidade é aqui fundadora: palie integrante do un iverso sonoro e , portanto, daquilo qu e o teatro visa e procura mostrar, a voz es tá no coração do som e do se ntido. Mas, já se disse qu e ela, por se u próprio corpo, suas cordas tensionadas no corpo do ator, suas ca ixas d e resso nâ ncia vibrantes e mobil izadas, participa originariamen te da visualidade cê nica. A voz es tá dup lamen te inscrita no som e no espaço. Ela coloca e institui seu próprio limite . A es te respeito, ela está no coração, no núcleo do teatro . Não qu e o teatro se reduza à vocalidade como parte do mu ndo dos sons . Mas o teatro se produ z no exato limite entre o som e o corpo, onde a voz es tá precisamente aloja da. O ator é a font e da teatralidad e . Ele é o ponto de passa gem da palavra para o corpo, o lugar d e irrupção, de orige m da palavra no es paço visível da ce na . É nisto que a atividade do ator participa muito esse nc ia lme n te do pôr/em/cena co mo coraç ão da produção do teatro. 56 ( ~ fora de si mesma). O teatro. corno qualquer art e. é assombrado pelo desejo de colocar:i prova s e u limite , pel o so n ho d o trausho rdameruo de sua própria essência - e o sonho é prod utivo. Kantor ou Wilson tensionam . até o ponto da rup tur a. o elo para doxal entre o corpo c a visibilida de da língua - a estra nheza do texto ao visível. o estranho ílsico das palavras - o olha r do surdo, por assim dizer. E isto d et ermina at é a funda çã o d e s ua a tivid ade própri a: a atu ação , o jogo d o at or. A atua çã o não é abso lutamente a pura enunc iaç ão do text o (segundo o regim e de s ua lite ra r iedade), também nã o é a instalação no coração do simulado, do factício, da imagem. A atuação é exa tame nte a atividade qu e cond uz do texto ao visível. A atuaçã o 57 A e x i h i ç ã o d li S (l li I li V I' li S é a passagem ao jogo. O que é propriamente teatral na atuação é o jogo desta impropriedade que entra em jogo , qu e faz nascer o jogo e mostra ao olhar sua irrupção. É nisto qu e o jogo é essencialmente lúdico: o jogo não é um domínio próprio , definido, circ unscrito no âmbito do qual se ria possível se colocar por um savoirf aire. O jogo é o pôr em Jogo. Para falar de outro modo , o núcleo, o coração do jogo do ator é se mpre um certo quaruum de improvisação. Se o jogo do ator se fixa, se estabelece - sejam quais forem as marcas, os ges tos, as entonações qu e parecem por um instant e defini-lo - deixa de ser jogo para se esgo tar na rep rodu ção mimética. O jogo do ator, claro, não é alheio à imitação, mas o qu e o funda como jogo é o ato de imitar, não a figura (a mímica) qu e disto result a. Se não se trata , no momento do jogo, da passagem livre e, de ce rta forma, aleatória, de uma palavra ao visível, se a tensão qu e leva de um a outro se esgo ta, se o ato de represent ar - a passagem ao jogo - desaparece no resultado, o jogo se eclipsa . E com ele o teatr o. O teatr o é se mpre a passagem do texto ao teatr o. A passagem do texto ao visível - ela própria torn ad a obje to do olhar. O qu e estamos aqui tent ando determinar é como o arqui-teatral do jogo do ator, o nascimento, D eni s G uén o u n o começo do teatral no jogo, qu e aí funda sua teatralidade (o pôr em jogo, a passagem para o jogo) , talvez tenha algum elo com o qu e a língua comum chama de "o natural". Realmente, como explicar qu e o público desaprove imediatament e toda e qualquer atuação qu e pareça " teatral"? No teatro, isso é o cúmulo.1(, Como compreende r es ta ce nsura, tão freqüent e: "dá pra ver qu e ele es tá representando, ele não é natural"? Proponho aqui a seguinte tradu ção: "o que a gente vê é o resultado do jogo da atuação, não o pôr em jogo". Não se vê o jogo vir, 'provir do não-jogo. Não se vê o nascimento do jogo do ator, o nascimento do teatro, quer dizer , o próprio teatro. Só se vê o representado - não a representação. (Aproximação inesperad a: entre a qu estão qu e está se ndo aqui debatida e a qu e discutimos ac ima - a qu estão política . Pod eríamos diz er então: a passagem ao jogo da atuação é o que mostra qu e o ator em ce na é membro da comunidade dos espec tadores . Ele é natural, ele é como um de nós. Ele não é ator por essê ncia, mas porqu e, num dado momento, ele começ a a atuar, ele entra no jogo. O entrar no jogo da atuação é o vestígio, em ce na, do gesto de convite pelo qu al o ator foi chamado a subir ao palco. ]~ o começo do teatro, seu prin cípio, sua produção a partir da cidade. É seu fund amento 58 16, Cf. G Uf;i\Oll N. Denis. Le d éuudemcnt , in l.es temps modernes, jan . 199 1. 59 A e x i b i ç â o da s p a l a v r a s co m unitá r io, político. E o apagam ento da passagem para o jogo, reduzida à mímica pura seria como qu e o corolário do eclipse da sala em ben efício do palco, do esquecime nto da assem- bléia , da qu al o palco é ap en as uma parte. É por isto que os atores populares - cômicos, por exemplo - atuam tão bem: eles não param de passar ao jogo da atuação , de fazer o vaivém entre o jogo e o não jogo. Isto está relacionado a seu modo, político, de conduzir a representação: eles não esquecem jamais a platéia , tomam-na como testemunha, dirigem-se a ela em longos monólogos, multiplicam os apa rtes, enviam-na se m cessar ao se ntime nto que ela tem de si mesma - este é um dos prin cipais efeitos do riso - e são, port ant o, pou co suspe itos de se enclausurarem no espaço imagético da ce na. Eles jogam a represent ação contra o representado , freq üentemente até em sua esc rita - Moli êre faz isto se m par ar. ) E, dep ois, a passagem para o jogo da atu ação não age ap enas em sua forma mais explícita (as fissuras e retomad as do jogo cômico, por exemplo). Ela trab alh a o coração do jogo, se mpre - mesm o nos momentos mais simulados, mais exteriores, mais fixos. Como espaço da improvisação, mesm o em meio às marcas mais rep etiti vas. Ela é a arte de encontrar a proveni ên cia aleatória no mais íntimo do retorno do mesm o. Ela é o testemunho 60 D en i s G ué no u ll do nascimento do visível a partir do não-visível, como um buraco negro, um abismo no fundo da imagem , atestando sua vinda a partir do nad a, e sem a qual ela não é mais uma imagem, mas uma coisa: privada da atividade, nela, do imaginário, do devenir-i magem ela imagem da ficção - privada do jogo. * Nada há , em tud o isto, qu e atente contra a dignidade dos atores, dos autores. Trata-se de dizer que, na pr ópri a atividade deles, o todo do teatro consiste no pôr em ce na, qu er dizer, nesta função singular qu e qu er abrir ao visível a matér ia ncgra e cega das palavras. Ator e autor são os dois pólos fund ad ores do teatro: pólo verbal, literário, textual e pólo físico, corpora l, expos to à vista. Entre eles se coloca todo o teatro: não há nad a além deles, da atividade de se pôr e m relação. Mas nem um nem outro podem prescindir desta viagem , do percurso deste espaço qu e os separa e ao mesmo tempo os reúne: se o ignorar, o autor se fechará entre os livros, e o a tor se ence rrará nos es pe táculos . O teatro acont ece na travessia qu e conduz de um ao outro - é o espaço da interpretação, o espaço aberto do sentido. A interpretação é es te adve nto do se ntido ao se nsível. O sentido não es tá nas pala vras antes de lhes se r proposto um corpo 61 A e x i h i ç â o da s p a l a v r u s aleatório e mutante. Ne m nos corpos que nenhum texto invoca. O sentid o es tá na int erpretação, caduca, provisória, aberta. Na passagem para o jogo, o pôr em jogo da escrita - o pôr e m ce na . E é isto que o público olha. O público não olha ap enas os corpos e as imagen s - neste caso ele es tari a no registro do espe táculo, não no do teatro. O público do teatro qu er ver a passagem do texto à ce na. Ées ta demanda qu e sustenta se u olhar tão singular. Este olha r pré-supõe o texto. Ele escava a ce na para ex umar o texto so te rra d o (invisível). O olha r do espec tado r é aqui um a estra nhíssima abertura para a escuta . Não no sentido de qu e ele deveri a fech ar os olhos para ouvir. Pelo contrário, ele deve abrir be m os olhos para perscrutar a cena e d istinguir aí os sinais da passagem (invisível) do texto. O q ue o espectador olha é o jogo dos traços imagéticos qu e at est a a p resença aqu i, física, corpo ral, de um texto qu e age na so mbra, obscuro, e cuja onipresença é uma espécie de ausência ativa. O texto é um livro qu e ca da ator teve por muito tempo nas mã os e o público sabe disto , ele olha a representação dos atores corno inteirament e determinada por um livro ausentc.! " O público D en i s Guénoun ficará completamente de cep cionad o com o teatro, enganado em sua expectativa, se não perceb er nada desta vinda de um texto prévio até a ce na. Por isto as novas encenações de textos clássicos desempe- nharam várias vezes o papel de manifesto das mudan ças de época da teatralidade - porque elas dão a ver, co m uma clareza meridiana, o trabalho do texto ausente nos corpos e bocas visíve is. É por isto qu e as novasp eças são tão difíceis de encenar, porque elas levam muito tempo a dar a ler sua teat r alidad e , para alé m da sua literariedade : porque o primeiro olha r só mu ito d ificilmente co nsegue di ssociar o texto d os signos que o transportam e é necessária, no e nta nto es ta dist inção para qu e o caminho do texto à ce na seja visível - para qu e haja teatro . Beckett só agora es tá alcan çando isto. E, no e ntanto: a viagem do texto à ce na qu e deve se r lida, vista, a distân cia qu e um clá ssico facilmente, facilmente até dem ais co nsegue, é muito mais difícil- e tamb ém muito mais divertida - de se produzir co m um co nte mporâ neo - e é o 62 I 7 . t por isto que se pod e sentir um prazer tão es pec ial e m ver um ator represe nta r co m o texto na mão . t o qu e acont ece nas sessões - muit as "ezes mem oráveis - em que. numa emergência. um ator ausent e é su listituido por outro ou até pe lo próprio ~ ~ di ret or , São mom entos de teatro mui to raros. t isto que raz também - c com justiça - o sucesso de ce rtas " leituras-espet áculo". qu c se considera m um a es pé cie de teatro incompleto, p rovisóri o c produz e m algo como o a rq ui-tcatro . Aí se torna visível. e minc ntc me nto co rporal. o salto so bre o palco das palavras ocultas e ntre as p ágiuas qu c o alor lem nas mãos. 63 A c x i 11 i ç ã o da s "a I a v " a s olha r so bre isto tudo que funda o prazer, o júbilo singular do público de teatro . É o qu e ele procura, o qu e ele es pe ra . É isto que ele veio olhar quando se reuniu nas arquibancadas circ ulares. Se este prazer se apaga, poderemos ainda por algum tempo utilizar os edifícios teatrais, mas para outra coisa que não sua vocaç ão: o es pe tác ulo avulso, a atração do visíve l em si mesm o: jogos de circo e de sa ngue .111 * Isto é o qu e eles vêm fazer no teatro: ver a passagem do texto pelos corpos. Idéia curiosa. Realmente, esta atividade do teatro se desdobra numa região muito determinada: lugar onde se coloca a qu estão da relação do visível com o invisível, do se nsível com o não-sensível. Espaço de interroga ção relativa à fundação do sentido fora da sensação, à viagem do se ntido em direção do COlV O. Lugar de um limite, de uma passagem - de uma passagem ao D en i s G ué no u n limite oposto. Lugar onde se abre a questão da relação entre o COlVO e se u outro, relação fundadora e instituinte que insere o visível, o se nsível - o físico - na questão de seu outro, de sua relação com o outro. O espaço da atividade teatral é o espaço da abertura do físico a seu outro ativo e ause nte: espaço, já compree nde mos, da pr ópria questão metafísica. Podemos daqui por diante avançar um pouco na determinação daquilo que funda e faz o tea tro - daquilo qu e o teatro fun da e faz. Como vimos, o teatro é uma reunião políti ca, qu e acontece num es paço politicamente determinado, mas com o obj etivo de aí produzir uma atividade que difere do políti co propriament e dito. Já conhecemos es ta atividade: ela consiste em dar a ver a proven iência do visível na língua, o tornar visível das palavras i-mostráveis, isto é, o tentar abrir para o sensível o próprio não- sen sível. O qu e o teatro faz (no espaço do político), é colocar a qu estão metafísica sob o olhar da comunidade reu nida . Idéia (políti ca) curiosa , temos qu e convir. 64 18. Estou pensando no circo romano. claro - não nos circos popu lares de onte m. lugar es de uma art e dig na. embora muito difer ent e do tea tro . Os jogos do circo têm se u eq uivalente e m nosso mundo, mas uunhéru em outros luga res - em qua lque r Ingar em que a busca do fascínio do visível por si mesmo leva a ofe recer o espetáculo do sa ng ue . I~ qu e e le a tra i o olha r, realmente. * Que rer, assim, que a ativida de do teatro seja funda mentalmente metafísica não é forçar o sen tido das palavras? Não - se compreendermos que não se trata, para ele, de enunciar a questão nos termos 65 A e x i b i ç ã o das palavr a s (filosóficos) do que se convencionou chamar discurso, história da metafísica. Trata-se de trabalhar esta questão sob a forma muito particular de um recurso ao visível das palavras diante da comunidade reunida. Também a referência explícita ao metafisico como gê- nero de discurso , não é nem necessária nem, de modo algum , a garantia de que a questão seja claramente explicitada em cena - pelo contrário, ela é, a este respeito, às vezes o pior dos indícios. O que ocorre é que a atividade teatral , por natureza, quer que a ques- tão seja aí levantada. O que é uma última confirmação, Denis G ué n o u n de um a multiplicidade de cop ias de qualidades variáveis mas de dignidade equivalente no que diz respeito à relação com a "essência" da obra. No sentido estrito da palavra, não há original na fotografia, mas ape nas uma cópia-testemunha, padr ão, Ora, a po ssibilidade d e uma r eprodução me cânica indefinida produz um efeito sobre as condições de exercício da arte: a invenção da fotografia modifica a história da pintura. O que acontece com o teatro, do ponto de vista desta relação? Porque o teatro não é mais o que era. As condi- ções de seu exercício foram profundamente transformadas pela possibilidade de sua reprodução mecânica.!? Como é sabido, Walter Benjamin tematizou ,na esteira de outros pensadores, mas se- gundo uma problemática nova, aquilo que muda na alie quando a obra não se apresenta mais segundo o brilho singular (a aura) de um original único. Um qu adro difere, por sua aura, da série de suas cópias. Em compe nsação, uma fotografia não é nada além 66 19. O raciocínio que seguc faz. evid ente- mente . re fe rência a \Valter Ben jamin: L'oeuire d 'art à I 'é poque de sa reprodua ioii mécanis ée, diversas publicações cm francês. entre as quais BENJA MI.-':. Wa lter. Ecrits fra nçais, Paris: Nouvelle Hcvue Fran çaise, 1991 . (Em português, o ensaio A obra de arte na era de sua reprodu tibilidade técnica foi publicado pela editora Brasiliense (19B.')) em tradu ção de S érgio Paulo Houan et . /lO volu me 1 das Obras escolhidas dc Walter Benj amin . N. da T .) O teatro conheceu, no começo do séc ulo XX, a irrupção brutal e ameaçadora de sua reprodução mecânica: o cinema. O cinema, ao menos numa das direções abertas por seu nascim ento, afirma-se como teatro fotografado. Por algum tempo, - bem pouco tempo - o teatro se preveniu contra esta rivalidade pela prevalência do original diante de múltiplas (e, acredi tava ele, fracas) cópias . Esta defesa não se sustenta. Por razões econômicas e, logo depois, também artísticas, a competição entre os dois " teatros" se torna acirrada. O cine ma parece desfrutar de todas as vantagens, em especial por sua capac idade de figurar tudo o qu e escapa ao teatro: a corri da, as montanhas, as multidões, os animais . Es ta concorrência incita cada um a das duas artes a afir ma r sua originalidade. No cine ma, ela leva à ela boração de um léxico , de um a sintaxe 67 A e x i b i ç ã o ria s p a l n v r a s específica : planos gerais, movimentos d e câme ra, mo ntagem. E no teatro? Qu e efeito produzem no teatr o a apari ção e depois a difu são quase universal das imagens filmadas ? Elas estimulam o teatro ao aprofundamento d e sua essê ncia . Logo o teatro se torna o seguinte: a co locação diante do observador do que não é fil mável. Isto é: de tudo que escapa a qualquer reprodução. Colocação da própria coisa, do estar- aí da coisa. O teatro se torna o gesto da mostração, na medida em que visa não à forma do obj eto mo strado, sua figura, se u desenho, sua co r - tudo o qu e a câ mer a poderia captar e reproduzir in definidame nte - mas na medida e m que co loca dian te do olhar, ali, sob os olhos, a coisa em si em sua fe nom en alidade, o aparecer d e se u estar-aí, o qu e poderíamos c hamar de se u apare-cer-aí. O aparecer-aí da coisa é a sua teatralidade. O q ue só ve m, ev idente me nte, reforçar a determinação me tafisica do teat ral. O teatro, daí por diante, não se contenta mais em convocar para o palco o visível que so breveio a partir das pal avras. Ele interroga o aparecer-aí da pr ópria coisa, usando pm'a isto da condição singular (política) de seu aparecertaí): o qu e faz com q ue as palavras produzam este visível- aí, enq ua nto ele está aí, es te jorrar de visibilidade, de sen sibilidade , aí, d iant e do povo reunido, sob D en i s Gu én oull seus olhos, na atualidade de sua reu nião, nestas arquibancadas, nesta cidade, neste dia e nesta hora aprazados. É por isto, e so me nte a partir daí, que se pod e emancipar um pouco o teatro de sua relação co m o olho, com a ocularidad e como sensação singular. Esta relação (de mostraçã o do aparecer- ai , do tornar se nsível-aí palavras) é, com efeito, mas no limite, extensível à escuta. É possível imaginar - mas como uma espécie de extremo - um teatro de sons, um teatro da so mbra. Teatro da noite , do eclipse, do mom ento de obscuridade qu e se opõe às luzes como os silênc ios habitam a música. Momen to no qual , também pela orelha , se tira a prova do aparecer-aí de um corpo - de um sopro, de uma voz - q ue pode, realmente , por um mom ento, ser cegamente ouvido. IVIas é a borda da se nsação, sua confirmaç ão pelo extre mo - e ainda é preciso qu e os olhos perscrutem o escuro. Aliás, não há teatro do nariz ou das mãos.i" * Qu al é, portanto, esta es tran ha idéia (política) do teatro? Es ta idéia que o teatro tem e que põe em cena no es paço do po lítico? Por qu e a assembléia d os espectadores é convocada , publicam ente , a se reunir no lugar do po lítico para aí ver co locada a questão metafisica? Qual é o alcance , a significação (polít ica) d est a reunião? 68 20. No se ntido de um teatro impossível do olfato ou do lato. 69 A e x i h iç ã o d a s p a l a v r a s Numa frase: o alcance desta reunião deveri a ser levar a co munidade a co nsiderar o fund am ento não político do político. Levá-la a observar qu e o polí- tico não tem seu fundam ento em si mesmo , mas res- ponde por outra coisa que não é ele. O político result a de um a necessid ad e que o ultr apassa, que ele deve servir, diante d a qual ele deve responder. O político não é se u pr ópri o horizon te e é trabalhar para torn á- lo ind igno cnclausurá-Io na conside ração de si próprio ap enas, se m que ele jamais tenha q ue se abrir a es te outro diferente dcle que o inscreve c o chama. É isto a id éia (política) d o teat ro: congrc gar a cid ad e, publicamente unida na mobilizaçã o de seu desejo de co munidade, para convidá-la a tomar assento no lugar da assembléia política, para abrir o político para outra coisa fora de si mesm o." Para fazer, portanto, um pou co de metafísica, não há dúvida . Mas não na produção obriga t ória das pal avras c da sintaxe do discurso metafísico: no olhar sobre signos visíveis qu c exi bem um a palavra soterrada, um livro ausent e, para expô-lo à vista como jogo sensível dos textos e dos COIlJOS. Para se r capaz disto , o teatro precisa, se m dú vida, ter a dignidade de jamais se acreditar simples D en i s G u é n ou l1 jogo de cena , adulação do olhar; ele precisa ter a dignidade de nunca esquece r que só se apresenta ali porque foi convidado por uma comunidade reunida; ele precisa ter a dignidade d e nunca obscurecê-la , nunca relegá-l a à so mbra , admirando ap enas a si próprio; ele precisa ter a dignidade de jamais ce de r ao desejo político de fazer com qu e a comunidade se cale ou de organizá-la em classes. Porque é esta comunidade que o institui e m seu louco desejo de olhar o invisível e exige , para isto - para que haja teatro - ser livre, pelo menos um pou co, em suas reuniões, suas narrativas e nas injunções qu e escolhe diri gir a si mesma qu ando co nvida es trangeiros a tomarem lu gar e m seu círculo para e xib ir o i-rnostrável das palavras . La Cluutreuse, Villeneu oe-les-A vignon, Abril 199] 70 2 I. í-: nesta medid a que o político do teatro uão pode se r mcd ido pcla politizaç:i o dc seu co nte údo. Sua di mensão po litica es tá prec isam e nlc e m sua capae id adc d c pro duzir urna qu est ão uão-política e de inte rroga r e m se u no mc o político. Isto . • podc figurar no texto - ou não (trabalha r a assembléia. ape nas). Talvez seja necess ári o ver nisto uma razão para o ca nto e a da nça. O cauto marca csta palavra co mo poét ica. e. portanto. não- política : a política não canta. E a dan ça é como qu e a exposi ção fisica do canlo. Ela inscr eve na vi sibilidade do corpo o poético - o musica l, o rítm ico - da palavra. 7 1 Quatro objeções 1. o teatro pode realmente convocar uma comunidade política? Não: não quero dizer aqui que o teatro convoca. Ele é, antes, convocado. Não é ele {mas o que é "ele"? É alguém? Duvido; não é ninguém, "o" teatro, não um sujeito, nem um ator, apenas um fato, fatos, às vezes um acontecimento) que convoca seja o que for. Uma convocação ocorre. Ela é pública. E faz da representação, inesca- pavelmente, uma questão política. O que convoca o teatro vem do lado político propriamente dito. É então o político'? Seria supor que o político se convoca, coisa de que eu também duvido. Alguma coisa convoca
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